O Homem da Meia-noite
"— Esse lugar foi abandonado pela luz, não vê? — elevou a mão o máximo que sua prisão lhe permitia, apontando para o foco débil de luz acima dele. — Aquilo foi o que restou."
[Nero centric]
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Você consegue escutar a voz da sua alma chamando?
Nero ouviu essa questão, certa ocasião, em um de seus delírios de sono enquanto cochilava no sofá da agência, pendendo entre a lucidez e a exaustão absoluta de dias sem um devido descanso. Não era a primeira vez que se deparava com esse tipo de dilema metafórico sobre seu espírito e o que ele dizia, embora também seja algo que vez ou outra ele mesmo se questionasse e muitas delas se perpetuam em sua natureza não humana e como isso afetaria suas relações com quem possuía uma conexão.
Tentava ser sensato, mas dormir tem sido uma atividade estranha nós últimos meses e sua conturbada rotina como Devil Hunter contribuía para a sobrecarga mental. Seus sonhos, à princípio, se tratavam unicamente de formas abstratas e fragmentos do que aconteceu durante o dia, um fluxo bem pouco significativo. Entretanto, eles começaram a sair da zona confortável de jogo aleatório de imagens para um cenário fixo e coberto pelas teias da escuridão. Seus passos ecoaram em um vazio infindável e a luz que continha ali, naquele espaço de dimensões desconhecidas, eram feixes sutis que forneciam um curto alcance de iluminação para que pudesse se situar.
Nunca fora alguém tentado as trevas sequer as temia como um mal genuíno, talvez essa frieza natural se originara de sua formação e seu contato precoce com a definição de maldade, mas ao conhecer o melancólico Sebastian começou a enxergar um certo receio a ela. Na realidade, não chegou a se encontrar com ele pessoalmente tampouco sabia como seria sua face, seu encontro com esse ser enigmático fora através de outras pessoas influenciadas por ele, pois, se houvesse o mínimo de escuridão no coração de alguém, ele teria acesso e facilmente adentraria. Essa primeira impressão lhe causou uma emoção agridoce de raiva e angústia.
Afugentando os maus pensamentos, continuou vagando sem rumo pelas sombras preparado para o que viesse confrontá-lo. Em sua jornada para o nada, Nero percebeu que haviam numerosas correntes espalhadas pelo chão e emitiam um brilho pulsante como se fossem entidades vivas que atuavam a cada instante, uma essência que sobrevivia no limbo de trevas. Seguiu as correntes e onde se prendiam: um homem delgado, pálido e com incrivelmente longos cabelos negros que se perdiam na densa Escuridão. Ele aparentava estar ali há muito tempo pela grande apatia que demonstrava e o modo como seu cabelo cobria parcialmente seu rosto. Os olhos cintilavam em um vermelho carmesim muito incomum e, ao se dar conta de sua presença, o homem ergueu a cabeça e o fitou com intensidade.
Nero recuou instintivamente com a sensação de que aquelas orbes rubis o estivesse despindo de sua fortaleza e contemplando sua alma e vulnerabilidades. Não existia nenhum traço de perversidade ou algo ruim permeando o olhar da figura, apenas uma espécie de admiração dócil que o intrigou ainda mais.
— O que faz aqui? — a voz rouca indagou. — Esse lugar foi abandonado pela luz, não vê? — elevou a mão o máximo que sua prisão lhe permitia, apontando para o foco débil de luz acima dele. — Aquilo foi o que restou.
— Quem é você? — Nero perguntou mecanicamente.
— A cortesia é se apresentar antes de perguntar como me chamo. — sorriu com simpatia.
Nero franziu o cenho, mas não contestou.
— Nero. Me chamo Nero.
— Nero, lembro desse nome. — murmurou com melancolia. — Meu nome não é importante agora. — o olhar de ambos de cruzou, nos de Nero a dúvida dominava e nos da figura nada podia se ver além de um abismo profundo. — Há algo que deseja?
— Entender que lugar é esse seria um bom começo.
— Como pode ver, é o nada. Você já escutou que no começo nada existia além de trevas? — Nero o mirou com mais desconfiança.
— Isso não responde minha pergunta.
— E não é necessário saber. Mas fico feliz que tenha vindo. — pausou por um breve instante. — Você é a primeira pessoa que vejo em muito tempo. — comentou voltando a sua postura apática. — É bom lembrar que existem outras vidas além dessa prisão. A solidão tem sido minha única companhia e ver outra pessoa aqui é... Estranhamente confortador.
Nero permaneceu em silêncio.
— Você me recorda alguém que perdi há muito tempo. — a tristeza tremeu em sua voz. — Com ele morreu uma parte da minha alma. Talvez nunca tenha a oportunidade de estar com ele novamente como quando éramos crianças tampouco reviver aquelas memórias preciosas. — seu olhar parecia distante enquanto ele proferia tais palavras. — Não existe pior solidão que a de perder aquilo que se ama do fundo do coração.
O caçador se sentiu tocado por aquilo, algo que não era de seu feitio. Havia algo no aspecto físico dele que aflorava em Nero um intenso sentimento de compaixão, como se enxergasse na figura alva, delgada e quebrada alguém que devesse proteger.
— Entende, não é? A sensação de estar sozinho...
Nero desviou o olhar com a interrogativa do homem, não sabendo como exprimir o que achava daquilo. Sua mente era uma bagunça de percepções confusas e, ainda, tentava assimilar o que o tinha aquele homem que o fazia perder sua postura.
— Mas... Posso mudar as coisas. — anuiu, analisando as correntes que o prendiam. — Consertar tudo. — fechou os olhos meditativo, então fitou novamente o Devil Hunter. — As pessoas fazem loucuras para recuperar o que se foi e acabam também se perdendo no percurso. Erros são erros, não há nada que fazer para alterar isso. — sorriu com pesar. — Agora é diferente, tenho uma última oportunidade.
— Última oportunidade pra que?
— De fazer tudo a minha maneira e dessa vez... Dessa vez, não vou deixá-lo ir. — Ao dizer isso com tamanha propriedade, o homem sorriu e fitou Nero com firmeza e antes que esboçasse uma reação lógica, despertou num rompante, assustando Kyrie que passava próxima com a cesta de roupas sujas.
— Nero? O que foi? — indagou preocupada.
— Nada. Foi só um sonho. — Nero suspirou pensativo. — Um sonho muito estranho.
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