Capítulo 8.II
Após passar pelo portão, a sensação de segurança aumentou. Ali ninguém poderia o perseguir. Ele estava seguro. Subiu as escadas que davam para a sua sala e andou ofegante pelo corredor. Ao entrar na sala o professor de física ainda não havia chegado. Ele teria alguns minutos para se recompor e se livrar daquela euforia que o preenchia.
No começo da aula, ele já havia se recomposto e estava em um estado mais tranquilo. Apesar de estar calmo, não conseguia prestar atenção em cada detalhe do que seu professor dizia, sua cabeça estava em outro lugar. Qual seria o significado daquela história toda que aqueles malucos tinham o obrigado a ouvir. Como eles sabiam daquilo? A profecia estava cada vez mais famosa e tinham até mesmo documentários um tanto sensacionalistas que falavam do verdadeiro líder que desceria dos céus. Diego assistia sem levar a sério.
Parte dele achava que eram só programas sensacionalistas que buscavam pegar a audiência e colocar as pessoas num estado de alarde sobre algo que nunca iria acontecer. Parte dele sentia que o risco era real.
De anos em anos surgia uma nova profecia, e quando chegava a data prometida, elas nunca se cumpriam. Era uma jogada entre lunáticos e pessoas querendo audiência em filmes, seriados e documentários que falavam sobre coisas absurdas que nunca iriam se concretizar.
Diego ainda sabia daqueles vídeos de pessoas que conspiravam alegando que a nova ordem mundial controlaria tudo e todos, que os governos escondem segredos da população e que o fim estaria próximo.
— É isso.
Todos na sala olharam para Diego. O professor parou a explicação.
— Diego, tem alguma pergunta?
— Não, eu só... estava pensando alto.
— Certo. — Felipe odiava interrupções irrelevantes, mas o fato de ser Diego amenizava o inconveniente. Ele era sem dúvida seu aluno favorito, e falhava miseravelmente quando tentava esconder isso. Sempre que abordava um assunto mais complexo ele escolhia Diego para responder perguntas que levariam a turma a entender melhor o que estava sendo ensinado em aula.
Após fazer de Diego um guardião, o professor sempre esperava uma pergunta inteligente que levaria a aula para um nível mais elevado. Com o final do ano chegando, o ânimo já não era mais o mesmo e as perguntas interessantes se tornavam cada vez mais raras.
Diego só então percebeu um detalhe que antes não tinha se encaixado em sua mente. As pessoas falavam de uma ordem mundial, e ele possuía um segredo. E se esse segredo fosse mais um dos que a ordem escondia da população? E se os documentários estivessem certos e ao ficar calado ele estivesse contribuindo para que tudo se mantivesse em segredo e as pessoas nunca aprendessem aquilo que Diego aprendeu?
Ao final da aula, era irresistível comentar com seu professor mais próximo sobre o que tinha acontecido. Quem sabe ele também não entenderia mais profundamente os dizeres da profecia e saberia explicar o seu significado.
— Hoje eu estava meio distraído.
— De fato, eu percebi. — Felipe deu um sorriso tentando parecer descontraído.
— Você acredita na profecia? — A pergunta foi direta.
— Diego. — O professor tentava buscar a melhor forma de falar sem desiludi-lo. — Profecias são muito comuns, de tempos em tempos novas aparecem para substituir as antigas, mas nenhuma delas de fato se concretiza.
— Então você acha que aquelas pessoas são piradas mesmo?
— Eu diria que piradas não é a palavra mais ideal. — Felipe se levantou e foi até o quadro. — Veja bem:
Ele pegou uma caneta e desenhava no quadro um círculo com outro círculo maior em volta. Agora fazia uma linha vertical que ia do topo do círculo maior até a base do mesmo círculo.
— Sabe o que é isso? — Ele apontava para o desenho.
— Parece ser a terra, e pelo que vi por aí isso em volta seria a estrutura da cúpula.
— Exatamente. Mas não é sobre a cúpula em si que quero falar. — Felipe desenhava um minúsculo círculo afastado do desenho inicial e fazia uma linha que representava a trajetória da pequena bolinha até a terra. — Há muitos anos, se falava que um planeta invadiria nosso sistema e se chocaria com a Terra. A maioria das pessoas nem conhece essa história. Mas o fato é que criaram uma comunidade que acreditava fielmente que esse planeta destruiria a vida na terra e devastaria tudo que conhecemos.
Felipe apagou o desenho do planeta e deixou apenas a terra e a cúpula.
— Há muitos anos houve um acidente com o meteoro na Rússia...
— Sim, eu já vi alguns vídeos. — Diego completou.
— Aquele meteoro destruiu os vidros de diversos prédios e casas quando entrou na nossa atmosfera, foi um impacto realmente forte. Após isso, as mesmas pessoas que acreditavam na ideia do planeta que se chocaria conosco começaram a elaborar teorias de que o meteoro foi enviado por entidades extraterrestres, de que aquilo foi um ataque à Terra. — Felipe apontava para o quadro. — Então após isso, começamos a construir a cúpula. A cúpula, quando estiver pronta, terá em seus dois grandes anéis uma série de disparadores capazes de enviar feixes de energia para qualquer corpo que venha em nossa direção e desintegrá-los antes que penetrem a atmosfera.
— Então era verdade? O meteoro foi enviado por extraterrestres?
— Esse é exatamente o ponto que eu queria chegar. Não importa se foram ou não extraterrestres ou espíritos, seja lá o que for. O significado da cúpula é que por mais que uma profecia não se concretize de fato, podemos aprender com ela e tirar proveito da imaginação dessas pessoas para criar algo que pode ter alguma utilidade para nós. A profecia do planeta nunca se concretizou. Mas sabemos que corpos celestes podem de fato se chocar com a terra, e a cúpula, entre as suas tarefas, será responsável por desintegrar qualquer corpo com seus jatos de energia.
— Mas e sobre o maligno, o que significa? Você acha que um de nós será o salvador? Quem é o verdadeiro líder?
— Diego, às vezes as profecias não representam algo concreto que irá de fato acontecer, mas pode ser algo que traga uma mensagem de como devemos nos comportar e agir uns com os outros. Pode significar que quando nos deparamos com algo que não é correto de acontecer, cada um de nós pode agir contra aquele mal, tomando atitudes ou sendo ativos. Todos nós temos o poder.
Diego estava descendo as escadas após o último tempo de aula. O fluxo de pessoas descendo a larga escada era consideravelmente grande, mas também havia pessoas vindo na direção contrária. Após chegar ao final da descida, um corredor levava até a saída.
Ele andava distraidamente quando uma pessoa entrou em seu foco e fez com que Diego inconscientemente diminuísse o ritmo dos passos. De repente o tempo estava passando mais devagar e ele já não se lembrava para onde estava indo. Suas pernas se colocavam uma à frente da outra automaticamente pois ele já não estava mais às controlando.
Um frio na barriga foi subindo e finalmente as pernas que antes se moviam por vontade própria paravam o movimento, em seguida era seu pescoço que assumia a vez nos movimentos involuntários e ia girando lentamente enquanto Rebeca passava. A cada passo dado por ela, o pescoço de Diego movia-se um centímetro, acompanhando a bela cena. Quando já não podia mais acompanhá-la pois a rotação do pescoço chegava ao seu ponto máximo, ele despertou do transe e percebeu que estava parado no meio do corredor. Ela se afastava e a última coisa em que ele se apegou foi no casaco preto que ela vestia contendo em suas costas um círculo representando o planeta, orbitado por um risco amarelo e a sigla AEB (Agência Espacial Brasileira).
Ele ficou ali parado por alguns segundos sem saber para onde ir, como se tivesse acabado de acordar, mas no lugar de estar em sua cama, ele estava ali, de pé, no movimentado corredor.
O tempo tinha sido tão afetado que ele demorou para se lembrar que para andar era necessário colocar uma perna na frente da outra.
Após alguns passos meio tortos, ele encontrou o caminho para casa e foi pensando em Rebeca até lá. Continuou pensando nela durante o jantar e quando foi se deitar.
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