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Capítulo 2



— Por que sofremos tanto por amor?

A pergunta da paciente tão jovem era fácil de ser respondida, porém, não era tão fácil assim de ser compreendida.

Ajeito-me na cadeira do meu consultório e alinho os óculos de grau em meu rosto. Com a pressa, esqueci de pôr as lentes e os quatro graus de miopia não me deixavam ter a opção de trabalhar sem o apetrecho.

Dezessete anos e a menina já tinha toda a dor de amor.

Eu nunca passei por isso, mas achava que era sorte minha ter a chance de compreender tudo antes que a tal flecha me acertasse no coração. Richard era um cara legal, mas não o considerava o amor da minha vida.

— Não deveríamos sofrer por amor, Milena. O problema é que projetamos tantos sonhos na pessoa com quem estamos envolvidas, que quando as coisas não acontecem, vem o sofrimento. Aí você percebe que a sua vida tem que ser refeita. Novos planos, novos sonhos, novos desafios. Então, saia mais, procure aprender algo novo, tente não ficar presa às coisas que sonhou um dia passar com ele e se concentre no que quer fazer daqui em diante. E, por fim, acredite que você teve a oportunidade de conhecer alguém especial, e que o sentimento e o aprendizado diante de todas as coisas eventualmente se tornam algo bom. Sempre é bom quando aprendemos algo. Sofrimento sem aprendizado não é sofrimento, é perda de tempo. Tente ver o lado bom de tudo, principalmente desse momento difícil.

— Eu vou superar? — Seus olhos estavam brilhantes, como se suplicassem por algo que acalmasse seu coração.

— Sim, com toda certeza. Mas antes, precisa crer nisso também.

Ela enxuga uma lágrima que escorre em seu rosto.

— O que pretende fazer para mudar isso? Tem alguma ideia ou precisa de tempo?

A jovem leva um momento antes de responder.

— Meu pais... eles querem que eu faça intercâmbio em Londres.

— Você quer isso?

— Eu queria, antes de conhecer o Mateus. Mas agora... nada mais faz sentido.

— Porque você passou a não se ver mais sem ele ao seu lado. Comece a trabalhar o desapego. Comece a acreditar que você não precisa dele para diversão ou nada parecido. Ele foi bom, mas se fosse ótimo ainda estaria ao seu lado.

Ela pensa por alguns segundos e sorri para mim.

— Você tem razão.

Respiro fundo.

Era ótimo para o ego ouvir essa declaração no fim de uma sessão.

Confesso que ouvi isso várias vezes e, mesmo assim, cada vez que era expressado, sentia muito orgulho do meu trabalho.

Eu e Milena nos despedimos e Carol, minha assistente aqui no consultório, para no batente da porta.

— Ocupada?

Faço que não e peço para que entre.

— Milena foi a última paciente. — Ela olha para a prancheta em sua mão e na outra, entrega meu celular.

Durante as consultas eu deixava o meu celular com ela. Assim eu evitava ser interrompida no meio do trabalho.

— Alguma ligação? — pergunto, retirando os óculos e esfregando os olhos. Estava com dor de cabeça.

— Sim. Fernando ligou e perguntou se a pizza marcada para hoje na casa dele está de pé.

Pizza? Deus, eu havia esquecido disso. Fazia mais de um mês que Fernando brincou dizendo que até pizza teria que ser marcada na minha agenda. E ele de fato marcou com a Carol. Eles sempre implicavam com a minha falta de tempo.

E eu não poderia ter esquecido.

Mas esqueci.

— Caramba, eu... precisava fazer tanta coisa... — respiro fundo. — Pode deixar que eu ligo de volta.

Sento-me na cadeira e abro a minha programação de amanhã no laptop. Carol permanece de pé, como se não tivesse terminado de falar.

— E... — ela continua. — Um homem ligou.

— Homem?

Aquilo chama a minha atenção e volto meus olhos para ela.

— Eu expliquei que era sua assistente e que você estava ocupada atendendo. — Carol conta e eu volto a colocar os óculos. — A princípio ele não quis deixar recado, disse que ligaria depois, mas apenas alguns minutos depois ele retornou a ligação e pediu para marcar uma consulta. Será que algum fã descobriu seu celular pessoal? Porque seus pacientes ligam direto para o consultório e esse...

Sorrio sozinha e Carol me olha séria.

— Algum problema, Letícia?

— Não... qual era o nome dele? — Faço a pergunta, por mais que tivesse certeza da resposta.

Ela olha novamente a sua agenda.

— Senhor Vitti. Conrado Vitti.

Era ele. O homem triste de ontem!

Sorrio novamente, mas Carol não entende nada.

— Olha, Carol, os homens são mesmo muito previsíveis... Mas, me diga: ele marcou para quando?

— Você só tem vaga para novos pacientes para daqui a três meses.

— Três meses?

Respiro fundo e olho a tela do laptop pensando no que fazer.

Ele precisava de mim. Ele precisava voltar a dar aquele sorriso.

— Qual é o meu último horário de amanhã?

Ela franze o cenho e consulta as suas anotações. Ali, naquela agenda, ela tinha a minha vida.

— Está lotado. A última consulta é às 18h.

— Marque ele para às 19h, por favor, e ligue para avisá-lo, ok?

Ela assente, anotando tudo.

— Só vou verificar algumas coisas antes de sair. Tenho gravação de vídeo hoje.

Minha assistente faz que sim com a cabeça e sorri para mim.

— Aceita um café?

— Seria ótimo, Carol. – Era muito bom ter alguém que pensa no que você precisa antes mesmo que você se dê conta disso.

— Vou buscar.

— Obrigada.

Meus pensamentos vão a Conrado Vitti. Pelo menos agora eu sabia o seu sobrenome. O que será que o aflige? Resolvo brincar de advinha. Um amor não correspondido? Um amor perdido? Uma conta bancária vazia, ou a perda de um emprego? Falta de estímulo, falta de afeto? Vazio por dentro?

Carol traz o café. Bebo um pouco e ligo para Fernando, confirmando, contrariada, a pizza. Minutos depois deixo o escritório direto para o meu apartamento.

Tema de hoje para o vídeo semanal do YouTube: Vencer é uma escolha.

Era um tema clichê e manjado, porém as pessoas amavam esse tipo de pauta. Esses vídeos sempre rendiam bastante visualizações e comentários dos internautas.

Termino o vídeo depois de quase 2 horas falando sobre o tema, presa no quarto em que fiz de estúdio. É impressionante quanto tempo gasto para gerar um vídeo de poucos minutos! Como cenário, na parede coloquei mensagens positivas enquadradas sob um papel de parede florido em tons pastéis. Eu amava esse meu cantinho.

Descarrego a câmera profissional e envio diretamente para o editor, que mora em São Paulo. Eu amava as edições que ele fazia. O vídeo ficava do jeito que eu gostava.

De repente, ouço a companhia tocar.

Atravesso o apartamento e abro a porta. Richard!

— Oi, minha gostosa! — Ele me abraça, levantando-me em seu colo. — Sentiu saudades?

Ele beija meus lábios e me coloca no chão.

Richard entra sem cerimônia, retira o tênis e se esparrama no sofá. Faz tudo isso enquanto eu ainda estou parada no mesmo lugar, vendo-o se sentir à vontade na minha casa.

— Caramba, eu estou cansado.

— Como foi o jogo? — pergunto, desanimada com a visita.

Eu não esperava por ele, não em dia de semana.

— Ganhamos! 89 a 72.

— Uau. Parabéns.

— Vim comemorar! — Ele se levanta novamente e me abraça apertado, cravando sua boca em meu pescoço.

Por alguma razão, dessa vez aquilo me incomoda.

— Mas você não me avisou, Richard... eu... eu tenho compromisso.

— Compromisso? — Ele para de me beijar, mas mantém seu corpo preso ao meu.

— Combinei com o Fernando. Pizza na casa dele.

Ele bufa e me solta.

— Sempre esse cara? – E, sem cerimônias, ele simplesmente sugere: — Cancela.

Olho para ele por alguns segundos, tentando definir se ele estava brincando ou não.

— Ele é meu amigo. E essa pizza está marcada há mais de um mês!

Richard cruza os braços na altura do peito e me encara.

— Amigo... sei. Não existe amizade entre homem e mulher, Letícia. Se o homem quer ficar muito perto, com certeza pensa em comê-la.

Abro a boca, completamente aturdida por aquela declaração estúpida e sem escrúpulos.

Richard não era o homem mais inteligente que eu conhecia. Na verdade, estava a galáxias de distância disso, e, às vezes, sua ignorância me fazia me sentir pior do que ele.

— Não seja machista. Nem todos os homens pensam como você, sabia?

— Não seja infantil. Ele te quer!

— Você só pode estar de brincadeira comigo! Está sendo idiota e muito... muito...

— Muito...?

Eu não tinha palavras para qualificar aquela sua atitude. Por vários momentos imaginei ser pedida em namoro por ele e eu negando, sem graça. No fundo acho que ele sabia a resposta e por isso não tentava. Dou graças mentalmente por essa escolha.

Aos 27 anos eu não conseguia colecionar nada mais do que alguns ficantes por aí. Acho que a fama os afastava e, muitas das vezes, era eu que não tinha paciência para poder ficar me incentivando a não me apegar, a ter uma vida feliz sem estar amarrada a outro.

Eu sentia que estava na hora de quebrar as regras quando conheci Richard. Eu tentava. Deus, eu tentava, mas ele não cooperava.

A culpa é da Paola, que me convidou para assistir a uma partida de basquete uns meses atrás. Foi quando conheci Richard, o enorme pivô do Botafogo.

E eu nem curto basquete!

Porém, os braços longos, o charme no olhar, a barriga tanquinho, os cabelos compridos e o estilo Khal Drogo me fizeram ficar vidrada.

Foi sexo, desejo. Eu estava tentando me apegar a ele de uma forma saudável, sem dependência, mas com possibilidade de dar um passo adiante. Isso era o que eu queria, mas não o que sentia. E assim fui percebendo que, na prática, as coisas eram muito mais complexas do que na teoria.

O tempo foi passando e o sexo melhorando. Não podia negar isso. Em contrapartida, tínhamos pouco papo e nada em comum. Eu gostava de ler, ouvir música e trabalhar. Ele gostava de funk, memes na internet, colchão e fronha. Eu curtia filmes e ele, vídeo games. Queria ficar em casa num sábado à noite e ele queria dar um rolê com os parças. Fora que, quando conversávamos sobre algo, era só na primeira pessoa do singular: Eu fiz isso... Eu consegui isso... Eu quero isso... Eu, eu, eu.

E eu só queria tapar a boca dele com silvertape.

Mulheres querem sempre fazer isso com seus amantes, não querem?

Ouço muito isso no consultório, mesmo tendo estando ciente de que nenhuma pessoa feliz em seu relacionamento costuma buscar ajuda psicológica por conta do companheiro ou companheira.

As experiências no consultório não deveriam servir de parâmetro.

A única coisa que eu percebia que o deixava irritado era o fato de que dormir na minha casa não era opção. Aliás, dormir com alguém uma noite inteira era algo que eu não gostava. E ele sempre reclamava disso.

Meus pesadelos me fizeram ter um sono muito intenso. As poucas vezes que dormi na casa dele, pude ver seu olhar assustado quando o acordei com um soco no rosto ou uma joelhada no estômago.

Ele ainda esperava um xingamento.

— Eu acho melhor você ir, Richard. Sua cota de asneiras por hoje já acabou.

— Como assim, gatinha? – Ele faz uma pausa e se aproxima um pouco mais de mim. — Acho que começamos com o pé esquerdo.

— Não, Richard. É sério. Você precisa ir, e eu também.

— Está me dando um chute na bunda?

— Não. Estou só pedindo que vá para a sua casa. Chame seus amigos para comemorar.

Ele bufa.

— Você sempre me pondo para fora da sua casa.

— No final de semana podemos nos ver — digo, ignorando seu comentário. — O que acha? Eu vou para a sua casa.

Ele faz um bico, contrariado.

— Promete?

Faço que sim e sou surpreendida por um beijo na boca.


***



— Você não gosta dele — diz Fernando, quando conto sobre a visita inesperada.

— Eu gosto. Ah, sei lá... — Sento-me à mesa que ele preparou.

— Você deveria estar por dentro de toda essa coisa, Lê. Saca só, quando a gente gosta, quer estar perto e só.

— Eu só queria me apegar sem me envolver demais, sabe?

— Não. Não sei. Você é doida.

— Sou.

Sorrimos um para o outro, cúmplices.

Fernando coloca a pizza de marguerita na mesa e começamos a comê-la. . Ele gostava de mostrar seus dotes culinários.

— Tenho uma coisa engraçada para te contar — digo. Ele pousa o talher no prato e sei que consegui toda a sua atenção.

— O quê?

— Sabe quem me ligou?

Ele faz que não com a cabeça, dando de ombros.

— Temer? Trump? — Brinca, sabendo que era improvável que qualquer uma dessas pessoas me ligasse.

— Claro que não, mané! Aquele cara.

— Aquele cara...? — Ele estreita os olhos, buscando a informação em sua memória.

— O de ontem. O triste. Lembra?

Então seus olhos se abrem em reconhecimento.

— Oh! Sério? E aí?

— E aí que ele marcou uma consulta – respondo, colocando um pedaço de pizza na boca.

Meu amigo me olha, cético.

— Hum... não foi ele que não concordou com o que você falou?

— Exatamente.

Ele brinca com sua bebida antes de falar:

— Olha, isso pode ser interessante. Só não se meta com nenhum louco, por favor. Já basta o babacão.

Fico genuinamente chocada.

— Falando assim parece até que você não me conhece. Eu jamais me envolveria com algum paciente, Fernando. E, não fale assim do Richard, vai...

— Estou brincando, Lê. Mas falando sério agora, acho que deveria começar a selecionar mais as pessoas com quem começa a se envolver. Vai chegando uma fase da vida que precisamos ser mais criteriosos, entende? Eu, por exemplo, não saio com beatas.

Seguro uma risada.

— Nem todas vão ter um caso com pastores, Fernando.

— Eu sei, mas... esse é o meu critério. Cada um cria o seu, não é?

— Sabe o que você parece falando assim? Que você é um daqueles que pega a esposa traindo na cama e, só de birra, vende a cama.

— Não é isso... estou querendo dizer que chega de homens que você precisa ficar direcionando.

Isso é novidade.

— Como assim?

— Pensa comigo: você é independente. Tem sua vida, seus amigos, seu dinheiro e uma carreira voltada para algo que, nós, homens, mais temos medo: relacionamentos. Isso já é um empecilho.

— Eu já pensei sobre isso...

— É um fato. Acho que você precisa de alguém que te conduza, sabe? Alguém que te faça perceber, mesmo sem querer, que está amarrada. Coisa do destino que você tanto sabe e conhece.

Reflito sobre o que meu amigo acabou de dizer.

— Talvez você tenha razão...

— Mas tem um porém. Algo essencial.

Olho-o com interesse.

— O quê?

— Tempo.

Inspiro profundamente. Uma, duas vezes.

— Você precisa de tempo.

— Eu trabalho muito, Fernando.

— Eu sei. Ainda estou abismado que tenha vindo hoje.

Eu rio.

— Jamais esqueceria.

— Não minta pra mim, Letícia. Conhecendo você do jeito que conheço, imagino que tenha esquecido.

Ele me olha de uma forma que não tenho saída a não ser dizer a verdade.

— Ok. Eu esqueci. Minha cabeça está cheia. Não fique chateado. Vir aqui foi a melhor coisa que fiz.

Mesmo assim, Fernando não me perdoa.

— Sabe o que estávamos fazendo antes de você chegar no lounge?

Levanto uma sobrancelha.

— Não.

— Apostando que você não iria na comemoração, ou quanto tempo chegaria atrasada.

Aquela é uma surpresa desagradável.

— Eu estava...

— Trabalhando. Sabemos disso. Não é uma crítica, Lê, sabemos o quanto é dedicada. Estou apenas dizendo que ter tempo para si mesma é algo fundamental. Você precisa disso.

Eu sabia o quanto eu era ocupada, mas não sentia que precisava desse tempo. Eu gosto da minha rotina.

— Olha! — Ele infla o peito. — Dei conselhos para Letícia Liana! Estou me sentindo foda.

Sorrimos juntos.

— Você é, meu amigo.

À noite, relutei para dormir sem nenhuma intervenção, mas foi em vão e acabei cedendo ao santo comprimido mais uma noite. Duas consecutivas agora.


***


Entre uma consulta e outra vou respondendo cada e-mail recebido. Eu gostava de fazer isso eu mesma, em vez de deixar a secretária responder. Às vezes as respostas demoravam meses para serem enviadas, por conta da demanda, mas uma hora elas iam. O problema é que, na maioria das vezes, eram longos desabafos, os quais eu precisava abordar com muito cuidado.

Muitas pessoas abriam seus corações e compartilhavam seus momentos depressivos; outras se diziam com problemas no trabalho, em casa... os motivos eram infinitos e, vez ou outra, eu fazia uma pesquisa e procurava a palavra suicídio ou morte entre os e-mails. Esses eu respondia com prioridade, sempre.

Uma vez li em um livro que diante de uma notícia ruim você precisa ter dez notícias boas para poder não se abater. Eu sabia que jamais iria balancear essa conta em meu favor. Imagina se eu me abatesse por todas as notícias ruins que recebo dos meus pacientes todos os dias?

Termino mais um e-mail e peço que o próximo paciente entre.

O período da tarde estava passando arrastado demais. Provavelmente porque eu estava ansiosa pelo último paciente do dia. Mas, por fim, as horas passam.

No fim do expediente faço um lanche rápido que Carol me trás e, finalmente, às 19h em ponto chamo o próximo paciente.

— Ele ainda não chegou — diz, quando faço uma ligação interna para ela perguntando a demora do novo paciente entrar.

— Hum...

— Você quer que eu ligue para saber uma posição? Soube que o trânsito na Zona Sul hoje está péssimo.

Penso por um momento, mas me decido logo.

— Claro. Faça isso...

— Já te informo.

Desligo e fico rodando a minha cadeira, ponderando: não é possível ajudar quem não quer ser ajudado. Todos precisam querer, essa é a regra fundamental em minha profissão. Todos precisam entender que a ajuda pode torná-las pessoas mais felizes.

Solto um suspiro longo. É uma pena.

Dois minutos depois o telefone toca novamente.

— Ele chegou. Posso mandar entrar?

Eu não sabia ao certo o porquê, mas meu coração dá um sobressalto. Talvez a animação viesse da batalha árdua que eu estava prestes a ter. Talvez porque parte de mim não acreditasse (ou mesmo torcesse) que ele não viesse.

O poder do convencimento nem sempre é fácil. Conrado Vitti iria conhecer o meu poder! Ah, iria!

— Me dê 2 minutos. Depois fale para entrar. Mas já deu o seu horário, Carol. Pode ir embora. Deixa que eu fecho tudo, ok?

— Tudo bem, Letícia. Obrigada. Logo mando o paciente entrar.

Vou até o banheiro e penteio os cabelos. Não saberia explicar o motivo de estar fazendo isso, mas não importa. Eu queria dar uma boa impressão e retirar aquela de intrusa bêbada que eu havia criado no bar.

Volto a me sentar na cadeira e cruzo as mãos sobre a mesa, aguardando sentada como se fosse uma mocinha à espera do par para a dança.

Que ridículo!

Respiro fundo e ouço a porta abrir.

Conrado. Conrado Vitti entra com o cenho franzido e uma carga tensa.

Visivelmente incomodado, ele coloca as mãos nos bolsos da calça jeans depois de fechar a porta atrás de si.

Ele estava corado. Bastante corado, por sinal, e com os lábios apertados, meneia com a cabeça.

Tem os cabelos arrumados, a barba por fazer e veste camisa polo preta. Seu olhar castanho intimidador.

— Como vai, Conrado? — Abro um sorriso enorme. Tento parecer o mais normal possível, amigável.

Levanto-me e estendo a mão em cumprimento. Ele recebe minha mão na sua e sinto a quentura abrasiva dela.

Indico a poltrona para que ele se sente. Em seguida, pego meu Ipad na mesa para fazer anotações e volto a me sentar, ficando de frente para ele.

Respiro fundo. Deus, pare com esse sorriso idiota, Letícia! Você é psicóloga, não uma boba da corte!

Conrado era só mais um paciente com problemas. Isso! Ele era isso.

— Fico feliz que você tenha ligado — digo, menos eufórica.

Ele me estuda com os olhos.

— Eu estava curioso.

Aquilo me surpreende.

— Curioso? — Inclino um pouco a cabeça.

O olhar centrado em mim me deixava um pouco incomodada.

— Queria saber o porquê de você falar comigo naquela noite.

Deus! Essa era uma pergunta que eu não gostaria de responder. Ei! Não sou eu que sou a psicóloga aqui? Sou eu que deveria fazer as perguntas!

Tento me recompor.

— Desculpe, Conrado... — sorrio sem graça. — Acho que deveríamos falar de você e...

Ele faz que não com a cabeça. Seu modo de se sentar na poltrona era como se fosse dono do lugar.

— Estou aqui para falar dos meus problemas, das merdas que aconteceram na minha vida, e você não pode responder uma simples pergunta, doutora? — Seu questionamento me faz baixar o olhar. Era a maior frase que eu o ouvira dizer.

Ele inclina um pouco o corpo para frente, ficando a apenas alguns centímetros de mim. Claramente ele esperava pela minha resposta.

— Meus amigos... — Não acreditava que estava contando isso a ele. Alguém controla a minha boca! — Eles acharam que eu deveria falar com você. Mas, não liga, eles estavam bêbados. Estávamos comemorando e...

— Comemorando?

Arquejo as sobrancelhas e digito no meu Ipad: Paciente rebelde.

Ele não era o primeiro e não seria o último paciente com esse perfil.

Eu estava sendo posta contra a parede. E eu jamais era colocada contra a parede. A hora era de recuperar, ou melhor, ganhar o controle absoluto da situação.

— Por que você estava sozinho? — pergunto, ignorando sua pergunta.

Essa não era a forma correta e muito menos padronizada por especialistas para começar uma conversa com um paciente novo.

Ele solta um sorriso malandro, desses que a gente se força para não dar um fora imenso em alguém.

Conrado volta a recostar na poltrona e passa a mão no rosto, especialmente por sua barba, que desponta.

— Não estava sozinho – responde, por fim.

Ué?!

— Mas...

— Minhas irmãs. Elas estavam comigo — continua ele, sem titubear.

Irmãs? Ok, tudo bem... Ele respondeu a uma pergunta. Então isso queria dizer que eu estava no caminho certo. Eu não poderia parar, ele estava progredindo, mesmo que contrariado.

— Percebi que estava sozinho naquele momento, por isso fui falar contigo. Suas irmãs voltaram depois?

Ele franze o cenho.

— Não.

Agora eu estava ficando incomodada. O que ele queria aqui?

Paro de sorrir e fico séria.

— Bom, Conrado Vitti... — Vejo seu cadastro no Ipad feito pela Carol. — Você tem 33 anos.

Ele apenas assente.

— O que te aflige?

— Muitas coisas.

Volto meu olhar para ele. Esse cara estava afim de me tirar do sério. Mas ele não me conhecia. Eu jamais iria cair no seu joguinho infantil.

Persistência era o meu nome do meio.

Ele não iria falar, se abrir. Eu precisava confrontá-lo com perguntas simples.

— Qual é a sua profissão, Conrado?

— Sou advogado.

Arquejo as sobrancelhas e digito.

— É casado? Tem esposa ou... companheiro?

Sei lá, o cara podia ser gay e estava naquela fase de não aceitação. Seria um desperdício para a mulherada, mas enfim, era uma possibilidade.

Conrado era um cara bem bonito, não poderia negar. E a resposta àquela pergunta me interessava particularmente.

— Não.

Ah! Eu queria gritar com esse homem. Custa desenvolver uma conversa?

— Filhos?

— Também não.

— Cachorro? Papagaio? Periquito?... gato? — Eu estava brincando, mas ele não esboça nenhuma reação. Apenas mantém os olhos fixos em mim.

— Não, não e não.

Certo. Então nenhuma vida depende dele. Que triste.

— No que estava pensando naquele dia? Lá no lounge?

A pergunta visivelmente tira a armadura quase inquebrável dele. Seu olhar cai.

— No que você estava pensando quando foi falar comigo? Você por acaso me conhecia?

Aquilo me pega de surpresa.

— Eu? — Nego com a cabeça. — Não, Conrado. Eu não o conhecia, claro.

— Então por quê?

— Novamente essa pergunta?

— Você não respondeu direito. Quero que fale a verdade... — Ele volta a se inclinar na minha direção.

De repente, uma ideia me vem à cabeça. Como não pensei nisso antes?

Sorrio para mim mesma.

— Desculpe, Conrado. Talvez você esteja imaginando algo errado. Eu... eu não fui falar com você porque estava afim, nem nada — Balanço a cabeça em negação.

Ele queria o quê? Que eu confessasse que estava querendo ele?

Ele cerra o olhar por alguns segundos e depois relaxa um pouco, e seu olhar vai até a minha estante.

— Posso? — Conrado aponta para os porta-retratos.

Acho estranho aquela mudança de rumo da conversa, mas apenas faço que sim.

Ele se levanta e analisa cada um deles com atenção.

Aproveito que a guarda está baixa agora e tento uma nova abordagem.

— Você quer me dizer alguma coisa? — pergunto com cutela.

Ele segura a minha foto com os meus pais e me olha.

— Sou viúvo.

Aí estava o problema. Ele era tão jovem! Jamais imaginaria algo assim.

A gente simplesmente não pensa que alguém tão jovem poderia ser viúvo.

Fico quieta por alguns segundos. Queria que ele continuasse, mas ele permanece calado.

— Faz quanto tempo? — insisto.

— Bastante tempo

— O que aconteceu?

Ele coloca a foto no local.

— Bonita família — diz, apontando para a foto.

— Obrigada. São meus pais, Irene e Maurício. Somos de Porto Alegre e eles ainda moram lá.

Seus lábios se curvam para baixo.

— Parecem bastante felizes.

— São. Da forma deles, mas são.

Agora seu sorriso aparece de lado.

— Acidente de carro. Voltando do trabalho — ele responde tardiamente a minha pergunta.

Conrado caminha devagar e deixa o corpo cair na poltrona.

De olho em mim, ele bate espalma as mãos.

— E aí? Explica novamente aquela frase: o destino sempre está do nosso lado. — Ele enruga a testa. – Porque, especificamente, no meu caso, ele não esteve do meu e nem do dela.

Engulo com dificuldade.

— Conrado, a frase se aplica para algumas coisas que temos a opção de decidir. No seu caso, não tem como mudar algo natural no curso da vida. Isso é impossível. — Sou complacente e falo com toda a calma do mundo. Queria que ele entendesse sem jogar mil pedras em cima de mim.

— E como se faz? Hum? Você é a que sabe de tudo aqui.

Percebo que seu tom é irritadiço. A guarda estava armada novamente.

— Na verdade, eu tento ajudar as pessoas a compreenderem como tudo na vida tem solução.

Eu estava sentindo por ele. Dava para ver o quanto isso o fazia infeliz, o quanto não tinha superado a perda.

— E qual é a solução?

— O luto é para ser vivido, Conrado. No seu caso, uma perda tão repentina pode causar o medo extremo, a angústia e a reclusão, além de gerar pensamentos negativos que acabam atrapalhando a vida social.

Ele sorri, negando com a cabeça.

— Eu conheço as cinco fases do luto, Letícia.

Arquejo as sobrancelhas.

— Ah é? E em qual você acha que está agora?

— Estagnei na primeira.

Sua revelação me entristece. Eu já estava acostumada com histórias tristes, sentimentos ruins, angústias, momentos de pavor, de desgosto pela vida, mas, por algum motivo, Conrado me intrigava. E sua dor parecia mais próxima a mim.

— Eu sinto muito. Você precisa compreender que nada estava ao seu alcance. Você é um homem novo, precisa recomeçar.

Algo muda em seus olhos.

— Recomeçar? Chega a ser irônico, sabia?

— Não tem nada de irônico. Transformar o sofrimento em boas ações é um dos caminhos para viver o luto. Você está vivo, Conrado.

Ele se levanta rapidamente e vem para cima de mim. Por alguns milésimos de segundos eu fecho os olhos.

Eu estava tremendo. Sentia meus músculos vibrando debaixo da pele.

Mas nada acontece e abro os olhos devagar.

Conrado estava de pé, com o corpo inclinado, segurando cada braço da cadeira, com o rosto próximo ao meu.

— Olhe fundo nos meus olhos, Letícia. Está vendo alguma coisa?

Estava petrificada e sem palavras. Ele estava perto demais. Eu conseguia sentir seu hálito, seu cheiro.

Porém, apenas faço que não com a cabeça.

— Pois é. Não há vida aqui.


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