Capítulo 5
Eu poderia dizer não. Poderia ter deixado toda essa história de Conrado e sua língua afiada para trás. Poderia aceitar que perdi e que o homem continuará triste e infeliz por aí, mas não. Eu ainda sentia que poderia fazer mais. O desafio lançado naquele dia no lounge ainda estava me corroendo. Não iria consegui dormir sem ter feito o máximo possível.
Vitti bar e restaurante. Esse era o nome do negócio que ele tem com as irmãs?
Quando se trata de um paciente, sei que eu não estava indo além. Já fiz loucuras antes. Já fui atrás de parentes e já participei de aniversário de alguns.
Para a psicologia, talvez essa não fosse a postura mais correta, mas, para mim, muitos pacientes se tornavam especiais em minha vida. Foi através deles e de muito estudo que tirei toda a experiência para os meus livros e palestras.
Ir ao bar da família do Conrado não seria algo tão incomum.
Mando outra mensagem para o grupo dos amigos, enviando a localização do bar. Paola e Ellen confirmam. Fernando diz que vai pensar no caso. Seu santo ainda não batia com o de Richard.
Deixo meu carro estacionado na rua e vou com Richard no dele. Coloco o som para tocar alto. Não queria papo, se é que existia algum além de cestas de basquete. Além do mais, eu ainda estava bastante chateada com ele.
Em pouco menos de dez minutos estávamos estacionando em frente ao bar e Richard desliga o som.
— Uau. Bem que ele disse que era bacana.
Na fachada já dava para ter uma noção de como o tal Vitti bar era sofisticado.
— É sim — concordo, olhando de dentro do carro.
— Pensei que fosse um daqueles bar da orla, sabe? Pé de porco?
— Você queria me levar para um pé de porco?
— Ah, não... sim... — Ele coça a cabeça. — É bom para beber.
— Estou trabalhando o dia inteiro, Richard, quero comer. Estou com fome e sorte a sua que esse não é só um bar propriamente dito.
— Então está explicado o porquê de você estar tão amarga. É a fome. Eu fico assim também. Sorte a minha, e palmas para o doido do seu consultório. — Ele desliga o carro e se vira para mim com um sorrisinho.
Olho para ele, aturdida.
— O que disse?
— Estava brincando.
— Meus pacientes não são loucos.
— Não leve tão a sério.
— Ai, Richard! — Coço os olhos com as mãos. — Eu juro que tento, mas você não dá uma dentro! Caramba! Não fale assim dos meus pacientes, ok?
— Foi mal, docinho... eu vou tentar me controlar... agora, me dá um beijo que até agora você não me deu nenhum. Desculpa, vai! Prometo que vou melhorar. Eu sou um idiota e burro.
Ele era tudo isso.
Respiro fundo. Minha vontade era de socá-lo, e não de beijá-lo.
Ele pisca os olhos em minha direção, fazendo um biquinho.
Reviro os olhos e começo a sorrir. Se eu não soubesse o quanto Richard era inocente para tantas coisas diria que o louco era ele, e lhe indicaria um psiquiatra. Mas era apenas o seu jeito moleque. Parecia que ainda era um adolescente bobão diante de algumas situações. Já na quadra e na cama, ele tinha bastante maturidade. Talvez fosse isso que me prendesse a ele.
Eu o beijo e ele fica satisfeito.
Saímos do carro, mas caminho meio afastada dele.
Já tínhamos conversado sobre mantermos nosso envolvimento apenas para os mais íntimos. Richard entendia e se mantinha no lugar dele, para a minha alegria.
O local estava cheio. A noite quente convidava as pessoas a saírem do trabalho para o happy hour. Exatamente como eu estava fazendo. Era notório as pessoas vestidas mais socialmente, brincando com canecas de chope, falando alto e gritando qualquer coisa inaudível.
O local tinha o pé direito alto, com iluminação impecável e uma arquitetura aconchegante. A grande estrela do bar é a estante que atravessa dois pisos, com nichos iluminados por LEDs destacando as centenas, talvez milhares de garrafas de bebidas do mundo inteiro.
Mesas em madeira escura e sofás espalhados pelo local proporcionavam um ar aconchegante e a música ao vivo mantinha o clima descontraído.
Sentamos em uma mesa e pedimos bebida. Peço também um filé de entrecôte grelhado com salada.
No balcão maior avisto uma mulher. Loira e bem vestida. Pela forma como falava com outros, apostaria que era a irmã do Conrado.
Não o vejo, porém. De vez em quando, discretamente, procuro-o pelo local.
Depois que janto, minha turma chega. Ellen e Paola.
— Cadê o Fernando? — pergunta Paola.
— Ele ficou de graça no grupo — responde Ellen.
— Falei que o local era bacana e que ele iria gostar — digo, chamando o garçom com a mão.
Elas cumprimentam Richard e pedem suas bebidas.
— Já tínhamos vindo aqui — conta Ellen. — Esse lugar é bem conhecido.
— Nunca ouvi falar.
— Claro que já, Lê. Lembra do aniversário do Víctor?
— Ah, sim, aquele que perdi porque estava viajando.
— Isso. Foi aqui.
Levanto as sobrancelhas.
No outro lado do bar vejo Conrado entrar no balcão. Ele diz algo para a mulher e os dois olham em direção à nossa mesa.
A cena seguinte é, no mínimo, estranha. A mulher o olha bastante brava. Gesticula e joga uma espécie de pano no balcão, depois entra por uma porta que fica na lateral do bar e não aparece mais.
Conrado mantém a cabeça baixa por algum tempo e...
— Lê... Letícia! — grita Richard.
— Está no mundo da lua? — brinca Ellen.
Olho de volta pare meus amigos, dando-me conta de onde estava.
— Isso é cansaço. Dormiu bem a noite passada? — pergunta Paola.
Ela sabia do meu problema de insônia, mas não do que a causava.
Faço que não e sorrio.
— Estávamos falando do mico que paguei no seu consultório hoje — conta Richard, ainda achando aquele fato normal.
— Aquilo não foi engraçado. Ai de você se fizer novamente. Eu ligo para polícia e o acuso de invasão — falo sério, e todos me olham meio assustados. — É o meu trabalho, gente! Por favor, né?
Paola bebe seu drink rápido.
— Já que estamos falando de trabalho, mon amour, está confirmado seu tour pelo Rio Grande do Sul daqui há dois meses, ok?
Faço que sim.
— Então, você vai fazer uma turnê com o livros e palestras no Rio Grande do Sul — diz Ellen. — Isso significava visita aos seus pais. Você está precisando, amiga.
— Quase um mês sem a minha gatinha? — reclama Richard, beijando meu pescoço e logo dou chega para lá nele.
— O que eu falei sobre isso?
— Foi mal, docinho.
— A turnê começa em Caxias do Sul, seguindo para Bento Gonçalves, Porto Alegre e Gramado também. Depois te passo a programação.
— Tudo bem.
Paola cuidava de tudo da minha carreira literária com muito carinho. Eu não me envolvia em nada burocrático. Ela deixava as coisas já engatilhadas e eu a agradecia por isso. Mês passado a turnê havia sido em Minas Gerais.
Eu gostava dessas viagens. Gostava de conhecer os lugares, as pessoas e, mais ainda, de dormir em lugares diferentes. Geralmente quando em viagem eu não precisava de ajuda extra para pegar no sono, tão cansada eu ficava.
— Cara! Cara! — Richard grita ao meu lado, levantando uma mão.
— Calma. O garçom já vem – falo baixinho, só para ele.
— Não estou chamando o garçom.
Eu, Ellen e Paola olhamos para onde ele acenava.
No outro lado do balcão Conrado acena de volta.
— Chega aí! – ele insiste.
Cutuco Richard no braço, mas ele claramente não conseguia entender a minha mensagem tão óbvia.
— Isso, cara! Chega aí! —continua.
Até que, por fim, o belisco com força.
Ele me olha.
— O que foi?
— Boa noite. — A voz de Conrado penetra meus ouvidos antes que eu pudesse falar com Richard.
— Fala aí, amigo! Obrigado pelo convite, cara. Esse lugar é incrível! — Richard se levanta e abraça Conrado como se o conhecesse há séculos.
Pela sua fisionomia, dava para ver que Conrado já estava arrependido de ter indicado o Vitti Bar.
— É um prazer recebê-los – diz ele, educadamente.
— Ei! Você não é o... — Paola franze o cenho, recordando-se de Conrado.
— Sim! — exclamo, desejando que ela não falasse nada sobre aquela ideia tosca do desafio. Isso seria vergonhoso.
Paola me encara com olhos abertos, puxando sua bebida pelo canudinho.
— E esse gatão tem nome? — Ellen quase se joga no colo do meu paciente, fazendo uma cara sexy.
Eu quase faço uma careta.
— Conrado. Conrado Vitti.
— Uau! Que nome forte! — rebate ela.
— Então, você é o proprietário do local? — pergunta Paola, acenando para um garçom.
— Sim. — Ele sorri. — Eu e minhas irmãs.
— Ah, hum....essa é Ellen, Conrado — apresento-os. — E essa é Paola. O Richard que você já conhece.
— Sejam bem-vindos ao Vitti — diz Conrado, apertando os lábios..
— Já se conhecem? — questiona Paola. — Você e o Richard? Pelo que me recordo, Richard tinha jogo naquele dia da comemoração.
Olho para os dois.
— Que comemoração? — Richard faz cara de quem não entendeu nada.
Cala a boca, Paola! Não posso expor aqui que ele é meu paciente. Seria antiético.
— Eu estava no consultório da Letícia e os convidei. Foi há uma hora atrás, mais ou menos — conta Conrado.
Paola levanta ambas as sobrancelhas.
— Então você está convidado a se sentar conosco, Conrado. — Ela indica uma cadeira vazia. — Talvez dessa vez você aceite.
Ele me olha e em seguida sorri para minha amiga.
— Me dê apenas alguns minutos. Eu já volto. — Com um meneio com a cabeça, se afasta da mesa de volta ao bar.
Tão logo ele sai do perímetro da nossa mesa, o questionamento das minhas amigas começa.
— Ele é um gato! — exclama Ellen.
— Não vai me dizer que ele está fazendo terapia contigo? — pergunta Paola, já pescando tudo.
Eu havia contado apenas ao Fernando.
— Ah... hum... sim. Está. E, bom, eu não deveria me sentar e beber com um paciente.
— Para de graça, mon amour. Ir a aniversários e comprar presentes pode? Não finja hipocrisia. Você não é dessas coisas.
— Presentes? — pergunta Richard. Ele era devagar para entender as coisas.
— Ela comprou um presente para uma paciente uma vez. A menina amou, não foi, Letícia?
Faço que sim.
No balcão, vejo Conrado e a mulher que achava ser sua irmã. Ela já estava ali novamente, discutindo. Ele sai de perto e ela coloca as duas mãos apoiando-se exasperada no mármore enquanto o fuzila com o olhar.
Tento me concentrar apenas na minha mesa. Ellen se levanta e começa a dançar perto da gente, já meio alta pelas bebidas.
Ela sempre era a primeira a se sacudir.
A pista de dança começa a encher logo em seguida.
— Não quer dançar, docinho? — Richard sussurra em meu ouvido, com um sorriso nos lábios.
— Não. Você sabe que... por que não chama Ellen? Ela está doida pra dançar.
Richard fica sem graça quando minha amiga o olha.
— Estou já no esquema, grandão! — diz ela, e sorrio.
Sem saída, Richard vai dançar com ela.
Paola pula duas cadeiras e se senta ao meu lado.
— O carinha fugiu de você. De novo. Nem voltou para cá — fala em meu ouvido. — Está relutante só porque o cara é bonitão.
— Ele é meu paciente!
— Eu sei, mas isso não quer dizer que ele seja um... homão daqueles!
— Você está parecendo a Ellen.
— Não, mon amour, você sabe que eu sou bem seletiva com quem me relaciono. Mas, diz aí, o que o cara tem?
Balanço a cabeça e tomo um gole do meu drink.
— Sabe que não posso dizer.
— Eu sei, estava brincando. Tem certeza de que não quer dançar?
Faço que não.
Ela dá de ombros e mexe no canudinho da sua bebida.
— Também não estou afim.
— Oi. — Ouço de repente, a voz vindo à nossa direita. Conrado de repente aparece ao lado da nossa mesa. — Desculpe não vir antes, é que o bar estava cheio e...
— Sem problemas! — responde Paola. — Você vai dançar?
— Eu? — Conrado olha para a pista e sua confusão fica evidente. — Não, eu não.
— Então, faça companhia para a Letícia, porque estou louca para mexer o esqueleto!
Hãm? Cadê o papo de 'não estou afim?'. Vaca!
Ela sai se remexendo sem dar chance de um de nós responder qualquer coisa.
Conrado apenas me olha e, de repente, não sei o que dizer.
— Posso? — Ele aponta para a cadeira à minha frente.
Dou de ombros e ele senta, colocando os braços sobre a mesa.
— Eles parecem legais — diz, inclinando-se para mim para que eu possa ouvi-lo.
— São sim.
Vejo a mulher no bar nos encarando.
— É uma das suas irmãs? — pergunto, indicando com a cabeça.
Ele olha na direção que apontei e solta um suspiro.
— Sim. A mais velha.
— Ela não está muito feliz com você, não é?
Ele faz que não com a cabeça.
— Por quê?
— Isso é uma consulta?
Faço que não.
— Ótimo, porque quero propor algo, Letícia.
Agora eu é que me inclinava sobre a mesa. Queria ter certeza do que iria ouvir.
— Ah!!! Letícia! — Ellen grita, aproximando-se ofegante da mesa, pegando sua bebida. — Richard está se fazendo na pista de dança! — Ela gargalha e olha para Conrado. — Oi, gatão... pensei que nunca mais fosse vê-lo. Quem diria, não é, Lê, que o desafio lá no lounge iria adiante! Agora são amigos, olha que fofo! — Ela gargalha mais uma vez, e minha vontade é de esganar seu pescoço fino.
Com um sorriso sem graça, ela percebe que nem eu e nem Conrado sorrimos de volta, então ela sai de fininho, apontando para a pista.
Consigo sentir que Conrado me encara, mas fico com o rosto virado para a pista de dança. Não queria ver seu rosto, não tinha coragem de olhar em seus olhos, mas sentia seu olhar em mim.
Merda, Ellen!
— Desafio? — pergunta, depois de ter ficado óbvio que eu não iria voltar minha atenção para ele voluntariamente. Sem saída, viro meu rosto.
E forço um sorriso.
— Eu fui um desafio?
— Não... não desse jeito tosco como deve estar imaginando.
— Você disse que éramos para sermos sinceros. Te perguntei isso tantas vezes...
— Eu não menti, Conrado, eu omiti, o que é bem diferente.
Ele cruza os braços e fica calado por um tempo. Até eu confesso que meu argumento era fraco.
— E qual era o desafio? Que eu fosse seu cliente?
— Não. Não é cliente, ok? É paciente. E não foi esse desafio.
— Foi o quê então?
Bufo, impaciente. Aquele era um assunto que eu esperava nunca ter que conversar com ele.
— Eu deveria te fazer sorrir.
Ele arqueja as sobrancelhas e me lança um sorriso de lado.
— Por quê eu?
— Porque você era o mais triste do local.
— Compreensivo.
Oi?
— Compreensivo? Você não está chateado?
— Não. Na verdade, acho que será um bom complemento para o que eu iria lhe propor.
— Posso saber sobre o quê? — pergunto. Sentia minhas mãos tremerem, então, coloquei-as abaixo da mesa, em meu colo.
— Sobre a terapia — responde diretamente.
Conrado era mesmo um homem lindo, e aqui, neste momento, não havia aquela tristeza em seu olhar.
— Reconsiderou fazê-la?
— Não — decreta, e estreito o olhar. — E sim.
— Não entendi. Pode ser mais claro?
— Eu a desafio.
O quê?
— O quê? Você só pode estar de brincadeira comigo, não é? Você é meu paciente. Não deveríamos nem estar aqui conversando e...
— Exatamente por isso. Eu não a acho capaz de me fazer mudar de ideia e... aquele esquema de sentar e criar aquela barreira de psicólogo e paciente é algo que eu odeio.
Agora era eu quem sorria. Aquela era uma forma bastante simplista de descrever minha profissão.
— Desculpe, Conrado, não entendi onde quer chegar.
— Olha, você não é a primeira psicóloga com quem me consulto, ok? Já estive em outros consultórios, mas nenhum diz entender tanto do meu caso. Quero que nossas consultas sejam menos formal, que possamos conversar, e queria realmente que me provasse que estou errado.
Eu estava ouvindo mesmo aquilo?
— Você só pode estar louco.
— Não. Se estivesse, iria propor ir a um psiquiatra, não a você.
— Por que eu faria isso?
— Imaginei que me faria essa pergunta e, até então não tinha argumentos para respondê-la, mas agora tenho. Por que você faria isso? Porque dentre todos que conheci, você foi a única que não desistiu de mim.
Engulo com dificuldade e minhas mãos tremem mais ainda.
Sinto um arrepio subir pela espinha e definitivamente não é por causa do ar-condicionado.
— E aí, topa?
Ele estava realmente falando sério.
— Não!
Ele volta a inclinar o corpo.
— Eu sabia que você não seria capaz.
Conrado se levanta e permaneço parada, incapaz de reagir, completamente aturdida com a sua exigência.
— É uma pena, Letícia. Uma pena.
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