- II -O badalar
Lino aguardava na sala de acesso ao reator da UFRJ, onde seria instruído acerca da operação completa e de todos os procedimentos que ele já estudava em seu curso. Estavam com ele dois outros homens que aparentavam mais velhos.
Após entrar na sala de comando, lhe foi ensinado como operar as barras de controle. Elas regulavam a intensidade da reação. Quando eram suspensas, permitiam que as partículas se chocassem no elemento combustível de urânio enriquecido, desencadeando o aumento da reação conforme mais barras eram erguidas.
Lino brincou um pouco com o reator. Estava visivelmente mais excitado com aquilo que os outros dois aprendizes.
— Você tem jeito pra coisa, Lino. — falou Simon, o operador que o instruía.
Lino percebeu que os outros dois operadores possuíam uma experiência considerável, conseguiam trabalhar sem grandes auxílios e comunicavam-se vez ou outra brevemente. Um deles costumava checar o manual de operações em uma pequena mesa encostada na parede.
Enquanto Lino se familiarizava com boa parte dos controladores principais, uma nova equipe adentrou à sala de acesso. Lino observou através da janela semelhante à que existia na usina Angra três.
— Nós vamos te entregar a usina diariamente. Como você sabe, vai assumir com o pessoal do turno da noite, onde a demanda por energia se altera, e podemos reservar uma cota para o seu experimento. — o instrutor dizia. — Venha, vou te apresentar a eles.
— Boa noite, Lino. Nos veremos logo. — O homem mais alto entre os que ali estavam se despediu.
— Até mais, Lino. — falou o operador que costumava fazer consultas ao manual.
Lino saiu da sala de controle sendo cumprimentado de forma acalorada pela equipe noturna daquele dia. Entre eles, estava uma mulher e dois homens, um deles, Valter, aparentava ter idade avançada. O homem mais jovem era Reinaldo.
Rapidamente, Lino percebeu pelas piadas em que Valter citava erros que ele deveria se preocupar em não cometer, ou poderia exterminar a equipe de controladores, assim como todas as formas de vida da cidade do Rio de Janeiro.
— É claro que estou brincando. Você sabe que esse risco é desprezível, mas lembre-se todas às vezes que entrar por aquela porta: Ele ainda existe, haha! — Valter disse enquanto ria.
Suas risadas foram acompanhadas pelos demais presentes.
— Você não tem motivos para ficar preocupado. Nós vamos garantir a segurança do experimento. — Cláudia falou para o tranquilizar.
— Pode ter certeza de que estarei disponível sempre que precisar. — Simon se prontificou.
Lino agradeceu gentilmente a todos. Acessou os dados do projeto no computador da sala de acesso, onde eles estavam reunidos. Explicou para eles a relação das ondas captadas pela placa de alta conversão e como elas seriam projetadas pela segunda bobina.
— O problema que enfrento no momento é que o teleporte com seres vivos não está sendo bem-sucedido. — Lino explicou.
— Isso que você está desenvolvendo é uma coisa incrível, Lino. — Cláudia falou o congratulando.
— O que acontece com os seres vivos? — Reinaldo quis saber.
— Essa é a parte difícil de explicar. Bem... eu testei com alguns ratos e consegui teleportar eles, mas todos surgiam mortos na segunda bobina.
Cláudia olhou receosa para Simon.
O olhar de Valter deixou de ser alegre e assumiu um tom de seriedade.
— Olha, Lino. Fazer esse tipo de teste não é muito bem-visto, ainda mais de forma não oficial. Se você matou os ratos quando testou, parece que vamos ter que descobrir uma forma melhor de fazer isso, com menos danos. Você tem alguma ideia de qual pode ser o problema? — Reinaldo perguntou.
— Eu sei que não foi a melhor coisa a se fazer, mas eu estava empolgado e consegui um contato com um criador que vendia para um laboratório de fármacos. — Lino se justificou. — O fim deles não seria muito diferente.
"Eu acredito que a questão tenha relação com a natureza da vida. Suspeito que a matéria ordinária e a matéria em que uma vida pode habitar possuam propriedades distintas. Acho que as bobinas interagem com a matéria, mas a alma não pode ser captada e transferida para o novo corpo, então ela se perde pelo caminho."
— Lino, existe um problema na sua explicação. A alma ou o espírito e seus sinônimos não são objeto de estudo da ciência. — Valter dizia. — Enquanto você explicava, eu só conseguia lembrar de um estudo em que pesquisadores tentavam calcular o peso de uma alma, e davam a entender que um corpo sem vida poderia apresentar um peso menor do que possuía momentos antes da morte.
"Nós precisaremos achar outra palavra para nos referirmos ao que você tentou explicar. Não podemos escrever isso nos relatórios. Você me entende?"
— Eu entendo. Não tinha me dado conta disso, mas agora que você falou, entendo perfeitamente.
— As duas salas isoladas, com cada uma das máquinas de ressonância magnética que adaptamos para o teste, estão preparadas. Podemos começar o teste com objetos pequenos e irmos aumentando o tamanho deles. — Reinaldo disse.
— Pessoal, vamos lá. Vamos tentar compreender o avanço que Lino está querendo fazer. Ele já consegue teletransportar objetos sem vida. Faremos isso extraoficialmente, apenas uma vez. — Valter falou se dispondo a utilizar o método que Lino havia adotado. — O terreno em volta dos reatores tem alguns formigueiros, vamos caçar algumas formigas e verificar se o problema é a potência estar baixa. Energia é o que não nos falta!
— Se Valter aprova, eu acredito que não teremos problemas. — Cláudia concordou.
A equipe noturna, da qual Lino já se sentia entrosado, solicitou a um segurança que colocasse algumas formigas no pote de vidro e levasse tampado para eles na sala de reunião, para que eles colocassem uma formiga de cada vez na sala dos aparelhos de ressonância.
Eles testaram com a primeira formiga, que fora colocada dentro de um pequeno pote em cima da plataforma, no interior da máquina. Fizeram o teleporte e observaram pelo monitor que o pote foi transferido com sucesso. Comemoraram a primeira vitória e seguiram para a segunda sala verificar se a formiga havia sido transportada. Quando chegaram lá, observaram que a formiga estava dentro do pote, mas não se movia. Valter pegou o pote e sacudiu com cuidado, mas a formiga não reagiu.
Eles aumentaram paulatinamente a potência aplicada às máquinas, mas mesmo com a potência máxima, que estava prestes a comprometer a cota de energia, que era concedida durante a noite à cidade do Rio, chegaram a conclusão que o problema da vida não ser preservada era um sinal de que Lino precisava fazer alterações no seu projeto.
Ao final do expediente, todos, exceto Simon, que já havia ido embora, se reuniram na sala de acesso ao reator e debateram sobre os resultados fracassados. Lino encerrou com seu comentário a todos.
— Percebi que vim aqui com uma ideia errada, eu queria respostas não sobre a matéria, mas sobre a alma. Acho que isso nenhum laboratório no mundo poderia me dar. — Estava decepcionado, acima de tudo, consigo mesmo.
O ressonante badalo do sino fez Lino interromper seu caminhar. Parou e olhou para cima, pôde ver no alto da igreja pássaros voando sob o céu azul riscado de pinceladas brancas. Haviam prédios altíssimos por ali. O sol iluminava todo o lugar. Ele entrou e sentou-se em um dos últimos bancos. Os vitrais coloridos com imagens de santos permitiam a passagem de uma faixa tênue de luz que propiciava uma iluminação extraordinária.
Pediu em oração para receber um sinal. "Quero saber se todo o meu esforço terá sido em vão, ou se eu ainda preciso encontrar a forma correta de duplicar corpo e mente. Aqui, sei que posso me permitir dizer, então eu peço: desejo autorização para teleportar corpo e alma."
Lino fez o sinal da cruz e se retirou caminhando com convicção de que se trabalhasse e fizesse sua parte, conseguiria com o tempo descobrir uma forma de obter o resultado que desejava, pois sentia agora possuir permissão divina.
Desceu os degraus admirando a paisagem de um parque que ficava em frente à igreja. Ainda que cedo, o sol era forte. As nuvens, pinturas no céu.
Pombos estavam se alimentando em grupo de algo que lhes havia sido jogado sobre os trilhos. O VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) passou e os fez dispersar do chão, surgindo uma revoada. Quando ele terminou de cruzar o trecho, mais alimento foi jogado por um homem próximo a um restaurante e as aves voltaram a se agrupar para a refeição.
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