- III -O poder age melhor quanto mais ele atuade forma imperceptível.
Diego acordou de madrugada após seu instinto e mente terem acessado o reator próximo à casa de Vinícius. Ele sabia que Teresa havia tentado comprar Lino, ao acessar a mente dele como fazia periodicamente para verificar o estado de suas memórias, e para saber se o efeito do cetro ainda bloqueava a sede pelos seus poderes.
Depois que percebeu que sua memória foi apagada, começou a monitorar, mesmo enquanto dormia, alguns reatores chaves nas localidades próximas a Lino, porque imaginava que Teresa poderia agir para retomar o poder após as pressões feitas por Thompson e os ataques no leste asiático.
Seu avançado desenvolvimento biológico e as raízes que se estendiam pelo seu corpo propiciavam uma interação com os reatores melhor que a dos humanos normais.
Diego sabia que Jonas Forth tentou cessar a investida do espírito livre de Drak Nazar enquanto Lino estava adormecido após a reunião da Ordem, então ele tinha algo para se preocupar. Imaginava que Vinícius ou era submisso aos interesses do chefe da CIA, ou tinha medo de agir contra Drak Nazar. Também existia para ele a possibilidade do chefe da Abin nem ter consciência de que Teresa ocultou a chegada do líder de Andrômeda. Embora ele suspeitasse que essa seria uma hipótese animadora demais, gostava de mantê-la viva em sua mente. Tinha consciência de que apesar de Teresa ser uma mestre no seu trabalho, Vinícius não poderia ser tão obtuso.
"Michel?" Diego chamou na mente de seu parceiro.
"Michel?!" Repetiu com mais potência, pois ele não havia acordado.
"Diego?" Michel respondeu na mente dele, com a voz de sono.
"Preciso de você. Sigilo. É sobre o Éle." Diego enviou.
"Só você pra me fazer sair da cama a essa hora." Michel falou em tom de brincadeira enquanto se levantava.
Os dois chegaram na praça das acácias, a mesma onde Diego costumava caminhar. Abriram o bueiro. Diego desceu na frente, logo em seguida Michel desceu por apenas alguns vergalhões adentro do bueiro para que fechasse a tampa e ninguém os ver.
Chegou ao chão da caverna do reator e seguiu pelo corredor sentindo o cheiro da umidade. Lâmpadas vermelhas se acendiam nas paredes rochosas e úmidas à medida que ele corria em direção à sala de acesso ao reator. Quando chegou lá, passou um cartão que haviam clonado de Widsom, transpôs a porta para a salinha que dava acesso ao reator. Ali, o calor assolava e o ar quente não tinha para onde circular. Era uma sauna infernal.
Diego passou pela segunda porta e acessou a enorme sala que era uma circunferência em volta do reator no formato de toroide (sólido geométrico similar a uma rosquinha). O calor assassino fazia os quarenta graus do verão carioca parecerem brincadeira de criança. Diego suava enquanto dava a volta no enorme reator. Chegou a uma salinha e transpôs a porta. Ele estava na escura sala de controle. Ali dentro, um ar-condicionado potente propiciava uma temperatura fria.
Inúmeros computadores e monitores dos mais variados tipos eram as únicas fontes de luz na sala. Eles davam informações sobre os diversos parâmetros de funcionamento do reator, que se operava sozinho e só era interferido nas manutenções mensais feitas pelos homens de uniforme.
Diego conectou ao controlador do grande tokamak o dispositivo processador que ele usava para dar vida ao boneco vodu. Em seguida, deu comandos para conectar o reator à mente de Lino. Sabia que as movimentações de Teresa eram um risco para sua futura relação com Lino. Se ela o contactasse e conquistasse a confiança de Lino antes dele, o plano de Drak Nazar e Rolderklás ficaria deveras complicado.
Ele começou a transferir memórias específicas para a mente de Lino, queria que ele se lembrasse que teve sua memória apagada e que já conhecia Teresa. A barra de carregamento estava em setenta por cento quando um erro indicava que a operação foi interrompida. O computador foi desligado e as luzes do processador que Diego havia conectado ao computador do tokamak se apagaram, indicando que o cérebro do boneco não estava em operação. Diego ligou o computador para dar prosseguimento aos trinta por cento restantes, mas as luzes do processador piscaram uma vez e se apagaram novamente junto ao computador. Ele não estava sendo bem-sucedido.
— Diego, precisamos ir. Você ainda não terminou? — Michel falou com a porta entreaberta.
— Alguém acessou o computador e impediu que eu enviasse todas as memórias para o Éle.
— Deixa eu tentar. — Michel se prontificou.
Ligou o computador e digitou alguns comandos para forçar o envio dos dados restantes. Clicou em continuar, então surgiu uma mensagem na tela: "O arquivo que você está tentando acessar pode ter sido removido".
Os dois se olharam perplexos. Será que alguém havia roubado todas as memórias de Drak? Se isso tivesse acontecido, seria uma tragédia para Diego. Eles não sabiam se Lino conseguiria desenvolver o projeto sem as memórias que faltavam. Diego disse para Michel:
— Quero que isso seja sutil da mesma forma que foi comigo, por enquanto só quero devolver as memórias do projeto do teleporte. Quando ele estiver preparado, devolveremos os poderes.
Eles deixaram o local. Diego disse que seguiria para casa e tentaria verificar se o processador ainda fazia o boneco ganhar vida. Eles se despediram sobre o gramado após fecharem a tampa do bueiro. Ambos torciam, em silêncio, para que nada tivesse dado errado, embora tivessem certeza de que alguém os impediu de finalizar a transferência das memórias. Quem teria sido essa pessoa?
Diego estacionou na frente de sua casa, entrou e seguiu apressado para o porão. Estava à beira do desespero. Abriu a porta que dava acesso ao quarto oculto. Fincou o processador no topo da cabeça do boneco. Os pelos se eriçaram. Ele aguardou alguns segundos, e chamou:
— Drak, está aí?
A luz do processador se apagou e ele emitiu o ruído típico de quando a bateria chegava ao fim. Diego ficou enraivecido. Levou as mãos à cabeça, prestes a entrar em pânico. Se conteve e tentou pensar se existiria alguma forma de reaver as memórias de Drak. Sabia que se elas tivessem sido de fato roubadas, deveria primeiro descobrir quem foi o hacker. Subiu para o quarto onde Roberta dormia, a madrugada estava terminando. Ele deitou-se e se forçou a dormir, embora a sensação de derrota estivesse tirando sua cabeça do sério.
A casa estava silenciosa. Todos estavam em seus quartos, exceto Elizabeth, que acordou quando ouviu o carro do seu pai estacionar assim que ele chegou. Ela saiu do seu quarto e foi até a passagem para o porão com as chaves na mão. Abriu a porta com as chaves que havia guardado no bolso do vestido e desceu as escadas. Olhou ainda com receio para a gaveta caixão de onde o rato havia saltado. Passou bem longe dela para não correr novos riscos.
Ela encontrou pela primeira vez uma porta aberta, sua curiosidade a guiava. Transpôs o batente empurrando a porta entreaberta. Observou a lona de saco preto que escondia algo. Viu o computador desligado.
"Olá, Betinha." Ela ouviu em sua mente uma voz muito parecida com a que ouvira do seu quarto quando sua cama trepidava com o som muito grave.
— Moço? — ela chamou receosa.
Deu alguns passos em direção à lona preta, segurou pela pontinha e puxou um pouquinho para que pudesse ter uma pista do que havia ali debaixo, sem que seu pai descobrisse que ela havia descumprido a única regra da casa, — não entrar no porão.
Ela viu algo luminoso encostado na parede, já que estou aqui, não custa nada puxar só mais um pouquinho...
Descobriu o boneco, revelando sua cabeça. Dois xis no lugar dos olhos e uma boca costurada a chocaram. Apesar disso, curiosidade estava a matando, com o prazer de descobrir algo novo e tão proibido. Aproximou a mão do rosto do boneco com o dedo indicador apontado, e foi aproximando, aproximando lentamente, até que a ponta do seu dedo tocou a bochecha do boneco marrom-claro.
"Por que você o escolheu? Betinha." O boneco falou na mente dela.
— Escolhi quem? — ela perguntou com sua voz infantil.
"Por quê, Betinha?" Ele falou em tom de súplica.
"Por quê? Eu não fui bom para você? Por quê?" Ele suplicava, seu tom de voz foi se alterando, ficando mais grave.
— POR QUÊ??? ELIZABETH!!! — A voz demoníaca de Drak Nazar gritou grave e enfurecida.
Uma massa sonora irrompeu do boneco, causando uma ventania que varreu os cabelos da pequenina para trás.
A corrente de vento fez a porta do porão fechar-se e ela bateu espancando o batente.
O boneco vodu ganhou vida e saltou sobre Elizabeth com as duas mãos no pescoço dela. Ela caiu para trás com o golpe bruto.
— PORRRR QUÊÊÊ??? — o boneco esbravejou enlouquecidamente enquanto a estrangulava.
Elizabeth soltava gritos agudos:
— Papai, papai!
Roberta e Diego acordaram, eles correram em direção ao barulho rapidamente, apavorados pela altura dos gritos e do ronco grave que fazia a casa tremer, tirando inclusive o sofá do lugar que deslizava enviesado.
A televisão caiu e a tela se quebrou. Diego corria pela sala quando as taças penduradas de ponta cabeça no bar se espatifaram, suas bases de vidro ficaram ainda de ponta cabeça presas ao móvel. Ele envolveu Roberta protegendo-a e prosseguiram. Os cacos caíam ao chão, onde eles trepidavam junto à poeira com o ronco que assombrava a casa.
Roberta seguiu as regras, mesmo com os gritos de sua filha, e ficou no topo da escada gritando para Diego socorrer Elizabeth.
Diego saltou metade dos degraus da escada, entrou no quarto oculto e viu o boneco tentando assassinar Elizabeth. O processador iluminando o quarto de verde-fluorescente com a luz que irradiava em sua cabeça.
— POR QUÊ, BETINHA?? POR QUE ME TROCOU!!!??
Diego puxou com força o dispositivo da cabeça do boneco, que caiu desacordado ao lado de Elizabeth. A garotinha pulou nos braços do pai. Uma poça de urina estava concentrada no chão. O vestido dela, molhado.
— Tudo bem, passou. Está tudo bem. — Diego falou no ouvido dela.
A pequenina estava com o pescoço vermelho, suas veias se sobressaíam, pois o fluxo de sangue não estava mais interrompido.
Diego colocou o processador sobre a mesa do computador e trancou a porta da sala, deixando o boneco caído de barriga para baixo, com os braços e pernas largados tortamente. Eles subiram as escadas. Elizabeth, aos prantos, no colo dele, o apertava em um abraço como se nunca mais fosse soltar.
Roberta deu um banho em Elizabeth. Diego informou a Widsom que iria se atrasar. O casal deitou-se na cama e colocou Elizabeth no meio para que ela se sentisse confortável. Diego olhou para sua mulher. Ela queria saber o que houve, e ele percebeu isso, mas ela colocou o dedo sobre a boca dele, indicando que ele a explicasse em outro momento.
Diego acreditava que alguém da Ordem havia interceptado seu plano e invadido o processador, ordenando o boneco vodu a atacar sua filha. Ele não tinha suspeitas sobre quem poderia ter feito isso. Temia que tivessem descoberto sua verdadeira identidade, por meio do conselho superior terráqueo ou por algum aliado de Teresa, embora a presença deles na Ordem fosse cada vez mais escassa. Ele acreditava que o tempo da ex-líder já havia passado.
Naquela noite fui dormir movido por anseios de rebeldia, qualquer pessoa comum teria sido influenciada a abandonar seus ideais e seguir os mandamentos da Ordem. Eles atacaram minha filha para que eu ficasse acuado. Eles são anônimos, mas estou entre eles. Somos um organismo em desarmonia. Estou disposto a me tornar o órgão que fará o sistema entrar em colapso, para que assim restauremos o progresso harmônico em conjunto. A minha vantagem é que, ao contrário deles, eu sei que o poder age melhor quanto mais ele atua de forma imperceptível.
Ao chegar em casa no dia seguinte, ele entrou na sala oculta no porão e fincou os pinos do processador na cabeça do boneco vodu, que voltou a ganhar vida.
— Me explique. Diga-me o que aconteceu com você. — Diego indagou ao boneco.
— Não consigo dar essa resposta. — o boneco disse.
— Alguém ordenou que você atacasse Elizabeth?
— Não.
— De onde veio esse comando?
— Veio de mim. De dentro de mim.
— Que droga você está me dizendo?! Eu nunca programei você, nem inseri ou criei códigos que permitissem você se mover.
O boneco vodu permaneceu em silêncio.
— Como acessou suas engrenagens e o equipamento das suas articulações?
Silêncio.
— Me responda! — Diego disse, desferindo um chute na coxa do boneco que representava seu senhor.
A luz verde se incrementou, iluminando a sala. Ouviu-se um trepidar da mesa do computador causado pelo ronco que se iniciou fraquinho e tornou-se eloquente.
— Desligar! — Diego ordenou.
A luz se apagou e imediatamente instaurou-se um silêncio no subterrâneo da casa. Diego pôs o cotovelo sobre a mesa ao sentar-se na cadeira do computador. Passou a mão pelo cabelo e em seguida apoiou a cabeça nela para pensar no que acabara de testemunhar. Algo fazia o boneco adquirir vontade própria e agir de forma que Diego não programou.
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