c o e l h o b r a n c o
— Ligação na linha 4 — a recepcionista avisou.
— Pode transferir— Taehyung esticou-se na cadeira giratória atrás de sua mesa, o olhar vagando pelos relatórios mensais espalhados por ela. Ele não aguentava mais preencher aquelas porcarias, odiava ficar in loco, trabalhando debaixo das luzes frias e escutando o telefone gritando na recepção e as risadas de Namjoon com os policiais do turno da noite.
Então, Taehyung tinha esperanças de que aquela ligação arrancasse seu traseiro da cadeira e o arrastasse para a adrenalina da noite, mas suas esperanças foram pelo ralo quando ouviu a voz de Bogum o saudando do outro lado da linha.
— Ah, é você.
— Já foi mais gentil, Taehyung — Bogum gracejou. Ele era da Unidade de Inteligência e isso só podia significar algo desinteressante como desmanche de quadrilhas ou intercepção de chamadas telefônicas; nenhuma promessa de diversão. Taehyung suspirou alto. — Uau, tendo uma noite ruim?
— E você a piorou em 200%.
— Certo, chega de melosidade, é sobre o caso 33.
— Aquele que foi arquivado ano passado? — A mente de Taehyung piscou como uma lâmpada em curto e ele a varreu em busca do caso 33. É, ele tinha trabalhado nesse caso por pouco tempo, antes do Departamento de Apoio assumir e o caso passar para Hoseok. Um caso bem nebuloso sobre uma rede de pedofilia que acabou sendo arquivado por falta de provas. — O que tem ele?
— Bem, parece que ele foi desarquivado. Estou trabalhando com algumas interceptações telefônicas e o codinome de um suspeito foi citado. Lembra do Coelho Branco?
O Coelho Branco. Jesus Cristo. Como Taehyung podia esquecer? Ele sonhara com o Coelho Branco por noites e noites, sonhava que olhava no espelho e via o reflexo de um homem atrás de si, usando preto e uma máscara bizarro de coelho saída diretamente de Donnie Darko.
— Porra, sim. Caralho, Bogum, quais as chances de encontrar ouro procurando pólvora?
— Me diga você — Bogum silvou. — O Coelho Branco está de volta às nossas mesas, Kim, e já que sou um cara muito legal, liguei para perguntar se você está dentro.
Se ele estava dentro? Se ele estava dentro para caçar uma rede de pedofilia mais suja que pau de galinheiro cuja espinha dorsal era uma filho da puta que se auto intitulava Coelho Branco? Se isso não era como tirar passagens para Disney de primeira classe, Taehyung não sabia o que era.
— Me mande o arquivo. Meu cu está coçando, Bogum.
— Você fica tão carinhoso quando recebe um agrado. Estou enviando, divirta-se.
É claro que ele ia. Bogum acabara de salvar sua noite.
***
Taehyung conseguiu espremer a festa de casamento de Jimin no sábado de tarde entre uma ida ao velório de uma tia distante e uma confraternização de fim de ano do Departamento. De todos os amigos de infância, Jimin fora o único que permanecera, e por mais que Taehyung não fosse exatamente um Ás na arte de ajustar a escuridão seca de sua vida ao colorido borbulhante de uma vida social, ele tinha que ir ao casamento de Jimin.
Então ali estava ele, em seu típico terno escuro debaixo do sobretudo cinzento, bebendo whisky e consultando o relógio de cinco em cinco minutos porque, meu Deus, por mais que amasse Jimin, estava sendo um inferno. A zona de conforto de Taehyung era onde ele pudesse estar em ação, a mente disparando, de preferência com muito café nas veias. Havia cores pastéis demais ao seu redor agora para que se sentisse dentro de um bolo. Tudo era amarelo claro, rosa claro e azul claro, o jardim todo era como um maldito marshmallow gigante.
Ficar bêbado agora não era uma regalia, era uma necessidade.
— TaeTae — uma voz familiar e calorosa o chamou. Taehyung girou nas calcanhares e viu seu irmão se aproximando, Seokjin, braços abertos e um grande e bonito sorriso de saudades. — Ei, você veio mesmo!
Seokjin o puxou para um abraço e Taehyung suspirou aliviado por ter alguém de seu próprio universo para conversar. Era assim que pessoas com fobia social se sentiam? Bem, ele nem estava surpreso em colecionar mais uma herança sombria que sua vida de investigador lhe deixava — fora a insônia, os pesadelos e as dores de cabeça, obviamente.
— Esperando Jimin cumprir sua função de noivo e arrastar o traseiro até aqui — Taehyung olhou para Jimin apertando mãos e sorrindo para os convidados. O terno dele era azul bebê como as paredes de um hospital pediátrico, uma cor que teria deixado qualquer ser humano sem graça, exceto Jimin. — Então, poderei ir embora com a sensação de dever cumprido. Como estão as coisas, Jin?
— O de sempre — Jin subtraiu uma taça de espumante da bandeja que passou flutuando ao seu lado. Taehyung crispou os lábios para o uniforme dos garçons, branco com gravatas rosa claro. Talvez ele fosse um ponto negro no meio de tanta suavidade. — As ações no Banco estão indo bem. Quando vai comigo visitar nossos pais em Daegu?
— No Natal? — Taehyung abafou a resposta com um longo gole de álcool. Jin riu em deboche. É claro, eles dois sabiam que Taehyung não iria visitar a família no Natal, nem tão cedo. Jin tinha a vida perfeita, rico e bem sucedido, morava num bairro caro e comia carne vermelha toda semana. A esposa dele estava grávida do segundo filho. Da última vez que Taehyung e Jin encontraram juntos a família, no churrasco de aniversário da mãe, todos os olhares e afetos foram para Jin e sua vida impecável. Para Taehyung restou: quando você casa, querido?
Como ele podia dizer a eles que nunca casaria, porque ele não sonhava com isso? Como ia dizer a eles que a pessoa por quem estava fodidamente apaixonado, miseravelmente apaixonado, era o garoto dos Jeon, que tinha sido sequestrado com seis anos de idade, o mesmo garoto que sua mãe segredou à vizinha que era melhor que nem voltasse para casa porque, céus, o quão estragado ele voltaria? E era por esse garoto que Taehyung possivelmente morreria.
Jin o avaliou, a expressão ficando intensa. Ele se aproximou e colocou a mão sobre o pescoço de Taehyung.
— Sabe que eu não ligo para todas essas merdas que nossos pais falam, não é? A única coisa que eu me preocupo é se você está usando o serviço de apoio psicológico do governo.
Taehyung assentiu. Jin bufou uma risada.
— Você mente tão descaradamente, TaeTae. É um dom.
A verdade era que Taehyung tinha sim usado o serviço de apoio psicológico oferecido pelo governo, por um ano mais ou menos, assim que entrou para a polícia. Daí ele percebeu que não adiantava nada, nenhuma terapia ou conversa de merda poderia curar os pesadelos com Donnie Darko, as visões das pessoas mortas, o vazio que ele sentia e que só melhorava quando ele estava deitado em sua cama com o corpo quente de Jeongguk grudado ao seu, a respiração leve do garoto marcando o tempo de sua insônia.
E ele aceitou que essa era a melhor parte de sua vida, nenhum remédio ou tratamento ia dar a ele a paz simples e infinita disso. Nunca.
Mas Taehyung sempre entregava o cartão com o número de apoio psicológico quando interrogava as famílias das vítimas. Ele tinha fé no método, apesar de tudo, era apenas o fato de que sua vida jamais o permitiria se curar.
Mas Taehyung não teve chance de explicar isso para Seokjin, porque então Jimin os viu e se aproximou, os irmãozinhos da noiva dele atracados em sua perna como coalas. Taehyung abriu os braços e recebeu Jimin num abraço, com as crianças penduradas e tudo.
— Parabéns, irmão — ele disse com toda a força de seu coração frio. — Eu amo você.
Jimin o apertou, quase escalando em Taehyung na tentativa de enlaçá-lo pelo pescoço.
— Merda, quando foi a última vez que nos vimos, seu pau no cu desgraçado? — Ele segurou o rosto de Taehyung entre as mãos e o olhou de perto, absorvendo cada detalhe de seu rosto e Taehyung sorriu genuinamente. E então Jimin foi puxado para trás pelas duas crianças. — Ah, vocês querem uma batalha de cócegas? É isso?
Ele atacou as crianças, os dedos alcançando suas costelas e elas gritaram e gargalharam, correndo para longe. Taehyung, Jimin e Seokjin seguiram as crianças; elas tombaram num par de pernas compridas vestidas numa calça social bem alinhada, e Seokjin foi o primeiro a engasgar ao ver a quem elas pertenciam.
— Ah, merda — Jimin murmurou, empalidecendo.
Jeongguk de repente parecia exposto demais na orla do jardim, vestindo couro preto da cabeça aos pés, a pele muito clara ainda mais pálida no sol branco invernal. Ele amparou desajeitadamente as crianças pulando ao redor de suas pernas, os olhos grandes e inseguros fixos em Taehyung numa súplica muda.
— Merda — Jimin repetiu. — Ele está mesmo aqui?
— Meu Deus — Jin sibilou. — Ele parece não ter a menor ideia de como veio parar aqui.
Taehyung devolveu o olhar de Jeongguk. Ele poderia se aproximar e abraçá-lo murmurando que estava tudo bem, que eram apenas pessoas e nenhuma delas o julgaria, nenhuma delas se lembrava da criança noticiada no jornal tantos anos atrás, mas ele devia dar algum crédito ao garoto. Se ele havia se esforçado para ir até ali, tão bem vestido e íntegro, Taehyung devia lhe dar espaço. Deixar que ele se movesse sozinho. Por mais que seu peito sufocasse com a necessidade de apertá-lo e protegê-lo.
— Você o convidou — Taehyung lembrou a Jimin, a voz perfeitamente equilibrada.
— Sim, merda, é claro que eu convidei, ele era nosso amigo, não era? Ele fazia parte disso, mas não esperava que ele aparecesse como quem está prestes a vomitar, eu não tinha ideia do quanto... Droga, Tae.
— Talvez ele realmente esteja prestes a vomitar. Tipo, desde os 6 anos de idade? — Taehyung sussurrou, o álcool de repente não caindo bem. Ele abandonou o copo vazio na mesa atrás de si e respirou fundo o ar gelado da tarde.
— Alguém o ajude, isso é humilhante — Seokjin esfregou a mão pela boca, horrorizado.
— Só deem espaço a ele — Taehyung assegurou, acenando para Jeongguk de longe. O garoto engoliu em seco, olhos incertos, expressão vulnerável, e então recuou, fitando a multidão de convidados com a respiração cada vez mais ofegante. As crianças o puxaram pela mão para dentro da casa e Jeongguk se deixou levar, provavelmente aliviado por sair de cena. Taehyung podia apostar seu dedo mindinho que o garoto estava se arrependendo de ter vindo.
— Isso é triste — Jin disse, abalado. — Tantos anos se passaram e ainda assim parece que não foi nem um dia atrás. Ainda é uma merda.
— Deus do céu — Jimin esfregou o rosto, então olhou para Taehyung. — Tae, eu não sabia... Eu sinto muito, eu...
— É pior do que você imagina — Taehyung sentiu-se incomodado com a conversa. Falar sobre Jeongguk era como andar em círculos, ninguém entendia, ninguém sabia onde o caminho ia dar. Alguns assuntos simplesmente são duros demais de abordar. Ele não culpava Jimin e Jin por não saberem como lidar com Jeongguk — na maior parte do tempo, quando você olhava para o garoto, via apenas uma beleza triste, algo que você não quer tocar ou tomar para si por ser assustador demais, frágil demais, como uma flor morta.
Em geral, o ser humano tem duas maneiras de lidar com o que não entende: repudiando ou amando cegamente.
Taehyung estava no último grupo com Jeongguk. O resto do mundo, no primeiro. Então ele apenas apertou o ombro de Jimin e o beijou na testa.
— Não pense nisso, hoje não é um dia triste. Pegue uma bebida e vá para a pista de dança. Você também, Jinnie. Eu cuido de Jeongguk.
Eles assentiram, desesperados para cair fora da imensa bolha de constrangimento que cercava Taehyung sempre que o assunto era Jeongguk.
***
Fazia três dias que Jeongguk estava sumido. Depois da aparição dele na festa de casamento de Jimin, nada realmente inesperado aconteceu. Jeongguk ficou o tempo todo dentro da casa, brincando com os irmãos da noiva (ele ficava mais à vontade com crianças que com adultos), até que eles fossem chamados para as fotos, e então Jeongguk falou apressadamente com Jimin em algum momento e Taehyung interceptou o olhar dele instantes antes de Jeongguk ir embora, pálido e suando frio.
Ele tinha ligado e mandado mensagem para o garoto. Imaginava o quanto Jeongguk precisava dele agora, de alguém que só o segurasse perto, era um esforço grande demais se mostrar para o mundo, o medo de que o reconhecessem, o garoto que foi levado, os olhares de pena, a sensação de estar sujo para sempre.
Jeongguk não atendeu nem retornou nenhuma das ligações, embora tenha lido as mensagens.
Três dias não era nem perto de um tempo longo, e ainda assim algo incomodava Taehyung como uma colher o cutucando por trás do olho. Ele não conseguia se concentrar no trabalho, dormir ou comer. A última conversa com Jeongguk depois do sexo era uma ervilha enfiada embaixo de seu colchão. O caso do Coelho Branco trouxera uma carga de responsabilidade para Taehyung, ele queria resolver aquele caso por uma espécie de vingança pessoal. Cada membro daquela rede de pedofilia que ele conseguisse caçar e mandar para a cadeia era uma promessa que ele cumpria para Jeongguk. Você vai ficar bem, está tudo bem, ele diria para seu garoto, quando enfim pegasse todos aqueles filhos da puta. O mundo pode ser um lugar um pouco melhor para você habitar agora.
Taehyung nunca ia solucionar o passado de Jeongguk. Ele não podia voltar no tempo e segurar a mãozinha do garoto para que ele nunca entrasse naquela picape preta, mas ele podia mudar toda a merda do futuro de outras crianças. Foi um pouco por isso que ele ingressou na polícia, foi um pouco por isso que ele chegou até ali.
O caso 33 era sua meta de vida.
Ele ia seguir o maldito Coelho Branco até a toca. E esmagá-lo.
Era uma noite chuvosa de quinta-feira quando Taehyung entrou em casa e encontrou o chão da sala coberto de poças de água lamacenta.
— Mas o que... — A arma estava no coldre, aninhada no forro acetinado do paletó, e as mãos de Taehyung instintivamente foram para ela. As luzes do corredor para o quarto estavam acesas e um rastro úmido seguia para lá. Ele se moveu devagar, escutando o som do chuveiro ligado enquanto se aproximava do banheiro. A porta estava aberta, mas o ruído da água batendo no chão era constante, nenhum corpo a interrompendo.
Taehyung entrou no banheiro com a arma em riste e levou algumas batidas de coração para registar o que via.
O chuveiro estava ligado, água escorrendo pela parede e pelo chão, ensopando o corpo encolhido de Jeongguk. Ele estava completamente nu debaixo do fluxo, abraçando as pernas, a cabeça enterrada entre os joelhos pálidos, soluçando.
— Ah, merda — Taehyung guardou depressa a arma de volta no coldre, o coração quase saindo pela boca agora duplamente acelerado.
Uma crise. Jeongguk estava tendo uma maldita crise.
Taehyung desligou o chuveiro, as solas dos sapatos deslizando pela bagunça úmida no chão. Sentiu as narinas arderem com o cheiro do vômito espalhado pelos ladrinhos, mas podia lidar com isso depois. Agarrou a toalha ao lado do box e a jogou por cima de Jeongguk. Ajoelhou ao lado do garoto, vendo-o tremer de frio e engasgar com o próprio choro.
Odiava o som que Jeongguk fazia ao chorar, estrangulado e desesperado, a tosse arranhando a garganta e o fazendo contorcer. O som de um animal ferido.
— Jeongguk, venha, vamos secar você, meu amor — Taehyung disse com calma. Apesar do corte brusco de adrenalina que deixara suas pernas moles e as mão frouxas, conseguiu envolver Jeongguk pelas axilas e o fazer levantar com dificuldade. Jeongguk estava tão absorto que nem pareceu se dar conta do que estava acontecendo. Pegou o garoto no colo, bufando sob o peso excessivo sobre as coxas e a coluna. Levou-o até a cama, a mudança da luz e o calor despertou Jeongguk do transe e ele piscou através das lágrimas, enxergando Taehyung ali. Um som feio subiu por seu peito quando o estômago contraiu e ele se curvou como se fosse vomitar, mas nada saiu além de um soluço embolado.
— Hyung — Taehyung começou a se erguer para pegar outra toalha para secar os cabelos de Jeongguk, mas o garoto o agarrou com força pelos ombros e o puxou para si, olhos muito abertos, lábios tremendo. — Hyung, me ajude.
— Shh, Jeongguk, eu estou aqui, respire comigo, vamos lá, como eu ensinei a você, lembra? — Taehyung tentou se afastar e fitar o rosto do garoto, dar algum espaço a ele, mas Jeongguk cravou as unhas curtas na manga de seu paletó. Houve um momento horrível em que Taehyung jurou tê-lo ouvido rosnar, o que era absurdo.
Jeongguk não lidava bem com violência de nenhuma espécie. Todos os surtos e crises que tivera eram um golpe em suas barreiras emocionais, o deixando assustadoramente aberto, sensível como uma ferida em carne viva, e os episódios eram imprevisíveis. Taehyung sabia que pessoas traumatizadas podiam reagir de formas diferentes fora de suas zonas de segurança, só que ele jamais esperou ter que usar a força em vez de afeto para conter um surto de Jeongguk. Deus, ele não queria isso, não.
Entrelaçou os dedos nos de Jeongguk, desfazendo gentilmente o aperto deles em sua roupa, tocando-o tão, tão suavemente.
— Gukie, está tudo bem, olhe para mim, ei... — esticou as mãos para tocar o rosto de Jeongguk; um brilho de lucidez sombria passou pelos olhos escuros do garoto, como se ele raciocinasse depressa uma nova estratégia. Havia necessidade escura nos olhos ele, algo afiado e perigoso. De repente ele se moveu no colchão, virando o corpo e deitando de bruços, a espinha dorsal se curvando num oferecimento explícito. Completamente nu e trêmulo, os dedos apertando os lençóis, Jeongguk gemeu manhosamente.
Taehyung engoliu em seco.
Santo Deus, não.
— Hyung, por favor — Jeongguk soluçou. O peito de Taehyung apertou e ele se deu conta de que estava arquejando, sufocando por ar. Jeongguk ficou de quatro, peito para baixo, uma profusão de palavras atropeladas saindo pela boca molhada de saliva. Taehyung viu aterrorizado Jeongguk esticando os dois braços para trás, roçando os pulsos juntos numa posição submissa. — Você sabe do que eu preciso, me faça passar por isso. Me prenda. Me tome, por favor, Taehyung.
Taehyung ficou pregado no lugar. Eles já tinham feito isso, esse jogo, algemas e shibari, mas não assim. Não quando Jeongguk estava tão devassado, emocionalmente uma bagunça. Taehyung tinha medo de se aproximar, mortificado com a possibilidade de sequer tocar em Jeongguk e ceder, porque ele sempre cedia aos apelos do garoto, mas aquilo era diferente. Era monstruoso.
No entanto, ele não podia deixá-lo sozinho. Taehyung jamais o deixaria sozinho.
— Não posso, meu amor — ele sentou com cuidado ao lado de Jeongguk e afagou suas costas, puxando a toalha que deslizara para a cama para enxugar os ombros molhados. Mas Jeongguk não estava ouvindo. Ele estava imerso demais fora de sua zona de segurança, tão profundamente ancorado no fundo sombrio dela...
— As algemas — Jeongguk demandou, sentando-se nos calcanhares, as mãos percorrendo avidamente os bolsos de Taehyung até se enfiarem nas costuras internas do paletó. Taehyung ofegou, sentindo-se rendido e acuado. Sua mente ainda estava processando a parte em que Jeongguk realmente cogitou forçá-lo ao que quer que fosse quando o garoto se moveu, curvando o corpo sobre o de Taehyung; o investigador viu o estado dele, a ereção erguida e pulsante pingando pré-gozo, a respiração pesada e o rosto vermelho de excitação, olhos perdidos em lágrimas que não paravam de rolar.
— Jeongguk, espere! Não!
Mas Jeongguk foi rápido.
Girou os pulsos, a boca mordiscando o aço.
Click.
Taehyung piscou, e então os pulsos de Jeongguk estavam presos por dentro das argolas das algemas. Um gemido partido escapou pela boca de Jeongguk quando ele se curvou novamente na cama, braços esticados acima da cabeça, peito contra o colchão, expondo-se para Taehyung e implorando.
Taehyung abriu a boca para dizer alguma coisa — qualquer coisa — mas então ele estava chorando. Seu menino bonito, tão bonito, mas Taehyung não suportava enxergar o quão quebrado ele estava, o quão desesperador devia ser estar em sua pele por tantos anos....
— Eu confio em você — Jeongguk ofegou, soluçando. Costas torcidas tremendo, os pés juntos embaixo das nádegas cheios de cicatrizes prateadas e tudo que Taehyung queria agora era beijá-las e esfregar o rosto em cada uma delas. — Só em você, Taehyung, me tome com força, faça doer e sangrar, por favor. Eu chupo você, faço o que quiser, me dê isso agora, eu preciso tanto...
— Não — Taehyung levantou da cama e puxou as abas do cobertor, envolvendo a nudez de Jeongguk e debruçando-se sobre o garoto para alcançar seu ouvido. — Você confia em mim, Gukie?
— Apenas em você — Jeongguk rastejou por dentro das cobertas até encontrar os ângulos do abraço de Taehyung. O investigador afastou as coxas para dar espaço para que ele sentasse em seu colo, o corpo grande de Jeongguk desajeitadamente encaixando ali.
— Então sabe que nunca vou machucá-lo. Não me peça isso nunca, meu amor.
— Por favor, faça doer — Jeongguk enterrou a testa em seu pescoço e sua voz soou falhada e engrolada. — Eu preciso, preciso, preciso...
— O que o deixou assim? O que foi, meu bem?
As mãos de Jeongguk tornaram a procurá-lo desesperadamente, agarrando-o e puxando-o até que todo o peso do garoto estivesse em cima de Taehyung, os braços presos pelas algemas passando sobre sua cabeça para envolvê-lo pelo pescoço, pernas em volta dos quadris do investigador. Taehyung se deixou ser abraçado com força, o choro de Jeongguk voltando a um estado de total abandono.
Taehyung fechou os olhos e respirou fundo. Embalou Jeongguk enquanto o garoto enfiava o rosto na curva de seu pescoço como se quisesse se fundir em outro corpo, sumir em Taehyung. Beijou e tocou Jeongguk para acalmá-lo, uma mistura de alívio com pânico gelando seu sangue quando sentiu o peso de Jeongguk relaxando sobre si.
Alguém precisava pagar muito caro por isso. Ele jamais teria paz enquanto não tivesse algum tipo de vingança.
Duas palavras piscavam na mente de Taehyung como sirenes na madrugada. Coelho Branco.
Passava das duas da manhã quando Taehyung olhou para o lado e viu Jeongguk finalmente dormindo. Ele dormia bem, a expressão sem vincos e a boca entreaberta deixando passar a respiração suave. Era pacífico olhar Jeongguk dormindo, uma das coisas preferidas de Taehyung na Terra.
Ele se moveu devagar, deslizando o corpo com cuidado de sob a perna de Jeongguk, então procurou a chave da algema nos bolsos do paletó e, com delicadeza, desenrolou os pulsos de Jeongguk embolados contra seu peito nu. Abriu as algemas e afagou o pulso macio, pressionando os lábios na pele macia.
Então, abaixou-se na cama e beijou os pés nus do garoto, as solas claras marcadas pelos rasgos dos vidros.
Jeongguk se mexeu, suspirando e virando na cama. Ele piscou e olhou ao redor até encontrar Taehyung abaixo, aos seus pés.
— Ei, como você está? — o investigador murmurou docemente.
— Com fome.
Taehyung sorriu e levantou. Foi até os armários da cozinha e voltou com três barras de chocolate. Os olhos de Jeongguk brilharam ao vê-las e ele sentou de pernas cruzadas na cama, o lençol deslizando por seu corpo e expondo a pele nua. Taehyung estava completamente vestido, tirara apenas o paletó e os sapatos, mas não se sentia incomodado. Era melhor não deixar que aquela noite se encaminhasse para uma conotação sexual.
— Sabe, tem esse livro que eu li quando era criança — Taehyung começou a abrir uma das embalagens, sentado de frente para Jeongguk. — Em que um dos personagens comia chocolate quando as sombras chegavam. Era o tio do garoto quem trazia, ele tirava o chocolate do bolso, dava ao menino e o frio das sombrias ia embora.
Jeongguk sorriu timidamente, pegando uma barra e a desembrulhando.
— Harry Potter — ele murmurou. — E não era o tio dele, era o Lupin, o professor, o lobisomen. As sombras eram os dementadores.
— Que seja. Eu sempre achei isso genial. Chocolate realmente cura qualquer tristeza.
Eles comeram em silêncio por um tempo, Jeongguk chupando ruidosamente a ponta dos dedos para aproveitar o máximo possível do chocolate derretido neles.
— Existem coisas boas no mundo — Jeongguk disse de repente, sem olhar para Taehyung, mas ainda assim Taehyung parou de mastigar e lhe deu toda a atenção; era assim quando Jeongguk falava, porque o garoto raramente falava. — Morangos frescos. Chocolate, você, Harry Potter.
— Eu estou atrás de Harry Potter? Depois do chocolate?
Jeongguk engoliu o pedaço que mastigava e ergueu lentamente o olhar para Taehyung. Deus, ele estava tão suave agora.
— Hyung, pode me beijar?
Taehyung ficou surpreso, mas o calor se espalhou por seu peito e entranhas. Ele deslizou na cama para ficar um pouco mais perto de Jeongguk e envolveu a nuca do garoto com delicadeza. O olhar de Jeongguk vagou por seu rosto, orelhas e bochechas tingindo com uma linda cor rosada. Ele fitou a boca de Taehyung com uma adoração que fez o investigador fechar os olhos e encostar os lábios nos de Jeongguk com o máximo de gentileza, provando o doce do chocolate misturado aos rastros de sono na língua de Jeongguk.
— Assim?
— Mais — Jeongguk demandou, dedos encontrando a camisa social de Taehyung e percorrendo distraidamente os botões.
Taehyung pressionou os lábios no de Jeongguk novamente, abrindo-os devagar e encontrando a ponta da língua demoradamente. Os suspiros do garoto eram tão lindos, secretos e encorajadores. Mas Taehyung se afastou quando percebeu que estava ficando muito quente por dentro. Não deveria ser esse o ritmo, ainda não.
— Eu queria ter crianças — Jeongguk sussurrou, a voz quase sumindo contra o hálito de Taehyung. Passou o polegar pela lábio inferior de Jeongguk, o contato deslizando sobre a pele úmida e macia. O beijo fora tão doce que nem ao menos tornara-o inchado. — Eu me sinto bem com elas. É como se... se eu estivesse seguro. Como se eu pudesse olhar para elas de igual para igual.
— Jeongguk, eu não quero pressioná-lo, mas crianças não vão ajudá-lo a superar o que você tem que superar. Sugiro...
— Terapia — Jeongguk assentiu, a voz subindo uma oitava. Ele alinhou a coluna e por um momento Taehyung achou que ele ia recuar e escapar como uma corça assustada, mas os ombros de Jeongguk cederam e ele abaixou a cabeça até encostá-la no ombro de Taehyung. Ele roçou o nariz pelas mechas de cabelo negro e macio, respirando Jeongguk. — Eu sei. Eu vou. Me dê mais um tempo, hyung, ainda não estou pronto. É tão cansativo sequer pensar em enfrentar isso. Eu irei, prometo, mesmo que não tenha como me consertar.
— Nunca será tarde demais.
— É sim, hyung. Já é tarde demais.
***
Taehyung acordou às cinco e cinquenta da manhã de um domingo pensando nos pés de Jeongguk. Revirou nos lençóis, sentindo frio e falta do calor e do cheiro de Jeongguk, a mente girando em torno do sexo intenso e urgente que tinham feito poucos dias atrás, e então Taehyung simplesmente acordou com esse pensamento sobre os pés de Jeongguk.
Era algo que jamais saíra de sua cabeça sobre o sequestro do garoto — por que ele voltou com os pés sangrando, cheios de cortes?
Essa era só a ponta do iceberg que compunha o imenso mistério sobre o sequestro dele. Jeongguk nunca tinha falado sobre isso com ninguém, nem mesmo com Taehyung. Ninguém sabia o que tinha realmente acontecido naqueles cinco dias de cativeiro, o que ele tinha visto e o que tinham feito com ele. Taehyung supunha que Jeongguk possivelmente tinha sofrido abuso pela forma como ele se comportava no sexo e sobre tudo que envolvia segurança emocional e contato físico.
A única coisa que Taehyung realmente sabia era que Jeongguk tinha visitado psicólogos na infância, por uns três anos seguidos após o acontecimento, mas que depois os pais o tiraram da terapia e ele nunca mais voltou a procurar ajuda profissional.
Houve uma época, assim que Jeongguk voltou para a vida de Taehyung, que o instinto investigativo o levou a procurar pistas sobre o passado do garoto. Onde ele morou. Onde estudou. Descobriu que Jeongguk tinha se formado no Ensino Médio, mas não ingressou em nenhuma faculdade. Descobriu que possivelmente se envolvera com drogas na escola para a qual foi transferido depois do sequestro. Descobriu que, aos vinte e um anos, internou-se por conta própria numa clínica de reabilitação para usuários químicos, mas saiu quando teve que usar o dinheiro da poupança que os pais haviam feito para a faculdade para pagar o hospital psiquiátrico da mãe. O pai já era alcoólatra.
Jeongguk continuava se envolvendo com drogas ainda hoje, mas jurava para Taehyung que era apenas para conseguir dinheiro, não como usuário.
Taehyung descobriu que Jeongguk tinha muitos segredos, não apenas sobre seu sequestro, mas parecia que esconder coisas se tornara um novo vício para o garoto. Esconder o passado. Esconder o que fazia quando sumia. Esconder, esconder, esconder. Taehyung não sabia ao certo de onde ele tirava tanto dinheiro para pagar as despesas com a mãe, porque o contrabando de drogas não gerava lucro o bastante, ainda que somado aos dois empregos de meio período. A poupança dos pais já fora raspada há muito tempo.
Tinham tantos segredos em volta de Jeongguk, então por que Taehyung continuava se preocupando com um detalhe insignificante como o fato do garoto ter voltado para casa com os pés cortados?
Ele foi atrás dos registros feitos pelos policiais que encontraram Jeongguk naquela época. Ele fora achado num terreno abandonado. Apenas isso. Descalço, andando no acostamento, pés cortados sangrando. Marcas de escoriações nos braços e pernas. Unhas esfoladas.
E isso era exatamente tudo que Taehyung sabia sobre o passado de Jeongguk. Um registro.
Ele podia fuçar um pouco mais, mas Jeongguk claramente não gostaria disso. Taehyung tinha uma ética rigorosa sobre ultrapassar limites e ele não faria de Jeongguk um caso de investigação pessoal. Isso estragaria tudo entre eles e...
O celular de Taehyung vibrou alto na mesinha de cabeceira. Ele olhou para o aparelho com tédio antes de apanhá-lo com um tapa e atender, lendo o nome de Hoseok no visor.
— Ei — Hoseok disse, a respiração cansada. E então um estrondo explodiu do outro lado da linha, fazendo Taehyung praguejar e afastar o aparelho do ouvido.
— Caralho. Onde você está, na Segunda Guerra?
— Precisamos de você aqui — Hoseok berrou por cima do barulho. Os baques eram altos e tinham um ritmo, como uma marreta gigante atingido o chão em intervalos iguais. — Vou enviar a localização.
— O que é? — Taehyung começou a se levantar, esfregando o rosto. Hoseok era o investigador do departamento de apoio. Se ele estava ligando para Taehyung, do departamento de homicídios, era porque a merda estava bem feia.
— Homicídio.
— O que os peritos têm?
— Criança na faixa dos seis anos. Eles estão enchendo a porra do meu saco, querem remover o corpo para análise porque a água está inchando o cadáver depressa, mas eu quero você aqui, Kim. Mexa esse rabo e venha logo antes que meu café esfrie.
— Água?
— Afogamento. Asfixia.
— Eu espero que você tenha levado um latte grande com canela extra para mim, Hoseok. Não funciono bem sem cafeína.
Hoseok desligou sem responder, esse era o seu bom humor matinal, mas Taehyung não o culpava. Era difícil fazer piadinhas numa cena do crime, com peritos beliscando seu traseiro para você sair do caminho deles.
***
Lee Joon Young, a perita designada para o caso, estava com a cara feia quando Taehyung chegou. Ela balançou a cabeça para Taehyung como se ele fosse um cachorro de rua se intrometendo em sua tigela de refeição, e ele acenou para ela como quem sabe que é o cão maior do bando. As vezes, ele simplesmente sabia como ser escroto.
— Bom dia, Lee! — ele berrou. Algum estagiário fora encarregado de distribuir abafadores de ouvido e ele tinha o seu encaixado na cabeça. Seria impossível manter uma conversa no meio daquele inferno — estavam escavando a fundação de um terreno uns oitocentos metros dali, a haste imensa de ferro socava o fundo da Terra com toda a potência do martelo de Thor.
— Meu cadáver está apodrecendo nessa água esperando o ar da sua graça, Kim — Lee gritou de volta — Então eu não estou tendo um dia bom. Entendo o porquê de Hoseok fazer questão que você olhe a cena do crime, o que eu não entendo é porquê infernos eu fui mandada para a sua maldita divisão.
Taehyung se aproximou de Hoseok, parado ao lado do corpo, e deu uma bela olhada no que tinham.
— Eu posso verificar uma possível transferência para a divisão do Minjae, o que você acha?
Lee Joon bufou. Ela abriu a boca para responder, mas a escavadeira socou com um estrondo e ela revirou os olhos.
— Ele vomita nas cenas do crime!
Taehyung sorriu para ela seu sorriso mais amável. Lee suspirou, jogando as mãos para o alto, rendida.
— Você tem cinco minutos — ela guinchou e afastou-se.
— Certo, resuma — Taehyung demandou para Hoseok. Fazia frio e seu sobretudo arrastava na água lamacenta do rio. O céu cinzento anunciava que não seria um dia bonito e os guindastes e máquinas de construção alinhados no horizonte faziam com a cena parecesse saída de um filme futurista pós apocalíptico. Hoseok apontou para a região pantonosa que os cercava e seguia em direção à mata aberta.
— O crime aconteceu de madrugada. A criança foi afogada, a perícia encontrou marcas de asfixia em torno do pescoço.
— Abuso?
— Não sabemos ainda. Estão fotografando as pegadas.
Taehyung seguiu a direção para onde Hoseok apontava, para os peritos abaixados junto a uma trilha escura na lama. A neve que acumulara na madrugada derretera, formando poças negras sobre a terra remexida. Taehyung voltou a olhar a criança. Era um garoto e usava uma jaqueta xadrez por cima da camisa polo azul. Taehyung abaixou-se com cuidado e deslizou a mão pela parte de trás do pescoço do garoto, encontrando a etiqueta da jaqueta.
— Gucci. Notificaram os pais?
— Sim — Hoseok tragou o ar gelado com força. — Você sabe, os pais sempre são os principais suspeitos.
— Como você quer fazer isso, Jung?
— Vamos começar pelos pais, família e vizinhança. Protocolo básico. Mas você está aqui, não é? Faça sua mágica: o que me diz?
Taehyung perdia pouco tempo analisando as vítimas dos homicídios que pegava. O que o tornava tão bom era o que artistas chamavam de olhar o todo. Ele não analisava o quadro de perto, ele dava um longo passo para trás e via tudo ao redor, a composição inteira. Uma criança de seis anos aparentemente de família endinheirada afogada num rio no subúrbio de Seoul. Aquilo fedia a crime de pedofilia e ocultamento de provas, mas Taehyung ainda não estava pronto para jogar suas cartas.
A não ser que...
Hoseok tinha começado a se afastar, mas a colher que andara forçando por trás dos olhos de Taehyung desde cedo fez mais pressão. Ele berrou por Hoseok por cima do ombro. O investigador parou, rosto franzido para o barulho ensurdecedor.
— Quais as chances desse caso ter a ver com o Coelho Branco, Jung?
Hoseok levou alguns segundos para entender que Taehyung estava falando do caso 33. O departamento inteiro lembrava dele.
— Merda, Taehyung, merda! — Hoseok bateu na própria testa. — Eu vou ligar para Bogum.
Hum. As chances eram bastante altas, então.
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