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Capítulo 1

Que o medo de cair mais uma vez não te impeça de viver mais uma linda história de amor.



A casa erguia-se solitária no meio de um amplo terreno abandonado onde o mato atingia mais de um metro de altura. A pintura branca, gasta pela contínua exposição ao tempo, descascava em toda a extensão das paredes, e a porta de tela, solta das dobradiças, encontrava-se caída na varanda. tudo havia sido abandonado a muito tempo e de longe se via isso.

A madeira envelhecida dos batentes das janelas revelava restos de tinta e, de frente para a rua, um vidro quebrado brilhava como uma teia de aranha prateada sob o sol de fim de tarde.

Apesar do mato, era possível distinguir uma calçada de cimento em torno da residência, com plantas crescendo pelas rachaduras e revelando os vários meses de total negligência. Apenas as quatro grandes árvores que se alinhavam no fundo do terreno salvavam-se da atmosfera de destruição e descaso que permeava todo o local. Nem mesmo o jardim antes repleto de variadas flores foi poupado do terrível abandono. Tudo estava encoberto pelo mato e muitas das flores estavam mortas ou sufocadas pelo mato alto.

Por todo lado que se olhasse se via ervas daninhas e alguns espinhos pontiagudos pelo caminho. O lixo também era bem evidente por todo lado.

Della Giacinti apertou as mãos úmidas e respirou fundo. Em seguida, desceu do caminhão, tentando disfarçar uma profunda decepção. Por um breve instante, uma onda de pânico quase a dominou, mas ela conseguiu controlar-se apesar de estar vendo sua última esperança evaporar-se diante dos olhos.

— É aqui, mamãe? É esta a casa que a sua avó lhe deixou?

Ela forçou um sorriso e virou-se para o filho de nove anos.

Demétrio, apoiado na janela do velho caminhão, examinava com ar de surpresa a casa abandonada.

— É querido.

— Você disse que era bonita e que nós íamos gostar muito. — Havia um tom de acusação na voz dele.

— Ela era bonita, mas fazia muito tempo que eu não vinha aqui. — Della respondeu; sem saber como conseguia manter o sorriso nos lábios. — Nós vamos reformá-la. e logo ela vai voltar a ficar bonita.

Agitada por uma nova sensação de medo, Della desviou o olhar. Não queria que os filhos percebessem como ela estava abalada. Tinha contado tanto com aquela casa e, no fim, tudo acabara se mostrando como mais uma tentativa inútil. Agora se encontrava realmente num beco sem saída.

Três filhos pequenos, uns poucos milhares de dólares que haviam sobrado do seguro, nenhum emprego e tudo que possuía para recomeçar a vida era uma casa caindo aos pedaços.

Della respirou fundo mais uma vez e encarou outro aspecto da fria realidade: se as coisas piorassem muito, teria de vender o caminhão. Tornou a fitar as crianças e viu Régis apertando-se ao lado do irmão para também apoiar-se na janela e observar a casa.

— É bem feia, não é, mamãe? Parece mal-assombrada! Vai ver tem uma bruxa morando lá.

Della segurou a maçaneta da porta e lançou um olhar de repreensão ao filho de oito anos.

— Chega Régis. Você vai deixar Nádia assustada com essas bobagens.

Ele olhou para a irmãzinha e sorriu.

— Não, mamãe, ela ainda está dormindo.

— Ótimo, então desçam do caminhão. Eu vou pegá-la. — Os meninos saíram do veículo e Della sacudiu gentilmente a filha. — Nádia querida; chegamos. — A menina espreguiçou-se e Della a levantou nos braços. Depois tirou um chaveiro do bolso da calça e o entregou a Demétrio. — Vá à frente e abra a porta, está bem? Régis, você poderia apanhar minha bolsa? — Tentando mostrar-se forte, ela ajeitou Nádia no colo e encaminhou-se à velha residência de sua avó. Rezava fervorosamente para que o interior não estivesse tão ruim quanto à aparência externa fazia supor.

Seus filhos precisavam de um lugar para morar!

Sentia a ansiedade sufocá-la ao ver o filho abrir a porta! Não tinha outro lugar para ir e ninguém a quem recorrer. Nada.

— Venha, mamãe... — Régis chamou, aproximando-se. — O que está olhando? Vamos entrar.

Della apertou Nádia com mais força e subiu os degraus da varanda. Contornou a porta de tela caída no chão, parou por um instante para que seus olhos se adaptassem à penumbra e entrou.

O lugar era tão pequeno! Dez vezes menor do que se recordava. Havia poeira por toda parte, mas tudo encontrava-se exatamente como a avó deixara. Os móveis velhos, os enfeites de porcelana, as cortinas verde musgo, os quadros de girassóis nas paredes, a lareira num dos cantos.

A casa cheirava a mofo e umidade, mas Della mal atentou para o fato enquanto se recostava ao batente da porta com um suspiro de alívio. O interior não se encontrava num estado tão deplorável quanto o lado externo. Poderia transformar a casa numa moradia decente, compensando os meses de abandono e negligência com uma boa arrumação geral. Sabia que iria ter trabalho, mas isso não a incomodava. O importante era que possuíam um lar agora.

— Chegamos? — Nádia perguntou, esfregando os olhinhos sonolentos.

— Sim, querida. Estamos em casa.

— Eu quero ver.

A menina agitou-se nos braços da mãe, desejando ir para o chão. Della a abaixou e, vendo-a afastar-se correndo, esticou o corpo para dissipar a tensão que se acumulara nas costas e pescoço.

Olhou em volta com mais cuidado e reparou que nada havia mudado. O aposento à esquerda da entrada servia como sala de jantar, com seu pequeno espaço sobrecarregado de móveis pesados e antigos. Para a direita ficava a sala de estar e, no fundo desta, uma porta levava a um dos dois quartos. O lugar ficaria agradável quando ela removesse parte da mobília e limpasse tudo.

Afastando o cabelo do rosto com ambas as mãos, caminhou até o quarto da avó.

Controlando a emoção, reviu a cama antiquada junto a uma das paredes. Apenas um plástico transparente cobria o colchão de aparência relativamente nova. Havia um pequeno criado-mudo ao lado da cama, uma penteadeira com espelho e um grande armário ainda repleto de roupas velhas. Della sentiu os olhos molhados de lágrimas ao perceber os velhos vestidos pendurados em cabides de madeira, mas não tardou a fechar a porta do guarda-roupa e sair do cômodo. Precisava concentrar-se na situação presente e avaliar as possibilidades. A única mobília que possuía eram as camas das crianças, mas o quarto era tão pequeno que não havia espaço sequer para o berço de Nádia.

A cozinha mostrava sinais de mudanças recentes, que incluíam dois armários novos e uma lavadora de pratos. O chão, contudo, conservava o mesmo piso escurecido que ela observara em sua última visita, havia dez anos atrás. Abriu a torneira da pia por mero acaso e surpreendeu-se ao ouvir um ruído nos canos e, em seguida, deparar-se com um jato de água límpida. Experimentou o interruptor de luz e as lâmpadas fluorescentes piscaram e encheram o ambiente com sua luz clara. Fechou a torneira e franziu a testa, intrigada.

Talvez o advogado que cuidara do patrimônio de sua avó houvesse providenciado para que a água e a luz fossem ligadas novamente ao receber o comunicado de que Della não queria mais vender a casa, mas pretendia ir morar lá. Nem pensara em indagar sobre esses detalhes quando fora buscar as chaves com a secretária dele.

Della virou-se para a geladeira, esperando pelo pior. Porém, a porta entreaberta mostrava que o interior parecia ter sido limpo. Talvez tivessem cuidado disso também, ela pensou intrigada.


O segundo quarto, que se situava além da cozinha, encontrava-se vazio, exceto por uma velha máquina de costura, uma enorme penteadeira, uma cadeira e a estrutura de uma cama de campanha.

O aposento era pequeno, mas, por sorte, os meninos dormiam em beliche e seria possível acomodá-los bem. Afinal, o tamanho da casa era um problema irrelevante; pelo menos agora tinham um lar. Um teto sobre as suas cabeças.

Della deu uma olhada rápida no banheiro antes de retornar à cozinha e abrir a porta dos fundos, curiosa por saber por onde as crianças andariam. Reparou no pequeno galpão que fora construído havia poucos anos e que agora servia como depósito para móveis velhos. Entre as peças ali armazenadas havia um fogão a lenha que devia ter mais de cem anos.

Ela examinou a relíquia com cuidado. Antes de se casar, trabalhava para um comerciante de móveis usados que se interessava imensamente por antiguidades. Com certeza ele adoraria aquela peça. O fogão estava em excelentes condições e poderia valer uma pequena fortuna se fosse vendido para a pessoa certa. Algumas pessoas adoravam objetos antigos e pagavam bem por peças assim. De repente, possuir tal preciosidade em sua própria casa a fez sentir-se mais segura e, pela primeira vez em muitos dias, respirou aliviada.

Della levantou os olhos na direção da garagem e viu uma mulher baixa e roliça aparecer junto ao portão. Observou o rosto sorridente e sardento, o andar apressado, e deduziu que aquela só poderia ser Domingas Mendonça. Sua avó descrevera a vizinha em suas cartas e sempre se referia a ela com grande afeição.

A recém-chegada acenou e abriu um sorriso ainda maior ao se aproximar de Graciela.

— Oi! Sei que você é Graciela; eu a vi nas fotografias de sua avó. Estava esperando desde cedo e pensei que nem vinham mais! — Quando chegou suficientemente perto, ela estendeu a mão. O rosto alegre revelava sua natureza extrovertida. — Sou Domingas Mendonça.

Moro a duas casas daqui, rua abaixo. Bem vinda a Alexandria.

— Obrigada... — Della respondeu, sorrindo. — Eu também achei que não chegaria mais. Foi uma longa viagem.

— Ainda mais com crianças junto, não é? — Domingas comentou, rindo. — Os meus brigam, discutem e reclamam até estarmos a dez quilômetros do nosso destino. Então, encostam a cabeça no banco e dormem.

— Bem, os meus passaram os últimos mil e duzentos quilômetros brigando pela janela.

— E as pessoas não sabem por que as mães logo ficam grisalhas. — Domingas afastou o cabelo escuro e curto do rosto e fitou Della com uma expressão subitamente séria. Havia emoção em sua voz quando voltou a falar: — Sua avó era muito especial para mim. As coisas não são as mesmas por aqui sem a Doralice por aqui.

— Vovó falava sempre de você nas cartas que me enviava. — Della respondeu, comovida. — Era como se você fosse parte da família.

— Bem, ela certamente fazia parte da nossa família. Era como uma outra avó para meus filhos.

Della engoliu em seco e afundou as mãos nos bolsos da calça escura.

— Eu gostaria de ter podido vir antes de ela morrer. Detesto pensar que ela ficou sozinha o todo tempo.

— Mas ela não ficou sozinha. — Domingas assegurou, sorrindo para Della com uma expressão carinhosa. — Doralice tinha muitos amigos e compreendeu que você não podia vir, mas pensava nela.

Della desviou o olhar, tentando disfarçar a dor; a sensação a invadia de forma quase insuportável. Fora horrível saber que a avó estava morrendo e não poder juntar dinheiro suficiente para vir fazer-lhe companhia. Não tivera nem a chance de considerar tal ideia.

Mal conseguia alimentar as crianças, quanto mais viajar mais de mil quilômetros para visitar a avó doente. Nunca houvera dinheiro extra em sua casa, a não ser quando chegava a ocasião dos rodeios, pois Estevão sempre dava um jeito de arrumar alguns notas extras para comprar o ingresso. Enfim, Estevão sempre cuidara só de si próprio.

— Ela o compreendia de fato. — Domingas reforçou, abraçando Della. — Doralice percebia tudo o que se passava à sua volta.

Della fitou a mulher por um breve instante, sentindo-se subitamente exposta. Então sua avó fora capaz de ler nas entrelinhas, embora escrevesse as cartas com tanto cuidado! Não era de admirar que Domingas mencionasse a morte de Doralice, que ocorrera há mais de seis meses, e nem ao menos lembrasse da de seu marido, que fora morto há menos de treze semanas. Graciela conteve as lágrimas, sentindo uma imensa saudade da avó.

Apenas Doralice enxergara o verdadeiro Estevão desde o princípio. Ela não se iludira com o charme e a boa aparência e percebera nele um homem que nunca iria crescer, que passaria o resto da vida sonhando, incapaz de assumir qualquer responsabilidade. A velha senhora descendente de espanhóis tentara chamar Della à razão mesmo quando descobrira que a neta de dezesseis anos ficara grávida. Procurara convencê-la a desistir do casamento com Estevão, mas Della, estava completamente apaixonada, recusara-se a ouvir qualquer conselho. Sentia-se tão segura quanto a seus sentimentos, quanto a Estevão... E, no fim, acabara descobrindo que nunca estivera tão enganada.

— Você já teve oportunidade de examinar a casa?

Della respirou fundo antes de responder à futura vizinha.

— Só dei uma olhada rápida. Não me lembrava que ela era tão pequena.

— É; eu sei o que você deve estar pensando. Vão ficar apertados aí dentro, não é?

Della ia responder que pelo menos agora tinham um teto, mas resolveu ficar quieta.

O passado estava morto. Aquela mudança era uma chance de um novo começo para ela e as crianças e não queria transmitir aos outros uma impressão de auto piedade. Passara os últimos cinco anos tendo de aceitar doações e caridades para poder alimentar e vestir a família; isso ferira demais o seu orgulho. Viver da caridade de outras pessoas poder ser um alívio quando não se tem nenhuma saída, mas por outro lado, era horrível perceber que havia cometido um grande erro em sua vida e além disso, estava fazendo seus filhos sofrerem por causa dessas escolhas ruins.

Mas agora tinha a oportunidade de mudar tudo. Ali ninguém iria sacudir a cabeça de desgosto toda vez que seu marido aparecia bêbado ou drogado pela cidade, tentando arrumar dinheiro emprestado para assistir a mais outro rodeio em algum município vizinho, Estevão fazia apostas ariscadas nesses rodeios. Ali poderia recomeçar sem a humilhação de aceitar esmolas de quem quer que fosse. Talvez ela e as crianças tivessem sempre o dinheiro contado, mas trabalharia em qualquer emprego que aparecesse para ser capaz de sustentar a família.

Ela era a única responsável pelo bem-estar dos filhos... E isso a deixava apavorada.

O som estridente de vozes infantis trouxe seus pensamentos de volta ao presente e, forçando um sorriso, olhou para a vizinha.

— Vamos ter trabalho para limpar este pátio e o jardim da frente.

Domingas sentou-se no degrau de pedra polida que levava à cozinha e deu uma olhada em volta.

— Não devia estar tão ruim assim. Quando José Luis Almonte nos avisou de que você viria morar aqui, Joaquim, o meu marido, decidiu que daria um jeito nesta floresta, mas teve tanto trabalho durante a primavera que mal parou em casa. Eu tenho sorte quando o vejo antes de ir para a cama.

— José Luis Almonte é o advogado que cuidou da herança de minha avó, não é? — Della indagou, sentando-se ao lado de Domingas.

— É. Ele nos telefonou para contar que você viria com as crianças.

— Então deve ter sido você que limpou a geladeira e tratou da ligação da água e da luz.

— Bem, eu achei que poderia pelo menos melhorar a aparência da cozinha. Foi Joaquim que providenciou a ligação da luz e da água. Quando soubemos que você vinha, ele conseguiu convencer as companhias de fornecimento de que era apenas um restabelecimento do serviço e não uma nova instalação, senão você teria de pagar uma taxa enorme. O custo é astronômico quando uma pessoa vem de mudança de outro Estado infelizmente.

Della tinha até medo da próxima pergunta. Desviou o olhar, preparando-se para o pior.

— Em quanto ficou? — Indagou, tentando não demonstrar ansiedade.

— Não tenho a menor ideia. Joaquim entregou os recibos a José Luis e imagino que deve ter sido reembolsado, mas é melhor você verificar com ele.

Della soltou a respiração devagar. Não esperava por despesas tão imediatas. Era preciso arrumar um meio de ganhar dinheiro antes de começar a gastar ou iria à falência.

Franzindo a testa, ela inclinou-se e mexeu com o sapato nos pedregulhos do chão.

— Sabe de algum emprego na cidade?

— Não há muita coisa no momento. — Domingas respondeu, lançando um olhar rápido e intrigado para Della. — O hotel sempre precisa de funcionários e há também o lar para idosos. A cidade é pequena demais e tem um campo de trabalho restrito. O que você gostaria de fazer?

— Qualquer coisa, por enquanto. — Della murmurou, sem levantar os olhos.

Domingas ficou em silêncio por um instante, examinando o perfil de Della. A moça precisava de ajuda.

— Sei que a Sra. Josefina Valverde está procurando alguém para trabalhar na casa dela algumas horas por semana. Ela é uma viúva de setenta e poucos anos e não consegue mais fazer os serviços domésticos sozinha. Deve haver outros casos assim na cidade. Talvez Joaquim saiba de alguma coisa.

— Onde mora a Sra. Valverde?

— É minha vizinha. Mais tarde eu a levo até lá e apresento você a ela. — Domingas levantou-se e limpou sua saia batendo-o com as mãos. — Melhor ainda, venha tomar um café comigo, com certeza as crianças vão adorar o meu bolo de chocolate com cenouras e eu convidarei a Sra. Valverde também. Fiz também uns bolinhos que devem estar para sair do forno. Deixe a casa para depois.

— Se eu pudesse, acho que adiaria esta tarefa para sempre. — Della suspirou, levantando-se devagar. — Não sei nem por onde começar. Há tanta coisa para fazer aqui!

— Siga o conselho de sua avó: ela dizia que nenhuma tarefa era difícil demais quando iniciada com uma boa xícara de café quente e uma grande dose de determinação.

Della sorriu, hesitante. Iria precisar de mais do que uma xícara de café e determinação para enfrentar o que tinha pela frente. Necessitava mesmo era de um grande milagre.

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