Cutie D
"Agora era um tipo de heroína com direito a uniforme feito a mão — providenciado por Lyana e Maya que prometeram guardar segredo — e uma frase de efeito típico de protagonista de mahou shoujo.
O que noites ociosas e muita criatividade não fazem, não é?"
[Comédia | Referência a Cutie Honey | Dante&Diva&Vergil]
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A MANCHETE SENSACIONALISTA NO JORNAL relatava, com um título bastante exagerado, mais um crime combatido pela suposta vigilante noturna: uma figura enigmática que se embrenhava noite a dentro inflamando o imaginário em sua afrontosa oposição a violência cotidiana. Apesar dos métodos pouco ortodoxos, muitos a viam como uma heroína que se prontificou a ajudar a sociedade e outros eram contra a ideia de “justiça com as próprias mãos”, essa divergência clara de opinião não afetava o desempenho dela e o crescimento de sua popularidade. A cada nova remessa de notícias, mais ficava evidente sua influência e grandes habilidades ocultas, praticamente colocando-a no pódio de bem equipada em termos de luta. Em contrapartida, Dante não estava muito contente pela forma que ela se interporia em seus negócios e, por consequência, em seu rendimento financeiro — que já não classificaria como grande.
Acrescentar mais um tópico na extensa lista de dívidas que ele acumulou durante anos seria, para todos os efeitos, catastrófico. Sem muito o que fazer, o caçador só deixou de lado a fonte da notícia tratando de não se afetar demais pela rival de trabalho. Se nem mesmo com a Lady sugando seus recursos com dívidas exorbitantes e Trish pegando suas missões, o irritava realmente para estragar seu dia, quem dirá outra excêntrica mulher arruinando seus planos. Vergil, por via de regra, acreditava que ela poderia ser alguém de índole duvidosa que se entretinha em se meter em assuntos mundanos, contudo, não seria relevante o bastante para lhe tomar atenção para uma investigação mais aprofundada. E, conhecendo-o bem, ele iria até o fim para descobrir a identidade dela e suas reais intenções.
E meu papel nessa trama toda? Eu sou a tal “justiceira”. Nenhum deles sabe, mesmo conectada com ambos, mantive esse segredo a sete chaves por ter uma vaga ciência que eles não concordariam com essa loucura toda. Ainda estava receosa, embora a sensação de adrenalina e a satisfação de usar meus poderes para ações em larga escala para benefício de muitos fosse incrível, em ter que, sem querer, competir com Dante. De início o objetivo era para mitigar o tédio e ajudar, porém elevei a brincadeira a um novo patamar. Driblando as possibilidades, converti uma diversão em uma tarefa e não tinha ideia de como levar isso sem acabar em uma situação complicada com um Dante chateado e um Vergil me encarando com desgosto.
Sem garantias que o resultado final fosse tão legal quanto o processo inteiro, faria o possível para que esse hobby não fugisse do meu escopo. Se atuasse com tanta imprudência e visse meu eu de três anos atrás, ela me censuraria além de deixar bastante claro o descontentamento e a vergonha alheia por me sujeitar a uma besteira dessas, com direito a uniforme feito a mão — providenciado por Lyana e Maya que prometeram guardar segredo — e uma frase de efeito típico de protagonista de mahou shoujo. Depois de passar o pão que o diabo amassou, não me deteria em realizar minhas fantasias bobas encorajadas pelo meu lado infantil e impressionável.
O que noites ociosas e muita criatividade não fazem, não é?
Como consegui a proeza de evitar ser descoberta? Não é exatamente o que chamaria de fácil se for considerar que, ao entrar na mesma frequência psíquica, minha mente poderia se conectar com a de Dante. Claro que, para acontecer esse fator em específico, existe um critério definitivo: uma emoção forte como risco de morte ou medo. Com os exercícios de disciplina de Vergil, meu manejo das emoções melhorou e manobrá-las o suficiente para não me revelar involuntariamente se mostrou um árduo desafio que superava a cada dia. Afinal, não era mais a moça indefesa que não sabia lidar com os poderes que possuía e dependia quase totalmente do cuidado de Dante.
Minha programação de heroína funcionava bem devido a divisão de quartos e, também, se quisesse, poderia formular desculpas bem persuasivas. Vergil sempre foi o mais desconfiado e ágil nas deduções — sendo o mais capaz de me pegar — e o Dante o mais despreocupado, ainda assim, nenhum deles se metia muito no que fazia e como fazia contanto que não me colocasse em perigo potencial — o que é o caso. O dia transcorreu sem problemas e poucos telefonemas envolvendo missões para o caçador se ocupar pela noite e, decidida a não esperar muito da sorte, escapuli com o pretexto de uma noite com Lyana, o que não questionaram.
Saltei pelos prédios no maior estilo Assassin’s Creed e parei em um afastado, olhando a lua.
— Sempre que o mal tentar nublar a justiça, eu triunfarei para lutar pelos mais fracos, eu sou a... — paro no meio da sentença, reflexiva. — Merda! Não tenho um nome bacana de heroína! — troco de roupa num estalar de dedos. — Preciso pensar em um.
— Super garota Maradiva? — sugeriram certa ocasião.
— Cutie D? — Lyana comentou gargalhando com a referência a Cutie Honey.
Lyana e Maya sugeriram opções diversas para alcunha, das mais bizarras às mais engraçadas. A essa altura, pondo na balança as alternativas, algumas poderiam ser julgadas como uma possibilidade e, quiçá, um título definitivo para ser convocada se houvesse uma oportunidade em meio aos becos escuros e ruas pouco movimentadas.
Saltei por entre os prédios devidamente uniformizada, realizando acrobacias que, em ocasiões comuns, seria uma mera distração e desperdício de energia, segundo Vergil — que basicamente o enxergava com a personificação da disciplina.
Não tem problema fazer uma exibição gratuita e sem propósito apenas para ter um entretenimento barato se ninguém souber que você o faz, certo? Vergil, tal qual um mentor rígido, não se agradaria com a descoberta e tampouco encorajaria. Ele não precisava saber, ficar quieta e ser sorrateira era a chave do sucesso.
Dei de ombros.
Pousei numa rua silenciosa com uma vibração estranha, me deparando, no auge da ironia — o universo gostava de pregar peças —, com Dante que me encarou com uma expressão bastante engraçada se a ocasião fosse outra, uma mistura de surpresa ligeira, sarcasmo ácido, diversão mordaz e uma pitada de irritação, tudo isso como uma amostra do quão pouco ele realmente se importava com esse suposto “jogo” de concorrência.
— Olha se não é a heroína que está pegando os meus trabalhos — alfinetou, um sorriso maquiavélico estampado em seu rosto. — Não achei que a encontraria tão cedo. Lamento informar, mas dessa vez chegou meio tarde. — indicou o beco atrás dele onde um demônio abatido desaparecia em cinzas. — Você não é a única a saber alguns truques.
— Não estou tentando pegar seus trabalhos — afirmei mudando o timbre da minha voz para que ele não reconhecesse.
— Claro que não, só está brincando de ser heroína e não sabe no que está se metendo. — disse em um tom mais de advertência. — Isso não é uma brincadeira e você pode se machucar de verdade. Deixe o trabalho com demônios com gente do meu calibre, capiche?
— Eu sei lutar contra eles tanto quanto você. — retruquei. Estava plenamente ciente de que Dante não tinha a mínima ideia da minha identidade e que, tudo que aprendi sobre magia, me proporcionou experiência para camuflar e separar minha persona Diva da minha persona heroica, contudo, ele falar abertamente que sou incapaz de combater demônios é insultante. — Não preciso ter tantos anos de batalhas para saber como lidar com eles. Não é porque é velho que é melhor que eu.
Dante riu do comentário.
— É por ser mais velho que estou te orientando, senhorita.
Dante girou Ivory com destreza, exibindo sua proficiência no manejo da arma, se aproximando perigosamente de mim. Minhas pernas vacilaram e torci para que ele não tivesse notado meu patético estado, o bizarro efeito que ele tem sobre mim mesmo depois de anos de relacionamento — provando que nada mudaria realmente na nossa dinâmica e a tensão palpável.
— Aceite o conselho dos mais velhos. — argumentou com um ar perspicaz.
— Não sou tão jovem assim. — pousei as mãos no quadril. — Agora se me dar licença. — girei para trás e peguei impulso para parar num toldo resistente que suportou bravamente meu peso. — Vejo você por aí. — soprei um beijinho provocativo, desaparecendo nas sombras.
— Ei.
Dante é perspicaz em alguns momentos, só que, por vezes, tão alheio em outras.
Não sabia se deveria ficar feliz ou um pouco aborrecida pelo fluxo tranquilo da noite, sem ocorrências criminais ou de demônios. Aproveitei essa pausa involuntária para formular possíveis nomes de heroínas, ou melhor, vigilante. Em termos propriamente ditos, não me encaixava bem no significado de um. Observando a rua, notei que um homem perseguia uma jovem que apertava o passo com a ameaça de aproximação. Sem muita cerimônia fiz o famoso “pouso de herói” diante do stalkear que recuou com o susto, permitindo que a vítima apavorada escapasse sem grandes complicações. O meliante me encarou com raiva e sacou uma faca, preparado para um golpe mal intencionado.
Suspirei.
— Você não vai querer realmente fazer isso. — alertei.
Despreocupadamente liguei pra polícia informando a localização para que viessem deter o cara antes que ele despertasse e fosse no encalço de outra mulher. Acho que acabei ficando muito tempo com Dante, porque a arrogância dele começou a influir no meu desempenho.
Dei de ombros.
Melhor ser boa no que quer fazer, não é?
Minha madrugada não tão produtiva me encorajou a retornar para o recanto seguro e confortável do meu quarto, finalizando o serviço — se é que posso dizer assim. Fechei a janela e comecei a retirar o uniforme no escuro mesmo, esticando a mão para alcançar o interruptor quando já estava na metade do caminho.
Meu coração parou por um segundo ao ver a figura imponente, com o olhar indecifrável que me analisava de cima a baixo, sentado de braços cruzados — o que lhe atribuí um ar de autoridade. Meu instinto primordial fora retroceder, contudo, tropecei e cai com todo peso contra a parede.
— Vergil? Há quanto tempo está aí? — tentei fazer meu melhor sorriso convincente enquanto o meio-demônio me encarava com o semblante estoico de sempre, sem se abalar.
— Eu que te pergunto, onde estava vestida assim?
— Fazendo... Cosplays? — pigarreio.
— Vamos tentar de novo. — disse cético. — Você pode me explicar isso? — Vergil questionou mostrando a primeira página de um jornal que relatava uma das minhas empreitadas como heroína.
— Ah... Isso não é o que parece — argumentei, tendo extremo cuidado no uso das palavras para não acabar me denunciando.
— Está mesmo tentando negar o óbvio? Eu não sou o meu irmão pra cair nessa conversa.
— Certo! Sou eu! — ergui os braços em rendição. — Qual é, Vergil, vai mesmo me dar um sermão? Eu sou bem grandinha pra isso e... Era só... Estava tentando ajudar!
O meio-demônio balançou a cabeça como se escutasse uma desculpa pouco elaborada e bastante estúpida.
— Você não estava apenas dando jeito em demônios, você começou a ir atrás de gente problemática, fazendo o trabalho da polícia. — repreendeu sem abandonar a postura austera.
— Vergil, eu sei que não quer que eu me envolva nisso, mas não estou fazendo mal a ninguém. — me levantei. — Eu não estou fazendo o trabalho da polícia, eu ligo pra eles depois de deter os bandidos.
Ele me encarou com a resposta.
— Por mais que suas intenções sejam boas, você está fazendo com que se acostumem a tê-la ali para cuidar dos problemas. Assim vão cobrar seu tempo e te culparão se algo der errado. Melhor abandonar essa brincadeira antes que acabe sobrecarregada... — houve uma longa e perigosa pausa em seu raciocínio. — Além do mais, não acho que Dante iria ficar contente em saber que está roubando o serviço dele.
— Você vai contar a ele?
— Não. Vou deixar ele descobrir sozinho. — o brilho suspeito no olhar de Vergil me inquietou.
— Por que isso parece tão... — chacoalhei a cabeça afastando os maus pensamentos.
Dante não descobrirá, tenho certeza.
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