Capítulo V - Fim dos Sonhos
Lentamente, Joel abriu os olhos. As pálpebras nunca pareceram tão pesadas.
Permaneceu um tempo sem reação, estático, encarando o que quer que estivesse em sua frente.
Quando finalmente percebeu que não estava num cômodo escuro característico de seus sonhos, piscou demoradamente e notou o teto branco do cômodo. As pupilas percorreram todo o globo ocular, tentando identificar mais alguma coisa naquela sala, mas tudo o que conseguiu alcançar foram as juntas das paredes brancas no teto.
Girou a cabeça para a direita, com certa dificuldade, notando uma janela coberta por uma persiana bege. Pelas suas mínimas brechas, pôde notar o céu escuro e o degradê que fazia com o tom mais claro do outro lado. Talvez fosse o sol se pondo. Um pouco mais ao lado estavam os aparelhos médicos que mediam seus batimentos cardíacos. As linhas no monitor seguiam um padrão calmo e constante.
Suspirou enquanto observava, notando agora uma máscara que cobria seu nariz e boca, um aparelho para ajudá-lo a respirar. Nenhum pensamento rondava sua cabeça no momento. Voltou-se para o outro lado. Havia alguém ali, ocupando-se de fazer companhia ao homem. Andrei tomava o espaço de uma das duas cadeiras colocadas ao lado da cama do hospital, com os braços cruzados abaixo do peito e a cabeça baixa. As mechas onduladas caiam em seu rosto por trás dos óculos. Ele dormia tranquilamente.
Achou graça da situação, e um pequeno sorriso surgiu em seu rosto.
Mas há quanto tempo seu amigo estaria ali ao seu lado, aguardando que acordasse?
Ao lado havia uma mesinha de canto quase tão alta quanto à cama, que sustentava um vaso de cerâmica. As flores coloridas dentro dele estavam um pouco murchas. Tentou erguer o braço esquerdo para tocar as flores, mas não obteve sucesso. Seu corpo não respondia.
Tentou chamar por Andrei, mas sua garganta seca apenas conseguiu emitir ruídos desagradáveis. Pigarreou e tentou novamente, emitindo um "And" esticado. O outro acordou, fazendo um movimento brusco com a cabeça. Ele piscou os olhos e esfregou o rosto algumas vezes até finalmente se convencer de que Joel havia acordado:
— Finalmente... – havia alívio em sua voz. Sob os olhos azuis havia olheiras escuras que destacavam seu cansaço, e mesmo assim, Andrei abriu um sorriso.
Joel sorriu de volta, sabendo que era incapaz de respondê-lo no momento.
— Eu achei que você nunca mais fosse acordar... – Andrei insistiu em comentar, esperando alguma resposta do melhor amigo.
O outro entreabriu os lábios para se pronunciar, mas tudo o que saiu foi uma tosse seca.
— Vou buscar um médico para você. – o tom de Andrei foi compreensivo, mas ainda havia um quê de tristeza em sua voz.
Joel o acompanhou com os olhos até que deixasse o cômodo. Relaxou a cabeça no travesseiro novamente, voltando o olhar para o teto. Sua mente estava assustadoramente silenciosa e isso era um pouco perturbador.
Estava confuso, não sabia até onde as lembranças trazidas em seu sonho eram reais.
O sonho...
Agora acordado, não achava que poderia ser um simples sonho. Era muito mais intenso. A solução mais lógica era um possível coma. Mas pessoas em coma tinham a capacidade de sonhar? Não sabia responder a essa pergunta.
E quanto as suas lembranças? Parte delas estava corroída. A mulher acorrentada ao fundo da piscina... Quem era ela? Não sabia. Forçar as lembranças fazia sua cabeça doer.
Entretanto, algo estava perfeitamente claro em suas memórias. A mulher angelical que subitamente tomava as feições de um demônio horrendo. Madeline.
Sentiu um arrepio desconfortável correr pela sua espinha. E se, quando voltasse a dormir, encontrasse-a novamente em seus sonhos? E se ficasse preso em seu subconsciente novamente?
Joel sentiu o pânico consumi-lo como fogo. As linhas calmas que indicavam seus batimentos cardíacos subitamente se agitaram e, mesmo com o aparelho respiratório em seu rosto, começou a se atrapalhar com a própria respiração.
Andrei voltou com dois médicos, encontrando Joel em um estado intenso de euforia. Ele ofegava e tentava balbuciar alguma coisa que não conseguiam entender. Rapidamente os médicos se mobilizaram para sedar o homem, a situação poderia se agravar caso ele começasse a se debater.
Sentiu a picada de uma agulha em seu braço e instantes seguintes as pálpebras pesaram novamente. Tanto a respiração quanto os batimentos cardíacos voltaram a se acalmar a medida que Joel voltava para a escuridão, novamente a mercê de seu próprio subconsciente.
Os três meses seguintes correram lentos e banais.
Joel demorou alguns dias para voltar a falar, e mesmo assim ainda tinha dificuldade para pronunciar algumas palavras. Tinha sessões de fisioterapia todas as tardes para retomar o controle das pernas e voltar a andar sozinho. Por um tempo, teve que usar cadeiras de rodas para se locomover pelos corredores e jardim do hospital.
Andrei lhe contou que ficou em coma por quatro meses, mas sempre manteve a esperança de que o amigo acordaria. Sua mãe, Cíntia, o visitava todas as manhãs e trazia flores para enfeitar o quarto. O homem ficou aliviado por não ver a cabeça de coelho junto ao corpo de sua mãe.
No fim da tarde, após as sessões de fisioterapia, Judith aparecia no hospital. Contava sobre as peças de teatro em que atuava e o quanto sentia falta do irmão no palco. Às vezes ela trazia livros para lerem juntos ou papeis e lápis para rabiscarem e ajudar a passar o tempo.
O momento favorito da rotina de Joel era antes da fisioterapia, no qual podia visitar o jardim com total liberdade, dentro dos limites das cadeiras de roda, onde podia respirar ar puro e observar o dia. Lá, ele conheceu Hannah, uma menina de 12 anos que também estava se recuperando de um coma causado por traumatismo craniano. Diferente de Joel, a menina ficou inconsciente por mais de um ano e havia perdido grande parte da memória.
Apesar de tudo, Hannah era uma menina alegre que gostava de brincar com os outros enfermos. Joel não sabia ao certo qual era o tratamento que a menina fazia no hospital, visto que estava sempre correndo pelo jardim. Parecia tudo normal com ela. A única coisa "anormal" era seu sono, que muitas vezes interferia na atenção da menina.
Após receber alta, Andrei se ofereceu para buscá-lo no hospital. Mesmo que Joel já tivesse recuperado o controle de seus membros, os médicos o aconselharam a não se esforçar muito. Joel não encontrou Hannah para se despedir antes de deixar o hospital.
Andrei estava animado com a saída de Joel do hospital, queria levá-lo a todos os cantos da cidade que frequentavam antes do acidente. O outro entendia perfeitamente o amigo e, ainda que não tivesse tanta vontade de fazer um tour pela cidade, aceitou o convite, com a condição de que podia buscar Skipper em casa primeiro. Andrei aceitou.
O quarto de Joel estava do mesmo modo como ele se lembrava: os livros organizados na estante, os pôsteres nas paredes, o notebook em cima da escrivaninha. O cômodo emanava um cheiro agradável de limpeza, certamente Cintia o havia limpado e trocado os lençóis para a sua chegada.
O coelho branco de olhos vermelhos estava em sua gaiola, encolhido, olhando para Joel com seus olhos brilhantes. O homem sorriu e pegou seu mascote. Judith havia cuidado bem dele, como prometera ao irmão. Com Skipper em seus braços, retornou ao carro de Andrei.
A primeira parada do tour foi no shopping do outro lado da cidade, em que se encontravam para ver filmes e rondar pela livraria do local. Andrei mostrou as novas lojas do shopping e listou as lojas que tinham fechado. O outro escutou tudo calmamente, enquanto olhava os arredores. Estar ali trazia uma sensação estranha, como se estivesse visitando o shopping após uma década, entretanto, estava exatamente igual ao que se lembrava.
Resolveram parar na praça de alimentação quando Joel começou a se sentir cansado. Andrei o deixou sentado em um dos bancos da orla da praça e se afastou para comprar uma garrafa de água. Joel acariciava o pelo branco do coelho com calma, os dedos faziam grossas divisões na pelugem das costas do animal. A respiração tranquila de Skipper era no mínimo reconfortante.
Tentava encontrar um motivo por que o coelho teve papel tão importante para sair do labirinto criado pelo seu próprio subconsciente. Pensava sobre a violência que fora atribuída ao animal, visto que o mesmo sempre fora tranquilo. Estava envolto demais nos próprios pensamentos para perceber a aproximação de outra pessoa.
— Joel?... – uma voz feminina indagou. O homem ergueu o queixo e se deparou um uma mulher loira. Demorou a reconhecê-la, as madeixas louras curtas mudavam bastante sua aparência.
— Madeline? – rebateu a pergunta com certa incredulidade, uma leve expressão de dúvida se formou em seu rosto.
Os olhos da moça se encheram de lágrimas ao mesmo tempo em que ela levou as mãos ao rosto, cobrindo a boca.
— Faz tanto tempo que eu não tenho notícias suas... – disse com emoção, claramente feliz em vê-lo. Joel permaneceu em silêncio, não havia o que dizer.
Madeline tomou a liberdade de se aproximar e envolver o homem em seus braços, em um abraço um pouco desajeitado, porém carinhoso. Ele permaneceu sem reação por alguns segundos, mas logo ergueu um dos braços para acariciar o braço esquerdo de Madeline, uma forma singela de corresponder àquele abraço.
Subitamente, a lembrança do anjo do seu subconsciente voltou a seus olhos, e de repente, Madeline se transformou naquela lembrança. Podia jurar que vira as majestosas asas brancas em suas costas. Estremeceu com a lembrança. O toque de Madeline se tornou frio de repente.
Joel estava tão perturbado com os acontecimentos dos últimos meses que já não conseguia ver Madeline como uma pessoa normal. Todas as noites era torturado pelo medo de dormir e ficar preso novamente ao subconsciente. Piscou com força para afastar as memórias, mas em vão. Para ele, Madeline ainda tinha a aparência horrenda de demônio, as asas esqueléticas e o buraco onde deveria estar seu coração. Ela era o motivo pelo qual Joel não conseguia dormir sem o auxilio de remédios, ele ainda tinha medo de sonhar e encontrá-la novamente em seu subconsciente.
Sua respiração começou a ficar ofegante, e finalmente a loira percebeu que algo não estava certo, afastou-se e fitou-o preocupada. Joel tremia, mal conseguindo respirar.
— Joel, o que está acontecendo? – ela indagou, tentando compreender a situação.
— Por favor... Vá embora... – disse trêmulo.
Porém, a loira se recusou, como poderia deixá-lo naquele estado? Tentou se aproximar, mas foi interrompida por Joel levantando bruscamente. O tremor que correu pelo seu corpo quase fez com que suas pernas falhassem em obedecê-lo.
— Joel...
— VÁ EMBORA! – esbravejou, chamando a atenção das pessoas. O desespero parecia estar sendo despejado diretamente em sua corrente sanguínea.
Virou-se euforicamente para se afastar, mas sentiu as pernas fraquejarem. Estava prestes a cair no chão quando foi amparado por Andrei. O amigo fez uma rápida avaliação, claramente preocupado com Joel, e voltou o olhar glacial para a loira logo em seguida.
— O que você está fazendo aqui?! – a raiva estava presente no tom forte que Andrei se dirigiu à loira. – Você já não acha que causou problemas o suficiente?
— M-mas... – ela balbuciou, sentindo um nó na garganta.
— Vá embora, Madeline... Nossa história já terminou há muito tempo... – disse Joel, por cima do ombro, a tristeza estava fortemente presente em sua voz. – E eu não quero voltar a vê-la, nunca mais!
Joel virou-se e jogou o corpo para frente. O amigo percebeu a intenção e o ajudou a se afastar, lançando um ultimo olhar de julgamento para Madeline. Deixaram o local sem se importar com as pessoas que observavam a cena.
Sabia que Madeline ia tentar um pedido desesperado de desculpas e talvez até tentar se aproximar novamente. Ele não podia permitir isso, já tinha traumas demais causados pela loira.
O nó na garganta se transformou em lágrimas de tristeza e amargor. A segunda vez em que Madeline chorava verdadeiramente.
E chegamos ao fim da história 🤧
Me contem o que acharam! Suas teorias estavam certas? Joel foi muito rude ao afastar Madeline?
E por fim, agradeço de coração a todos que leram até aqui, todos os votos e comentários. Realmente me deixou mais feliz!
Para que vocês não fiquem órfãos, prometo que em breve trago outras histórias para vocês. (Me sigam para receber atualizações!)
Finalizando, peço por uma última vez que deixem suas estrelinhas para o coelho 🐰🌟
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