Capítulo - 06
Seattle - Agosto/2018
Quantas vezes não ouvimos alguém que está tentando te fazer ser otimista dizer que o tempo é capaz de curar tudo, fazendo com que perdas sejam mais fáceis de lidar e que um coração partido possa ser reconstruído, porém no meu caso o tempo é o meu único aliado para me fazer perceber que eu jamais deverei ser quem um dia eu fui. Um garoto cheio de sonhos em busca de realização profissional e da felicidade plena, a mesma vivida em minha casa ao presenciar o amor dos meus pais.
Pura idiotice! Uma grande enganação do mundo fantasioso que foi feito para adolescentes almejarem o que nem todos serão capazes de alcançar, pois a tão felicidade e amor incondicional não foi feito apenas para quem deseja simplesmente encontra-los. Somente os sonhadores que se permitem serem enganados por falsas atitudes, carinhos simulados e mentiras bem contadas são capazes de acreditar que qualquer pessoa conseguirá ter alguém que está disposta a amar sem segundas intenções ou interesses financeiros - como foi o meu caso -, no entanto eu não irei generalizar, pois eu vejo o quanto o amor de meus pais é verdadeiro e real.
Contraditório isso não é? No entanto o amor parece mesmo ser algo contraditório e infelizmente eu deixei de acreditar nele, pois há 23 meses que eu senti na pele como escolhas erradas interferem na vida de um homem e essas mesmas escolhas me trouxeram de volta a Seattle, onde além da minha família - que mesmo mantendo-me distante - a única coisa que me manteve são, foi a minha vontade de fundar a minha Empresa e, com muita dedicação e horas incessantes de trabalho eu consegui realizar esse sonho, ou pelo menos de todos os desejos daquele adolescente sonhador, esse fosse o único que eu seria capaz de realizar, tendo a inauguração da GNIH - Grey Naval Industries & Holding Inc. - oficializada há seis meses.
- Senhor Grey, o Senhor Raymond Steele acabou de chegar. - Laura entra na minha sala após bater, fazendo-me voltar para o agora.
Laura Castro foi um achado, pois entre todos os membros da Equipe que trabalhariam na minha Empresa, eu não conseguia encontrar uma Secretária que estivesse disposta a de fato exercer suas funções profissionais, mas Oliver havia me dito que a Secretária do seu pai não o aguentava mais e que iria pedir demissão, indicando-me assim que soube que eu procurava por uma, pois além de ser mais experiente, saberia lidar com o meu mal humor.
- Faça-o entrar, Laura e não quero ser interrompido enquanto ele estiver aqui. - Respondo focando a minha atenção no computador, mas ainda sinto a sua presença na porta da minha sala. - Tem mais alguma coisa que queira me falar?
- Sim Senhor. - Levanto o meu olhar encarando-a, para que fale de uma vez. - O Senhor Richard Grey pediu para avisar que às 14h00 estará aqui com o Segurança que o Senhor solicitou. - Assinto, mas pelo visto ela ainda não terminou. - E o Senhor Wright está apenas aguardando a resposta sobre a compra do Estaleiro no Olympia e pediu que assim que possível, gostaria de reunir com o Senhor, juntamente com os atuais proprietários para discutirem sobre o assunto.
Aleksander Wright é um amigo da Universidade e além da profissão, temos mais em comum do que se possa imaginar, no entanto em situações opostas, pois se no meu caso eu fui manipulado por causa do meu dinheiro, ele teve que enfrentar o preconceito por ser um bolsista de classe média, mas que diferente de mim, ele não desistiu de encontrar novamente o amor.
Ele sempre se destacou por seu empenho e dedicação, concluindo o curso entre os melhores alunos da nossa turma e por esse motivo, eu não pensei duas vezes ao oferecer-lhe o cargo de Engenheiro Chefe, além da Vice Presidência da minha Empresa, pois o conceito que ele desenvolve os seus projetos se assemelha muito ao meu e formamos uma boa dupla, além de ser muito capacitado para gerir o restante da Equipe, considerando que a sua amabilidade de longe sobressai a minha ao se dirigir aos Funcionários.
- Agende-os para amanhã no primeiro horário e ligue para o Oliver, ele precisa estar presente para discutirmos sobre esse assunto. - Ela assente se retirando em seguida e eu me preparo para essa reunião, pois não imagino o que o amigo do meu pai iria querer comigo.
- Bom dia, Christian. - Raymond entra com um sorriso contido, apesar da constante tristeza que sempre é vista em seus olhos.
- Senhor Steele, como vai? - Levanto-me para cumprimenta-lo e ele me surpreende com um abraço.
- Sem formalidades, meu rapaz, eu não só o vi nascer, como o peguei no colo, então me chame apenas de Ray. - Assinto sentando-me e ele faz o mesmo a minha frente. - Você deve estar se perguntando o motivo da minha visita?
- Eu devo confessar que fiquei um pouco surpreso quando a minha Secretária me disse que você teria solicitado um horário. - Ele concorda e sorri.
- Você sabe que eu conheci os seus pais quando eu entrei na Universidade, não sabe? - Eu concordo por conhecer parte da história. - Então você sabe que eu sou Engenheiro de Petróleo e Gás com Especialização em Geologia e Mineração e que a minha Empresa é atuante nesse ramo, correto?
- Sim, mas exatamente em quê você precisa dos serviços da minha Empresa? - Pergunto direto, pois eu construo navios e cargueiros e não tenho nada haver com Mineração.
- Isso é simples Christian. A minha Empresa conseguiu o direito de explorar petróleo no Golfo do México e eu preciso que você construa uma plataforma para extração.
Analiso o que Raymond está querendo e mesmo sabendo que a minha equipe é competente trata-se de um projeto audacioso, mesmo eu tendo alguns projetos em execução - inclusive o da Marinha -, no entanto seria um grande desafio e reconhecimento para a GNIH.
- Raymond, um projeto como esse é audacioso e estamos falando de no mínimo 24 meses para conclusão, podendo chegar a mais se houver imprevistos e você deve saber que mesmo eu tendo conseguido vender um projeto para a Marinha, ainda sou novo no mercado Naval.
- Ora meu rapaz, a modéstia não combina em nada com o homem que ganhou seu primeiro bilhão aos 22 anos de idade e eu sei que você é mais do que capacitado para desenvolver e executar um excelente projeto. - Sua confiança no meu trabalho me motiva a aceitar. - Eu só vejo um problema, pois pelo menos nessa primeira fase, você teria que passar um tempo no México.
- Não vejo isso como um problema, pelo menos não para mim.
Se ele soubesse que além da minha família - na qual evito ao máximo, mesmo morando na mesma casa -, nada mais me prende a Seattle, veria o favor que está me fazendo principalmente considerando que no próximo mês faz dois anos desde aquele dia que destruiu a minha vida.
- Sendo assim, posso contar com você? - Ele estende a sua mão na qual aceito selando o nosso acordo.
- Será um prazer desenvolver esse projeto para você Raymond, no entanto eu preciso ver a prospecção dos Geólogos para saber de quantos metros de profundidade estamos falando ou você já tem em mente o tipo de plataforma que deseja? - Ele pensa por um momento antes de responder.
- Na verdade não, mas considerando que a profundidade estimada seja entre 310 a 800 metros e o campo a ser explorado não é limitado, o que você me sugere?
- Como eu disse, preciso analisar o levantamento dos Geólogos, mas podemos trabalhar com uma Plataforma Navio-Sonda ou uma Semissubmersível, pois ambas facilitam na mobilidade em campo. - Ele apenas assente. - Quando iríamos para o México?
- Se não for realmente um problema para você, eu gostaria se possível no próximo mês, afinal, como você mesmo ressaltou, é um trabalho a ser executado em longo prazo e quanto antes inicia-lo melhor.
- Ótimo, eu irei apenas aguardar que os levantamentos me sejam enviados e após análises, reunirei com a minha Equipe e a minha Secretária entra em contato com você para assinarmos o contrato após sua a avaliação.
- Perfeito! - Ele se levanta e eu faço o mesmo. - Eu sabia que poderia contar com você, Christian. - Aperto a mão que me é estendida e ele sorri do seu jeito triste. - E algo me diz que esse não será nosso único contato meu rapaz.
Após as despedidas ele se retira da minha sala e eu me jogo na minha cadeira, pensando em suas palavras, o que me pareceu algo com tanta convicção que eu não faço ideia do que possa ser, aliás, eu acredito que nem ele mesmo saiba devido à espontaneidade com que foi dito, no entanto eu preciso apenas focar nessa plataforma que me dará grande prestígio na área Naval e eu não poderia estar mais realizado por escolher essa profissão.
(...)
Trabalhar é algo que consegue fazer os meus pensamentos torturantes se dissiparem, pelo menos por um curto período de tempo e, considerando que passo mais tempo na minha Empresa do que na minha própria casa, esse tempo que passarei fora do País será bom para que eu consiga me desvincular - ou pelo menos tentar - de tudo que me assombra todos os dias durantes esses quase dois anos.
Não! Eu não penso mais na Débora como o amor que eu perdi, pois hoje eu percebo que em partes os meus irmãos estavam certos. De fato eu não a amava como acreditava, mas eu tinha sim um carinho muito grande por ela - a ponto de confundir com amor, ou manipulado para acreditar que fosse -, no entanto o que me machuca até hoje foi à forma que ela conseguiu me manipular, a ponto de me fazer enxergar apenas ela na minha frente, me colocando contra as pessoas que verdadeiramente me amavam e, isso me fez ver que um homem cego com a ilusão de um falso amor perde inclusive a sua capacidade de raciocinar e esquecer parte de sua personalidade, além da dignidade.
O que machuca é saber que hoje eu não consigo mais ter um bom relacionamento com os meus irmãos, por eles terem me visto na minha pior fase, quando me mostrei ser um boneco nas mãos de uma mulher mentirosa e que se mostrou ser tão cruel e, depois verem o trapo humano que eu me tornei. Eu gostaria muito de poder esquecer e seguir em frente, como a minha família me diz para fazer, mas sempre que pego o celular dela que tenho em mãos agora e vejo a forma que ela falava sobre mim em suas mensagens, não me deixam esquecer.
Eu devo ser um masoquista por não jogar esse aparelho fora e mais ainda por sempre trazê-lo comigo, mas parece que algo me impulsiona a mantê-lo, para que essas lembranças não me permitam voltar a ser o Christian que eu fui um dia, fazendo-me voltar naquela tarde, logo depois que eu abri o envelope que mudou a minha vida e ver algumas mensagens que foram trocadas.
- Christian! O que você está fazendo? - Caleb entrou correndo no meu quarto, assim que ouviu o barulho dos móveis se quebrando no meu momento de fúria.
- Foi tudo mentira Caleb. TUDO! - Arremessei o abajur na parede derrubando um quadro que havia ali.
- Do que você está falando? - Ele me perguntou confuso e receoso em se aproximar.
- Do que eu estou falando? - Soltei uma risada amarga entre as lágrimas e pego o maldito celular, visualizando mensagens aleatórias. - "Ele é muito idiota e você não sabe o sacrifício que eu tenho que fazer para ir para cama com aquele mimadinho ingênuo". - Meu irmão me olhou sem entender, mas eu continuei. - "Eu sei Gatinho, mas eu sempre penso que é você que está comigo". "Eu não aguento mais Gatinho, aquele idiota discute com os irmãos e depois fica todo meloso em cima de mim".
- Christian, você não está fazendo sentido. - Caleb me olhou como se eu tivesse perdido a razão, para em seguida sair do quarto gritando por Richard, retornando logo depois. - Se acalme e me conte o que aconteceu.
- O que está acontecendo aqui? - Richard entrou no quarto, olhando a bagunça que eu havia feito.
- Que bom que você chegou irmão, assim você pode junto com o Caleb rir do palhaço que eu fui todo esse tempo, mas vamos lá, essas são as minhas favoritas. - Busquei rapidamente a mensagem e comecei a ler. - "Não, eu estou certa do que pretendo fazer, assim que os babacas dos irmãos dele voltarem para Seattle, ele fará tudo que eu quiser e nem vai perceber o que acabou com ele.", "Eu não vou desistir agora, depois de todo esse tempo suportando aquele otário.", "Não se preocupe Gatinho, seremos muito felizes e viveremos com o nosso filho".
- Christian... - Richard tentou falar me olhando com pena por já ter percebido do que eu estava falando.
- Não fala nada Richard. Eu sei que você vai dizer que havia me avisado e que eu não deveria ter acreditado nela. - Deixei meu corpo cair no chão sentindo o peso de tudo sobre meus ombros. - O Exame de DNA deu negativo. O bebê realmente não era meu. - Deixei as lágrimas de raiva e decepção caírem, logo sentindo os braços dos meus irmãos a minha volta, pois eles haviam se sentado no chão junto comigo.
E aquele foi o último dia que eu demonstrei fraqueza, a ponto de derramar lágrimas, igual um garotinho que caiu e machucou o joelho, chorando nos braços dos irmãos. No dia seguinte Richard tentou identificar de quem era o número "desconhecido", mas o mesmo estava desativado e era de um aparelho descartável, mas foi melhor assim, pois eu acredito que fiz papel de palhaço por tempo suficiente para ainda insistir em saber quem era a pessoa que debochava de mim junto com a Débora.
- Christian! Christian! - Assusto-me com os meus irmãos a minha frente, olhando-me preocupados. - Você continua a se martirizar com essa porcaria? - Richard me olha triste e decepcionado por ver o celular em minhas mãos, mas ignoro a sua pergunta.
- O que vocês estão fazendo aqui? - Pergunto friamente, guardando o celular na gaveta.
- Viemos almoçar com você, pois sabíamos que não sairia desse escritório para comer tão cedo. - Caleb quem responde e pelo horário deve ter vindo direto da Universidade.
- Vão vocês, eu não estou com fome. - Ignoro o olhar decepcionado deles e começo a trabalhar.
- Por que você age assim, Christian? - Richard faz a pergunta e eu nem me dou o trabalho de olhá-lo.
- Eu não ajo, eu sou assim, acostume-se ou pode se retirar da minha sala. - O silêncio se instalou na sala, mas logo Richard o quebra.
- Vá para casa Caleb, eu ficarei aqui, pois tenho uma reunião daqui a pouco e, não se preocupe, pois irei aguardar na Recepção "Senhor Grey". - Apesar da mágoa em sua voz, ouço também o sarcasmo, mas continuo ignorando e logo a porta é aberta e fechada em seguida e eu sei que eles saíram, fazendo-me respirar fundo quando sinto o aperto já conhecido por mim no peito.
- Você é um babaca, Christian. - Murmuro comigo mesmo, ouvindo o silêncio em resposta. - Mas é melhor assim, quem não se envolve, não sente e isso inclui os seus irmãos também.
(...)
Depois de um tempo em que eu havia ficado sozinho na minha sala e de Richard ter se acalmado, pois eu sei que foi esse o motivo para ele ter acatado a minha "ordem" e saído da sala, ele retornou 15 minutos antes do horário agendado para me mostrar as fichas dos Seguranças que havia selecionado para a minha Empresa, assim como o meu Segurança Particular e é exatamente isso que estamos fazendo agora.
- Eu selecionei estes para a GNIH. - Ele me entrega seis fichas e eu analiso as qualificações descritas. - Todos eles passaram por treinamento na minha Empresa e são qualificados.
- Por que treinamento se eles são Ex-Militares? - Pergunto confuso, pois apenas essa referência já seria o suficiente, ou não?
- Christian, o trabalho desenvolvido como Segurança de Rede Privada é bem diferente de quando se está no Serviço Militar. Os protocolos são diferentes, mesmo que eles usem boa parte da base Militar para desempenhar as suas funções, mas eles precisam de certa forma "aprender" não ser tão literal e imediatista como quando se está em campo e sim de forma preventiva, além de trabalharem na questão do trato pessoal. - Eu apenas assinto, pois o Especialista nessa área é ele e não eu.
- Richard, eu irei precisar de mais Seguranças para o Estaleiro de Olympia.
- Você concluiu a compra do Estaleiro? - Ele me pergunta e vejo o orgulho em seus olhos.
- Oficialmente ainda não, mas amanhã tenho uma reunião com o Aleksander e o Oliver para discutirmos isso, mas é praticamente fato consumado, pois os Herdeiros não têm interesse em continuar com uma propriedade daquele porte, sendo que se encontra em estado crítico de quase abandono.
- Então depois de tudo oficializado, você me avisa que irei verificar o local e fazer um levantamento de quantos Seguranças serão necessários. - Antes que eu fale mais alguma coisa, somos interrompidos por uma batida na porta e logo em seguida Laura entra.
- Senhores Grey, Taylor Lennox acabou de chegar, posso pedi-lo para entrar?
- Pode sim, Laura.
Ela assente e se afasta, retornando logo depois com um homem extremamente forte, cara fechada e olhos avaliativos, sem contar à barba que o deixa com aparência ainda mais séria e, eu diria até que um pouco intimidador.
- Boa tarde, Senhores Grey.
- Taylor, como vai? - Richard se levanta para cumprimenta-lo e eu faço o mesmo. - Esse é o meu irmão Christian. - Estendo a mão para que ele aperte e assim o faz. - Esse é Taylor Lennox, o responsável por sua Segurança a partir de hoje.
- Seja bem-vindo Taylor e sente-se.
- Obrigado Senhor.
- Então vamos ao que interessa. - Richard começa e eu apenas observo. - Como havíamos conversando anteriormente Taylor, o meu irmão conquistou a sua própria fortuna ainda muito jovem, mesmo tendo a sua Empresa fundada há apenas seis meses. A nossa família sempre prezou por Segurança, no entanto achamos melhor que tenha uma pessoa 24/7 ao lado dele, pois sabemos que além do sobrenome Grey, ele trabalha numa área que digamos, há uma concorrência não muito justa e para evitarmos possíveis problemas, resolvemos prevenir do que remediar futuramente.
- Certamente Senhor.
- Eu acredito que Richard tenha falado o que eu espero da pessoa que trabalhará para mim, correto? - Ele assente, mas eu irei reforçar. - Eu não sou uma pessoa fácil de lidar Taylor, eu exijo respeito, comprometimento, discrição e acima de tudo lealdade. - Ele assente novamente e eu continuo. - Não sou alguém que confia muito nas pessoas, pelo menos não mais e, eu espero que a confiança que eu depositar em você não seja quebrada, mas eu também serei justo e saberei o recompensar por isso. Na profissão que eu escolhi exercer há muitos jogos de interesses, se é que você está entendendo o que eu quero dizer, no entanto eu espero contar com uma pessoa que não ouse me trair e muito menos que seja suscetível a desvio de conduta.
- Quanto a isso não precisa se preocupar Senhor Grey, pois eu trato o meu trabalho com seriedade e honestidade.
- Ótimo.
Tratamos de todos os pormenores e eu pude conhecê-lo um pouco mais, acabando por descobrir que além de solteiro, ele é considerado o que podemos chamar de lobo solitário e que desde que ele foi dispensado com honras do Serviço Militar, trabalha na Rede Privada, até conhecer o meu irmão no ano passado e eu acredito que iremos nos dar muito bem, pois assim como eu, ele parece ser bem discreto e reservado.
(...)
Acordo e percebo que eu não dormi nem três horas, tendo em vista que cheguei à casa durante a madrugada, no entanto levanto-me e caminho para o banheiro e começo a pensar o quanto a minha vida está vazia e, se não fosse a GNIH não sei como estariam os meus dias.
No dia que a Débora morreu eu disse que não a odiaria, mas devido as cruéis descobertas do seu plano para se aproveitar do otário aqui, eu não consegui cumprir essa promessa, no entanto a parte de me odiar não poderia ser mais literal, pois eu odeio cada mísera partícula do meu ser, por ter me permitido ser enredado numa teia muito bem feita - ou pelo menos para mim, pois parece que todos haviam percebido quem ela era menos eu - de mentiras e joguetes de interesses e, por mais que eu tente, eu não consigo me desprender de tudo que aconteceu, ou será que eu não estou de fato tentando, por me achar merecedor de cada palavra proferida ao meu respeito em suas trocas de mensagens? Eu não tenho essa resposta e não estou disposto a encontra-la no momento, por isso o melhor que eu tenho a fazer é seguir para a minha Empresa antes que os meus pais e irmãos acordem.
Irônico isso não é? Eu aceitei a viver novamente na casa deles assim que voltei para Seattle, por me sentir culpado pelo tempo que me afastei deles, porém não é exatamente isso que eu continuo fazendo, quando tento de tudo para evita-los? Quando os nossos diálogos não passam de cumprimentos formais, como se fossemos estranhos vivendo dentro da mesma casa? Como eu disse a mim mesmo ontem, eu sou um babaca, mas não me importo.
- Bom dia, meu Filho! - Travo no lugar ao ouvir a voz da minha mãe assim que tento atravessar a sala, mas olho rapidamente em sua direção.
- Bom dia, Mãe.
- Me acompanha no café da manhã?
- Desculpe-me, mas eu não posso, eu tenho uma reunião no primeiro horário. - Vejo a esperança que havia há poucos minutos em seus olhos, se extinguir e me amaldiçoo interiormente por isso.
- Tudo bem Filho, tenha um bom dia de trabalho e que Deus o acompanhe.
Apenas assinto e saio rapidamente da sala que começou a ficar minúscula com essa sensação de sufocamento que estou sentindo. Eu me odeio por fazer os meus pais sofrerem, assim como os meus irmãos, pois eu sei que é isso que eu faço, mas estou fragmentado demais para permitir que algum deles se aproxime mais do que o necessário.
- Bom dia, Senhor Grey. - Assusto-me com Taylor se aproximando, no momento que tentei abrir a porta do meu carro.
Com tanta coisa em minha cabeça, acabei por me esquecer de que ele começaria o seu trabalho hoje, no entanto eu acredito que Richard tenha o avisado que costumo sair cedo de casa, sendo que ele está devidamente vestido para iniciar o nosso dia.
- Bom dia, Taylor, vamos para a GNIH.
Ele assente e abre a porta de trás do SUV que está ao lado do meu e, eu me acomodo vendo-o tomar o assento do motorista. Confesso que será um pouco estranho não dirigir o meu próprio carro, sendo que isso é uma das coisas que me faz ter a sensação de liberdade que não consigo mais sentir dentro de mim há muito tempo.
Seguimos o caminho num silêncio confortável, sendo que pela noite mal dormida o meu humor não é dos melhores, no entanto eu percebo que isso não o incomoda e vejo a forma atenta que ele dirige, parecendo uma águia, analisando tudo a sua volta, principalmente quando paramos em algum semáforo.
- Senhor Grey, ontem eu tomei a liberdade de fazer nota dos seus compromissos com a Senhorita Castro, porém devido ao pouco tempo que me foi disposto, eu realizei apenas uma checagem rápida sobre os convidados que estarão presentes em sua reunião de hoje e aparentemente não há nada suspeito. - Analiso o que ele disse e penso se eu entendi direito.
- Quando você diz checagem, está dizendo que fez um levantamento de antecedentes?
- Afirmativo Senhor. - Ele me olha rapidamente pelo retrovisor, logo entrando no estacionamento do prédio. - Esse é um protocolo padrão e é necessário para a sua Segurança Senhor Grey.
Assinto e começo a pensar que ter um Segurança será melhor do que eu poderia imaginar e, se eu o tivesse há quatro anos, muita coisa teria sido diferente, ou talvez não.
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