Clube de Arte dos Idiotas
Finn olhou para o outro lado da rua quando uma mini van passou. Lá estava o parque da cidade. Grandes árvores, um parquinho para as crianças, mesas de concreto redondas para os mais jovens conversarem, bancos de madeira para aos mais velhos, uma ciclovia que te guiava para dentro da pequena mata.
Ele daria tudo para voltar a ser criança e poder brincar naquele parque como se a manhã seguinte não importasse. Ele preferia ter os machucados e esfoliações de tanto correr, tropeçar e cair a ter que viver com as cicatrizes dos seus problemas com os pais e amigos.
Seu mundo parecia desabar. Depois da morte do avô materno, sua mãe e tia passaram a brigar por causa da casa de campo. John, seu pai, que não fazia muita questão da casa velha e cheia de poeira e ácaros, sugeriu que elas dividissem a casa – e depois tentou convencer a mulher a vender a parte dela e guardar o dinheiro.
Mas aquilo não ia dar certo. Clarie achou um insulto e passou a fazer piadinha sobre tudo. "Que tal você vender metade do seu carro para o seu irmão e ficar com o dinheiro?". Aquilo deixava John no limite, ainda mais quando ele chegava em casa depois de um plantão cansativo e ela falava algo do tipo.
Desde então o clima da casa era de guerra. Finn ficava na dele, só aparecia na cozinha quando chamado e passava a maior parte do seu tempo em seu quarto ou no sótão.
E na escola as coisas estavam ruins fazia dois anos. Finn saiu da equipe de basquete da escola – a qual ele fazia parte desde pequeno – e seus amigos começaram a se perguntar o que estava acontecendo com ele. Nem ele sabia o motivo daquela decisão, talvez porque ele não se interessasse mais por basquete, simples assim.
Logo os amigos o excluíram do grupo e ele passou a ser um lobo solitário no meio das alcateias escolares. Almoçou sozinho, fez trabalhos com o pessoal que sobrava, foi convidado para poucas festas durante o ano.
Eu nunca gostei desse estilo de vida mesmo. Esse era seu pensamento quando se sentia mal por estar em casa sozinho. Seu aniversário de 16 anos foi solitário, alguns garotos do clube de matemática apareceram e eles jogaram poker até as acusações de que fulano estava contando as cartas começarem. Finn teve que expulsar dois garotos que estavam aos tapas.
Com 17 anos nas costas, ele finalmente se sentia bem. Tinha migrado de clube na escola mais umas duas vezes até conseguir se encaixar no clube de arte. Era ele e mais quatro pessoas – três garotas e um drogado que só estava lá porque a professora gostava dos borrões de tinta que ele fazia quando estava alto.
Naquela manhã de quarta feira, Finn carregava seu caderno, o livro da aula de literatura, a máquina fotográfica retrô que a avó tinha lhe dado de presente de aniversário e o celular. Sua mochila verde militar surrada estava pendurada em seu ombro direito. Seu cabelo castanho, na altura do queixo, se mexia quando o vento ficava mais forte. O sol estava tímido, escondido entre as nuvens brancas.
Era um caminho curto de sua casa até a escola, mas Finn gostava de acordar cedo para sair num horário que lhe permitisse andar pelo bairro até dar o horário do primeiro sinal. Ainda mais naquele final de verão e início do outono.
O clima estava ficando agradável e ele podia andar tranquilamente pela rua vestindo jeans, camiseta e moletom sem ser chamado de doido.
Finn chegou à entrada da escola a tempo de ouvir o primeiro sinal. Na quarta feira, ele tinha dois tempos de química, um de geometria, dois de literatura e um de educação física. Não era um dia tão ruim assim.
Pegou seus livros no armário e apressou-se para chegar a tempo na aula de química, Sr. Specter não gostava muito de alunos que se atrasavam e, como forma de mostrar que detesta esse "hábito nojento de adolescentes mal acostumados", ele escolhia dois alunos para falar sobre algum assunto que somente ele conhecia.
Sentou-se na bancada do fundo e começou a fazer suas anotações sobre a matéria do dia. Química orgânica. Seus colegas conversavam despreocupados, riam alto e reclamavam das notas de seus trabalhos.
- Posso me sentar aqui?
Finn levantou a cabeça.
- Finn, eu posso me sentar aqui? – Tessa O'Connor não parecia muito simpática naquela manhã.
Quando ela parece simpática? Só no clube de artes. Finn riu com o próprio pensamento e acenou para que Tessa se sentasse.
O cabelo castanho e cacheado dela estava escondido sobre o capuz do casaco preto. Seus fios eram armados e rebeldes, então com o simples movimento de se abaixar para pegar o caderno na bolsa, eles fugiram do capuz. Eles iam até a cintura dela e exalavam um perfume de lírios, como os que ela desenhava em suas telas.
- Bom dia, turma – Sr. Specter entrou e sentou-se em sua cadeira. – Como vocês podem ver, o tema de hoje é algo que já vemos debatendo há semanas.
O professor começou a falar e mostrar alguns arranjos, Finn se esforçava para anotá-los enquanto Tessa apenas desenhava no caderno. Naquela manhã, eram ondas do mar em grafite preto nas linhas azuladas do caderno.
- Senhorita O'Connor – o professor tinha notado que ela não estava nem aí para a aula –, você poderia me dar exemplos de funções orgânicas?
Ela largou o lápis e encarou o professor. Ela tinha um pouco de ferocidade no olhar que não se incomodava fácil. A turma inteira estava esperando a resposta dela e aquilo nem a fazia tremer – se fosse Finn naquela situação, ele estaria muito nervoso.
- As principais funções orgânicas estudas pela química são: cetonas, aldeídos, ácidos carboxílicos, alcoóis, fenóis, ésteres, éteres, amidas, haletos.
- Correto. Então, basicamente, a química orgânica está em tudo o que está ao nosso redor pois seu composto básico é...
Tessa voltou a desenhar como se nada tivesse acontecido. Finn prestava atenção em seus desenhos no clube de artes. A garota conseguia fazer objetos simples ganharem uma beleza admirável com seus traços ricos em detalhes e movimento.
- Belo desenho – Finn falou quando o professor parou de falar para apagar o quadro e passar mais compostos orgânicos.
- Obrigada.
- A reunião do clube de artes é hoje?
- Sim, no mesmo horário de sempre. – Ela escondia o rosto atrás do cabelo cacheado.
Finn estava entediado com a aula. Não que química fosse uma matéria chata, mas ele estava querendo tentar coisas novas naquela manhã. Quando o professor passou os exercícios que eram para ser feitos, ele marcou qualquer alternativa e passou a brincar com os tubos de ensaio vazios à sua frente. Sr. Specter nem notaria, ele era tão tranquilo depois que passava a matéria que os alunos poderiam fazer uma festa e ele não brigaria com ninguém.
Finn se perguntava o que tinha acontecido naquela quarta feira para Tessa ter abandonado o lugar ao lado do primo na primeira bancada para sentar-se ao fundo. Primos brigam. As famílias também. Talvez seja algo entre tios que os afetou.
- Isso está errado. – Tessa falou.
- Oi? – Finn estava tão perdido na lua que teve que se puxar de volta para a Terra.
- A questão três está errada.
- Eu vou corrigir depois. – Ele marcou um "x" na questão e desviou sua atenção para Tessa.
Ela afastou o cabelo do rosto exótico, expondo os olhos castanhos como terra molhada e os lábios finos como as linhas que ela traçava no papel. A professora responsável pelo clube de artes, Srta. Martinez tinha tentando, secretamente, desenhar Tessa após uma tarde de observação.
- A senhorita O'Connor é a Monalisa desse século – ela sussurrou para Finn enquanto mostrava o desenho no intervalo.
- Bom, você tentou.
- E olha que eu sou boa em retratos. – Ela riu.
Ele queria ter conversado mais com a professora sobre o desenho, mas Tessa chegou e eles fingiram que não estavam falando dela.
- Onde você aprendeu a desenhar assim? – Finn puxou uma folha solta do livro de Tessa.
- Minha avó me ensinou – ela disse, aparentemente entediada. – Ela era bióloga e, durante seu tempo livre, ela me ensinou a desenhar as espécies de flores e folhas que encontrávamos no quintal.
Ele analisava o desenho de um olho gigante na pilha de papel branco. As ranhuras eram bem detalhadas e a íris do olho era constituída de ondas e espuma.
- Você pensa em trabalhar com desenho?
- Meus pais querem que eu seja médica, eu quero trabalhar com design gráfico e meu teste vocacional disse que eu serei uma ótima socióloga.
Tessa estava mais interessada em desenhar do que conversar. Ela tinha abandonado as ondas e voltou as flores. Finn acompanhava o surgimento dos traços. Uma parte do cabelo dela caiu e bloqueou sua visão. Ele pegou-o delicadamente e colocou-o atrás da orelha dela.
Ela largou o lápis e encarou.
- Eu só estava tentando ver seu desenho.
O rosto rígido de Tessa não dava medo, mas transmitia algo próximo. Deixava quem tentasse falar com ela com receio de ser idiota. Poucos conheciam a verdadeira Tessa, Finn não era um desses sortudos – ele nunca tentara ou tivera interesse.
Aquela quarta feira era um dia que pedia mudanças e tentativas.
- Você não desenha, esculpe ou pinta. O que está fazendo no clube de artes? – ela cruzou os braços.
- Eu tiro fotos. Fotografia é arte.
- Que tipo de fotos?
- Qualquer coisa que passe emoção.
- Eu transmito emoção nesse momento?
Alguns colegas ouviam a conversa atentamente. A voz de Tessa não era algo muito comum de ouvir.
- Infelizmente, não. – Finn puxou sua foto da sorte do caderno. – Essa foto te passa alguma coisa?
Tessa tomou o pedaço de papel fotográfico em mãos. Era uma foto de Finn com o rosto e tronco manchados de carvão. Ele sentia dor – ou parecia – por detrás daquela névoa.
- O que isso significa para você? – ela devolveu a foto.
- É o interior de cada pessoa que sofre sem contar para ninguém. Atrás de névoa e fumaça, todos nós estamos feridos, uns mais que os outros.
- Eu só vejo fumaça.
- Você precisa melhorar a sua percepção artística.
- E você – ela aproximou-se do ouvido de Finn – precisa aprender que eu não ligo. Eu posso ver o que eu quiser nessa foto, a sensibilidade é minha.
Tessa guardou o caderno e o lápis dentro da mochila, jogou a mochila no ombro, levantou-se e saiu da sala sem dizer uma palavra. Sr. Specter ameaçou levantar para segui-la e descobrir o problema, mas logo recuou.
Finn escolheu ficar em sala. E era provável que ele se arrependesse de sua escolha.
...
Até o final daquele dia, Finn tentou reunir tudo o que sabia sobre Tessa O'Connor na última folha de seu caderno. Sobre os pais dela: a mãe era uma famosa cirurgiã da cidade – o pai de Finn comentava que tinha algumas oportunidades de auxiliá-la – e o pai dela, bom, ninguém sabia sobre ele.
Tessa morava em algum prédio caro no centro da cidade e estava sempre no bar do velho Freeman – alguns falavam que ela bebia, mas naquela idade, quem não bebia? – jogando baralho e desenhando o rosto de alguns turistas que se aventuravam em ir ao bar nojento e velho.
Finn estava atrasado para a reunião. Ele dormiu sob os bancos da quadra externa e perdeu a hora de levantar. A câmera estava pendura em seu pescoço pela fita e ele tentava correr pelo corredor abarrotado de estudantes.
Desviou de duas garotas para conseguir entrar inteiro na sala do clube. A senhorita Martinez o encarou assustada, ela não esperava aquela entrada. Ela pediu para que ele se sentasse e anunciou que eles aguardariam Tessa.
- Que câmera é essa? – Emma, a garota que esculpia com perfeição, sentou-se ao lado de Finn, tomou a câmera das mãos dele gentilmente e girou o equipamento.
- Minha avó que me deu. Ela estava viajando, achou numa loja de penhores e trouxe para mim. Só parece velha, o sistema dela é de primeira.
- Já testou?
- Algumas vezes.
- Precisa de uma modelo?
- Não, não preciso, mas obrigado por se oferecer – Finn sorriu para a colega.
Emma flertava com Finn desde o início do ano. Ela não fazia o tipo dele e isso estava bem na cara. Ela era só mais uma garota mimada e cabeça de vento, nem seu talento com as mãos compensava essa falta de caráter.
Mandy, a outra integrante do clube, era uma garota divertida e sociável, ela era quem animava o grupo, sugeria temas e músicas legais. Também era uma ótima desenhista, adorava ilustrar histórias e algumas charges dela costumavam aparecer no jornal da cidade.
Tessa entrou silenciosamente na sala e a senhorita Martinez sorriu para cada um do grupo.
- Sei que já tivemos a reunião do início do clube, mas eu precisei convocá-los. Ontem, logo após o final da nossa tarde produtiva, o diretor da nossa escola pediu que eu organizasse uma exposição artística.
"Não haverá a participação de outras turmas ou grupos. Serão só vocês e suas emoções. Nosso maior desafio é espalhar nossas obras pelos corredores durante essa tarde. Podemos utilizar o que já temos e criar, caso vocês achem necessário.
Joe, o drogado, bateu palmas como se tivesse assistido o discurso do presidente. Os outros integrantes do clube o encararam.
- Vocês estão dentro? – havia um pouco de medo na voz dela.
- Sim. – Eles concordaram.
- Mãos à obra!
Cada um foi para o seu canto. Finn utilizou o computador da sala para acessar suas fotos na internet, salvou-as e imprimiu-as. Recortou-as no molde que ele tinha desenvolvido – aquelas margens estilo foto instantânea – e deixou-as com a Srta Martinez.
- Finn, você pode fazer mais fotos? – ela olhava rapidamente o motivo das fotos. – Vou pendurá-las em um varal na frente de cada porta e acho que vamos precisar de mais.
- Não dá tempo de fazer algo como essas, mas eu posso tentar pegar algumas cenas pela escola e arredores.
Senhorita Martinez era um misto de carisma e genialidade. A professora, um dia, já fora uma grande fotógrafa da realidade de seu país, mas seu trabalho ganhou destaque e logo desapareceu. Sua pele morena, olhos verdes e cabelos negros ondulados eram dignos de uma foto.
Como professora, ela não sabia mais ensinar fotografia, mas desenhava como ninguém, ela tinha uma característica única no uso de tons escuros em seus desenhos reais.
- Temos permissão para ficar aqui à noite, pedi à secretária que ligasse para seus pais e, lá pelas seis horas, vou pedir pizza. Tudo bem por você?
- Uma pizza de queijo, por favor.
- Pode deixar – ela sorriu para ele e voltou a admirar as fotos.
Finn pegou sua câmera, ligou-a e ajeitou as configurações. Todos já estavam trabalhando, menos ele. Decidiu começar pelas redondezas da escola. Ruas vazias, pontos de ônibus cheios, árvores em diversos tons.
Quando se cansou, voltou para a escola e explorou a entrada, o pátio, o gramado de futebol americano e o reflexo do céu nas janelas. Ele conseguia combinar a vida pacata com momentos que passavam despercebidos por grande parte dos estudantes e moradores.
Nem Finn sabia o que ele fazia para congelar as cenas cotidianas com um toque de profundidade emocional. Seus parentes lhe perguntavam seu segredo, mas nem ele mesmo sabia.
Voltou para a sala, tirou o cartão da câmera, deixou-o descarregando e colocou outro em seu lugar. Foi até a janela onde Mandy estava sentada e falou:
- Onde está Tessa?
- Ela disse que precisava ir em casa buscar tintas e pincéis. – Ela apagou uma linha que não fazia sentido no papel que rascunhava e levantou a cabeça. – Posso ver suas fotos?
- Claro. Estão no computador.
- Eu fiz uma ilustração de você com a sua câmera, está ao lado do meu cavalete.
Ele passou por seus colegas e, pela primeira vez, sentiu que o vazio na sala o incomodava. O canto direito ao fundo era o que mais acumulava tintas, pincéis, telas, panos, todos os tipos de materiais artísticos.
Tessa no canto direito, Mandy no esquerdo, Joe perto da saída – caso precisasse sair para fumar – e Finn na mesa do computador, onde poderia editar à vontade.
Finn encontrou seu retrato no topo da pilha. Desenhado em caneta preta, traços firmes com algumas linhas escapando, criando a sensação de movimento. Não dava para ver o rosto dele, a câmera o escondia, mas era ele pelo cabelo e roupa que estavam retratados.
- Mandy, ficou muito bom. – Ele estava sendo sincero. Era um desenho bem interessante.
- Finn, posso fazer algumas composições nessas fotos?
Senhorita Martinez olhou-os com interesse.
- Sinta-se à vontade.
- Não vou te decepcionar.
Finn dobrou o desenho e o guardou no bolso do casaco. O cantinho de Tessa chamava a atenção dele – a garota nunca abandonava seu posto de trabalho. Eles utilizavam a sala de artes uma vez por semana, pouco tempo se observado o número de telas acumuladas perto do cavalete dela.
A tela que ela trabalhava estava coberta. Não vai fazer mal se eu espiar. As tintas azul, verde e marrom estavam vazias, nem uma gota sequer. Finn sentou-se no banquinho e segurou o pano.
- O que você está fazendo? – Tessa impediu que ele continuasse.
- Eu ia ver o que você está pintando. – Respondeu à garota que surgiu do nada.
- Pergunte se pode antes.
- É um clube, os quadros pertencem à escola, eu posso ver o que eu quiser sem precisar de sua permissão. – Finn ficou de pé, tentando intimidar Tessa. – Você quer começar uma briga?
- Eu quero que você desapareça.
- Não sou mágico para desaparecer. – Ele ficou ombro a ombro com ela. – Você é livre para mudar de escola.
- Crianças, sem brigas. – Senhorita Martinez estava atenta aos seus alunos. – O clube de artes funciona para vocês liberarem seus sentimentos, mas se quiserem lutar, melhor procurar o clube de luta.
- Finn Collins, você é muito irritante.
- Adivinha só, eu não ligo. – Confiança, com um toque de arrogância, era a melhor defesa dele.
- É por isso que você não tem amigos.
- Olha só quem fala.
Tessa levou as mãos à cabeça, jogou o cabelo para trás e ficou frente a frente com Finn.
- Eu não tenho muitos amigos, e daí? Algo contra? Vai me julgar perante a isso?
- Amigos não definem quem você é. Agora cresça, garota, e largue todo esse mistério que ninguém aguenta.
Ele revidou o que ela tinha feito na aula de química. Fechou a cara e deixou a sala sem dizer para onde estava indo ou quando voltava. Se ele pudesse olhar para trás e ver a expressão de chocados dos colegas, ele se odiaria porque não se orgulhava de brigas.
Ao mesmo tempo em que a personalidade de Tessa pedisse uma aproximação, as ações e palavras dela gritavam por distância. E se ela pudesse assistir a cena de outro ângulo, veria que foi bobagem discutir aquilo com Finn.
Tessa deixou a caixa de tinta sobre a sua mesa e foi correndo atrás de Finn. Seu esforço não era suficiente para alcançá-lo – ele sempre estava um corredor à frente dela. O físico mediano dele não o fazia parecer uma assombração, porém sua postura mostrava que ele estava chateado.
Ela o perdeu de vista em uma bifurcação. Ele poderia ter ido tanto para o exterior da escola tanto quanto para a piscina coberta. Ela respirou fundo e tentou pensar como ele, mas, droga, ela não o conhecia o suficiente. Escolheu a piscina e torceu para estar certa.
Tessa entrou no complexo e se escondeu atrás das arquibancadas. Ela não queria ser acusada de estar seguindo Finn. Espreitou-se até um ponto onde ela poderia vê-lo do outro lado da piscina, tirando o casaco e o tênis.
O que ele está fazendo? Se o treinador chegar, ou até mesmo o supervisor, ele vai se encrencar! Ela continuava a assisti-lo olhar para cima, balançar a cabeça, olhar para a piscina e fechar os olhos.
Finn não conseguiria se dar conta de que alguém estava espiando-o. Ele estava tão perdido em seus problemas. Ele respirava calmamente e decidia o que ia fazer. Fechou os olhos e deixou que seu corpo sentisse o choque contra a água da piscina. Ele deixou que seu corpo chegasse ao fundo. Depositou os problemas no fundo, onde ele não poderia alcançá-los.
Na superfície, Tessa já estava desesperada. Por que ele estava fazendo aquilo? Ela saiu de seu esconderijo e correu até o lugar onde Finn tinha mergulhado. O tempo passava e ele não voltava à superfície.
Ela não quis esperar mais. Colocou a mão dentro da água, esperando que aquilo pudesse chamar a atenção de Finn.
Ele viu, levemente borrado, mas viu, a mão dentro da água. Estava escuro do lado de fora para que ele pudesse reconhecer de quem era. Talvez é Mandy e ela quer me ajudar. Finn encostou seus pés no fundo da piscina, impulsionou-se e alcançou a superfície.
- Finn, ai meu Deus, você está bem – ela levou o corpo para trás e sentou-se no chão.
- Tessa? O que você pensa que você está fazendo? – ele nadou para mais perto da borda. Ele estava chocado e mal conseguia entender o que aquela garota estava fazendo ali e porque ela estava preocupada com ele.
- Eu fiquei com medo de você aprontar alguma coisa. Desculpe-me, eu estou sendo uma idiota a minha vida toda e não consigo consertar isso – ela puxou o capuz do casaco para esconder o rosto.
- Você não foi uma idiota a vida toda.
Ela levantou o olhar para ele e voltou a esconder-se.
- Tessa... – Finn começou.
- Por favor, não me chame assim, eu prefiro Tess.
- Tudo bem. – Ele apoiou os braços na borda, tirou o corpo da água e sentou-se ao lado dela. – Tess, ninguém pode ser um idiota a vida toda. Bom, algumas pessoas conseguem – ela riu –, mas você não é idiota. Como posso dizer, você só é um pouco mais exótica que as outras garotas.
As roupas de Finn pingavam e estavam grudadas ao seu corpo. Tess tentava não olhar para ele – com vergonha de seus problemas e do estado que ele se encontrava. Ela tirou as mãos da cabeça e levou-as para os joelhos dobrados próximos a ela. Isso deu espaço para Finn tirar o capuz dela.
- Você, uma vez na vida, tentou parar de viver pela aparência dos outros e tentou ser você mesma? Porque algo me diz que você sempre fingiu ser feliz e a filha perfeita. Seu mundo perfeito desmoronou, você se viu no espelho e se perguntou quem era aquela garota. Acabou perdida numa personalidade misteriosa demais até para você traduzir.
- Você sabe quem é a minha mãe? – Tess mordeu o lábio.
- Meu pai trabalha com ela. – Finn sabia que ela era uma boa cirurgiã.
- Ele não conta sobre como ela trata os residentes dela? Como ela destrói a vida deles como se aquilo fosse fazer o ex-marido voltar com ela? – ele procurou o olhar dela para confirmar se aquilo era verdade. – Finn, se você ouvisse sobre os processos que ela esconde, você descobriria a farsa que ela é.
- Por que ela esconde os processos?
- Porque ela poderia perder o emprego. A administração do hospital também ajuda nisso, eles não querem perder a melhor cirurgiã que eles já tiveram. Mas antes, ela não era assim. Era como qualquer outra mãe.
- O que aconteceu?
- Meu pai, à trabalho, foi ao hospital. Ele, sem querer, passou pela sala onde ela discutia com a equipe após a morte de um paciente por erro do residente. Meu pai, como um bom homem, não aguentou ver aquilo, mas esperou para discutir sobre o assunto em casa.
- Deixe-me adivinhar, eles brigaram, você ficou muito mal, seu pai saiu de casa e sua mãe passou a descontar em você?
- Bingo. Aí eu perdi a minha identidade de garota comum e amada pelos pais.
- Sem querer te ofender, mas você procurou ajuda profissional?
- Você acha que a minha mãe não me fez ir ao psicólogo para resolver isso? A pior parte era quando eu contava sobre o que ela falava comigo e ele ignorava esses detalhes.
Tess deitou-se na beirada da piscina e mergulhou sua mão na água.
- Eu só queria que as coisas voltassem a ser como antes – ela desabafou.
- Seu pai ainda está na cidade?
- Não, ele se mudou faz alguns meses.
- Não deixaram você ir com ele?
- Conseguiram corromper até o juiz que estava cuidando do caso da guarda. – Ela respondia, desanimada com tudo.
- Sinto muito.
- Não me olhe como se eu fosse um cachorrinho abandonado. Eu não quero que as pessoas sintam pena de mim.
- Não queria te falar isso, mas elas sentem pena e te acham esquisita por você não conversar com ninguém durante a fase mais divertida das nossas vidas.
Tess se perdia no teto do ginásio. Ela se sentia melhor por ter desabafado aquela história que estava entalada em sua garganta por anos. Finn não estava julgando-a, o que tornava as coisas bem melhores.
- Eu larguei o time de basquete e os meus amigos porque eu estava cansado deles – Finn sentia que era hora de libertar-se do peso que estava em seus ombros. – Sempre indo atrás de confusão por motivos estúpidos, agindo como idiotas, sendo como garotos nessa idade devem ser. E o time estava corrompido, nosso treinador tinha combinado com algumas escolas que, se repassassem uma grana para ele, nós poderíamos perder alguns jogos.
- E você contou isso para o diretor?
- Quase. Quando meu, até então, melhor amigo me colocou contra um armário e ameaçou destruir a minha vida, eu conclui que ali não era o meu lugar.
- Você deveria contar ao diretor?
- Não precisei. Quando nosso time, conhecido como o melhor do campeonato, começou a perder do nada, demitiram o técnico.
Finn sentia o tecido molhado de suas roupas pesando. Tinha sido muito bom ficar submerso por alguns segundos, porém ele não tinha uma muda de roupa extra. Tirou a camiseta e inclinou-se para trás.
- Finn? – ela chamou-o.
- O que foi, Tess?
- Obrigada por ser verdadeiro comigo.
- Me desculpa por ter sido um idiota com você.
- Me desculpa por ter agido como uma babaca hoje mais cedo – ela sentou-se e ficou surpresa ao ver que ele não era só um rostinho bonito.
Finn não tinha um físico atlético de arrancar suspiros das garotas, seu corpo era definido, mas sem exageros.
- Tess! – Finn exclamou quando a pegou olhando para ele.
- Desculpa, não deu para evitar! – ela ria de vergonha. – Instinto de menina, sabe.
- É, eu sei – ele bateu a mão em sua testa. – Nós deveríamos estar no clube.
- A tarde mal começou, nós temos a noite toda para pintarmos ou fotografarmos.
- Bem que você poderia me contar o que você pinta naquelas telas.
- Não agora – Tess tirou os sapatos.
- Então quando? – Finn se apoiou nos cotovelos e a olhou com muito interesse. O que poderia ter de tão secreto ou pessoal naqueles quadros?
Tess foi até ele. Quando eu devo mostrá-los para você? Será que você mudaria sua opinião sobre mim quando os visse? Talvez não seja a hora. Quem sabe amanhã, Finn. Não, a escola toda também veria e perderia a graça.
- Eu não sei.
Finn colocou uma de suas mãos no rosto dela. A pele macia desfazia a imagem que ele tinha de ela ser de porcelana. Ele era construído de sonhos e fotografias, ela era de desenhos e grafite. Pessoas mais sentimentais e artísticas que eles eram difíceis de achar.
Sem pensar muito sobre o que ia fazer, Finn aproximou seu rosto do de Tess e beijou-a sem muita esperança. Se ela não quisesse nada, eles poderiam fingir que nada aconteceu. Do contrário, ele seguiria suas emoções.
Ela se assustou quando seus lábios se tocaram. Ela soube reconhecer que ele não iria forçá-la. Algo dentro de Tess gritava para que ela o beijasse de volta, como se esperasse aquele momento há meses.
Tess passou suas pernas para a lateral do corpo de Finn, deixou que suas mãos ficassem nos ombros dele e se concentrou em não encostar-se à roupa molhada dele. Finn segurou-a com delicadeza e fez o casaco dela deslizar tronco abaixo, expondo a regata branca.
Beijou-a na bochecha, pescoço e ombro. Ele gostava de sentir o contato com o corpo dela, quase como um remédio para todos os problemas dele. Ela segurou o rosto dele com suas mãos e o olhou no fundo dos olhos dele.
- Vista sua camisa, eu vou te mostrar o que eu ando pintando – ela disse.
Finalmente! pensou Finn. Ele não demorou a vestir a camiseta, o tênis e o casaco. Tess já o esperava na saída. Ele rezava para que ninguém perguntasse por que ele estava molhado.
Eles correram pelos corredores, sentiam a nova energia que o prédio, enchiam-se dela e usavam-na como combustível. Fomos idiotas no passado – porque cinco minutos atrás já são passado – e agora somo pessoas melhores! Ele queria gritar aquela frase, mas seu bom senso o impedia.
Mandy, Emma e senhorita Martinez estavam no corredor próximo a entrada organizando a exposição naquela área.
- Finn, o que aconteceu com você? – a professora estava preocupada com as roupas encharcadas dele.
- Eu dei um mergulho na piscina, só isso.
Ela olhou de Finn para Tess com desconfiança, deu de ombros e mandou os dois para a sala produzirem mais obras de arte. Eles riram o resto do caminho e agradeceram quando encontraram a sala vazia.
- Finn, feche os olhos!
- Tudo bem!
Tess organizou os quadros usando a beirada da janela como apoio. Eram quatro telas prontas e uma quinta ganhando cores. Ela estava orgulhosa do que pintava, mas tinha medo do que Finn poderia achar.
Ela foi até onde ele estava, tapou os olhos dele – que estavam fechados, no entanto ela queria insistir na surpresa – e beijou a bochecha dele.
- Espero que você goste.
Finn abriu seus olhos – um azul com riscos em verde e outro castanho, caso de heterocromia – e se deparou com pinturas quase reais. Não em questão de detalhes, mas em questão de semelhança com ele. Naquele momento ele entendeu porque as tintas daquelas cores tinham acabado.
- Você me pinta há quanto tempo? – ele perguntou abismado.
- Algumas semanas.
Eles sabiam que o garoto nos quadros era Finn, só algum estranho que prestasse muita atenção poderia notar a semelhança entre alguns detalhes. Em dois quadros, o destaque eram os olhos de cores diferentes, mas que mesmo assim pareciam combinar e ter mais harmonia que cores iguais. Num deles, o foco estava nos olhos e as sobrancelhas eram representadas por flores.
Em outros dois, flores escondiam os olhos dele. Flores harmoniosas e detalhadas, que cortavam seu rosto. Um sorriso e as flores pareciam florescer. O queixo rígido e as flores morriam lentamente, a cor desbotava de suas pétalas.
- Tess, você é uma artista.
Finn não se sentia ofendido ou com medo de Tess. As peças pareciam se encaixar na mente dele. Como ela fazia mistério sobre as pinturas. E se ela acordou também com essa sensação de que deveríamos tentar algo diferente hoje?
- Eu queria ter te mostrado antes – ela sorriu envergonhada. – Eu tenho alguns desenhos seus no meu caderno, se você quiser, eu posso jogá-los fora.
- Não, não faça isso.
- Eu sabia que não era uma tolice me apaixonar por você.
- Você gosta de mim? – Finn quase pulou para trás ao ouvir o que ela disse. Queria até pedi-la para repetir.
- Você chamou minha atenção, só que eu nunca tive coragem de tentar ser sua amiga. Aconteceram algumas coisas na minha vida desde segunda e eu pensei "Por que não tentar?". Eu tive medo de você até gostar de mim, mas me achar louca por te pintar.
Ele não sabia o que dizer, então deixou que um abraço transmitisse tudo o que ele estava sentindo. Tess fungava quase como se fosse começar a chorar. Ele a acalmou e a beijou mais uma vez.
- Peçam um quarto! – Joe entrou chutando a porta da sala e assustou-os.
Finn se recompôs e pegou duas telas.
- Vou levá-las para a Srta Martinez. Termine essa última – ele estava feliz por ter tido aquele momento com Tess.
- Pode deixar – ela tirou o cabelo da frente do rosto e sorriu.
...
- Pessoal, o resultado ficou extraordinário! – Srta Martinez sorriu e bateu palmas. – Meus parabéns, foi uma noite cansativa, mas valeu cada gosta de suor.
- A nós! – Emma ergueu o copo de refrigerante.
- A nós! – repetiram em coro.
Eles estavam comemorando a finalização do projeto comendo a tão esperada pizza no refeitório. Emma e Mandy comentavam sobre como as pessoas iam poder entrar naquela experiência artística perfeitamente; Joe, quase são, discutia com a professora sobre o próximo trabalho que eles fariam; Finn abraçava Tess de lado e sorria toda vez que seus olhares se encontravam.
Ninguém do grupo tinha percebido a verdadeira mensagem por detrás das telas.
Nem o próprio Finn tinha.
Tess esperava que ele descobrisse com o passar dos dias. Porque flores não significam só beleza.
...
Espero que você tenha gostado do que leu até aqui! Vote e deixe seu comentário, eu vou adorar saber sua opinião. Aproveite para ler os agradecimentos, você não vai se arrepender.
Gorro Vermelho
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