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Pequenos Sacrifícios (Parte I)

"Enquanto estava sem memórias, tentando viver minha vida o mais normal possível dentro de todas as possibilidades humanas que possuía, Dante se encarregou de cuidar de mim a distância. Ainda não conseguia perdoá-lo totalmente por ter me privado das lembranças que compartilhamos e ter me jogado de volta a minha dimensão original, contudo, não negava o quanto aquele conhecimento me sensibilizou."

[Dante e Diva | Romance | Angst]

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Entre ataques não tão inesperados e a negligência de Dante, Devil May Cry nunca passava muito tempo organizado e limpo como deixava após uma dura e cansativa faxina - e havia até um intervalo que durava, no máximo, três dias até que os primeiros rastros de bagunça se tornassem evidentes. Desde que passei a morar com Dante e assumir as responsabilidades domésticas e financeiras da agência, comecei a reparar no quanto minha interferência mantinha o lugar menos caótico no quesito estética, embora convertê-lo em um recinto de negócios lucrativo fosse uma tarefa quase impossível.

Toda vez que esfregava o chão e via uma crosta de sujeira formada sobre o assoalho ou a poeira invadir os móveis, assentando na superfície deles a ponto de uma grossa camada cinza cobri-los por completo, perdia o ânimo de tentar pôr tudo nos eixos. Não tínhamos um acordo que me obrigava a fornecer serviços pra ele tampouco pedia para que fizesse aquilo, era mais uma iniciativa minha para ajudá-lo já que, inicialmente, viveria as custas dele durante um breve período que se estendeu em anos.

Esfreguei o chão com vigor, removendo o que deduzi ser restos de gordura que criaram uma passagem vagamente escorregadia. Ainda precisava dar um jeito de encerá-lo e também arrumar a papelada em um único canto para que ficasse mais fácil na hora de vasculhá-los. Terminado de lavar o escritório, tratei de separar os arquivos entre prioridades: não era de se impressionar que ele tivesse uma verdadeira coleção de boletos não pagos, de cartas de dívidas estratosféricas, mas o que chamou atenção fora a quantidade mensal expressa e armazenadas em uma das inúmeras pastas mal fechadas de alguma coisa que não compreendi do que seria.

Interrompendo meus afazeres, peguei a documentação e comecei a analisá-las minuciosamente, me aprofundando em um assunto que sequer era meu. Franzi o cenho, intrigada e confusa ao ver o meu nome em campos diferentes e minha assinatura, o que, a princípio, me confundiu. Conforme persistia na busca em esclarecer a situação, mais estupefata ficava, abismada demais para encontrar palavras para externar o misto de emoções que me tragava - sendo um deles uma admiração comovida.

- Ele pagou minha faculdade. - exalei com uma expiração superficial e pausada. Enquanto estava sem memórias, tentando viver minha vida o mais normal possível dentro de todas as possibilidades humanas que possuía, Dante se encarregou de cuidar de mim a distância. Ainda não conseguia perdoá-lo totalmente por ter me privado das lembranças que compartilhamos e ter me jogado de volta a minha dimensão original, contudo, não negava o quanto aquele conhecimento me sensibilizou. Ele ter financiado minha faculdade me permitiu estudar para seguir a carreira que gostava e também que pudesse me entender melhor, me abriu um mundo de novas experiências.

Revisei mais do contrato, encontrando algumas correspondências que serviam como protocolo da faculdade. A burocracia para conseguir um financiamento estudantil poderia ser complicado para alguns. Me questionei como não tinha visto tudo antes, talvez porque não mexia muito na papelada da agência e nem me liguei que deveria ter consultado tanto para descobrir detalhes ocultos quanto para informações legais - prevenir de que o registro do imóvel ou um acervo importante não se perca.

Como um lembrete para mim mesma: conversaria com Lyana a respeito e ela tiraria essa história a limpo.

Dante chegou poucas horas mais tarde e, para meu infortúnio, sempre foi excelente em me ler - a capacidade dele em me interpretar e ter ciência de que havia algo errado no ambiente dificilmente falhava, na verdade, nunca falhou de fato. Enviei uma mensagem para Lyana e não demorou muito para responder e informar que já estava a caminho.

- Algum problema, doçura? - indagou com semblante suave. - Você parece tensa.

- Não é nada. - sorri, rezando para não me auto denunciar. - Estou esperando a Lyana para batermos papo, sabe?

- Nesse caso, desejo uma boa sorte. - seu tom divertido fez meu coração saltar frenético. - E se precisar de alguma ajuda, resgate ou uma desculpa pra fugir da sua amiga, me liga.

Acabei rindo do seu comentário e parti para lanchonete mais próxima. Lyana não demorou muito para chegar e parecia ligeiramente apreensiva, não sabia se isso se devia a minha chamada repentina ou era sobre algo além da minha jurisdição. Ela se acomodou de frente pra mim e pediu um café para a garçonete.

- O que o Dante aprontou dessa vez? Destruiu de novo o escritório?

- Você e ele estão engraçadinhos hoje, dormiram com um palhaço, foi? - arqueei uma das sobrancelhas, rindo. - Mas te chamei aqui pra algo sério. - com extremo cuidado, coloquei os documentos sobre a mesa e entreguei a Lyana que averiguou um por um, suas feições iam de curiosidade à assombro a medida que sua leitura ficava mais reflexiva.

- Oh... - ela me fitou com seriedade. - Achei que já soubesse, ele não te contou?

Neguei com a cabeça, sentindo a visão borrar. Não queria chorar em público, muito menos voltar pra casa para confrontar Dante, pelo menos não ainda.

- Isso faz anos já. - a meio-demônio começou, tocando carinhosamente minha mão. - Mesmo depois do nosso retorno, mantive contato com Dante. Ele não tinha como vir pra cá e eu ainda possuía um fragmento do pingente de Alexander, então poderia conversar com ele por vagos momentos. Contei sobre sua recuperação e sua decisão de retomar a faculdade, então Dante decidiu pagar por isso. Na época, obviamente, ele não tinha recursos, não muito diferente de hoje. - houve uma breve pausa. - Ele penhorou algumas das armas que ainda tinha em posse e pediu emprestado uma soma alta de dinheiro pra Lady pra cobrir seus gastos universitários até que se formasse. Dante disse que contaria quando chegasse a hora e não cumpriu a parte dele.

Chocada, congelada no lugar e emudecida pela descoberta, engoli o bolo na garganta, entretanto, não contive mais o choro.

- Entendo se estiver brava, mas ele só queria te ajudar. - ela murmurou com delicadeza, como costumava fazer quando me machucava brincando na infância e que sempre surtia o efeito calmante. - Dante queria que tivesse uma vida normal, sem correr perigo constante. Que vivesse sem se preocupar com o dia de amanhã. Isso não isenta nossa culpa pelo que aconteceu no passado, tenho consciência disso, mas...

- O que mais ele fez? - cortei o discurso dela com visível nervosismo.

- Apenas isso... - Lyana suspirou. - Deveria aproveitar e contar a verdade a ele também... Não deveria deixar esse ressentimento aceso para sempre.

Sem dizer nada, levantei com brusquidão, mirando Lyana com apatia, e saí da lanchonete sem olhar para trás, escutando-a entoar meu nome.

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