Capítulo 6
— Brícia era uma aluna exemplar. Aqui nesta instituição de ensino a disciplina é um de nossos maiores pilares. E ela era um dos maiores exemplos disso — o diretor Tácio fazia o discurso em cima de um pequeno palco montado no hall de entrada da ARE. Todos os alunos estavam lá, sentados em fileiras de cadeiras — Nós todos ainda estamos chocados com sua morte, a Academia de Referência em Ensino está colaborando e dando todo o apoio para sua familia, nada mais do que nossa obrigação. Apesar disso sabemos quão difícil é esse momento, por isso nada mais justo do a honrarmos com uma bela homenagem
Fazia uma semana que Lia havia encontrado o corpo de Brícia na biblioteca. A ARE voltava aos poucos ao normal, ainda era possível se ouvir murmúrios sobre o assunto nos corredores, mas a ordem geral era voltar a rotina. Lia, Mali, John e Vítor tentavam voltar a suas rotinas, mas ainda era difícil.
Alguns alunos do primeiro ano que eram amigos de Brícia subiram no palco e falaram um pouco sobre ela. Lia não conhecia a garota, assim como nenhum dos outros que estavam com ela naquela noite, pelo menos era o que ela acreditava. Ela estava sentada ao lado de Mel que digitais freneticamente no celular enquanto tentava filmar o depoimento dos alunos, era óbvio que ela iria usar os últimos acontecimentos para se promover, suas redes sociais bombavam com as atualizações que ela fazia sobre o caso. As vezes Lia se questionava se sua amiga tinha algum sentimento genuíno, enquanto ela mal conseguia dormir com as lembranças daquele corpo sem vida na biblioteca, Mel parecia contente com toda a fama que havia adquirido. Ela tinha consciência de que só havia se aproximado dela pelo status e que se sua amiga soubesse a verdade sobre ela sua vida não seria nem de longe a mesma, mas Lia as vezes pensava se não havia chegado ao seu limite.
Mali observava a todos. Sua cadeira no fim das fileiras era um ótimo lugar para perscrutar quase todo o hall. Ela fitou Lia. A garota estava pálida. Mas não era para menos depois do que acontecera. Ela havia a observado durante a semana. Lia não parecia mais a mesma. De certa forma ela nunca fora igual a sua amiga fútil, mas nos últimos dias parecia aérea. Mali também não se sentia mais a mesma, estava mais alerta, mais ansiosa, não conseguia dormir direito. Mas o que mais a incomodava era o fato de as pessoas não estarem se importando tanto quanto deveriam. A polícia não havia encontrado nenhum indício de assassinato, no corpo da garota também não foi encontrado nenhuma substância suspeita, algumas pessoas falavam em suicídio, mas a polícia não havia encontrado nenhum indício disso. Já para Mali algo estava faltando, ela tinha essa sensação de que estavam deixando alguma passar, mas por mais que tentasse ela não conseguia descobrir o que era. Mali procurou Vítor com os olhos, ele estava sentado em uma das primeiras fileiras e encarava o palco, o outro garoto - o qual ela não lembrava o nome - estava no meio.
Vítor sequer piscava enquanto a última garota descia do palco. Em seguida algumas imagens de Brícia começaram a ser exibidas no telão, ela parecia feliz, estava sorridente. Ele tentava se concentrar em seus atuais problemas, como o estágio que começaria, seu pai havia aceitado adiar alguns dias, mas ele não podia postergar aquilo por muito tempo. Mas Vítor não conseguia tirar da cabeça o pensamento de como a vida era efêmera, um dia estamos vivendo nossa vida normalmente e no outro... talvez o fato de ela ser tão jovem e ter acontecido tão próximo o tivesse deixado tão perturbado. Ele não sabia se a hipótese de assassinato era pior ou melhor do que suicídio, aquela incerteza era o que o estava consumindo, talvez se o caso tivesse uma resolução ele conseguisse respirar melhor. Era inevitável também que se sentisse culpado, ele sequer poderia imaginar a dor que a família e amigos dela deveriam estar sentindo, Vítor que sequer a conhecia não se sentia no direito de ficar de luto, mas aquilo era inevitável.
Após a homenagem todos voltaram a suas aulas normalmente. Mali não conseguia se concentrar, a semana inteira ela apenas encarava sua estação de trabalho sem prestar atenção em nada realmente. Assim que as aulas acabaram ela tomou uma decisão, precisava resolver aquilo de uma vez por todas. Mali pegou o celular e abriu o Boomi, todos estavam naquela rede social, assim que ela digitou Lia no campo de busca surgiu uma foto da garota ruiva com sua amiga, ela entrou em seu perfil e enviou uma mensagem, logo em seguida fez o mesmo com Vítor, do outro garoto ela não lembrava o nome, mas não foi difícil encontra-lo. A mensagem pedia para a encontrarem em uma lanchonete próxima a ARE, não sabia se iam aceitar, mas precisava tentar.
O lugar era pequeno, não era muito frequentado pelos alunos da ARE que preferiam shoppings e outros lugares mais no centro, exatamente por isso havia marcado o encontro ali, não queria platéia. O salão com algumas mesas redondas estava quase vazio, Mali escolheu uma mesa dos fundos.
O garoto que ela havia descoberto ter o nome de John foi o primeiro a chegar, parecia hesitante, mas sentou-se com Mali.
— Oi — ele parecia nervoso.
— Oi — ela apenas o cumprimentou. Alguns minutos se passaram e os outros dois não chegavam. Ela queria falar apenas quando estivessem os quatro juntos, mas sequer tinha certeza se viriam.
— Você deve estar se perguntando porque o chamei aqui — ele assentiu curioso. Antes que ela pudesse continuar, os outros dois chegaram. Primeiro Lia e em seguida Vítor.
— Eu espero que tenha uma boa razão para estarmos aqui — Lia puxou uma cadeira e sentou ao lado de John de frente para Mali.
— Também estou curioso — Vítor ficou com a cadeira ao lado de Mali — ela fitou a todos e começou a falar.
— Não sei quanto a vocês, mas eu não consigo parar de pensar no que aconteceu.
— Então você deveria procurar um tratamento — Lia mexia no celular fingindo não se importar com o que acontecia ao seu redor, mas Mali percebeu sua testa franzida.
— Eu sei que vocês também não — Vítor bufou.
— E o que você espera que a gente faça? Já acabou — John permanecia quieto.
— É exatamente essa a questão, não acabou — Mali se exautou. Lia largou o celular e a encarou — Vocês não tem essa sensação de que falta alguma coisa? De que você só vai conseguir descansar quando descobrirem o que realmente aconteceu com Brícia.
— Eu concordo com você — John falou pela primeira vez. Ele descansou os cotovelos na mesa enquanto falava baixo — Eu tenho essa mesma sensação.
— E o que vocês esperam que a gente faça? Um grupo de desajustados: "os alunos que encontraram o corpo na biblioteca"? — Lia gesticulou como se mostrasse uma placa.
— Nem tudo se resume a internet e status. Nós estávamos lá, só nós sabemos o que vimos.
— E o que você quer que a gente faça? — Vítor perguntou.
— Sinceramente eu não sei — Lia começou a reclamar, mas Mali continuou — Mas alguma coisa precisa ser feita ou a gente não vai conseguir ter uma vida normal novamente. E se ela tiver sido assassinada? E se o assassino estiver atrás de nós? — Lia se aproximou da mesa.
— A polícia está fazendo o trabalho dela. E por que você acha que o assassino viria atrás de nós? — ela estava desafiando Mali a contra argumentar. Mali não se intimidou e se aproximou da mesa também.
— Primeiramente a polícia não está fazendo seu trabalho direito — ela enumerava nos dedos — Eles sequer tomaram mais depoimentos, e a essa altura já deveriam ter algum indicio, alguma prova, as pessoas estão fingindo que nada aconteceu. Em segundo lugar, ele viria atrás de nós porque nós encontramos o corpo — Lia engoliu a seco pela primeira vez demonstrando medo.
— Eu ainda não sei como a gente pode ajudar — John falou.
— A gente podia tentar descobrir algo. Alguma coisa que a polícia deixou passar —Vítor riu, uma risada sem emoção.
— Você quer que a gente brinque de detetive?
— Eu quero conseguir deitar minha cabeça no travesseiro e conseguir dormir sem lembrar daquele corpo e sem ter medo de ser assassinada — Lia se levantou abruptamente pegando seu celular da mesa.
— Eu acho que você ta enlouquecendo. A gente devia simplesmente esquecer o que aconteceu e retomar a rotina. É isso que eu vou fazer — ela saiu rapidamente da lanchonete. Vítor se levantou em seguida.
— Sinceramente, eu acho que ela tem razão, você devia esquecer isso — ele falou antes de sair também. O último foi John. Ele abriu a boca e Mali teve certeza de que concordaria com a sua ideia, mas ele logo a fechou e a abriu novamente.
— Eu preciso ir — ele se despediu antes de deixar Mali sozinha com a sensação de que não estava errada.
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