O menino que nunca chorou
AVISO DE GATILHO
SE TIVER DEPRESSÃO OU PROBLEMAS DELICADOS QUE PODEM SER AGRAVADOS POR LEITURAS DELICADAS, SUGIRO LER EM MOMENTOS DE CALMA E NÃO CONTURBADOS.
ADONIS NARRANDO
Estou prestes a dormir quando recebo uma mensagem no Whatsapp. Estranho. É um número desconhecido. Pera aí! Reconheço a foto. É o professor Guilherme.
Guilherme: Olá, Adonis. Sei que está um pouco tarde, mas acho que você deve ler essa história aqui:
Colours.com.storys/boyhasnevercryed
Guilherme: Te espero amanhã na escola. E por favor, não tenha medo de falar com seus pais.
Eu resolvo ir nesse link. Essa vai ser a última história. Depois disso, irei dormir e quando acordar, terei de enfrentar a vida novamente.
Essa história é de Pedro, de Ouro Preto.
Vamos lá, Pedro. Me conte sua história.
DEPOIMENTO DO PEDRO
Olá, meu nome é Pedro, sou um estudante de história da Ufop de Mariana, mas moro em Ouro Preto numa república, e todo dia me desloco para lá. Num desses trajetos para Mariana, fiquei refletindo sobre tudo o que já passei. Desde bullying, problemas em casa, dificuldade de autoaceitação... mas o que até hoje me intriga foi meu relacionamento e minha autoaceitação não como gay, mas como pessoa.
Quando tinha 14 anos, eu recebi uma mensagem de solicitação de um cara estranho, mas até que bonito. Conversei com ele algumas vezes, e um dia li em uma publicação dele que dizia que ele era gay. Acabei me interessando. Ele já tinha 17 anos. Falei sobre ele para alguns amigos, e uma amiga como o bom ser que é, pegou meu celular e curtiu todas as publicações dele, até mesmo a data de nascimento ela conseguiu dar um jeito de curtir. Isso chamou a atenção dele, na hora ele perguntou se tínhamos algo em comum. A indireta me pegou de jeito, e confessei ser gay. A partir daí nossas conversas se tornavam mais profundas. Ele me ajudou muito com minha aceitação, assim como também ajudei-o a encarar seus problemas familiares.
Durante uma conversa sobre mim, e sobre meus sentimentos, ele me pressionou um pouco e eu deixei claro que gostava dele. Ele pediu para deixar que ele me ajudasse a me entender, entrar em minha vida e me ensinar o que era aquele sentimento. Eu obviamente disse que sim, afinal eu estava apaixonado, e ele demonstrou corresponder. Aí já dei meu primeiro erro. Entrei em um relacionamento virtual com alguém que não conhecia. Quando uma amiga minha viu a foto de perfil dele, ela falou na hora: "Pedro, esse é o Zayn". Disse que não, que tinha uma leve semelhança, mas não era. Eu até perguntei ele se a foto era dele ou o Zayn, ele respondeu que era ele mesmo. Eu acreditei.
Mas então, ele sumiu. Não entrava mais no Facebook. Fiquei triste com o sumiço dele, isso realmente me abalou, e me fez pensar que devia ser um fake mesmo. Até achei uma foto do Zayn que era identifica à foto dele. Realmente devia ser um fake. Mas o que mais me abateu, foi a tristeza por pensar que talvez ele tivesse arrumado alguém melhor que eu. Até hoje eu me considero alguém feio. Não sou capaz de enxergar beleza em mim mesmo. Me olho no espelho e vejo um esquisito. Já cheguei a xingar o meu próprio reflexo de monstro, de abominação, de nojento, danificado, imperfeito, aberração... e tudo o que você imaginar. Então, o sumiço dele intensificou minha baixa autoestima.
Mas depois de três meses, ele voltou. Disse que a vida dele estava uma bagunça, que ele não era fake, e sim que ele se considerava feio. Ele me explicou como o relacionamento com os pais estava conturbado, e que os pais, que estavam separados, tinham voltado na esperança de que ter uma família tradicional fizesse ele "virar" hétero. Fiquei triste por ele. Mas pedi para ver o rosto dele. Ele era O padrão de beleza. Branco, alto, loiro e olhos verdes. Ele era lindo, e dizia que se achava feio por ter sardas no rosto, e que as pessoas o chamavam de branquelo azedo. Eu perdoei-o, e depois de mais 5 meses, ele sumiu de novo.
E depois de 2 meses, apareceu outra vez. Com a mesma história, os pais se separaram, e a vida dele estava uma bagunça. Continuamos normalmente. Tínhamos tentado nos encontrar várias vezes, e como ele tinha familiares em Ouro Preto, às vezes ele vinha aqui. Uma vez até marcamos de sair, mas no dia já tinha compromisso com uma amiga; ele deu um ataque de ciumes, e que só deveriamos sair eu e ele. Ele ficou de marcação com essa amiga, queria saber quem era e nome completo, eu obviamente não disse. Acabou que ele não veio, e o rolê com minha amiga não rolou. Isso já é estranho. Mas até aí tudo bem. Então ele fez 18 anos, estava com a vida até que nos trilhos; morava com a mãe, trabalhava com telemarketing e tinha se formado.
Um dia ocorreu algo que não sei ao certo, mas talvez possa ser considerado crime, pois ele tinha 18 e eu 15. Um dia eu o chamei pra conversar, ele disse que não estava respondendo devidamente por estar vendo um filme. Perguntei qual era o filme. Ele disse com muita vergonha que era filme pornô. Ele começou a falar de pornô comigo, meio que me instigando a ir ver também. E então começamos a trocar mensagens muito quentes, e a falar sacanagem explícita. Ele então me pediu um nude. Eu mandei. Quando eu pedi, ele mandou, mas não era dele. Ele se desculpou e mandou o correto, e que aquele nude ele tinha por causa de um grupo no Whatsapp onde mandaram o nude. Pedi o Whatsapp dele, um dia inclusive, e ele não quiz dar, pois tinha medo de meus pais ou os pais dele descobrirem. Mas voltando a aquele dia. Ele dizia coisas como: "vou te foder. Me mostra ele, vai amor. Deixar eu te ver. Vou te comer desse desse jeitinho." ; mas teve uma coisa que se repetia e ele disse algumas outras vezes: "Você ainda está virgem para mim?". Ele tinha uma certa obsessão com minha virgindade. Eu dizia que continuava virgem.
Então, ele sumiu de novo, e disse que a mãe dele tinha lido as mensagens e ameaçado contar aos meus pais. E o pai dele ia se mudar com ele para São Paulo, e que ele iria uma última vez em Ouro Preto, e que deveríamos nos ver. Marquei em um local bem movimentado, e chamei duas amigas para irem ver de longe. Mas no dia, ele não foi.
Fiquei muito triste. Mas não chorei. Nesse dia decidi que não iria chorar mais por ele, e nem por ninguém, nem mesmo por mim mesmo. Eu tive que encarar que era só um perfil fake que brincou com meus sentimentos, me iludiu e se masturbou com minha intimidade. A verdade veio como um tiro direto em mim.
Só podia ser um fake. Quem iria querer o danificado, o esquisito, o monstrengo aqui? Até hoje me sinto um trouxa, mas eu honrei minha promessa.
Eu evito chorar. Seja qual for o motivo. Eu sou introvertido, não me aceito, não tenho fé em mim mesmo, e me vejo como um peso na vida de quem está ao meu redor. Eu desisti da ideia de que existe alguém nesse mundo que me ame. Diversas vezes ao pensar no amor, eu me pegava pensando em coisas como amizade, e chegava ao raciocínio de que felicidade não existe.
Sabe eu sinto ciúmes quando vejo meus amigos com outras pessoas. Porque eu sou introvertido e tenho medo de conversar, e essas pessoas são sociáveis, saem com eles com frequência, enquanto eu não tenho permissão para sair com eles. Pois como nunca tive muitos amigos, e em determinadas épocas nem mesmo tive amigos, eu pedir para sair não era normal, então receber esse pedido para meus pais não era normal, e nem sempre eles concordam, e com isso, eu passei a ter medo de pedir. Eu perdi a coragem de tentar buscar momentos felizes. Quando vejo meus amigos com outros, penso que estou sendo trocado. Que eles vão se encher de mim e procurar pessoas decentes para serem seus amigos.
Eu me odeio tanto, eu queria não ter esse psicológico fodido que tenho, e nem ser esse idiota tímido da porra que eu sou. Tenho medo de pedir para ir em um psicólogo, pois além de não querer que eles gastem o dinheiro, que eles tanto reclamam que não tem, comigo; eu não tenho coragem de conversar com eles e me abrir. Eu aposto que vão falar algo como deixa de drama. E é isso. É drama. Sou só eu querendo ser dramático e querendo dar desgosto. Assim como dei desgosto me assumir gay.
É só meu drama, eu sei que estou bem e vou ficar bem. Eu não posso sofrer por amor, por falta de amor ou me sentir ignorado, ou me odiar. Eu tenho tudo, nunca me faltou nada, até porque eu não tenho coragem de pedir o que eu quero por medo de ser um gasto na vida dos meus pais.
Assim como sei que foi drama todas as vezes que me cortei após me sentir mal, começar a atacar a mim mesmo, e me xingar, pois eu estou bem e não devo ter problemas comigo mesmo. E quando não era o ódio que me dominava, era a apatia, e ela é pior que o ódio. Ela é mais cruel, pois ela não te deixa sentir nada, é um tipo de sofrimento que você não sente.
Me cortar foi tão ruim, mas tão bom. Foi como se tudo sumisse. Tudo para por um tempo, e só sobra a dor. E essa dor para de doer, pelo menos a dor física para de doer. Mas do que adianta se depois a dor emocional volta. E meus pais nunca viram os cortes. E foi até engraçado, pois eu nunca escondi os cortes. As pessoas não reparam em mim. Meus colegas nunca repararam, minha amigas demoraram a reparar, fui eu quem contei que me cortava.
Mas eu não me corto mais. Até porque é só meu drama. Agora, se eu me sinto mal, eu boto um sorriso no rosto, e esqueço. E guardo tudo dentro de mim, sufoco cada sentimento. Não vou chorar por mim. Não vale a pena eu chorar por mim mesmo.
Esse relacionamento que eu tive, eu também vou esquecer tudo de ruim e de bom, vou enterra-lo. Vou enterrar um momento de felicidade, porque esse mesmo relacionamento me fez sofrer.
Mas, eu sei que sufocar tudo dentro de mim é perigoso. Uma hora posso explodir. E não quero nem saber o que vai rolar se isso acontecer.
Então se você se sente assim, se você se odeia. Dê um jeito de passar a se amar, pois ficar como eu estou não é legal. Por fora estou feliz, mas por dentro estou destruído.
Lhes deixo minha frase:
Se ame, por tudo que for sagrado, se ame. Pois se você não se amar, não terá garantia de receber amor de mais ninguém. E quem não se ama e não se sente amado, só é amado pela tristeza, pela ira do ódio e pela depressão; e elas não sabem amar direito.
FIM DO DEPOIMENTO
ADONIS NARRANDO
Estou chorando. É claro que Pedro precisa de algum tipo de ajuda.
Mas choro também, porque eu me sinto parecido com Pedro em diversos aspectos. Eu sinto o que ele sente. E se ele precisa de ajuda, eu também preciso de ajuda. Foi por isso que o professor Guilherme me mandou essa história.
Preciso dormir, ou vou enlouquecer. Mas antes, não vou resistir. Eu estou a mil, preciso me acalmar. Preciso de dor. Preciso que a minha cabeça pare.
Vou até minha gaveta, e pego uma agulha. Enfio a ponta no braço, e começo a puxar para baixo. Enfio de novo, e de novo, e de novo. Dói tanto, mas essa dor me ajuda tanto. Eu sinto que não tem mais nada aqui dentro. Sou capaz de me concentrar em uma só coisa. Eu sinto que a confusão na minha mente parou. Sinto a dor física dar um alívio para a minha mente. Sinto o sangue escorrer em pouca quantidade. Sinto que estou fraco.
Me deito, e deixo o mundo dos sonhos me levar. Amanhã vou enfrentar a vida. Amanhã vou tentar sobreviver mais um dia.
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