Capítulo 9.III
— Então, como é a sensação de serem pais em dose dupla? Como estão sendo as madrugadas e a rotina do casal?
Marcos e Brenda pareciam desconfortáveis com a repentina saída de Abner, perceberam a tentativa desesperada por parte de Rodrigo em retomar o clima da entrevista.
— Ah, já quase não dormimos durante a noite, Arthur chora bastante, sabe. Isso para não falar no cheiro das fraldas. — Marcos falava com todo o seu bom humor. Brenda deu um incisivo olhar de repreensão.
— Está sendo maravilhoso ver as crianças crescerem, Lino já tem bastante cabelo. Em alguns dias já vou voltar ao trabalho. É uma experiência realmente incrível. — Brenda olha para a câmera e faz um aceno. — Ruth! À essa altura você já deve ser nossa babá preferida!
Era visível a tentativa de Brenda em passar uma boa impressão da rotina do casal com as crianças. Ela tinha esperança de que Ruth daria conta e deixaria a rotina na casa mais leve.
Ao final da entrevista, Marcos e Brenda estavam andando pelo corredor nos bastidores da emissora quando foram interrompidos.
— Marcos! — Henrique, um produtor da empresa, fez um gesto exagerado abrindo os dois braços e indo na direção do casal.
— Henrique, como estão as coisas? — Marcos perguntava apenas por educação.
— Melhor agora! Eu achei que vocês iam gostar do convite. Brenda, como vai?
— Tudo ótimo. — Brenda sabia que a última coisa que Marcos queria era um encontro com Henrique. Da última vez que se encontraram, o homem insistiu por longos minutos para que Marcos largasse o jornal e fosse trabalhar apresentando o noticiário.
— Eu deveria ter imaginado que você estava por trás desse convite. — Marcos envolveu Brenda com os braços e retomaram a caminhada com ele em seus calcanhares.
— E você pensou na minha proposta? — Henrique falava esperançoso.
Sempre que noticiavam na emissora algo sobre o acidente no hospital, ocorria um pico de audiência, era algo em que as pessoas estavam interessadas em saber mais. Henrique sabia que a entrevista recém-gravada não daria chances à concorrência quando fosse ao ar. Melhor que ter momentaneamente a figura de Marcos, que acumulava pontos por ser uma testemunha do acidente e ter experiência na redação em que trabalhava, seria tê-lo como apresentador. Henrique sabia que cedo ou tarde ele inevitavelmente cederia à oferta de alguma emissora, com o sucesso que fazia na coluna do jornal. Marcos foi, sem dúvida, um dos motivos do crescimento do que era antes de seus textos apenas um pequeno jornal.
— Pensei, e continuo com a mesma resposta.
— Eu imaginei que diria isso, então eu pensei... por que não oferecer o dobro?
Brenda lançou imediatamente um olhar que Marcos entendeu ser uma ordem para aceitar a oferta. Ele tentou ignorar, ela insistiu apertando seu braço. Eles diminuíram o ritmo dos passos. Na verdade, agora Marcos estava sendo conduzido a parar por Brenda, que não pretendia deixá-lo perder a oferta.
— Está certo, eu te ligo. — Ele falava derrotado, a oferta era realmente boa. Carregava uma insegurança de que suas falas não funcionassem tão bem ao vivo. No jornal existia a revisão de texto e a própria censura de seus colegas, que embora pudesse ser um fator negativo em alguns casos, também servia para garantir que ele não extrapolasse em seu tom humorístico ou escrevesse de forma extravagante. Segurança que, para Marcos, não existiria apresentando um programa ao vivo.
— É, ele te liga! — Brenda parecia contente por estar presente naquele momento e ter garantido que a oferta não fosse desperdiçada.
Em casa, Ruth reparou no choro dos bebês vindo do quarto, levantou-se do sofá da sala onde assistia o noticiário e foi até lá. Ao chegar, percebeu que apenas Arthur estava chorando, foi até ele e pegou-o. Ao virar-se de costas com o bebê no colo, constatou que Lino estava acordado. Aproximou-se do outro berço lentamente e ao chegar em um ponto em que era possível vê-lo, notou que ele estava de olhos abertos.
Ela olhou para Arthur em seu colo e verificou, comparando as duas crianças, que possuíam traços significativamente diferentes um do outro.
Deitado, Lino fitava a babá que ainda não o havia pegado no colo desde que chegara. Ele não havia dado motivos para isso, permanecia quieto apenas observando o que se passava no quarto.
Após alguns minutos com Arthur no colo, o choro já havia parado e Ruth preparava-se para devolvê-lo ao berço quando ouviu um barulho vindo da sala. Por alguns instantes, pensou se devolveria a criança ao berço ou se iria verificar a causa do barulho. Resolveu levá-lo junto.
O ponteiro do relógio circular moderno passava pela marca das onze horas da noite. O clima era frio. O vento batia do lado de fora e o barulho que antes ela pensava ter vindo da sala agora confundia-se com o barulho do vento batendo na porta dos fundos na cozinha.
Ruth chegou no corredor e ia em direção à porta da frente quando ela se abriu. Uma corrente de vento invadiu o ambiente e fez a cortina da sala tremular. Até que a porta finalmente concluiu seu movimento. Eram Marcos e Brenda.
Brenda logo que entrou pegou Arthur no colo. Em seguida veio a série de perguntas para saber se as crianças ficaram tranquilas. Marcos conversava entusiasmado com Ruth sobre o programa, que havia sido ótimo, sobre a surpresa em ver Abner e como as coisas não terminaram tão bem.
Após terem atualizado as novidades, Brenda levou Arthur para seu berço, Marcos se certificou que todas as portas estavam trancadas, fez uma última visita ao quarto dos gêmeos, cuja porta ficava entreaberta, e todos foram dormir.
O frio ardente da madrugada aumentava junto ao vento que uivava do lado de fora. Brenda e Marcos dormiam. Toby, Pit e Hope ronronavam suavemente juntos sobre o tapete da sala.
★
Ele levantou-se ainda dormindo e deu a volta nos outros dois. Dirigiu-se ao corredor vagarosamente. Não sabia para onde estava indo. Algo o convidava para entrar. O chamado era forte e quase irresistível. Passou pelo batente empurrando a porta que já se encontrava entreaberta. Deparou-se com os dois olhos que o fitavam penetrantemente, sem piscar. "Aproxime-se" — O outro convidava. E ele obedeceu. Três passos mais próximo, era possível sentir a energia que emanava e o fazia querer se aproximar ainda mais.
Quando estava perto o suficiente, percebeu que não era um convite — era uma ordem, um chamado. Rapidamente suas pernas se enfraqueceram e a temperatura do seu corpo caiu bruscamente. Tudo ficava mais quente. Ele deitou-se e sentiu suas forças serem sugadas até a última gota. Ele queria pedir ajuda, mas já não possuía força para fazê-lo. Seus irmãos não poderiam ajudar. Era tarde demais. A última gota de vida foi vampirizada e sua cabeça tombou no chão gelado. Rapidamente o calor de seu corpo iria se esvair e não restaria nenhum resquício de vida além dos olhos que continuavam abertos, em vão. Já não faziam suas funções. Nada naquele corpo poderia voltar a funcionar.
★
No dia seguinte, Ruth foi a primeira a acordar. Dirigiu-se à cozinha onde iria preparar o café do casal, mais tarde faria as mamadeiras dos gêmeos.
O sol já havia esquentado a atmosfera. Pássaros voavam baixo no gramado atrás da casa e pousavam hora ou outra em galhos de uma árvore próxima, pousavam em cima da rocha intocada que delimitava o fim do terreno.
Alguns minutos mais tarde, Marcos, após acordar, foi até a cozinha buscar seu café da manhã, passou na frente do quarto dos gêmeos segurando um prato e um copo de suco, chegando na sala ligou no noticiário.
Após terminar o café e fazer sua preparação para sair de casa rumo ao trabalho, ele faria o ritual de chamar os gatos e fazê-los se sentarem os três frente aos potes de ração para só após o sinal avançar sobre a comida. Ele pegou o pote, fazendo barulho para chamá-los, e despejou um tanto de ração em cada recipiente. Toby logo chegou correndo, seguido de Hope. Os dois sentaram e aguardaram o sinal para avançarem, olhavam atentamente para cima em direção ao rosto de seu dono, bastaria um apontar de dedos para que avançassem.
Marcos sacudia novamente o pote para que o terceiro gato enfim aparecesse e todos pudessem comer. Passam-se alguns segundos e Pit continuava ausente. Era hora de ir para a redação e não haveria tempo para procurá-lo fora de casa. Ele fez o sinal com a mão indicando os potes de comida e os dois gatos avançaram. Marcos decidiu procurar rapidamente embaixo das camas, eles costumavam se esconder por lá. Se ele tivesse fugido durante a noite pela janela da cozinha, o que vinha acontecendo com mais frequência que o normal, ele só o encontraria após chegar do trabalho.
Chegando ao quarto, Brenda estava dormindo, ajoelhou-se para olhar debaixo da cama, nem sinal dele. Foi até o quarto de Ruth, fez o mesmo procedimento, nada. Só restava o quarto dos gêmeos. Se não estivesse lá, encerraria a busca e torceria para que quando voltasse para casa ele tivesse aparecido.
Passando pelo corredor, Marcos pensou na possibilidade de Pit ter ficado preso dentro de algum dos guarda-roupas, ele não teria tempo para verificar cada um deles. Empurrou a porta pronto para agachar-se frente aos berços, deu o primeiro passo e logo percebeu que não seria necessário. Encontrou um Pit estatelado sobre o tapete do quarto entre os dois berços, ao chegar mais perto reparou que estava com os dois olhos abertos, que não se moviam ou expressavam qualquer sinal de vida.
Marcos enrolou o corpo em um pano branco, passava pela cozinha rumo ao terreno nos fundos quando viu Ruth, ela parou o que estava fazendo, e pela expressão de choque no rosto da jovem, ele já antecipou a resposta.
— É Pit, está... morto. Não conte a Brenda logo que ela acordar — disse — Bem, ela deve dar falta antes de eu chegar. De qualquer forma...
— Eu conto à tarde, depois do almoço. — ela falava enquanto levava a mão à boca.
— Isso. Obrigado.
Ruth assentiu levemente com a cabeça. Marcos o deixou em uma caixa velha de madeira do lado de fora sob o telhado, onde estaria protegido da chuva. Ficaria lá até que ele retornasse do trabalho e pudesse o enterrar devidamente no terreno dos fundos da casa.
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