[ROSE] Five
5
FICA TRANQUILA, ELE AMA VOCÊ
— Rei é um pouco demais. — Harry bufa ao meu lado, descartando o que foi dito como se não fosse nada.
Solto uma risada curta, por um momento indecisa sobre como devo reagir a isso. Observo o casal a minha frente. O garoto parece velho demais para ser um calouro, velho demais até para estar na universidade, pensando melhor. Não estranharia se ele tivesse uns vinte e cinco. Tem a pele bronzeada e os braços cobertos por tatuagens. Não é muito alto, talvez dois palmos a mais que eu apenas. Se for um jogador de vôlei como Harry, deve ser o líbero do time. Mas ele tem uma postura de imponência de arrepiar. Os cabelos e os olhos são escuros, quase pretos, e os fios pendem na altura do ombro.
A garota parece ter não mais do que vinte e um. Tem cabelos compridos e longos, quase nos quadris, cheios de cachos. Tem a pele bronzeada como a do garoto e é quase tão tatuada quanto. Os olhos são de um tom de castanho hipnótico. Ela tem um corpo de parar o trânsito e parece ter consciência disso, tirando pela escolha de roupas. Nunca vi tanta pele à mostra, a não ser na praia.
Eles devem namorar, a julgar pela forma que o garoto a segura pela cintura. Formam um casal atraente e um tanto assustador.
— Então... Quem é você? — a garota estreita os olhos para mim, analítica. Algo no tom dos olhos dela e na forma como me encara me deixa com a sensação de que estou diante de uma naja com o pescoço erguido.
— Minha namorada, é óbvio. — Harry se adianta. Ele me puxa junto a si, colando nossos corpos para provar o que está dizendo.
A garota continua me encarando com um interesse que me deixa desconfortável. Qual é o problema dela?
— Rose Coleman, muito prazer. — digo.
— Uau, pensei que nunca fosse te conhecer, bebê. — o garoto se aproxima de mim com um sorriso curioso e me abraça de súbito, ignorando Harry ao meu lado.
Olho nervosamente para a namorada dele, mas ela não parece ligar para a demonstração exagerada de cordialidade. Harry, por outro lado, pigarreia. Fico alguns segundos sem saber como ou se devo retribuir o abraço. O garoto se afasta, rindo.
— Não seja ciumento, Sanders. Você sabe o que eu penso de talaricagem. — ele diz isso de uma forma bem-humorada, mas algo em seu tom me faz crer que ele não está brincando coisa nenhuma. — Só quero garantir que a sua namorada se sinta bem recebida pela Omicron.
— Pode deixar que eu cuido disso. — Harry retruca, emburrado. Então emenda: — Se me derem licença...
— Ainda não fomos apresentados. — falo, por fim. Aparentemente esses dois são próximos do Harry e eu nem sequer sei os seus nomes.
— Que grosseria a minha. — o garoto esquisito sorri de novo. — Sou Theodore Conner, bebê. Mas pode me chamar de Teddy, o CEO da porra toda.
A garota ri do que ele diz.
— Um dos sócios da Omicron, ele quis dizer. Presidente da república que eu moro. — Harry murmura ao meu lado, parecendo impaciente. Ainda não estou prestando muita atenção nas reações dele porque esses dois a nossa frente estão roubando a cena.
— Ah, qual é, Sanders? Só porque você finalmente entrou para fraternidade agora está dando uma de metido? — a garota ergue uma sobrancelha para Harry.
— Ele está se confiando no fato de que, depois que entra, só é possível sair com o voto da maioria da Diretoria. — Teddy explica para a namorada, mas não parece ofendido. — A sorte dele é que ele é um barato, mesmo sendo um ranzinza de merda.
— Valeu, cara. — Harry diz de forma quase preguiçosa.
— O rei das festas, né? — a garota diz para provocar.
— Não enche, Pam. — Harry rebate, sem paciência.
— O que me leva a... Sou Pamela Pierce, Rose. — finalmente ela se apresenta. — Mas os mais íntimos me chamam de Pam.
É quando consigo tirar os meus olhos dela e de Teddy e olhar para Harry. Ele parece engolir em seco, o desconforto nítido. Íntimos. Muito íntimos.
— Então... Vocês são amigos do Harry, né? — pergunto, sem jeito. Queria que Harry tivesse me contado tudo desde o início. Estou me sentindo um peixe fora d'água aqui. Estou cercada por um monte de gente que eu nem sabia da existência até literalmente hoje de manhã e estou ficando tonta com tanta informação.
— O quê, amigos? É pouco para nos definir. Sanders é meu braço direito. — Teddy diz, animado. — No começo eu não dava muito por ele, parecia um morto vivo, se quer saber, mas de umas duas semanas para cá finalmente mostrou para o que veio. As festas ficaram muito mais divertidas com ele.
— Olha Ed ali, vamos lá falar com ele, gatinh...
— Não antes de virar uma dose comigo, mano. — Teddy diz, afobado. — Você me deve uma revanche depois de ontem.
— Não amola, Teddy, eu vou...
— Vai com ele, eu cuido da sua gatinha. — Pamela se oferece, sorrindo estranho para mim.
Alguma coisa nessa menina me deixa alerta. Talvez seja a forma como ela olha, incisiva e intensa. A sensação que dá é que ela consegue ver através da gente. Sinto-me apequenada e com vontade de fugir. Ainda assim, acho que prefiro ficar alguns momentos a sós com ela. Talvez ela possa me explicar melhor como funcionam as coisas por aqui.
— Pode ir, Harry. — eu digo, por fim. — Te espero aqui.
Ele olha para mim, incerto, então lança um olhar mortal para Pamela.
— Não a assuste. Eu já volto.
Ele planta um beijo na minha testa e então sai com Teddy em direção à casa novamente. Concentro minha atenção em Pamela, ainda confusa sobre a maneira que me sinto perto dela. Ela não parece maldosa, só... Estranha. São os olhos, com certeza. O tom quase amarelo deles é desconcertante.
— Seus olhos são lindos. — pego-me dizendo. Acho que elogios são uma boa forma de iniciar uma conversa.
— É o que dizem. — ela sorri mais aberto e eu noto um piercing acima dos dentes incisivos. — Você é uma gracinha, Rose. Eu já tinha visto foto sua no Instagram do Sanders, mas pessoalmente você é ainda mais bonita.
— Obrigada. — relaxo um pouco. Ela não é uma ameaça. Acho que só estou paranoica porque tudo isso é novidade para mim. Até ontem eu jurava que Harry dividia apartamento com apenas Ed, agora descubro que ele mora com uma galera. Ainda não sei como me sinto em relação a isso.
— O que está achando daqui? — ela engancha um braço no meu e começa a me puxar para o meio da rua, onde a maioria está. A música agora é algum tecno estridente, nada que eu goste, e fica difícil escutá-la bem. Todos estão dançando e bebendo sem qualquer reserva.
— É bem... Animado. — respondo, na falta de uma palavra melhor.
Não consigo evitar me encolher com a intensidade com que a galera festeja por aqui. Todos usam pouquíssima roupa e nem está calor. A maioria dos garotos está sem camisa e algumas meninas usam biquínis com minisshorts. Eu acabei de ver uma garota derramando vodca no vale entre os seios para que uma outra garota bebesse direto de sua pele. O cheiro forte de maconha já impregnou nas minhas roupas e olha que só tem uns dez minutos que desci.
Nenhuma festa a que eu tenha ido na UCLA chegou perto de ser assim. Nem mesmo a festa do preto, que foi uma festa maior e que juntou várias fraternidades. Eu ainda estou acostumada com as festas no estilo high school. O pior que podia acontecer era alguém vomitar por beber demais.
A noite mal começou, mas algo me diz que vômitos são brincadeira de criança aqui.
— A gente leva essa coisa de dar festas muito a sério, sabe? — Pamela grita no meu ouvido enquanto continua a passear comigo pela rua. Desviamos dos bêbados como dá. Alguns parecem em um estado muito acima da embriaguez. Será possível que seja efeito de alguma coisa ilícita? Afasto o pensamento, incrédula. Tudo tem limite. — Teddy gosta de se gabar que as festas da nossa república são as melhores. Ele não tinha encontrado nenhum parceiro à altura ainda, mas o seu namorado pegou o espírito rapidinho.
Contraio-me de imediato. Como assim "pegou o espírito"?
— Harry participa de todas as festas? — pergunto, alarmada.
— No começo não, ele era um chatão mal humorado. Mas aí ele pareceu finalmente acordar para vida e agora é a alma desse lugar. Todo mundo adora fazer apostas para prever o que ele vai fazer. Nunca vi alguém tão resistente a álcool. — ela ri, alheia à minha tensão.
— Apostas? Que tipo de apostas?
— Ah, você sabe, de todo tipo. Quem bebe mais, quem vence no truco bêbado, quem vence no pôquer bêbado, quem vence no strip pong bêbado...
— Strip pong? — quase engasgo.
— Relaxa, Harry é bom demais para ficar completamente pelado. Ele consegue deixar dez pessoas peladas antes de sequer precisar tirar a camisa. O máximo que a gente conseguiu ver dele foi a cueca, infelizmente.
Meu sangue esquenta de uma vez só. HARRY DE CUECA?
Pamela parece me ver lutar contra uma enxurrada de emoções desconcertantes, porque ri alto e diz:
— Não vai me dizer que está com ciúmes. — ela para de caminhar comigo e rouba dois copos de dois garotos próximos. Eles fazem menção de reclamar, mas quando vêem que se trata dela, desistem. Um deles passa os olhos por mim como se eu fosse um animal num zoológico, mas é dispensado por Pamela com um aceno de mão. Ela me estende um dos copos e dá um gole generoso no outro, sem sequer olhar o que tem dentro. Nem terminei ainda o meu primeiro drink e agora tenho outro copo na mão. — College, baby. Você deve ir para umas festas maneiras na UCLA, imagino. Ou não tem festas boas lá?
Ela me olha com expectativa, mas há um ar de superioridade em sua pergunta. Sinto-me impelida a defender minha universidade antes de focar no meu desconforto crescente sobre a nova vida do Harry.
— Claro que tem. Eu só... Não vou em muitas. Fico muito ocupada com as matérias e o clube de debate...
— Chatice de freshman, blé. — ela faz uma cara de tédio. — Você deveria seguir o exemplo do seu namorado e se divertir um pouco mais, florzinha. Só se vive uma vez. Não vai beber?
Ela encara os meus copos e eu analiso o novo, relutante. Não parece muito diferente do drink que Harry fez para mim, então beberico. Não é horrível, mas está longe de ser gostoso.
— Você não é caloura, então. — era para ser uma pergunta, mas saiu como uma afirmação.
— Não, eca. — ela faz uma careta. — Logo, logo vou poder escolher minha habilitação no major. Mas pouco importa, porque quero ser tatuadora, sabe? Eu nem precisava ficar nessa droga de universidade, mas meus pais insistiram tanto. Eu fiz essas aqui. — ela aponta para vários desenhos em suas pernas. Vejo uma raposa, uma mulher nua e palavras aleatórias. — Fiz a maioria do Teddy também. Reparei que Sanders ainda tem muitos espaços vazios, vou adorar preenchê-los com meus traços.
Ela olha para mim inocentemente. Sinto um gosto amargo na língua, mas não digo nada a respeito.
— Como vocês ficaram amigos? — decido perguntar.
— Sanders ficava que nem um cachorrinho atrás do Teddy para conseguir ser iniciado. Ele estava enlouquecendo vendo o Ed entrar e ele não. Aí ele começou a agir como alguém que realmente queria entrar e caiu nas graças de todo mundo. Sério, ele é o máximo. A gente se diverte um monte com ele. — ela continua a falar com um ar de inocência que faz com que eu me sinta uma idiota por sentir ciúmes. — Mas você sabe disso, claro. É a namorada dele.
Uma centelha de desdém nas palavras dela me deixa confusa. Imagens de Harry participando de um monte de festas, tirando a camisa depois de errar uma bola no strip pong enquanto é observado por ela enchem a minha mente e me fazem estremecer.
— Fofa! Aí está você. — Claudia aparece de repente. Os cabelos vermelho vivo e os olhos de um azul intenso quase engolem o corpo pequeno e magrinho. Ela se aproxima de nós duas com uma expressão relutante. Olha de Pamela para mim algumas vezes e então se concentra em mim. — Sanders me pediu para ficar de olho em você enquanto ele dá a revanche que Teddy tanto quer. Não que ele tenha qualquer chance, claro. — ela bufa e encara Pamela. — Teddy tem a tolerância alcoólica de uma criança.
— Ou talvez Sanders tenha a tolerância alcoólica de um alcoólatra. — Pamela devolve a alfinetada.
— Ele não é alcoólatra. — defendo meu namorado. Harry passou por uma fase turbulenta no high school, especialmente antes de me conhecer, mas isso ficou para trás. Tem quase um ano que ele mal bebe. Acho que o último porre foi no réveillon do ano passado, na casa do Logan. Ele nunca mais ficou bêbado, não depois daquele dia.
Isso até entrar na Omicron, pelo menos. Estou ficando cada vez mais assustada com as coisas que escutei sobre ele desde que veio para esse lugar.
— Claro que não. — Claudia diz de forma afetuosa, como se quisesse me consolar. — Ele tem algum nível de autocontrole. Eu acho. Enfim, vem comigo, Ed e eu estamos procurando outra dupla para jogar dominó.
— Dominó? Tô fora. — Pamela diz e sai, sem mais nem menos.
— Dominó? Numa festa? — pergunto, incrédula.
— Você prefere jogar strip qualquer coisa? — ela ergue uma sobrancelha pra mim.
— Dominó parece legal. — apresso-me a concordar. Mas ao mesmo tempo eu me pergunto o porquê do meu recato. Harry tem jogado esse tipo de coisa por aqui. Aliás, ele parece ter feito muito mais coisa do que eu sequer imagino. Claudia demonstra notar minha mudança de humor e diz: — Relaxa, já já ele se junta a gente. Sabe como é, ele precisa fazer média com Teddy. Essas coisas de conquistar seu espaço e tal.
— Acho que não sei como é, não de verdade. — digo, resignada. Não precisei adular ninguém para entrar na Upsilon. O processo todo foi muito orgânico e todos foram muitos receptivos.
Sinto como se tivesse sido engolida por um furacão desde que pousei em Palo Alto hoje mais cedo. Harry parece ter uma vida completamente nova e eu não sei onde me encaixo nela.
— Fica tranquila, ele ama você. — ela continua tentando me confortar.
— Como você sabe? — pergunto. Pelo que Harry me disse, eles só se aproximaram nos últimos dias.
— Dá para notar, fofa. Todo mundo na Omicron sabe que ele namora uma garota de LA.
Ao menos isso, penso. O fato do pessoal daqui saber da minha existência é um bom sinal, certo?
Paramos quase na esquina, onde várias mesas e cadeiras de plástico foram enfileiradas. Tem gente jogando todo tipo de jogos de cartas, mas sempre com uma garrafa de alguma coisa muito alcoólica no centro. Chocada, vejo que em uma das mesas há mais do que uma garrafa de vodca... Um pó branco em cima de uma latinha de alumínio faz meu sangue gelar.
— Relaxa, o nosso dominó é apenas alcoólico. — Ed segue meu olhar e responde, dando risada. Ele está sentado em uma das cadeiras de uma das mesas. Peças de um dominó que já viu dias melhores estão espalhadas por todos os lados. — Tá curtindo a festa, Rose?
— Hã... Sim. — minto. Não sei como definir o que estou sentindo, mas curtir não é a melhor palavra.
— Pamela não quis participar, falta um jogador. — Claudia diz enquanto organiza as peças.
— Tina está logo ali. Ei, Tina, quer jogar com a gente? — Ed grita para alguém logo atrás de mim. Viro-me e vejo uma garota baixinha de cabelos curtos e loiros.
— Ela não! — Claudia sussurra para ele, mas eu consigo ouvir.
— Por que não?
— EU NÃO VOU JOGAR COM O MELHOR AMIGO DAQUELE FILHO DA PUTA! Vai se foder, Ed! Você e ele! — a tal da Tina berra e mostra o dedo do meio para Ed, pisando duro enquanto vai para longe.
— Merda. — Ed murmura.
— Parabéns, idiota, agora ela vai perguntar...
— Ela estava falando do Harry, não estava? — faço a pergunta e Ed e Claudia suspiram ao mesmo tempo.
— Sim, mas não dê ouvidos a ela. É bobagem. — Ed diz rapidamente, recusando-se a me olhar nos olhos.
O que está acontecendo aqui?
— Olha quem vem vindo ali! Finalmente. — Claudia ignora a minha cara aturdida e foca em alguém se aproximando. Vencida pela curiosidade, vejo que é Harry.
— Se ele ainda está de pé, então Teddy desistiu de tentar vencê-lo antes que a coisa fosse longe demais. — Ed comenta, achando graça.
— Ninguém quer passar a virada do ano apagado e submerso no próprio vômito. — Claudia diz.
Harry esquadrinha o lugar, procurando por algo, e quando ele olha na nossa direção e focaliza os olhos em mim, sorri um de seus sorrisos resplandecentes. Aquela reação antiga e conhecida do meu coração vem com tudo. Ele salta, dá piruetas, polichinelos e estrelinhas em meu peito.
A irritação fica em segundo plano. Preciso ter uma conversa séria com ele sobre todas as coisas que andei escutando a seu respeito, mas sei que não é a hora para isso. Não na frente de toda essa gente e com certeza não momentos antes do ano virar.
Quando Harry nos alcança, ele vem direito até mim. Puxa-me para um beijo apaixonado e eu me deixo levar, feliz por estar perto dele. Sinto gosto de xarope de morango e vodca, mas o gosto dele, o gosto de Harry é muito mais forte. Ele demora a se afastar, explora a minha boca com a língua e pressiona seu torso em mim o máximo que pode. Ignora solenemente as pessoas a nossa volta e torna a me beijar mesmo quando se afasta para respirar.
— Vão logo para o quarto, você dois. — Ed reclama, mas a voz dele é um eco distante.
Harry só interrompe o beijo para dizer:
— Quer saber? Ele tem razão. Vamos? — ele segura minha mão e faz menção de me puxar, mas eu finco os pés no lugar.
— Ei, eu não quero perder os fogos. — resisto.
— Quem disse que você vai perder? — ele acaricia minha bochecha e sorri com óbvia e escancarada malícia. — Garanto que os fogos dentro do quarto vão ser mais altos e coloridos do que qualquer um do lado de fora.
— Eca. — Claudia faz careta.
— A gente pode imitar os dois, Cloudy. — Ed olha para ela esperançosamente. Ela se limita a revirar os olhos.
— Vamos todos jogar dominó, ok? — adianto-me. Por mais tentadora que seja a oferta de Harry, eu não quero passar a virada dentro de um quarto. Quero ouvir os gritos, quero ver a explosão de cores e sentir a atmosfera de comemoração.
— Que chato. — Harry faz cara de decepção e se senta em uma das cadeiras a contragosto. Eu me sento ao seu lado. — Meu ego está irreparavelmente ferido depois de ser trocado por um jogo de terceira idade.
— Não é de terceira idade quando há uma garrafa de Tanqueray na mesa. — Claudia abre a garrafa e enche o próprio copo. — Melhor de cinco. A cada rodada, a dupla que perder tem que virar um copo inteiro.
— Nesse ritmo vamos morrer antes de uma dupla completar cinco pontos. — Ed diz.
— Morrer? Só se for você. — e com essas palavras Harry pega a garrafa da mão de Claudia e a entorna na própria boca. Horrorizada, vejo o líquido transparente escorrer em um grande fluxo enquanto ele o engole sem nem fazer careta.
Só então reparo no brilho em seus olhos que eu atribuí simploriamente a sua paixão por mim. A maneira apaixonada e desavergonhada que ele me beijou, o jeito urgente e intenso que ele me pressionou contra si. A facilidade com que ele simplesmente esqueceu o convite para ir para o quarto e se voltou para o dominó sem muita cerimônia.
Harry está bêbado. Ele deve ter virado muitas doses com Teddy antes de vir para cá. A tranquilidade com que ele virou Tanqueray puro sem nem mesmo franzir a sobrancelha...
— Quais vão ser as duplas? — Claudia pergunta.
— Homens contra mulheres. — Ed estabelece.
— Não, eu fico com a minha gata. — Harry diz olhando para mim. Seu sorriso despreocupado e o seu olhar levemente desfocado fazem meu coração se apertar. — Virar um copo desse tamanho não é brincadeira para elas duas. Eu e você matamos dois terços e elas ficam com um terço.
— Ei, eu aguento mais que um terço. — Claudia reclama, ofendida.
— Aguenta diluído no energético ou no xarope de morango, não com gelo apenas. Olha o seu tamanho, Claudia. — Harry ergue uma sobrancelha para ela, esperando ser contrariado.
Ela revira os olhos e não fala mais nada. Harry volta a prestar atenção em mim e me dá um selinho.
— De frente para mim, gatinha. — ele aponta a cadeira do lado contrário ao dele com o queixo, um pedido silencioso para eu mudar de lugar e eu o obedeço no automático.
Ainda estou chocada com a constatação de que ele está bêbado. Faz exatamente um ano que eu não o vejo assim. Revisito todas as memórias que tenho dele. Depois do ano novo do ano passado, fomos em algumas festinhas na casa de amigos, principalmente no spring break, mas ele nunca bebeu demais. Seguia uma dieta rigorosa por conta do campeonato municipal.
Não que eu me incomode com o fato dele beber. Quem não bebe na faculdade, afinal? Eu mesma bebi um punhado de vezes na UCLA. É só que... Algo na forma como ele virou a garrafa na boca sem nenhum pudor ou qualquer dificuldade. Ou talvez seja o fato dele não ter me contado que tinha voltado a frenquentar festas e beber.
Engulo meu incômodo e encaro minhas peças do dominó. Estou tão aturdida que nem reparei quando separaram para mim.
O jogo segue. Harry joga muito bem, mas eu mal sei contar as pedras. Sou péssima e afundo nossa dupla em várias rodadas. Ed e Claudia não são muito melhores. Claudia grita com Ed a cada pedra errada que ele joga, estragando seu jogo. No final das contas, estamos empatados. Só que a cada rodada que Harry e eu perdemos, ele bebe mais.
No início eu segui a risca a coisa de "beber um terço". Harry insistiu para eu misturar xarope para deixar mais agradável e menos alcoólico, mas eu fui forte e pedi apenas com gelo. Deixei os outros dois terços para ele, que bebeu sem nenhuma dificuldade. Na próxima vez que perdemos, bebi um pouco menos, talvez um quarto. Ele nem pareceu notar que precisou beber mais, deu grandes goladas e matou o copo rapidamente.
Em certo ponto, eu apenas bebericava o copo e entregava para ele quase cheio. Ele novamente nem percebia.
Agora estamos na oitava ou nona rodada. Minha cabeça está um pouco aérea, mas ainda estou bem. Ed está rindo à toa e fazendo piadas ruins. Claudia está meio verde e aposto que todos aqueles copos que ela dividiu com Ed serão um passaporte direto para alguma privada em poucos minutos.
Já Harry está... Controlado. Ele não está caindo de bêbado, nem vomitando, nem falando besteira. De certa forma, eu queria que estivesse. Queria que agisse exatamente como agiu na casa do Logan há um ano atrás: arrumando briga, falando mais do que deveria e depois chorando igual um bebê.
Ao menos significaria que o álcool está fazendo algum efeito nele. Tudo o que eu vejo é um sorriso malicioso e um olhar um tanto vidrado.
— Deu para mim. — Claudia diz, colocando as mãos na barriga e apertando os lábios. — Estou enjoada para caralho.
— Se vomitar de novo no meu tênis eu mato você. — Harry diz e só identifico um leve arrastar em sua voz. As pálpebras estão meio pesadas e ele parece estar se mexendo em câmera lenta. Fora isso, parece ele mesmo.
— Falta meia hora para a contagem regressiva. — Ed informa enquanto tenta se levantar, mas tropeça nos próprios pés e cai de cara no chão. — Ai, porra.
— Patético. — Claudia ri, mas fica de pé e o ajuda a se levantar.
— SANDERS, O DJ ESTÁ TE CHAMANDO! — alguém grita não muito longe.
Harry abre um sorriso convencido e se levanta, momentaneamente alheio à minha presença. Ele parece estar em um mundo próprio.
— O dever me chama, amigos. — ele diz enquanto caminha despreocupadamente até o palco improvisado na calçada onde a mesa de som se empoleira.
Encaro-o, embasbacada.
— O que está acontecendo? — pergunto para Claudia, que ainda parece lutar contra a vontade de vomitar.
— Batalha de rap. Valendo mil dólares, bebida de graça por três meses e o poder de fazer bullying com os calouros. — ela me conta como se estivesse falando do clima. — Se o Sanders ganhar, ele vai deixar de ser visto como calouro.
Observo Harry saltar sobre a mesa do DJ como se fizesse isso todos os dias. Em um piscar de olhos, ele está com um microfone na mão e outro garoto também. Todo mundo grita quando ele arranca a camiseta do corpo e a pendura em um dos bolsos traseiros da calça jeans. Assisto, perplexa, a Harry sorrir exultante enquanto um monte de garotas começa a atirar coisas na direção dele.
Não coisas. Sutiãs. E calcinhas.
E então a batalha começa. Não consigo entender uma palavra do que Harry e o garoto rimam, porque ambos claramente beberam demais e estão com a língua enrolada, mas capto trechos que envolvem bebida, jogos de vôlei, festas e mulheres. Estou simplesmente congelada no lugar, sem acreditar no que estou vendo. Desde quando Harry faz rap? A coisa toda escalona até que há uma cacofonia de gritos e vivas. Não sei quanto tempo passa, mas em algum momento o DJ pede para que a plateia eleja o vencedor batendo palmas e gritando.
Harry vence com folga.
Ele pula da mesa e recebe vários cumprimentos e abraços. Está sorrindo, triunfante. Parece mais com o sorriso que ele lançava para todo mundo logo que o conheci, na San Diego High School. Aquela presunção que transbordava dele por ser o mais desejado, o mais bonito, o que conquistava mais garotas. Ao que parece, nada mudou.
Só tem uma garota que não olha para ele com adoração. Tina.
— Claudia, por que Tina não gosta do Harry? — eu pergunto antes que Harry se desvencilhe da multidão e venha até nós.
— Você não esqueceu aquilo, né? — ele diz ao meu lado.
— Não.
— Foi só uma aposta idiota. Uns garotos apostaram ontem com Harry que ele não conseguiria pegar Tina nem se quisesse porque ela é a garota mais difícil da Omicron. — Claudia responde meio embolado devido à embriaguez. — Mas é claro que ele não queria pegar Tina, ele ama você.
— Mas?
Ela protela, mas continua:
— Mas os caras ofereceram uma nota preta e Harry sabia que, se quisesse a garota, conseguiria. Então ele fingiu dar em cima dela e, quando ela deu moral, ele obviamente deu para trás. Só isso.
Tento digerir as palavras dela. Só isso? SÓ ISSO?
— Está me dizendo que ele deu em cima de uma garota só para ganhar uma aposta e depois a deixou a ver navios?
— Foi só uma brincadeira, fofa. Harry estava bêbado, todo mundo estava. — ela faz pouco caso.
— Bêbado como agora? — aponto para ele. Depois da quantidade que ele bebeu, não consigo imaginar como possa ficar pior do que isso. Ele pode não estar fora de controle, mas subir em uma mesa de som, tirar a camiseta e fazer rap não são coisas que ele faria se estivesse sóbrio.
— Claro que não, bem pior que isso. Ele não bebeu quase nada hoje porque você está aqui.
Quase nada? Porque eu estou aqui?
Perco a capacidade de falar. Fico imóvel, apenas observando Harry começar a caminhar na nossa direção. Ele volta a sorrir daquele jeito dolorosamente amplo para mim, mas tudo o que vejo agora é um cara bêbado, mas que não está nem perto do nível de bêbado que consegue atingir.
— O que achou da minha rima, gatinha? — ele indaga quando me alcança. — Mandei bem? Ouviu a parte que eu rimei "Rose" com "flows"?
— Estou cansada, acho que vou voltar para o quarto. — corto-o.
O semblante alegre dele desmancha para uma expressão de confusão.
— Mas já vai começar a contagem...
— Não me importo. — começo a me afastar dele. Não sei quem é esse garoto, mas ele não se parece em nada com o meu namorado Harry. Parece o jogador de vôlei idiota que me abordou no meio do refeitório exigindo aulas particulares. Ou então aquele garoto arrogante que tratava garotas como itens descartáveis.
— Qual o problema, Ambrosine? — ele segura o meu cotovelo antes que eu me afaste muito.
Prometi a mim mesma que não ia falar sobre isso em plena festa de réveillon, mas ele não me deixa escolha.
— Quem é você e o que fez com o meu namorado? — disparo, o rosto esquentando de raiva. Meu peito sobe e desce em um ritmo descompassado. Pela visão periférica, vejo Claudia e Ed se entreolharem.
Harry recua um passo, ainda sem entender o meu ataque.
— Do que você está falando?
— Desde quando você é o rei das festas da Omicron? Desde quando vai a festas todas as noites? Desde quando bebe gim puro sem fazer careta? Desde quando joga strip pong e faz apostas sobre pegar garotas? Pelo amor de Deus, desde quando você faz rap, Harry?
Ele fica atordoado por alguns instantes, mas então repara nos olhares a nossa volta e então me puxa para um lugar menos lotado. Deixo-me ser levada a contragosto. Quando ele para no jardim de uma das caras da rua, próximo a uma das janelas do térreo, eu espero ver algum tipo de vergonha ou remorso no semblante dele, mas ele continua impassível.
— Não estou entendo você, Ambrosine. — ele diz com uma calma cortante. Como ele consegue manter essa calma mesmo depois de ter bebido tanto? Ele já explodiu por muito menos. — Por que está com raiva por eu ir a festas? Você não faz exatamente a mesma coisa na UCLA?
Sinto meu rosto ficar ainda mais quente de raiva.
— Eu não faço nada comparado a isso! — aponto para a festa na rua.
— O que tem de mais nisso? Música, gente dançando, bebida...
— Drogas!
— Ninguém é obrigado a usar nada que não queira. — ele defende sua fraternidade. — E não era você que dizia que a gente iria para festas na faculdade, que vomitaríamos por beber demais e faríamos um monte de coisas irresponsáveis, porque a faculdade é assim?
Lembro-me das palavras que agora ele usa contra mim. É, eu disse mesmo essas coisas. Eu falei para ele que precisaríamos ser maduros e lidar da melhor forma com essa nova etapa de nossas vidas. Disse que não deveríamos nos privar de nada que a universidade tivesse a oferecer por causa do nosso relacionamento. Principalmente, falei que precisaríamos confiar um no outro.
Mas eu não sei se confio nele. Não depois do que vi aqui. Muito menos depois dele ter escondido tudo isso de mim até hoje de manhã.
— Eu falei isso, mas tudo tem limite, Harry. — digo, por fim.
— E qual é o limite? Vamos, me diga! — a voz dele se eleva um tom.
Penso no que dizer. O limite é bebida? Não posso dizer isso. Não posso podar o quanto ele bebe porque ele nunca me podou nesse sentido. O limite talvez seja a frequência que ele vai a essas festas? Harry nunca impôs esse tipo de limite para mim. Nunca reclamou de nada que fiz na UCLA.
É claro que eu também não fiz muitas coisas nem fui a muitas festas. Nunca coloquei a compreensão dele verdadeiramente à prova.
Ou quem sabe o limite sejam as amizades que ele tem feito. Mas alguma vez ele disse algo sobre os meus amigos? Mesmo sendo ciumento, nunca se meteu na minha amizade com Elijah e Shyla, por exemplo. Eu não tenho o direito de dizer que aquela Pamela e aquele Teddy são estranhos, tenho?
Só sobram duas coisas que me sinto no direito de reivindicar.
— Qualquer jogo que envolva ficar sem roupa. — digo, resoluta.
— Feito. — ele concorda imediatamente.
— O quê?
— Não vou jogar nada que envolva ficar sem roupa. Mas, deixando claro, eu nunca fiquei pelado de verdade.
— Ficar de cueca é quase ficar pelado. E se eu ficar de calcinha e sutiã em alguma festa? — disparo.
O rosto dele se contorce de ciúmes.
— Eu disse feito, Ambrosine. Joguei strip pong poucas vezes e mal tirei a camiseta na maioria delas. Isso de ficar de cueca só aconteceu uma vez e eu vi que era estupidez no mesmo instante. Nunca mais joguei nada do tipo.
— E quanto às apostas?
Pela primeira vez ele demonstra algum remorso.
— A maioria foi inofensiva. Só ontem que eu caí na besteira de entrar na pilha do panaca do JJ e...
— Não culpe os outros, Harry. Você aceitou porque quis. — corto-o.
Ele suspira e se recosta na parede.
— Eu sei. O que eu fiz foi errado. Mas eu nem encostei na garota, amor. Só soltei uns flertes e ela caiu que nem um pato.
— Só? — cruzo os braços, revoltada. — Então tudo bem se eu só soltar uns flertes lá na UCLA, né?
— Eu não vou entrar em apostas idiotas de novo. Feito. Podemos mudar de assunto agora? — ele resmunga.
— Por que fez isso com a garota? Isso foi muito babaca, Harry. — não vou deixá-lo escapar tão fácil dos próprios pecados.
— Eu sou babaca, lembra? — ele sorri torto para mim, numa tentativa pífia de fazer graça.
— Não vejo a menor graça. — permaneço séria.
Ele bufa.
— Ambrosine, Tina não é nenhuma santa, ela já fez coisa muito pior do que eu. Ninguém aqui é vítima. Todo mundo é abertamente escroto nesse lugar e ninguém dá a mínima para isso.
— EU dou a mínima para isso.
Ele suspira de novo, desviando o olhar. Ele não pode esperar que eu ache ok esse tipo de comportamento. Nunca vou normalizar agir como um babaca deliberadamente, mesmo que a outra pessoa mereça.
— Eu já disse que não vou apostar nada que envolva outras mulheres. Mais alguma exigência? — ele pergunta, impaciente. Reflito um pouco, mas nada me vem à cabeça assim sob pressão. Ele aproveita a minha hesitação e me puxa para perto. — Ótimo, agora me beija.
Mas eu não o obedeço, ainda emburrada, então no fim é ele que faz o movimento. Seus lábios pressionam os meus com vontade, só que eu não estou no clima, não como estava antes. Minha cabeça ainda ferve com essa nova impressão que Harry está deixando em mim. Não gosto desse jeito nem aí dele, não gosto de imaginá-lo voltando a ser aquele cara inconsequente e arrogante que eu conheci. Até o novo jeito como ele é quando está bêbado me apavora.
Eu amo o garoto sensível que abriu o seu coração para mim. Amo quando ele é bobo e romântico, quando me dá presentes com significado, quando me faz rir com seu jeito desbocado, quando é doce com a mãe, quando viaja centenas de milhas para me ver e quando se esforça pelo que quer. Sei que ele está se esforçando para se encaixar aqui na Omicron, mas a que custo?
Ele nem parece notar que não estou correspondendo ao seu beijo na mesma intensidade. É quando a contagem regressiva começa, os gritos ecoam, os fogos eclodem e ele me solta para poder observar.
— Feliz ano novo, minha gata. — ele diz no meu ouvido. — Eu estava certo, afinal. O ano passado começou e terminou assim: eu e você. Juntos.
Sorrio para ele sem muita expressividade e não deixo de notar que ele não fez uma projeção semelhante para esse novo ano.
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