Capítulo - 65
A vida tem um jeito de nos mostrar que nem tudo deve ser como queremos ou como planejamos. E eu sou a prova viva de que essa afirmação não poderia ser mais correta, pois quando eu pensei que minha vida estava desabando, depois de perder o meu bebê e saber que o meu marido estava me traindo e por causa disso acabou morrendo quando fugia com a nossa vizinha, sem nem mesmo pensar que estaria me deixando sozinha com uma filha de cinco anos e uma gravidez de risco, um milagre aconteceu.
Sim! A chegada daquele bebê ainda sujinho do parto, enrolado apenas em uma manta de centro cirúrgico e chorando desesperadamente foi um milagre que me fez perceber que nem tudo está perdido e que eu não deveria me entregar a dor, pois havia uma criança que dependia de mim e a partir daquele momento, também um bebê que me ensinaria que a força vem de onde menos esperamos e no meu caso, essa força veio de um serzinho rosadinho, pequeno e pesando um pouco mais de 3.300 Kg., mas com uma luz que era capaz de clarear até o mais intenso dos breus.
Portland – Janeiro/1999
Todas as noites depois de colocar a Thaís para dormir, eu me entregava ao choro até o desgaste emocional me consumir e me render ao sono, mas de repente batidas desesperadas na porta me despertaram da minha autocomiseração e a voz do Padre Lutero ressoou acompanhada de um choro estridente de bebê do lado de fora da casa.
– ÂNGELA! ÂNGELA ABRA A PORTA, POR FAVOR!
Seco o meu rosto e visto um roupão por cima do pijama e saio correndo do quarto, acendo as luzes e abro a porta, vendo Padre Lutero tentando ninar um bebê que está agitado enquanto chora em cessar.
– Padre Lutero, o que aconteceu? De quem é esse bebê? – Sinto o meu coração se apertar por ouvir o choro desesperado do bebê e sem pensar duas vezes eu me aproximo. – Deixe-me segurá-lo, Padre? Talvez eu consiga acalmá-lo.
– Ah minha Filha, se você puder fazer isso, eu não sei mais o poderia fazer. Ela está chorando desde que chegou. – Ele me entrega o pequeno corpinho e percebo que ainda está sujinho do parto, além de estar sem roupas e me assusto.
– Padre, esse bebê é recém-nascido. Onde o Senhor o encontrou? Abandonaram na porta da Igreja? – Ele suspira e me olha apreensivo.
– Filha, eu prometo te contar o que eu sei e o quê eu posso lhe dizer, mas você poderia ver se ela está bem?
– Ela? É uma menina? – Meus olhos marejam por imaginar quem poderia ter abandonado uma princesa como essa. Continuo ninando-a e aos poucos o choro desesperado dá espaço a pequenos fungadinhos e ela se aconchega em meu peito, abrindo a boquinha e sei que está com fome. – Você está faminta, não é Princesa?
Caminho na direção do sofá e me sento, não me importando com o Padre Lutero nos observando e abro o roupão e os primeiros botões do meu pijama e coloco o peito na pequena boquinha, que começa a sugar me causando dor por seu desespero e sem conseguir controlar, lágrimas deslizam por meu rosto e agradeço a Deus por ainda ter leite, depois de dois meses da morte do meu bebê.
– Desculpa-me por fazer você se sentir mal, Ângela, mas eu não sabia a quem recorrer e eu confio somente em você, para me ajudar a cuidar desse bebê. – Eu nego com a cabeça e sorrio depois de tanto tempo, entre as lágrimas.
– Eu não estou me sentindo mal, Padre Lutero. – Respondo ainda olhando para a pequena e acaricio o seu rostinho enquanto ela continua sugando avidamente. – Pelo contrário, estou me sentindo muito bem por saber que posso dar o meu leite para essa pequena. – Desvio o olhar dela e encaro o Padre a minha frente. – Quem teria coragem de abandonar um bebê recém-nascido na porta da Igreja, Padre? – Ele suspira e se senta na poltrona que há no canto da sala.
– Ela não foi abandonada, Ângela, ela... – Ele pondera por um momento o que irá dizer, mas acaba falando. – Ela foi tirada dos pais. – Arregalo os olhos e o encaro assustada.
– Como assim? Padre Lutero, essa criança foi sequestrada? E por que ela está aqui, com o Senhor?
– Filha, eu não posso falar, mas eu prometi que cuidaria dela. – Ele olha para a pequena que agora está dormindo com o meu peito ainda na boca, antes de voltar a me olhar e recomponho-me, fechando a minha roupa, posicionando-a para poder arrotar. – Eu sei que nesse momento, eu posso estar sendo injusto em te pedir isso, mas a única pessoa que eu confiaria para me ajudar a cuidar dela, seria você. – Eu assinto ainda atordoada com tudo isso. – Você... Você poderia me ajudar a cuidar dela?
– Claro que sim, Padre Lutero, mas... Mas, isso não poderia nos causar problemas? E quem trouxe esse bebê até o Senhor?
– Quem trouxe essa pequena, foi o Marco, mas eu preciso que você deposite a sua confiança em mim e acredite que se eu tivesse outra opção não te pediria isso, pois eu não posso falar mais nada, minha Filha.
Permaneço em silêncio por um momento e volto a deitá-la em meus braços e fico apenas olhando o seu rostinho. Passo o dedo em suas bochechinhas rosadas e na sua cabecinha coberta por cabelos escuros vendo que ela precisa de um banho urgente para retirar o vérnix caseoso que ainda está em sua pele branquinha e o meu coração se enche de amor
– Tudo bem, Padre Lutero, eu confio no Senhor e iremos cuidar dessa pequena. – Ouço o seu suspiro aliviado e o encaro. – Precisamos dar um nome para ela.
– O nome dela é Anastásia. Anastásia Steele. – Pisco confusa por ele ter dado um sobrenome a ela, mas ele nega com a cabeça. – Não me pergunte Ângela, o Marco pediu apenas para chama-la assim. – Assinto e sorrio, voltando a olhar para a bebê dormindo como um verdadeiro anjinho que ela é.
– Eu não sei o que aconteceu para você não estar com os seus pais, mas eu cuidarei de você, pequena Anastásia. – Permito que as lágrimas voltem a deslizar por meu rosto, mas continuo sorrindo. – Prometo cuidar de você o quanto for necessário, meu Anjinho.
(...)
Portland – Abril/2005
Desde que Anastásia chegou as nossas vidas, há seis anos, temos conhecido um novo sentido da palavra amor, pois ela é um anjo. Nunca me deu trabalho, além de ser carinhosa ao extremo, tentando sempre ser prestativa – mesmo tão pequena – e muito inteligente. Por um tempo precisamos contratar uma babá, uma mocinha filha de uma vizinha que queria guardar dinheiro para a Universidade, mas assim que conseguiu sua admissão, há um ano, não contratamos outra, até mesmo porque Ana, aos cinco anos, demonstrou ser autossuficiente e enquanto eu cumpria meu turno no Hospital, ela ficava com o Padre Lutero, assistindo desenhos ou fazendo suas diversas perguntas por ser muito curiosa.
Eu jamais esquecerei o meu bebê e muito menos usei Anastásia como substituta, mas ela fez com que o vazio em meu peito fosse preenchido e me fez perceber que mesmo que eu sentisse saudade do meu filho, eu ainda assim seria capaz de dar amor a outro serzinho tão pequeno e indefeso e que precisava de mim e dos meus cuidados. Por outro lado, a minha filha, tem ficado ainda mais arredia e não entende que Ana é apenas uma criança e que não quer tomar o seu lugar ou lutar por atenção como ela acredita ser.
Thaís está entrando na fase da pré-adolescência, estando com 11 anos, e não muda o seu comportamento infantil, como se precisasse chamar a minha atenção somente para ela. E isso tem me preocupado, pois ela não permite que Ana se aproxime e muito menos se esforça para ser minimamente educada com a pequena que tenta a todo custo ser amiga dela.
Anastásia tendo apenas seis anos demonstra o quanto tem um coração nobre, mesmo que eu consiga perceber que ela queria apenas se aproximar e ter alguém para brincar, mas Ana simplesmente abre aquele sorriso lindo e deixa a Thais quieta no seu quarto e vai brincar sozinha ou a rabiscar nos cadernos de desenhos que o Marco trouxe para ela.
E por falar em Marco, ele tem se apegado muito a pequena, o que não é diferente de nenhum de nós, mesmo que eu consiga ver o quanto ele fica triste quando Anastásia começa a fazer perguntas nas quais ele não consegue – ou não pode – responder. E inclusive vi lágrimas em seus olhos no dia que ele precisou corrigir sua Borboletinha – apelido que ele deu a ela desde que ainda era um bebê –, por tê-lo chamado de papai, dizendo que ele a amava muito, mas que era seu tio. E isso também aconteceu comigo, ouvindo aquela voz doce e infantil me chamando de mamãe.
Mesmo que eu não saiba o que aconteceu e o porquê de estarmos com a Anastásia durante esses seis anos, eu tenho a ciência que em algum momento ela terá que encontrar os seus pais. E o Marco deixou claro que não deveríamos acostumá-la a usar os títulos que deveriam ser apenas de seus pais biológicos e que sempre iríamos ser os seus tios que a amam muito.
– Ah não, Titio, só mais um pouquinho! – Sorrio por ouvir a sua voz manhosa e me aproximo da porta do quarto, no qual o Marco decorou digno de uma Princesa como Anastásia é, enquanto ele tenta colocá-la para dormir contando histórias.
– Borboletinha, o titio precisa voltar para o trabalho e você, Princesa, tem que dormir. – Ele fala com toda a calma do mundo, mas olhar para aqueles olhos azuis pidões e o biquinho naqueles lábios rosadas, sempre o desarma. – Tudo bem, só mais uma história e você vai dormir, tudo bem? – Ela sorri e balança a cabeça enfaticamente e leva a mãozinha na testa afastando a franja, que não posso me esquecer de cortar amanhã. – Qual história você quer?
– De Princesa! – Ela bate palminhas, animada, com aqueles grandes olhos espertos vibrados no tio que está deitado ao seu lado.
– Claro que seria de Princesa, que pergunta a minha, não é Borboletinha? – Ela dá risada e se aconchega melhor puxando o cobertor, mas atenta à história que ele irá começar. – Era uma vez, num Reino distante, um Príncipe muito bonito e inteligente. Ele era tão inteligente que precisou se mudar para outro Reino para poder estudar e voltava para visitar o Rei e a Rainha sempre que pudesse, mas um dia, quando ele voltou para o seu Reino ele encontrou uma Plebeia muito bonita, doce e delicada e sentiu no seu coração que a amava.
– E foram felizes para Sempre? – Ela pergunta sapeca e Marco dá risada, mas nega com a cabeça.
– Ainda não, Borboletinha, a história apenas começou. – Ela assente e boceja e sei que logo irá dormir, pois está tarde. – Mas continuando, o Príncipe e a Plebeia começaram a sua linda história de amor, mas ele tinha que voltar para o outro Reino para continuar a estudar e retornar o mais rápido possível para o seu Reino e se casar com o amor da vida dele. Só que ele não sabia que daquele amor, uma sementinha foi germinada e iria nascer um fruto que iria mudar a vida deles para sempre. – Ela boceja mais uma vez, mas continua lutando contra o sono para continuar escutando a história. – Quando a Plebeia descobriu que tinha uma sementinha que em breve iria crescer e nascer uma linda Princesinha, ela decidiu ir embora, mas sempre esperando o seu Príncipe voltar. Os dias foram passando, depois passaram para meses e a Princesinha decidiu que queria conhecer o mundo, mas então um Guarda Real ouviu um homem malvado falando que iria fazer mal a Princesinha, porque alguém ainda mais malvado iria pagar muito bem.
– Era a Bruxa? – Ela faz uma carinha assustada e Marco novamente dá risada, mas por seu tom de voz, sei que ele ficou triste com essa parte da história.
– O Guarda Real não sabia se era uma Bruxa ou um terrível Mago, ele só sabia que teria que salvar a Herdeira do trono e proteger o amor do Príncipe com a Plebeia e foi o que ele fez, por mais que sejam difíceis as decisões que o Guarda Real decidiu tomar para que isso acontecesse.
– Mas o Príncipe e a Plebeia viveram felizes para Sempre, Titio? – Novamente ela pergunta, pois todas as histórias que conto para ela termina assim e Marco balança a cabeça em negação.
– Ainda não, mas essa parte da história ficará para depois, Mocinha, pois está tarde e você tem que dormir.
– Ah não, Titio!
– Depois eu conto o restante da história, meu Amor, agora durma e na próxima semana eu voltarei para levá-la naquela Escolinha que eu falei você se lembra? – Ela balança a cabecinha já sonolenta e ele beija a testa dela, antes de se levantar e cobri-la melhor com o cobertor. Mas ele se assusta por me ver parada na porta e saímos do quarto, depois de ligar o abajur e apagar as luzes. – Faz tempo que você estava aí, Ângela?
– O suficiente para ouvir toda a história. – Ele assente e seguimos para a sala. – Essa história que você contou, é a história dos pais dela, não é? – Ele fica me analisando por um momento, mas acaba assentindo. – E o Guarda Real eu devo presumir que seja você? – Ele suspira e pega o casaco no suporte e volta a me olhar.
– Ângela, eu não posso contar nada por enquanto, mas eu não poderia ser mais grato por você cuidar da Anastásia. – Eu assinto e ele volta a suspirar. – Eu sei que você sufoca várias perguntas, mas sinceramente o quanto menos você souber, será melhor.
– Eu prometi ao Padre Lutero que não iria fazer perguntas e que cuidaria da Ana enquanto fosse necessário, até porque eu a amo como se tivesse sido gerada em meu ventre, mas, Marco, eu vejo o quanto você fica apreensivo sempre que vem aqui e ainda mais quando tem que ir embora depois de coloca-la para dormir. – Ele olha em seu relógio e respira fundo, mudando completamente de assunto.
– Na próxima semana virei para matriculá-la no curso de Francês para crianças, não fica longe daqui e o Tio Lutero disse que ficaria encarregado de buscá-la nos dias que tivesse aula.
– Você não acha que ela está muito pequena para isso, Marco? – Ele sorri de lado e nega com a cabeça.
– Não está! Não se preocupe. E eu acredito que você já tenha percebido a facilidade que ela tem de repetir as palavras em outros idiomas quando está assistindo algo na TV?
– De fato você tem razão, mas por que Francês?
– Quantos idiomas ela puder aprender será melhor para ela no futuro. Acredite em mim que será muito útil daqui a alguns anos e conhecendo aquela espoleta, não vai passar de mais uma aventura enquanto aprende novas línguas, brincando. – Eu assinto e ele volta a verificar o seu relógio. – Eu fiz o depósito do mês na conta da Anastásia, mas sabendo que vocês não irão usar aquele dinheiro, eu tomei a liberdade de depositar uma quantia em sua conta. – Ele levanta a mão para que eu me cale e volta a falar. – Não é muita coisa, mas eu não quero que nada falte a ela e nem a vocês, por isso não comente com o meu Tio, mas não deixe de usar esse dinheiro, Ângela, por favor! – Eu suspiro, mas acabo assentindo.
– Tudo bem, Marco.
– E se precisar de qualquer coisa, não hesite em ligar, Ângela e não ouça sempre o que o Tio Lutero fala, pois ele é muito cabeça-dura. – Novamente eu assinto e ele abre a porta. – Agora eu tenho que ir e... Cuide dela por mim.
– Cuidarei! Não se preocupe.
Ele assente e vai embora me deixando com a cabeça ainda mais cheia de dúvidas e ciente que não terei respostas para nenhuma delas.
(...)
Portland – Maio/2014
O tempo passa tão rápido que nem percebemos que 15 anos havia se passado e hoje, Anastásia é uma moça, mas continua com a sua pureza e inocência de quando era uma criança, mesmo que tenhamos percebido que ela seja muito madura para pouca idade que tem.
Sempre obediente, carinhosa, estudiosa e curiosa também, mas de toda a sua curiosidade, a que nunca pudemos sanar foi sobre os seus pais, que desde que tinha oito anos, quando por intenção de machuca-la, a Thaís foi dizer que ela havia sido jogada fora numa lata de lixo, porque os seus pais não a amavam.
Nesse dia eu fiquei muito triste por ela, ainda mais por eu não poder tirar a dor que ela sentia naquele coraçãozinho e que era visível em seus olhinhos azuis que estavam tão tristes, mas fiquei também igualmente decepcionada com a minha própria filha, por ser tão ruim a ponto de eu não saber de onde ela conseguia tirar aquele gênio dela.
Eu sempre fiz de tudo por minha filha, para que nada lhe faltasse e tentei o máximo suprir a falta que ela sentia do pai. Thaís era muito apegada ao George e quando ele morreu, eu não poderia dizer que o acidente havia acontecido porque ele estava nos abandonado com a vizinha, que era sua amante, mas eu não pude esconder isso dela na adolescência e me doeu muito quando ela disse que a culpa para isso ter acontecido fosse minha. Que eu não soube cuidar do meu marido e deixei que ele fosse embora e por isso ele havia morrido.
Não vou negar que chorei muito, pois eu sempre fui uma boa esposa – ou pelo menos eu tentava ser – e tentei continuar sendo uma boa mãe, mesmo que depois que meu bebê morreu e recebi a notícia da morte do meu marido, eu tenha sim me afastado um pouco dela, mas nunca deixei de ficar atenta aos seus cuidados ou a abandonei – mesmo que agisse mais no automático –, agora me acusar de ter sido o motivo da infidelidade do meu marido, me doeu muito e dói sempre que me lembro de suas palavras ácidas.
– Mãe, eu preciso de dinheiro.
Thaís entra no meu quarto me tirando das lembranças ruins e se joga na minha cama sobre as fotos do aniversário de 15 anos da Ana, que estou organizando no álbum que decidi montar para entregar aos seus pais quando o momento chegasse.
– Para que você quer dinheiro, Thaís? – Tento pegar as fotos com cuidado e resolvo deixar a organização para depois.
– O Victor e a Luma me convidaram para ir a uma festa de um conhecido deles e eu quero ir.
– E onde seria essa festa?
– Mãe, não vem ao caso onde será a festa. Eu quero apenas dinheiro, já que aquela mixaria que você chama de mesada acabou. – Eu suspiro e nego com a cabeça.
– Essa mixaria, Thaís, é um dinheiro suado e que eu trabalho muito para conseguir para que nada falte a você e para a Ana. – Ela revira os olhos e se senta na cama.
– Se não tivesse que dividir o meu dinheiro com aquela bastarda, eu não teria que ficar pedindo sempre que precisasse. – Levanto-me da cama e guardo as fotos e o álbum em meu guarda-roupa.
– Primeiro que o dinheiro é meu e segundo, eu já pedi para você não falar assim da Anastásia.
– Que seja! Eu já percebi que você prefere a rejeitada a mim, que sou sua própria filha.
– Você sabe que isso não é verdade, Thaís, e sabe que está sendo injusta comigo.
– Injusta? Eu? E você que fica negando dinheiro para a própria filha, pois tem que dividir a minha mesada com aquele estorvo? Faça-me o favor, Mãe! – Sinto o meu coração se apertar por ver que a minha filha, uma moça de 21 anos continua agindo como uma menina mimada, fato que nunca foi. – Eu quero apenas um pouco de dinheiro para ajudar com o combustível e poder me divertir um pouco em Tacoma com os meus amigos.
– Tacoma? – Ela assente como se não fosse nada demais ir para outra Cidade com pessoas que eu não conheço e eu nego com a cabeça. – Você não vai!
– Você não pode me impedir. Eu tenho o direito de decidir para onde e com quem ir. – Nego novamente com a cabeça e saio do quarto, sendo seguida por ela e encontramos Ana na sala, fazendo o seu dever de casa.
– Thaís, eu já disse que você não vai e pronto!
– Mas que droga, Mãe, é só uma festa e você não pode me proibir, eu sou maior de idade e eu decido para onde e com quem eu vou sair. – Ela altera o tom de voz e isso me deixa chateada em pensar onde estou errando com a criação da minha filha e vejo Ana nos olhar assustada.
– Você tem razão, minha Filha, você de fato é maior de idade, no entanto o dinheiro que você precisa para essa viagem é meu, então eu decido se te darei ou não.
– Por que você faz isso comigo, Mãe? Eu tenho certeza se o dinheiro fosse para essa rejeitada da Anastásia você não hesitaria em dar o quanto ela pedisse. – Thaís fala com raiva e vejo Ana baixar a cabeça triste por ouvir isso e mais uma vez me sinto mal pelas atitudes da minha filha.
– Thaís não fale assim da Ana! E diferente de você que não quer saber nada da vida, ela não faz nada a não ser estudar e jamais me pediria para viajar para outra cidade com pessoas que eu nem conheço, simplesmente porque quer ir a uma festa.
– Ah claro, a rejeitada é perfeita mesmo, tão perfeita que nem os pais a quiseram e a jogaram no primeiro latão de lixo que acharam, porque se... – Sem conseguir me conter acerto um tapa em seu rosto, que pode apostar doeu muito mais em mim do que nela, mas ela apenas me encara com ódio em seus olhos que estão marejados.
– Eu estou cansada dessas suas palavras venenosas, Thaís, você pode me falar tudo o que você quiser, mas eu não permitirei que você fale assim com a Ana, está me ouvindo? – Ela não me responde nada, mas direciona toda a sua raiva para Ana que está com os olhos arregalados, pois ela nunca me viu levantar a mão para Thaís.
– Está satisfeita, bastarda? Não era isso que você sempre quis fazer? Colocar a minha mãe contra mim? Pois bem, parabéns! Você conseguiu e saiba que eu odeio vocês duas, eu ODEIO!
Ela termina de falar gritando e sai correndo pela porta, quase atropelando o Padre Lutero e sinto o meu coração apertado e meus olhos marejados por vê-la assim, mas eu não posso permitir que ela continuasse agindo como uma rebelde e ainda atacar a Ana que é tão inocente e não merece ser tratada dessa forma.
Doeu-me ainda mais por Anastásia achar que era a culpada pelas atitudes da Thaís. Acreditando que se não estivesse aqui, a minha filha seria diferente e por essa razão eu precisei contar a ela um pouquinho do meu passado. E analisando bem, Thaís vem demonstrando um comportamento possessivo-agressivo comigo desde que eu engravidei do seu irmão e eu espero que agora, que ela já é uma mulher, isso não evolua para algo pior, pois eu amo a minha filha e não desistirei dela jamais.
(...)
Portland – Maio/2017
Ser mãe é um constante desafio, principalmente se você tem uma filha que a cada dia que passa demonstra comportamentos difíceis de aceitar, justamente por não haver motivos para ser como vem agindo. Tão dura, amargurada, rebelde e cruel com suas palavras.
Por um momento me sinto um fracasso como mãe e como mulher, principalmente quando sou constantemente lembrada da traição do meu marido, mas então respiro fundo e me dou conta que esse fracasso não é meu, afinal, o salafrário mau-caráter foi ele, que não me respeitou, que não honrou o compromisso que havia me feito perante Deus e nossos familiares quando me jurou fidelidade, aceitando se envolver com outra mulher, que também tinha dois filhos.
Dou uma risada amarga pensando na ironia da situação, pois uma mulher que não respeita nem mesmo os filhos, jamais seria capaz de sentir empatia por outra mulher, mãe de uma criança de cinco anos e esperando um bebê, sendo uma gravidez de risco, que confiava cegamente no marido, que sempre fez de tudo para estar presente na vida dele, apoiando-o, enfrentando as dificuldades e que sonhava com a família perfeita. No entanto, o fato de estarmos juntos parece que bastava somente a mim, pois eu nunca seria capaz de fazer algo tão baixo como eles fizeram e que Deus me perdoe por minhas palavras, mas como diz "aqui se faz, aqui se paga" e eles pagaram antes mesmo de conseguirem fugir.
Seco o meu rosto e tento esquecer o passado, mas é difícil quando a sua própria filha te acusa de um erro que não foi seu. Que grita, mesmo através de uma ligação telefônica, que fui uma péssima esposa e estou sendo uma péssima mãe – apenas porque me recusei a dar dinheiro a ela e pedi que voltasse para casa –, e por essa razão estou sozinha, pois segundo ela, o pai dela morreu por minha culpa e ela prefere ficar em qualquer lugar do mundo, como está a quase dois anos, do que ficar comigo e Anastásia. O meu coração dói quando ouço essas palavras, ainda mais por não saber onde ela possa estar, sendo que me liga apenas para pedir mais dinheiro e informar que está bem e isso quando convém a ela, é claro.
É inevitável não pensar onde foi que eu errei, pois nunca fui ausente na vida da minha filha. Sempre fiz de tudo para que nada faltasse principalmente carinho, proteção e muito amor. Repreendi quando era necessário, claro, mas acalentei quando tinha lágrimas. Cuidei quando esteve doente e evitei que voltasse a ficar, pelo menos dentro das minhas possibilidades. Tentei ensinar a ela os mesmos valores que ensinei a Ana. Tentei fazer com que ela se interessasse em estudar, que buscasse uma motivação que a fizesse feliz e não amargurada, rancorosa e revoltada como está sendo. E eu me pergunto mais uma vez, onde está sendo o meu erro?
– Tia Ângela! – Assusto-me com a voz de Ana, seguida de uma batida na porta e volto a secar o meu rosto.
– Pode entrar Borboletinha. – Ela abre a porta com um sorriso, mas que se fecha quando vê que eu estava chorando.
– Tia, aconteceu alguma coisa? – Ela se senta ao meu lado na cama e eu tento sorrir, negando com a cabeça.
– Não aconteceu nada, meu Amor, apenas a Thaís que me ligou, mas está tudo bem, não se preocupe. – Vejo seu semblante entristecer e suspiro. – Mas me diz o que é isso na sua mão? – Tento mudar de assunto e ela me dá um sorriso contido, mas vejo que está nervosa.
– São as respostas das Universidades, Tia. – Sorrio verdadeiramente agora, apenas por presenciar sua animação mesclada à ansiedade.
– Você não abriu ainda? – Ela nega com a cabeça e encara os envelopes em suas mãos. – Então vamos para a sala, chamamos o Padre Lutero e você os abre tudo bem?
– Estou nervosa, Tia! E se eu... Se eu não fui aceita? – Nego com a cabeça e sorrio, pois é impossível que isso pudesse acontecer, ainda mais pelo tanto que ela se preparou.
– Se isso acontecer, você tenta novamente no próximo ano, mas acredito que não será necessário. – Ela suspira e salta da cama e eu faço o mesmo.
– Então vamos, Tia. Se eu não conseguir, com certeza não irei desistir. – Sorrio com a sua determinação, concordando com a cabeça e seguimos para a sala.
Enquanto ela saiu para chamar o Padre Lutero na Igreja eu suspiro e tenho a minha resposta, pois eu não errei, sendo que a forma que venho criando a Anastásia, não há distinção com a forma que criei a minha filha e por isso, só peço a Deus que ilumine a vida da Thaís e que faça com que ela encontre o seu caminho, pois eu sempre estarei aqui de braços abertos esperando por ela.
Ângela realmente é uma boa mãe, pena que Thaís não sabe reconhecer isso 😔😔😔?
Será que só eu fiquei emocionada com o amor do "Guarda Real" pela Borboletinha 🤧🤧🤧?
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