02 | JACK E MAVIS CONECTADOS
HÁ TANTAS E tantas coisas passando pela minha cabeça nesse exato momento em um looping sem fim, é como se tudo o que está acontecendo diante a mim pudesse ser tudo menos de verdade. Ainda não consigo entender como meu caminho literalmente se cruzou com caçadores, um anjo e o bebê de Lúcifer que está prestes a nascer. É a maior confusão da minha existência. Tudo está acontecendo de uma maneira tão absurdamente rápida que eu não tenho nem tempo para pensar na desgraça que aconteceu noite passada quando minha casa, minha mãe e toda a nossa história pegou fogo como se não passasse de um nada.
A mulher loira que apareceu com os outros dois rapazes se chama Mary, sei disso agora pois estou ao seu lado fazendo companhia para Kelly que está prestes a dar à luz.
— Acho que tá em intervalos de menos de cinco minutos agora. — comentei, me sentando ao lado da grávida.
Aquela onda que me fez chegar até ali para encontrar Castiel, agora estava mais forte do que nunca... era quase como se eu conseguisse apalpar no ar.
— Como você está? — perguntou Mary, segurando a mão esquerda de Kelly.
Que pergunta mais idiota, como ela acha que a mãe do bebê de Lúcifer estaria? Claramente a última coisa seria bem. Quis muito soltar meus pensamentos em voz alta, mas consegui me conter, pois ali não era o momento.
— Eu estou morrendo. — forçou um sorriso, Kelly.
Sua testa suava, mostrando o quanto de força estava fazendo para se manter ali.
— Eu sei.
Não consegui evitar meu olhar de desaponto para a loira, quem em toda a face da terra diz esse tipo de coisa?
— Mas, tudo bem. — continuou Kelly — Você não morreria pelos seus filhos?
Mary balançou a cabeça levemente em concordância, aí me dei conta de que talvez os outros dois desconhecidos lá fora fossem de fato o filho dela. O que sem querer para mim não foi algo muito positivo, não sei dizer a razão. Meus pés estão doendo ainda, mais do que antes. O sangue esfriou e toda a adrenalina de chegar até ali se dissipou, é como se agora eu finalmente pudesse organizar as coisas em meu consciente. Então, novamente os flashs da noite passada me cercam. É sempre a mesma coisa, de novo, de novo e de novo... parece não ter fim. Me levanto da cama deixando Mary sozinha com a Kelly no intuito de molhar a toalha com água gelada para tentar aliviar a dor da coitada — e também, claro — sair um pouco daquele quarto que parecia estar me sufocando.
A única coisa que me fez trilhar todo o meu caminho até ali desde a noite passada era respostas... respostas que Castiel não faz questão de me dar agora. O que faz-me perguntar quando as terei. A única coisa que ele me disse com convicção é que não posso ir embora agora, que tem sei lá o que atrás de mim. E juro por Deus que se eu não tivesse vivenciado tudo que eu vivi ontem, não acreditaria tão facilmente na palavra do anjo. Mas, eu vivi toda a desgraça na noite passada... e confiar no Castiel é a única coisa que me resta, mesmo que isso signifique ajudar o bebê de Lúcifer a nascer.
Vou até a pia da cozinha e enfio pano branco embaixo da torneira e fico nessa posição por alguns minutos, mesmo sabendo que é algo inútil no momento. Ouço vozes vindo da sala de estar e armas sendo engatilhadas, respiro fundo antes de escorrer a água do pano e decidir voltar para o quarto mais uma vez, apesar de ainda me sentir sufocada.
— Eu tenho fé é na gente. — diz com convicção o cara loiro, enquanto termina de ajeitar a própria arma.
Será que se eu me esconder em algum lugar da floresta até as coisas se resolverem, Castiel ficaria muito chateado?
— Ô garota. — meus pensamentos são interrompidos pelo desconhecido, seus olhos escuros me analisam — Quem é você?
— Quem é você? — repito a pergunta, franzindo meu cenho.
O moreno mais alto olha para o loiro com graça, como se não estivesse esperando por aquela resposta. Noto que o rosto do cara mais baixo é um pouco mais chamativo que o normal, algo que eu não havia notado na primeira vez que o vi a alguns minutos atrás.
— Eu sou Sam, esse é meu irmão Dean. — apresenta o moreno com um sorriso simpático no rosto.
Os olhos de Dean ainda estão postos sobre mim, como se ele estivesse em uma batalha interna de me agredir ou sei lá o que ele gostaria de fazer. Seus olhos são chamativos e misteriosos, o tipo de olhar que eu não gosto... que me faz querer sair correndo. Agora os olhos do tal do Sam são diferentes, charmosos, confiantes e calmos. É quase como se ele conseguisse passar uma tranquilidade apenas com um simples ato, o que me fez gostar dele imediatamente. E convenhamos, eu até tenho uma quedinha por caras altos.
— Bom, Sam, — vejo que minha voz quase falha no processo da tentativa de falar — Mavis.
O loiro umedece os lábios, com uma cara de desdém e volta a prestar atenção nas próprias armas em mãos.
— Castiel nós falou pouco sobre você.
— Castiel falou pouco para mim também sobre as coisas que quero saber. — forço um sorriso para Sam, apertando o pano molhado em mãos — Disseram que Lúcifer está a caminho, então, posso ter uma arma? — ganho novamente os olhos do loiro — Quer dizer, só até passar.
— Cê tá louca garota? — Dean rugi estridente — Você tem o que, quinze anos? Nem a pau.
Decido de imediato que não gosto dele, que se tivesse que escolher uma situação de merda no agora com sua presença ou no de ontem com a presença dos monstros que queria me matar, eu com certeza escolheria os monstros.
Respiro fundo, duas vezes seguidas, mantendo meus olhos fixos com os dele. Milhares de respostas passam por minha cabeça, e mais sensata entre elas é ir embora de imediato. Então, planejo isso, apoio o pano molhado no canto da mesa e me viro de costas para aquele homem e seus olhos fulminantes de ódio sobre minha pessoa.
Porém, antes mesmo que eu dê meu primeiro passo para sair dali —, os olhos claros e calorosos de Castiel pairam a minha frente. O observo por alguns segundos, consigo sentir a preocupação emanando de seu ser.
— Mavis, vem comigo. — pediu.
Pensei em negar, mas acho que não tenho essa opção. Sinto o clima naquela casa ficar mais pesado, da mesma maneira que o frio começara a chegar lentamente. As mãos do anjo me guiam para a porta dos fundos, e no exato instante que coloco meu pé no ambiente de fora — vejo a lua cheia refletindo sobre a água, tornando a paisagem bonita.
— Não era para você estar aqui.
Suas palavras me acertam com força. Franzo meu cenho, pois aquilo não era novidade.
— Você já me disse isso. — digo sem pensar muito.
A maneira que seus olhos me acalmam é indescritível. Há um pesar neles, algo embutido.
Castiel apoia a mão direita sobre meu ombro.
— Quando isso tudo passar vou te contar detalhadamente sobre tudo. — foi sincero, pelo menos pareceu — Mas, primeiro precisamos manter você e Jack seguros. Ele está prestes a nascer. Não podemos deixar Lúcifer colocar suas mãos nele.
Sinto um arrepio subir pelas minhas espinhas ao ouvir aquele tal nome.
— Quem são aqueles caras? — pergunto, observando o suspirar pesado escapar pelos seus lábios — Aquele loiro não me deixou pegar uma arma.
Castiel deu um breve sorriso, voltando a sua feição seria logo em seguida.
— Eu confio neles. — diz convicto — Pode confiar também.
Presto atenção em suas palavras, antes de Castiel dizer sua deixa.
— Vou conferir com os meninos outro lado da fenda, preciso que fique com Kelly.
Balanço a cabeça em concordância, voltando para dentro da cabana. Passo na cozinha e pego o pano molhado que tinha sido meu objetivo de mais cedo ao ir buscar, sentindo os olhos escuros do loiro acompanharem meus movimentos.
Filho da puta. Penso sobre ele, enquanto volto para o quarto.
Quando entro por completo no ambiente, vejo que Mary está ao lado de Kelly segurando sua mão e as luzes ao redor estão piscando com força.
— O pano, Mavis, o pano.
A loira estica a mão, ao mesmo tempo em que passo o objeto para ela. Sento nervosa, sentindo a palpitação em meu peito alta e as mãos suando. Aquela onda e aquele sentimento que havia me puxado até ali para encontrar Castiel estava mais alta do que nunca, quase perto de explodir.
O rosto de Kelly está completamente molhado pelo suor, e o cansaço começa a beira sua aparência.
Sinto a presença de Castiel no batente da porta e movo meus olhos para ele.
— Eles querem falar com você. — se refere a Mary.
Percebi que me perdi no tempo e nem notei os longos minutos que se passaram desde que conversei a sós com o anjo. A loira sai do nosso lado, passando por Castiel a fora. Percebo a maneira que Kelly fica rígida, nervosa. Começo a temer sobre o que encontrarão do outro lado daquela fenda tempestuosa.
— O que está acontecendo?
A voz fraca de Kelly ressurge no quarto, indagando a Castiel. Novamente, da para notar a feição cansada e abatida do anjo. Ele está por um fio, como se não dormisse a dias.
— Não se preocupe. — ele entra por completo no quarto.
Deslizo sobre a cama até ficar do outro lado, dando espaço suficiente para Castiel sentar. Dito e feito, ele se senta na beirada, próximo a ela.
— Você vai ficar bem. — Castiel dá um beijo no topo de sua cabeça — Lembre-se, paraíso.
Aquilo aquece meu coração um pouquinho. Começo a me perguntar se minha mãe está no paraíso ou queimando nos sete fogos do inferno.
Tento me convencer de que a primeira opção é mais desejável, porém a dúvida começa a me corroer.
O anjo não demora muito ali, pois há um tipo de burburinho do lado de fora que o atrai. Sinto a energia no ambiente ficar pesada, as luzes piscando com mais força e a mão esquerda de Kelly amassando a minha direita. O bebê está prestes a nascer, tudo ao redor indica isso. Observo a maneira que o suor escorre pela testa de Kelly, a forma como está com os dentes trincados e o maxilar extremamente marcado. Ela está se esforçando, mais do que pode.
A velocidade que as luzes piscam diminui o intervalo de tempo, tornando escasso um segundo sequer sem piscar.
Os dedos de Kelly se afrouxam ao redor das minhas mãos e no instante seguinte uma luz extremamente clara, alaranjada, me cega.
☄️
Não sei quanto tempo fiquei desmaiada. Porém, quando senti alguma coisa encostar em mim — voltei à consciência.
— Mavis, Mavis.
A voz pouco conhecida de Sam soou ao meu redor, demorei alguns segundos até conseguir focar minha visão. E quando por fim tive êxito, pude notar que me encontrava no chão do quarto, minha cabeça doía a beça e meu ombro esquerdo latejava.
— Cadê o bebê? — indagou ele, me puxando para cima com cuidado.
Pisco meus olhos com cautela, observando a cena ao meu redor. Vejo Kelly, já morta.
— Sam, eu... — minha boca fica seca — não vi bebê nenhum.
A maneira que seus olhos se franzem e seus lábios são pressionados, me mostra que ele ficou confuso com tal informação. Porém, não fora preciso que nenhum de nós dois comentasse mais alguma coisa, pois era possível ver emanando do corredor uma luz alaranjada.
Sam Winchester andou a minha frente, como se de alguma forma aquilo fosse me proteger de algo. Seus ombros eram extremamente largos, o que facilitava eu me esconder ali atrás caso algo ocorresse.
O quarto de hóspedes era quase ao lado do principal, onde estávamos. E assim que Sam e eu chegamos no batente da porta —, conseguimos notar a maneira que a escuridão tomava conta daquele ambiente, menos no canto esquerdo. Ali, se você forçasse sua visão conseguiria ver com mais precisão que tinha um tronco masculino de costas, e a luz que havia sido emitida até o corredor era de seus olhos.
O ar faltou em meus pulmões, dei um passo para trás no automático.
A sensação que eu senti quando minha casa pegou fogo, aquela coisa que me puxava para Castiel não era de fato para ele — como eu havia pensado. Era quase palpável toda a energia que eu conseguia sentir daquela pessoa no canto.
— Jack?
A voz de Sam soou baixa, quase tranquilizadora.
Me forcei a respirar direito, mas era impossível focar totalmente naquele momento. E se Lúcifer chegasse? Eu não queria ficar no meio do fogo cruzado.
— Pai? — a voz perguntou de volta, receosa.
Ele se levantou do canto da parede, o tronco nu, assim como o restante de seu corpo. Seus olhos estavam amarelos, quase dourados. Me senti tonta com aquela visão, como se já tivesse visto em algum momento da minha vida no passado.
— Não, não, Jack. Eu não sou seu pai. — Sam deu mais um passo para a frente, com as mãos bem visíveis em sinal de rendição — Seu nome é Jack, não é isso?
— Meu pai.
— Sam?! Sammy?!
A voz de Dean soou do corredor e os passos ficaram mais altos conforme se aproximava do cômodo.
— Eu tô aqui, Dean.
No instante seguinte o semblante carrancudo do homem pairou diante a mim. Seus olhos foram puxados automaticamente para o Nefilim do outro lado do cômodo. Em menos de dois segundos Dean levantou a arma e puxou o gatilho, acertando Jack no ombro.
— Não. — eu e Sam gritamos em uníssono.
O filho de Lúcifer gritou, meu corpo foi arremessado contra a parede — sendo acompanhado pelos irmãos. As janelas se quebraram e senti o assoalho abaixo de mim se rachar. Me forcei a olhar na direção do garoto, porém minha cabeça lateja mais do que o normal.
Duas pancadas em menos de uma hora não era para qualquer sistema neurológico, não.
Quando voltei a prestar atenção nas coisas à minha volta, os braços de Sam me levantaram do chão novamente. Os segui cambaleando, até a saída da cabana. Porém, meus pés travaram no meio da sala ao ver algo coberto sobre a mesa de jantar.
Meu coração acelerou.
Movi meus pés para aquela direção, porém senti algo segurar meu pulso. Olhei para baixo, notando a mão direita de Sam.
— O Castiel, ele...
Sabe quando você sente o mundo caindo deliberadamente sobre sua cabeça? Você não consegue distinguir qual parte de seu corpo está doendo mais, ou qual das partes você desejaria que parasse de arder. Quando o dia amanheceu após a noite que eu perdi tudo, a única coisa que me confortava era saber que Castiel estaria presente e que me daria todas as respostas e se possível, me protegeria. Era a esperança que me manteve viva, todos aqueles segundos, a esperança que tinha sido tirada de mim.
— Mavis, o Lúcifer, ele...
Parecia que Sam estava impossibilitado de terminar todas suas frases, parecia que ele olhava para a feição em meu rosto e toda a sua saliva evaporava de sua boca —, sem saber como prosseguir.
— O que eu... O que eu faço agora? — murmurei, mais para mim mesma do que para ele.
Consegui sentir sua respiração pesada, a poucos centímetros de mim.
— Ele nos disse para não deixar você ir embora. E eu vou cumprir com minha palavra, até ele voltar. — sua voz soou firme, quase convincente — Te proteger.
Não olhei para seu rosto, apenas puxei minha mão que ainda estava sendo segurada por seus dedos quentes e andei em direção a fora daquela casa. Dava para ver os indícios do nascer do sol, as faíscas que iluminavam todo o lago de uma maneira bonita.
— Temos que encontrá-lo. — rugiu Dean, fechando o porta-malas do carro — Ainda temos óleo santo, né?
Eu odiava seu tom de voz, era agressivo e impaciente. Seus olhos mal eram postos em mim, como se eu não existisse.
— Para o que?
Sam perguntou, parando ao meu lado.
— Sinto que ele foi para o norte. — falei, alto demais o suficiente para ambos ouvirem.
Então, seus olhos negros, cheios de fúria e raiva, como se carregasse todas as coisas ruins ali dentro —, foram colocados em mim.
— O quê?
Ríspido. Seco. Incoerente. Dean se dirigiu a minha pessoa.
— Ele foi para o norte. Consigo sentir sua vibração, sei lá.
Ele arqueou as sobrancelhas e eu odiei sua feição.
— O que você é? — apontou o dedo indicador para mim — O que Castiel queria com você? Por sua causa ele...
— Dean!
A voz de Sam elevou três notas, altas os suficientes e ríspida o bastante para impedir que o irmão terminasse a frase.
— Se querem encontrá-lo, Jack foi para o norte. — me dirigi a Sam, evitando os olhos do outro.
Eu o odiava. Como que Castiel podia ter me dito para confiar nele? E pela maneira que estava agindo, assim que colocasse seus olhos em Jack, jogaria fogo no garoto. Mas, convenhamos, ele era filho de Lúcifer e estava atrás do pai.
Pouco mais de seis minutos depois já estávamos na estrada. A maneira que Dean apertava o pé no acelerador, me fazia colar as costas contra o banco de couro do Chevrolet 67.
Da posição em que eu estava, consegui ver os dedos do loiro pressionarem com força o volante — quase o suficiente para o arrebentar.
— Será que podemos falar do que houve lá? Antes de você querer pegar o menino...
— Tá. Qual parte? — Dean cortou Sam, grosso — O Crowley morreu, a Kelly morreu, o Cass... — deixou a frase morrer — A nossa mãe vazou, e parece que o filho do diabo chegou na puberdade em trinta segundos e ele quase matou a gente.
Elevei as sobrancelhas, surpresa com sua explosão de raiva.
— É, por que você ia atirar nele. — contradisse Sam.
— Eu atiro em monstros. Tá pensando o quê?
— Olha aqui, nós ainda não sabemos o que ele é, Dean. E eu o tinha sob controle.
Era de se admirar a maneira que Sam era bom com as palavras e não desistia de tentar conversar com o irmão.
— Vêm cá, — Dean cuspiu as palavras — você tá defendendo filho do satã, é isso?
— Eu não tô defendendo...
— Esquerda! — gritei, um pouco alto demais. O suficiente para fazê-los calarem a boca e se lembrarem da minha presença.
O Impala virou na direção ordenada, e a única coisa que eu conseguia sentir era a minha conexão com Jack ficar mais forte.
— Precisamos de um plano. — por fim, disse Sam.
— É claro. — Dean deu um riso sarcástico — Matar ele, esse é o plano.
Mas, talvez, apenas talvez, senti que nada ia acontecer como o planejado e que Castiel escondeu muito mais coisas do que imaginei.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro