05 | TREINANDO JACK
SE ALGUÉM ME contasse a um mês atrás o tipo de coisa que eu iria estar vivendo agora, com certeza iria rir na cara da pessoa. Nunca parei para organizar meus pensamentos da mesma forma com que fui obrigada a fazer isso desde que fiquei sozinha pela primeira vez.
Os caçadores pelo visto moravam em um tipo de bunker subterrâneo. A primeira vez que vi pelo lado de fora não dava nada para aquele lugar, porém quando fomos passados para dentro a ilusão que estava em meu consciente se tornou outra coisa. Aquele local era enorme. Nunca tinha estado em um lugar como aquele antes, as paredes eram extremamente reforçadas pelo meu olho nu. Havia dezenas e dezenas de livros organizados nas prateleiras da biblioteca, sem contar na área extensa e grande que era a central —, onde havia uma mesa com um mapa de toda a região embutida.
Os corredores eram extensos e largos, porém frios. Talvez pela tonalidade da parede ou alguma outra coisa que não saberei tão cedo, mas contém pequenos pontos nesse lugar que são extremamente gelados.
Meus dedos batem na porta de número 22 antes que eu pense direito.
— Oi.
Sei a forma com que minha voz sai baixa. Leva alguns segundos para ter os olhos de Jack sobre mim.
Desde que chegamos no bunker ele não saiu daquele quarto, igualando ao Winchester mais velho. Quem mais vejo pelos corredores é Sam, seja na cozinha ou na biblioteca. Demorei um pouco para decorar as saídas para cada cômodo, confesso que às vezes ainda me perco mais do que gostaria.
— O que houve? — me pergunta, calmo.
Seu tom de voz sempre é assim. Não há alterações igual às pessoas normais, não há elevação no tom. Não sei se ele está bravo, com raiva ou irritado. Na maioria do tempo Jack se mantém nesse tom e tem sempre a mesma expressão facial.
— Bom, uh, — as palavras me somem momentaneamente — queria perguntar se você pode me ajudar na cozinha.
Estúpida. Foi a forma como me senti. Qualquer pessoa em sã consciência saberia que aquilo era uma desculpa estúpida. Mas, o que eu poderia fazer? Não pensei em mais nenhuma possibilidade em me aproximar do Nefilim e confesso que comecei a sentir pena, pela maneira que as coisas se sujeitaram.
Nas últimas semanas a única pessoa que me fez perguntas sobre minha vida fora Sam. Como que minha mãe morreu, o que eu gostava de fazer e a forma como eu estava lidando com tudo aquilo. Confesso que nem eu sabia direito, às vezes me pegava chorando no meio da noite.
Por isso, talvez tenha uma noção de como Jack está se sentindo.
— Cozinha? — ele repete as palavras e vejo a expressão em seu rosto.
— Sim. Sim. Er, uh, onde fazemos comidas, esse tipo de coisa. — explicou rapidamente — Tem algo que gostaria de comer em específico? Experimentar, não sei.
Os olhos castanhos de Jack me analisam por alguns segundos, antes dele descer o olhar para o chão. Vejo um pequeno sorriso crescer em seu rosto, me sinto vencedora.
— Sim, eu quero ajudar na cozinha.
Não consigo esconder o sorriso voluntário que cresce em meu rosto. Jack não demora nem dois minutos para sair do quarto e me seguir pelos corredores do bunker até a cozinha.
— O que iremos fazer? — me perguntou.
Não importasse quando tempo se passasse — lê-se quase três semanas —, desde que nós nos conhecemos. Eu ainda não me acostumei com a forma que ele lida com tudo pacientemente, apesar de que aposto que contém uma guerra sendo travada em seu peito da mesma forma que há no meu.
— Que tal pipoca? E assistirmos algum filme?
Jack pisca os olhos com calma, balançando a cabeça em concordância.
— Você não faz a mínima ideia do que seja pipoca, não é.
— Não.
Rimos ao mesmo tempo e apostei que qualquer um dos meninos que estivessem passando por ali teria nos ouvidos. Mal sabia eu que estava certa.
Levamos menos de meia hora para fazer as pipocas, pois invés de fazer, deixei com que Jack fizesse sozinho. Sei lá, algo em mim dizia para o ajudar a preencher o tempo e não ter que pensar muito no que aconteceu. Apesar de que isso vai acontecer uma hora ou outra.
Quando chegamos no corredor que levava ao meu quarto, notei que a porta do número 11 — que era a o Dean —, aberta. Provavelmente ele estava prestes a sair ou algo assim, isso me deixou meramente curiosa, mas não o bastante para abandonar Jack e ir lá perguntar. Afinal, Dean e eu não tínhamos essa intimidade. Não havíamos trocado nenhuma palavra nas últimas semanas além de: Bom dia; Boa noite; me passa o cereal; fecha a porta da geladeira. Isso em partes me incomodava, mas não o suficiente também para fazer algo a respeito.
Assim que entramos no meu quarto, Jack quase tropeçou em umas das caixas deixadas no chão. Ri com a cena. Sam havia feito questão de sair conosco dois para comprar roupas e as coisas essenciais. Apesar de que naquele quarto eu me sentia uma intrusa, não tinha nada meu ali, nada que me fizesse ver aquele lugar como uma casa —, nem que fosse temporária.
As paredes eram escuras como todos os outros quartos do bunker. A cama de casal estava encostada na parede direita do cômodo, tinha uma cômoda do outro lado e uma tv de 32 polegadas colada na parede. Não sei quem que colocou aquela televisão ali, foi após meu comentário em uma das nossas jantas que falei o quão sentia falta de assistir filmes. No dia seguinte a Tv estava lá, nunca questionei nada.
— Vamos ver Harry Potter.
Me sentei na cama, vendo Jack fazer o mesmo. Colocou os dois baldes de pipoca na cama e as bebidas no chão.
— Harry Potter. — repetiu o nome do filme.
Agora foi impossível segurar a pequena gargalhada, soltei a de meu peito. Apoiei a mão em seu ombro esquerdo, falando.
— Você não sabe o prazer que é ser eu a te inserir no mundo de Harry Potter.
As sobrancelhas dele se juntaram, antes de me perguntar.
— Esse é aquele que Sam comentou sobre o sexo entre irmãos?
Engoli em seco.
Ainda não me acostumei com a maneira que Jack não tem discernimento.
— Não. — abri o aplicativo da Netflix na tv — Esse daí é Game of thrones.
— Ah.
Ele balançou a cabeça positivamente. Se voltando para mim alguns segundos depois.
— Iremos ver esse também?
— Não. — respondi rápido demais.
Jack se ajustou nas almofadas e travesseiros atrás de si e fiz o mesmo, apertando o play do primeiro filme de Harry Potter. O balde de pipoca ficou entre nossas pernas o restante da noite. Conseguimos ver os três primeiros até pegarmos no sono. Ele não era espaçoso nem nada do tipo, não se moveu em nenhum momento da madrugada que me acordasse. Dormimos ambos ao lado do outro, com os baldes já vazios aos nossos pés. Querendo ou não isso significou alguma coisa para mim, o fato de que Jack sabia agora que poderia contar comigo para pequenas coisas banais como aquela. Não há como explicar a maneira absurda de querer fazer com ele se sinta bem, e não depressivo como eu — que ficava me recordando da noite em que minha mãe morreu o tempo inteiro.
Ele também havia perdido a mãe e perdido Castiel.
Não há ninguém no mundo além de nós dois que compreendesse exatamente essa mesma dor.
— Bom dia, luz do sol.
A voz do Winchester mais novo soou ao meu ouvido no instante em que atravessei o batente da cozinha com Jack ao meu alcance.
— Bom dia, Sam. — saldei de volta, mas aposto que a expressão facial de otaria estava em meu rosto.
Nas últimas semanas tínhamos passado bastante tempo juntos, Sam era bastante proativo comigo e Jack. Ele acima de todos parecia querer fazer com que nós nos sentíssemos em casa. Claro que isso não iria ocorrer dessa maneira, mas era bem legal a forma como ele se esforçava. Isso me fazia gostar mais dele.
— O que assistiram ontem? — Sam indagou a nós.
Olhei para ele, vendo a forma como bebericava a xícara de café. Estava usando uma camisa flanelada em tons mais neutros, como marrom, branco e bege.
— Mavis me ensinou as magias negras. — respondeu Jack, dando a primeira garfada em seus ovos mexidos.
Os olhos claros do Winchester foram postos em mim, com as sobrancelhas arqueadas e os olhos levemente arregalados.
— Não, não, não foi isso. — gaguejei, ajeitando a postura. Jack era filho de Lúcifer, isso não era coisa de se dizer — Vimos Harry Potter e as magias de luz, Jack. Luz.
— Mas, o Voldermort...
— Voldermort é ruim como seu pai. — minhas palavras saíram mais rápido do que pude raciocinar — Os Winchester são tipo o trio de ouro, são do bem.
Um grande silêncio se instalou pela cozinha, comecei a pensar que tinha feito algo de errado. Corri os olhos até Sam, vendo-o engolir em seco.
— Bom, Jack, hoje vamos te treinar.
— Me treinar? — perguntou de boca cheia.
Bebi mais um gole do café de minha xícara, observando os dois.
— Já vi o que pode fazer, Jack. Você é poderoso. — argumentou Sam, colocando os pratos sujos na pia — Mas, precisa aprender a controlar. Precisa ter foco.
— Para eu não ferir ninguém.
A maneira que sua voz soava, demonstrava insegurança em sua própria fala. Como se tentasse entender o que aquilo significava de fato.
— Exatamente. — sorri, de boca cheia — Podemos fazer isso os três?
Sam voltou a olhar para mim, concordando. Apesar de eu sentir que ele não achava aquilo uma boa ideia tanto quanto eu, talvez os pensamentos pessimistas de Dean haviam o acertado também. A uns dias atrás escutei sem querer uma conversa entre os irmãos, e o mais velho não gostava muito da presença do filho de Lúcifer. Comecei a pensar no que ele iria achar de mim se soubesse que fui eu quem curou suas feridas aquela vez, sem nem saber como. Ia me olhar com desdém da mesma forma que faz com Jack?
Aposto que sim.
Terminamos o café da manhã e seguimos caminho pela biblioteca.
Não importava quantas vezes eu entrasse ali, a sensação ia ser a mesma sempre. Vi de canto de olho Sam pegar algo em mãos, voltando para perto de Jack.
— Eu quero que você mova. Com a mente.
Colocou o lápis sobre a mesa.
— Só isso? — perguntou o mais novo.
— É só isso.
Arquei as sobrancelhas, observando os dois. Decidi me sentar mais afastada, para que Sam pudesse ter um tempo de qualidade sobre ensinamento. Sobre meu colo estava meu caderno de rascunhos, comecei a desenhar com um lápios um esboço dos dois que estava à minha frente.
Jack apoiou as palmas das mãos sobre a mesa, encarando o objeto com força. Mas, nada aconteceu. O lápis não se moveu. Vi a maneira que Sam era paciente e não se estressou com aquilo, ao contrário, permaneceu ao lado dele.
Isso se transcendeu por muito tempo, diversos minutos até se tornarem horas. Jack não conseguia mover o lápis, não conseguia se concentrar. Apesar de Sam estar ali do seu lado, conversando.
Meus dedos trabalhavam no papel do caderno.
Jack estava alterado, Sam ficou chateado e se retirou da biblioteca.
— Vamos fazer uma pausa. Vou fazer comida, fica aqui e relaxa.
Foi sua deixa.
Ponderei ficar com Jack, mas optei por seguir o mais velho. Sei a forma como era necessários os momentos sozinhos para refletir, e a forma como Jack se dirigiu a Sam me deixou um pouco abalada.
Percebi o quão patética tenho sido nos últimos dias. A forma como ando me esgueirando pelos corredores, evitando a todo custo pensar em minha mãe nos acontecimentos daquele dia. O jeito que só consigo dormir após tomar tranquilizante, sinto que estou à beira do fracasso total. Então, me seguro nessas pessoas a minha volta com o intuito de não sei o que.
Ignorando os pesadelos. Ignorando os tormentos. Como se isso fosse me ajudar com alguma coisa, quando na verdade era tudo mentira.
— Ei. Você tá legal? — perguntei, adentrando a cozinha assim que o vi.
Sam estava segurando um livro sobre o que fazer com crianças superdotadas, enquanto o notebook estava aberto a sua frente, observando a câmera onde mostrava Jack.
Assim que me viu, um sorriso pairou sobre seus lábios, confortável o suficiente para me fazer aproximar.
Cruzei os braços, me encostando na mesa ao seu lado.
— Como ele está? — me perguntou.
Dei uma umedecida nos lábios, olhando brevemente para a tela do notebook.
— Bem, eu acho. — fui sincera.
Eu não sabia nem sobre minhas próprias emoções, não tinha como saber cem por cento da de outra pessoa. Descruzei os braços e apoiei as mãos ao redor de minhas pernas, sobre a mesa. Poucos segundos depois senti o calor das mãos dele pousarem sobre a minha esquerda.
— Obrigado por ficar do lado dele. E tentar o fazer se sentir normal.
As covinhas se estamparam em suas bochechas. Meu coração acelerou, senti o calor atingir meu rosto. Sam nunca havia segurado minha mão daquela maneira antes, aquele contato físico causou uma reviravolta em meu estômago.
Era assim que era gostar de alguém?
Forcei uma risada, fraca, gaguejando em seguida.
— Aham, sim, er, sim.
Sam umedeceu os lábios dessa vez, dando um aperto mais forte sobre minha mão.
— Ahm, e o Dean? — falei a primeira coisa que me veio a cabeça — Não o vi recentemente.
Sam soltou a minha mão, voltando a pegar no livro antes de me responder.
— Ele foi resolver um caso a pedido de uma amiga nossa.
Senti o nervosismo começar a passar calmamente, mas ainda assim as bochechas queimavam. Olhei mais uma vez para o monitor, vendo que Jack tinha sumido.
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