1 • Encontro inesperado
Vapor e fumaça se espalhava por todos os lados. Esteiras ligadas transportavam peças e engrenagens que iam e vinham numa velocidade constante, mecanizada, enquanto homens e mulheres sentados em frente a esteira encaixavam peças e mais peças repetidamente. Horas a fio.
Pela poluição daquele grande galpão, os trabalhadores cobriam os olhos com óculos grossos e máscaras cobrindo o nariz e boca. Ela estava entre eles, com vestimentas escuras que cobriam todo o corpo pequeno; um cachecol vermelho era usado para cobrir a cabeça raspada e a metade debaixo de seu rosto, e nos olhos óculos estilo mergulhador num tom igualmente vermelho.
Pegava uma engrenagem com uma mão, uma peça metálica com a outra, e num giro rápido, juntava as duas peças, devolvendo-as para a esteira. Outro trabalhador encaixava outra peça. Ela não fazia ideia do que estava produzindo, e não fazia questão de saber — ninguém nunca sabia exatamente o que montava naquelas Fábricas, e o questionamento levava sempre a demissões, algo que ela não queria.
O sino tocou, todos se levantaram e se retiraram de suas cadeiras, alguém aleatório tomava o lugar e continuava o trabalho. Ela acompanhou os outros e entrou em uma enorme fila. Em sua mente, dissipava pensamentos sombrios ao cantarolar uma música aleatória, porém contagiante. Meia hora depois estava em frente ao guichê, e sem nada dizer pegou um pacote de ração e dois litros de água.
• • •
A Fábrica era o maior distrito de Alexandria, prédios e galpões se espalhavam e se empilhavam, as ruas eram largas, veículos de carga pesada flutuavam à dez metros das cabeças das pessoas que por ali caminhavam. Entre centenas de trabalhadores ela seguia, apertando o seu pagamento entre os dedos com força. Dobrou por um beco, e por outro, e pelo terceiro já se via em um lugar mais afastado e tranquilo, porém mais poluído. A poeira era tão forte que mesmo com o cachecol protegendo-lhe o olfato sentiu o forte cheiro e mesmo com o óculos cobrindo os olhos, sentiu-os arder. Tossiu duas vezes, mas prosseguiu.
Chegou em um beco sem saída, olhou para trás e conferiu se não estava sendo seguida. Ao sentir-se segura, chutou uma portinhola metálica e quadrada, abrindo uma pequena passagem. De joelhos, atravessou para o outro lado, descendo por uma escada vertical.
Os trens de passageiros passavam por todo o subsolo da Fábrica, Capital e Ninho, o preço era pouco acessível, e apesar de ser o transporte feito para os trabalhadores, era um luxo que muitos não podiam pagar para ter. A estação estava relativamente vazia, e ela se misturou entre aquelas pessoas. Após meia hora de trem, estava do lado oposto da Fábrica, era sua parada.
Saiu da estação acompanhada por uma dúzia de desconhecidos, e seguiu em passos lentos até um galpão abandonado, de paredes grossas e cinzentas. Ela entrou por uma janela quebrada. Espantou com a mão a poeira cinzenta que cobria todo o corredor mal iluminado, e seguiu por ele em passos cautelosos, chegando as escadas que davam acesso ao subsolo, dois andares abaixo. Dezenas de cubículos se espalhavam por ali, eram quartos minúsculos, nos quais o aluguel era acessível para trabalhadores. A moça parou em frente ao de número 676-B, tirou um par de chaves de sua bota e abriu a porta.
O quarto tinha três por três metros; cabia um armário, uma cama, uma pequena geladeira e um fogareiro de duas bocas. As paredes eram decoradas por jornais amarelados e o chão coberto por um tapete de lã cinzento. Um gato saltou da cama e se enroscou nas pernas da jovem, que se abaixou e acariciou sua cabeça. Ela então serviu um pouco de água para o felino e dividiu a ração no meio, dando metade para o animal e comendo a outra metade com gosto.
— Vou arrumar mais, Gatinho
— sua voz saiu doce, e havia um tom triste e abatido em suas palavras. — Nós vamos ficar bem... — Dizia aquilo mais para si que para ele.
Pegou uma toalha, sabonete, e roupas limpas no armário, saindo de seu quarto e seguindo até o banheiro comunal, aos fundos daquele mesmo andar.
Dezenas de chuveiros se espalhavam pelo aposento, revestido por azulejos brancos. Homens e mulheres, jovens e mais velhos, tomavam banhos rápidos ali, pois a água era fria demais para um banho longo. Naquela hora, havia um grupo pequeno, uma dúzia de homens e mais uma meia dúzia de mulheres, a maioria idosas, banhavam-se.
A jovem parou em frente à uma banqueta metálica, jogou suas coisas sobre a superfície e retirou suas roupas, ficando completamente nua entre os demais. Ela era jovem, tinha vinte e um anos, um pouco mais de um metro e sessenta e tinha a pele branca, quase pálida, com exceção nas mãos e antebraços, onde trazia uma tonalidade negra como as sombras. Seus traços eram comuns, nariz pequeno e levemente arredondado, lábios finos, olhos grandes. Raspava a cabeça com máquina número um. Se encaminhou para uma ducha entre um homem alto e robusto e uma mulher de longos cabelos dourados, ambos de meia idade.
— Boa noite, Samantha. — Ele a cumprimentou, enquanto ensaboava o corpo.
— Boa noite, Marcos. Boa noite, Elisa.
— Dia difícil na fábrica?
— Cinco horas de trabalho por um pacote de ração.
— Vou precisar dobrar a jornada, isso mal dá para mim e minha filha. — Elisa lamentou.
— Eu posso dividir um pouco com vocês duas, caso queiram... Consegui uma quantidade razoável na fabricação dos novos trens. — Marcos sugeriu, e as duas consentiram agradecidas.
Conversaram rapidamente sobre os trabalhos e Marcos foi o primeiro a sair, vestindo-se com um macacão pesado em tons de amarelo. Elisa ficou por mais dois minutos e saiu após uma breve despedida. Samantha terminou o banho, fechou o chuveiro e seguiu para os bancos.
Vestiu uma calça cinza, uma camiseta e um camisão de lã, ambos pretos. Nos pés, botas de cano curto e envolvendo o pescoço, o mesmo cachecol vermelho de sempre. Ela olhou para as manchas negras em suas mãos e antebraços antes de colocar o par de luvas que as cobriam e seguiu novamente para fora.
Novamente nas ruas, seguiu a pé por quase uma hora até a Capital, e entrou pelos fundos de um bar. Subiu as escadas até uma área restrita e sorriu para o segurança, passando por ele. Rapidamente trocou de roupas, acompanhada por uma dezena de outras jovens, e ao se ver naquela fantasia desceu para a área do bar.
Fez o que tinha que fazer, com roupas justas e sensuais, dançou, cantou e serviu aos homens que ali estavam. Sempre sorrindo. Quando noite já estava ao fim, Samantha sentia seu corpo exausto, e ao contar os créditos recebidos em uma cabine apertada do banheiro, sentiu o amargo alívio de ter alcançado a sua meta diária. Caminhou até a recepção, pegou os créditos arrecadados na noite, que seria suficiente para mais uma semana de aluguel e subiu de volta para o vestiário.
Colocou suas roupas casuais e, rapidamente, se dirigiu para a saída. Amanheceria em uma hora ou menos, e devia estar de volta na linha de produção ao meio dia. Com sorte, teria cinco horas de sono naquele dia, então manteve a pressa em seus passos, mesmo com o corpo já implorando pelo descanso.
Um cerco logo adiante fez com que Samantha congelasse, surpresa, ela deveria fazer um desvio. E rápido! Membros da C.A.E.S. estavam parando e conferindo todos os que passavam por aquela avenida, com um bastão branco, passavam sobre o antebraço das pessoas, caso fossem normatizas, acendiam uma luz azul, caso fossem super-atos, acendiam uma luz vermelha. Se a luz vermelha fosse acesa, a pessoa deveria seguir um guarda e conferir toda a sua ficha e, caso houvesse uma irregularidade, essa pessoa seria levada para a prisão.
Samantha sabia que a luz vermelha se acenderia, sabia que sua ficha estava irregular e sabia que deveria matar a todos para manter-se livre. Ela sabia que era mais do que capaz para fazê-lo, mas não estava disposta a isto.
Conhecia aquela região suficientemente bem para desviar rapidamente para um beco, e seguiu por ele, procurando uma rota de fuga. Não queria usar seus poderes, mesmo sendo necessário, queria apenas levar uma vida comum. Viu, como sua salvação ao seu lado esquerdo, escadas de incêndio, e ela rapidamente saltou para a escada, subindo por vinte andares até o terraço do prédio.
Samantha saltava com pouca ou nenhuma dificuldade entre um prédio e outro, até chegar a margem do distrito. Não haviam escadas de incêndio ali, então olhou ao redor procurando por outro caminho.
Achou uma saída, e agradeceu mentalmente por não precisar usar dos seus poderes. Com um pouco de dificuldade, desceu do terraço ao parapeito do último andar e quebrou a janela, adentrando no prédio.
Ela se viu em uma sala comercial, vendiam alguma tralha eletrônica, mas não havia ninguém ali. Saiu para os corredores e seguiu até o elevador, com dedos trêmulos pela adrenalina, apertou o botão e aguardou a caixa metálica subir até o último andar.
O elevador chegou. Ela estava sozinha, então pressionou o térreo. Vigésimo andar. Décimo nono. Décimo oitavo... décimo terceiro. Ele parou. A porta se abriu. Um homem entrou e a porta se fechou.
Décimo segundo. Ele tinha estatura média e ombros largos. Décimo primeiro. O cabelo liso era raspado dos lados, formando um falso moicano em tons platinados... Décimo. Ele usava uma jaqueta de couro vermelha sobre uma camisa preta, calça jeans rasgada nas coxas e joelhos e coturno nos pés. E descendo.
— Eles sabem que você está no prédio. — Ele quebrou o silêncio.
Ela não perdeu tempo em hesitações, rapidamente o empurrou contra a parede e pressionou o pescoço dele com o antebraço. Samantha o encarava com fúria, e o homem, de traços asiáticos, arregalou os olhos enquanto levantava as duas mãos em sinal de rendição.
— Quem é você? — Ela disse em um.
— Eu sou Aiden. Não sou seu inimigo, Samantha.
— Se não é, como sabe o meu nome? Quem mais sabe sobre mim?
— Os Cães do governo. — Ele disse com dificuldades.
Samantha afrouxou o braço, mas continuava encarando-o com a mesma expressão.
— Não temos muito tempo, Samantha. — Ele olhou para os números que decresciam rapidamente. — Estão armados e preparados no térreo do prédio. Abrirão fogo assim que as portas deste elevador se abrirem.
... Sétimo. Sexto. Quinto. Samantha o libertou de seus braços. Terceiro. Ele apertou o número dois. Segundo andar. A porta de abriu e ele a puxou pelos corredores do prédio.
Avistaram uma janela ao final de um corredor e um olhar entre eles bastou para que ambos soubessem o que deviam fazer. Eles correram em direção a janela, com Aiden na frente. O misterioso homem cobriu o rosto com os braços e o vidro se estilhaçou, espalhando cacos cintilantes pelo ar. Seu corpo desceu velozmente e caiu em cima de um caminhão estacionado à um metro e meio do chão, ele rolou pela caçamba e ele caiu bruscamente no asfalto duro.
Samantha foi a segunda a se jogar do segundo andar, ela não queria usar os poderes, mas uma queda daquela altura poderia lhe trazer alguma fratura. Balançando a cabeça em negação, seus olhos se transformaram de um castanho claro para um tom cinza escuro, e no instante seguinte suas mãos abriram crateras no asfalto quando ela se encontrou com o solo. Girando o corpo rapidamente, ela caiu de joelhos.
Os dois se levantaram e ficaram de costas um para o outro. Aiden sorria de nervosismo, Samantha, inexpressiva, posicionou as duas mãos fechadas em frente ao seu rosto.
— Tarde demais. — Ele soltou uma gargalhada desajeitada.
Os dois estavam cercados por dezenas de homens armados. Homens da C.A.E.S. Usavam um uniforme preto que lhes cobria o corpo inteiro, coletes a prova de balas sobre o tronco e um capacete redondo cobria toda a cabeça com um visor escuro cobrindo todo o rosto. Carregavam pistolas em coldres e, em mãos, seguravam automáticas pesadas, mirando em Samantha e Aiden.
Fim do capítulo.
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