Capítulo Dois- I -
Um breve aroma da terra natal
O ônibus estava parado em frente a faculdade quando Lino caminhava animado com seus colegas de turma para embarcar.
Eles seguiam por uma estrada sinuosa à beira de um penhasco que dava para o mar durante incontáveis curvas onde as forças empurravam para diferentes lados. Uma reta descendente em meio à mata que cercava a estrada foi um percurso divinamente suave em relação ao trajeto que vinha se sucedendo.
A curva à direita permitiu que Lino testemunhasse algo mágico e imponente. Uma semicircunferência branca estava ao lado de edificações, torres de energia emaranhadas por inúmeros cabos suspensos. Havia ali uma torre como uma chaminé, que não liberava nenhum vapor, tinha facilmente mais de cem metros de altura.
Outra curva descia contornando a usina, que estava entre a estrada e o mar. Uma barricada de pedras protegia a central nuclear de tsunamis. O ônibus virou no cruzamento e seguiu para o primeiro local que visitariam.
Todos desembarcaram, estavam diante de uma instalação que se assemelhava a uma cabana, no topo de um morro gramado que dava vista para as usinas.
Árvores de folhas verde-escuro projetavam uma sombra sobre a entrada do lugar. Lino deu a volta em torno de si admirando as palmeiras no centro do contorno onde a rua asfaltada fazia um círculo ao redor do gramado verde-claro, milimetricamente aparado para formar um tapete agradável de se olhar. O telhado marrom da cabana possuía um aspecto rústico. A varanda ao redor da pequena casa era cercada de uma madeira polida, era um perfeito mirante para observar as usinas e o mar azul. O lugar, de uma elegância simples, cujo único adereço moderno era a porta de vidro, contrastava com as instalações nucleares que ficavam ao nível do mar e eram modernas, de formas imponentes.
Lino e seus colegas foram convidados por Amaury a descerem por uma rampa para uma passagem que dava acesso a um andar subterrâneo abaixo da cabana, que Lino descobriu, ao ler uma placa, se tratar do Observatório Nuclear.
Lá havia uma longa bancada na recepção onde era servido café. Após algum bate-papo e a conversa empolgada no banheiro masculino, Lino transpôs uma porta dupla no fundo do hall da recepção e ficou abobalhado ao descobrir que debaixo da singela cabana havia um auditório para cem pessoas.
Lino assistiu a uma palestra em que o representante Amaury se apresentou à frente do auditório subterrâneo. Havia ali réplicas dos reatores das usinas. Ao final da explicação, subiu por uma escada que circundava um elemento combustível real, mas, obviamente, não abastecido. Ficou alguns minutos em uma sala na cabana, acima do auditório subterrâneo, onde uma maquete da usina permitia que vissem inclusive o interior do prédio do reator, que era a enorme cúpula branca ao lado da chaminé. Dentro dele, estava o reator onde a água era aquecida até que virasse vapor para girar a turbina, que por sua vez, gerava a energia que abastecia e iluminava a cidade do Rio de Janeiro.
Lino saiu da cabana e todos embarcaram novamente no ônibus que desceu o caminho para a usina, passando por uma guarita. O veículo estacionou em frente a portaria de Angra três.
Eles receberam capacetes brancos e tampões de ouvido laranjas, cada um deles recebeu um cartão que autorizava o acesso às diversas catracas que iam do chão ao teto, elas isolavam cada setor da usina para garantir a segurança do local. Passaram pela primeira delas e aguardaram a subida de grupos de dez pessoas por vez no elevador.
Após algumas outras catracas e corredores, eles adentraram uma sala onde todos ficaram de pé ao redor de uma mesa. Era uma sala de reuniões. Dentro dela, havia uma abertura na parede que permitia enxergar o interior da sala de controle da usina, onde estavam quatro operadores, um sentado, e outros três ao redor de uma mesa de controle com monitores e botões, além de diversos tipos de controladores.
A mesa central não era o único posto de controle da sala, nas três paredes ao lado e à frente da grande bancada onde o homem estava sentado havia centenas de outros botões de diferentes cores e tamanhos. Havia potenciômetros que podiam ser rotacionados a fim de ajustar precisamente cada parâmetro.
— Agora vou abrir para perguntas sobre o que vocês viram até aqui. — Amaury disse ainda no interior da sala de decisões.
Houve um breve silêncio e simultaneamente muitos estudantes levantaram a mão.
— Quantos operadores uma usina precisa pra funcionar?
— Agora vocês podem ver que estamos com quatro operadores, o número padrão.
— Se todos passarem mal, ao mesmo tempo, e precisarem sair, o que acontece com a usina?
— Isso não seria um problema, a usina continuaria funcionando sem nenhum operador por até sete dias seguidos.
— E o que acontece depois disso?
— Existem protocolos de segurança que garantem que isso não vá acontecer, caso o acesso à sala de controle seja impossibilitado por qualquer emergência ou a área da usina precise ser isolada, existe uma sala externa idêntica a essa, de onde a usina pode ser desligada.
— Onde é esse lugar?
— Isso eu não posso falar. Haha! — Ele soltou uma risada. — É um pequeno segredo que só algumas seletas pessoas têm conhecimento.
— É verdade a teoria que li uma vez que diz que as usinas servem para controlar as pessoas? — perguntou Henrique, um dos alunos.
Houve um instante de silêncio, como se todos estivessem tentando entender, alguns sentindo-se deslocados, outros pensando (?????). Todos olharam para o representante. Ele ficou desconcertado, seu olhar vazio pairou ao longe através do vidro que os separava da sala de controle, por um instante em que todos o esperavam reagir. O olhar dele voltou para o rapaz que fizera a pergunta.
— Existe mesmo essa teoria? Eu... não conheço, nunca ouvi falar. — Ele se defendeu.
— Olhe você mesmo, — Amaury colocou para cima as palmas das duas mãos, como quem mostra que a resposta está ali para todos verem —, você está vendo alguém ser controlado aqui?
Um riso inicial fez irromper outras risadas ao redor, soaram em um murmurinho um tanto irônico, já que ninguém ali de fato conseguia ver que, naquele exato momento, todos no interior da sala estavam sendo de certa forma controlados.
— É porque, conforme a teoria, as pastilhas de urânio em pilhas de três metros seriam grandes processadores que controlam as reações cerebrais que ditam os gostos e preferências musicais e políticas de cada pessoa. A água é como o sangue que corre por nossas veias e passam pelo cérebro da usina, que seriam os elementos combustíveis. Para refrigerar. Não é coincidência que eles se parecem muito com os pinos de um processador de computador. Nenhuma máquina é isenta de perdas, e o processador tem como resultado do alto nível de processamentos, de toda a população conectada, superaquecer e precisa ser resfriado pela água do oceano.
— A água realmente serve para refrigerar os elementos combustíveis, e essa é a única coisa de real nessa sua criativa teoria.
— A chaminé tem 120 metros, não é?
— Sim, 126.
— E quais elementos poluentes ela libera?
— Nenhum. A torre libera apenas vapor d'água e convido vocês a perceberem ao sairmos daqui que não existe vapor nenhum sendo liberado pela usina.
— Exato, porque, na verdade, a teoria afirma que a chaminé é uma antena que foi necessária para que o sinal emitido pela usina ultrapassasse os morros até chegar na cidade. Nas usinas do Japão, por exemplo, eles não precisam dessas antenas enormes.
O anfitrião desviou seu olhar enojado do rapaz e encerrou as perguntas, convidando todos a se retirarem da sala. Para ele, aquilo já estava indo longe demais.
Lino seguiu para um largo corredor com algumas portas, atravessou uma passarela bastante alta, de onde pôde ver de perto a cúpula do reator. Lino arriscou olhar para baixo na beirada do muro que o separava do abismo. Se arrependeu. Uma queda dali certamente resultaria em um delicioso purê de batatas. Olhou para o outro lado da passarela e pôde admirar o mar.
Eles estavam seguindo para o prédio anexo, que ficava separado do edifício administrativo e do edifício do reator. Tubulações enormes saíam da cúpula e entravam no topo da parede do prédio para onde eles se dirigiam. O representante alertou para que todos colocassem os tampões de ouvido, em seguida ficou claro o motivo: eles adentraram o edifício da turbina.
Um ruído enorme impedia que eles se comunicassem. Lino e seus colegas seguiram observando a gigantesca turbina geradora em uma vista privilegiada do alto, ele estava em uma plataforma onde havia tubulações de metal em que caberia facilmente uma pessoa dentro. Eles caminhavam paralelamente à turbina, que estava à esquerda deles. Na parede oposta à que eles entraram, para onde eles caminhavam, havia uma bandeira do Brasil.
Desceram uma escada de metal que os deixou ao lado da potente e barulhenta turbina. Eles caminhavam se afastando da bandeira. Lino sentiu como se olhos o vigiassem, e esse alguém possuía um ódio mortal por ele. Mas isso foi apenas sua intuição, como se um ódio mútuo tivesse sido criado. Ele olhou novamente para trás, à procura de alguém que pudesse o estar vigiando. Havia ficado para trás. O grupo caminhava à frente dele, de forma que ele era o último e não poderia haver ninguém o observando. Virou-se novamente para a frente.
Em sua mente ficou gravada a imagem muito significativa da bandeira do seu país em um ambiente repleto de tanta tecnologia. Ele olhou em despedida para trás, antes de dirigir-se à saída. Havia acelerado o passo, então dessa vez havia alguns amigos atrás dele. Avistou a turbina verde que se alongava até a parede no fundo, onde estava a bandeira. Ao fixar o olhar nela, sentiu como se a força que o mantinha de pé tivesse se esvaído.
Ele viu luz. Acima da bandeira: Uma chama. Fogo. Flamejava. Um cutelo de dois gumes.
Sua visão ficou turva. Ele não tinha certeza do que estava vendo.
Seu joelho dobrou-se e ele se apoiou com o braço no chão. Os colegas vieram o ajudar. Ele sentiu-se tonto, queria olhar novamente para a coisa acima da bandeira. E assim ele o fez, para logo em seguida sua cabeça girar em uma enlouquecedora tontura. Só olhar aquilo foi o bastante, lhe provocou dor. Não havia mais chama nem nenhum objeto acima da bandeira, mas, ainda assim, parecia que algo ali o fazia mal, embora ele estivesse extasiado e alegre com tudo que via. Pensou que talvez o tampão do ouvido esquerdo estivesse frouxo e o barulho o tivesse afetado.
Recompôs-se e se colocou de pé sem saber o que havia ocorrido.
Desceu uma escada de emergência cansativamente longa para a saída do hangar, e a porta os levou ao térreo, em um local entre a cúpula branca do reator e o prédio da turbina onde eles estiveram. Deram a volta na cúpula e voltaram para o ônibus.
Lino voltava no assento da janela. Ouvia música no fone. Havia levado algo para caso sentisse fome. Abriu a mochila e se surpreendeu, pois havia um livro marrom de capa dura dentro dela, um livro que ele nunca havia visto.
Achou esquisitíssimo. Foi puxando devagar, com estranheza, até que retirou completamente para ver do que se tratava, mas não conseguia ler nenhum dos símbolos escritos na capa nem entendia as palavras grafadas em seu interior. Folheando, viu desenhos onde era ilustrada uma espécie de linha do tempo.
Nela, uma vara enviava um jato de luz na direção de um humano, do lado direito da folha. No segundo desenho, abaixo do anterior, o humano estava ao lado de uma criança. No terceiro desenho, a criança usava uma espécie de foice para quebrar a vara em pedaços menores, destruindo-a.
Em uma última ilustração, havia sido ateado fogo aos fragmentos da vara.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro