Capítulo - 1 🦋
" Deus haje de forma misteriosa ,
ao executar seus milagres .
Ele deixa suas pegadas no mar
e cavalga a tempestade . "
William cooper
Acordo com os raios de sol batendo em meu rosto e fecho a cortina por não me dar muito bem com o calor de verão . Olho para o lado e vejo minha lâmina ensanguentada juntamente com os comprimidos aleatórios que tomei na noite anterior , mas que não fizeram o efeito que eu esperava . Minha cabeça latejava e eu não conseguia ficar de pé , me apoiava nos móveis mais próximos caminhando em direção ao banheiro . O espelho logo à minha frente não me dava uma visão esplêndida de mim mesma , cabelos bagunçados , olheiras fundas como se não dormisse há séculos , minha perda de peso era visível e os cortes estavam mais fundos no que nunca .
A água morna percorria meu corpo e podia sentir meus pulsos arderem ; e vi o chão se tornar um poço de líquido vermelho . Olhei para baixo e mantive a posição por alguns minutos sem a vontade alguma de sair dali e ter que continuar meu dia . Ouvi a canção de um passarinho azul pela janela do banheiro , ele sempre estava no mesmo lugar às 6:00 horas da manhã , já havia me acostumado com suas visitas repentinas no mesmo galho de árvore que meus olhos podiam ver através da janela . As vezes cantava com ele e me surpreendia quando trazia uma canção diferente o que me tirava um sorriso bobo que durava muito pouco .
- Vamos lá - Suspirei fundo .
Andar pelo meu quarto todos os dias era fazer um tour pelas memórias . Os desenhos surrados me davam lembranças de risadas em famílias quando nos sujamos de tinta ; as fotos em cima da escrivaninha me lembravam os dias de parque e sol ; e eu olhava para o espelho na penteadeira tentando buscar alguma semelhança dela ou dele já que viviam me repartindo entre si . Diziam que meus olhos eram da cor dela , os cabelos do mesmo tom , a cor da pele , mas o sorriso e nariz eram do meu pai . Puxei as mangas compridas de minha blusa azul marinho para que não houvesse amostras dos meus machucados e segui em direção à cozinha .
- Ora ora , veja quem decidiu acordar . Sabia que estou com fome ? Está tarde e nem o cheiro de café pela casa se tem - Ella diz com intenção de me dar trabalho .
- Meu despertador quebrou outra vez - Revirei os olhos ignorando-a .
- Não conte mentiras Marina , sabemos que está cada vez mais desleixada - Rissa sorriu debochando .
- Meninas , meninas ! - Dona Helena exclamou empolgada - Acabei de ver um noticiário na televisão e tenho certeza que é de muito interesse para todas nós , exceto para você - Me lançou um olhar de nojo .
- Diga logo mamãe , quer nos matar do coração ? - Rissa dá pulinhos de alegria .
- O mais novo prefeito de Portland , Maine , é muito rico como sabem e isso é muito bom para nós . Ele é solteiro e tem um filho que pode futuramente se casar com uma de vocês . Para a nossa sorte , não irá morar muito longe daqui o que nos faz literalmente bons vizinhos . Seu filho , Felipe Mirello , tem uma herança que passará à sua futura esposa e estudará no mesmo colégio que vocês estudarão . Então , vamos ser bem sutis com os planos meninas . Não podemos perder nenhuma oportunidade - Seu sorriso era assustador como se estivesse construindo um plano diabólico para manipular tudo e todos só para conseguir o que seu caráter egoísta almejava .
- Eu vou casar com Felipe Mirello - Ella suspirava .
- Não se eu casar primeiro , sua tonta - Rissa a empurrou o que foi um stopin para que as duas começassem a brigar .
- E você , já para a cozinha mocinha - Dona Helena apontou para mim .
- Sim senhora , Dona Helena - Abaixei a cabeça me retirando .
- Quero que me chame de mãe sua estúpida , não quero que pensem que não cuido de você - Ela bate na mesa com o medo de perder todos os requisitos e mimos que tinha por minha causa se descobrissem que me mantinha presa como escrava .
Assenti com a cabeça , mas jamais a chamaria de mãe . Estava fora de cogitação . Ela não tomaria o verdadeiro lugar de mãe na minha vida nem que me forçasse , se fazia um monstro com todos os seus tapas agressivos e suas palavras que me subjugavam a uma vida mais cabisbaixa . Me retirei o mais rápido possível para não ter que ouvir mais a voz de nenhuma delas e isso era meu alívio . Olhei para a lista de afazeres do dia e bufei . Tinha mais coisas do que o dia anterior , como pode ? Suspirei fundo antes que meu dia começasse de fato e avistei o jornal local que estava sobre a mesa .
- Ah ! Então esse é você ? - Felipe Mirello era a capa principal dos noticiários - Não me surpreende nenhum pouco . Deve ser apenas um garoto mimado , acostumado a ter tudo o que quer e com garotas que o rodeiam constantemente - Revirei os olhos e lancei o jornal na mesa com desgosto .
Ele era bonito , mas não o suficiente para fazer com que meu coração mudasse de ideia . Sua pele era branca e parecia macia como veludo o que lhe dava um aspecto jovial ; seus olhos possuíam um tom azul diferente e penetrante ; seu sorriso era intrigante e com certeza era por ele quem as garotas ingênuas ficavam apaixonadas ; seus cabelos claros caíam nos olhos como os dos artistas jovens de Hollywood . Revirei os olhos por um momento ao não ver graça e sentido no amor , já tinha visto tantas coisas que me fizeram desacreditar de tal sentimento . Quando me dei conta , estava lendo o noticiário por inteiro e a imprensa fez questão de centralizar cada característica e gosto .
- Cristão ? De santo ele não tem nada , aposto - Aquela informação me deixara indignada .
- Marina ! - Dona Helena grita meu nome .
- Estou indo , só um minuto - Disse fechando o jornal e colocando o avental vermelho .
Estava cada vez mais profissional em ser rápida . Meu pai falaria que herdei as mãos de anjo da minha mãe já que nossos biscoitos de baunilha e nosso chocolate quente eram parecidos no cheiro e no sabor . De repente , Drácula , o gato de dona Helena entrou na cozinha e ficou vigiando atentamente cada movimento meu como se pedisse com súplicas em seus olhos esverdeados por biscoitos recém assados . Não gostava de gatos , eles eram tão sérios , tão misteriosos e secretos , as vezes chegavam a me dar medo . Mas posso dizer que tinha uma relação estável com Drácula , ele provava da minha comida e nunca reclamava , diferente da Rissa e Ella .
- Eu sei que está com fome seu velho rabugento - Disse sorrindo e jogando três biscoitos para o bichano .
Assim que terminei servi a todas , que reclamavam sem parar da minha demora mesmo que eu já tivesse me desculpado um milhão de vezes . Sentei-me na cadeira mais distante para não ser dada como intrusa , comi de cabeça baixa enquanto sussurros e risos das irmãs curiosas e desesperadas ecoavam pela sala de jantar . Estávamos no último ano do Ensino Médio e os preparativos para o baile de formatura já estava sendo comentado . Não tive uma vida de colegial que me agradasse , histórias sombrias tomavam conta de minha mente , mas Lily era a única que conseguia me fazer sorrir com seu jeito desastrado e especial de ser a minha melhor amiga . Ela havia prometido que no baile dançaríamos juntas , mas depois que ela conquistasse de uma vez por todas a sua paquera do ensino fundamental e médio .
- Poderei ir , não é ? - As palavras saíram sem que eu pensasse antes .
- Quer ir ao baile de formatura ? - Dona Helena arqueou as sombrancelhas .
- Quero sim , muito - Esbocei um sorriso desanimado .
- Mamãe , você não vai deixar a Marina ir , não é ? - Rissa engasgou-se .
- Claro que não . Ela estará aqui para manter tudo em ordem quando trouxerem o querido Felipe Mirello para jantar conosco - Pisca para as meninas .
Um nó em minha garganta se forma e cerro os punhos mesmo sabendo que nada poderia fazer . Levanto-me da mesa e depressa subo as escadas em direção ao meu quarto enquanto a comemoração das meninas se tornam cada vez mais debochada . Me jogo na cama e afundo minha cabeça em meu travesseiro para soltar um grito que mantinha preso . Tentei não chorar , já deveria ter me acostumado com a dor e escravidão a ponto de ser forte o suficiente para levantar e seguir em frente só para querer ler mais uma carta de minha mãe . Eu estava quase lá , na carta de formatura e prometi que abriria cada uma na sua ocasião sem desobedecer suas palavras .
- Você consegue , aguente só mais um pouco - Respirei fundo .
Fechei os olhos e a vontade de aliviar minha dor torna-se presente outra vez . Lembro-me de Carl Sohan , o garoto que me apresentou às lâminas e o quão eu sentia sua falta . Quando o conheci o dia estava ensolarado o que despertava nos alunos a energia para praticar seus esportes cansativos e monótonos . Sohan veio do Japão para Portland com a avó após seus pais terem se suicidado depois de uma noite de brigas agressivas . O guarda roupa foi seu esconderijo quando tudo acontecia e mesmo que tampasse os ouvidos , não podia fugir dos gritos agonizantes da mãe . Quando tudo silenciou , seu coração não conseguia entender tal paz . Ao sair do móvel , sua mãe estava no chão com seu pai e várias pílulas espalhadas pelos cômodos do quarto .
Sua vó o trouxe para Portland para criar outras raízes , mas começou a se automutilar e sofria bullying .
- " O que está fazendo ? " - Perguntei abismada a Sohan ao ver sangue jorrando de seu braco .
- " O que você tá fazendo aqui ? " - Ele se levantou prontamente ignorando suas ações .
- " Você está sangrando " - Comecei a chorar .
- " Não sua idiota , isso é suco de framboesa . Agora vá se unir aos seus amigos e me deixe em paz " - Ele bufou .
- " Porque faz isso ?" - Solucei .
- " O que acha ? Pra me divertir . Minha vida é uma droga , pra onde eu vou é morte , é agressão , é desgraçada . As pessoas não conseguem me entender , zombam de mim , me chamam de louco , dizem que preciso de um psiquiatra e eu não tenho ninguém " - Ele abaixou a guarda e sentou-se debaixo da arquibancada .
- " Eu entendo você " - Arrisquei me aproximar .
Foi quando contei toda a minha história para Sohan e fui retribuída por sua marcante história . Ele me perguntou se eu queria aliviar a minha dor como ele fazia , mas recusei . Sohan olhou no fundo dos meus olhos e pediu que eu os fechasse , logo em seguida fez riscos em meus pulsos com uma lâmina . Senti uma ardência prazerosa e por um momento esqueci quaisquer tipo de problema que me perseguia até então , gemi de dor e Sohan sorriu dizendo que essa era a minha primeira vez de muitas outras . Ele me deu uma lâmina e disse que era um presente , guardei no bolso e nos despedimos .
Depois de um tempo Sohan começou a ficar cada vez mais distante . Foi quando eu descobri que tinha se suicidado na noite de seu aniversário após ser diagnósticado com a síndrome do pânico . Havia deixado várias cartas e uma delas era para mim onde pedia para que eu nunca o esquecesse para que ele não fosse só mais um cadáver indo para debaixo da terra e sim alguém que deixou um legado . Aos olhos humanos , ele era apenas um menino solitário que mantinha planos loucos em mente , distante do mundo criava um lugar só seu de escuridão e memórias que machucavam ; um garoto excluído e amante do rock . Mas eu o compreendia , sabia o quão difícil era estar sozinha e não ter ninguém com quem contar nos momentos em que mais precisava . Ele já tinha suportado tantas coisas e chega um momento em que não conseguimos ser fortes o tempo todo .
" As vezes é difícil de ser entendido , até eu mesmo não me entendo . Aguentei o possível para continuar , mas o mundo com seu desamor e solidão falou mais alto e me fez um convite de valor , a morte . Só espero que quando eu não estiver mais aqui , seja lembrado de alguma forma significativa . Não fiz o que eles esperavam que eu fizesse , não peguei todas as garotas do colegial ; não bebi inúmeras cervejas e depois pulei sem roupa na piscina da casa do cara mais popular do time de Futebol da escola ; não usei jaquetas de couro ou tênis que me fizessem ser mais descolado ; eu não vivi mentiras e farsas como eles , mas a realidade dolorosa . Sim , eu espero ser lembrado . Mas , por quem ? No final somos todos esquecidos como algo velho e sem valor . Só espero que não me esqueça Marina Willow e talvez um dia coloque meu nome em seu filho em minha memória . Eu só queria ter recebido um abraço , um " vai ficar tudo bem " , mais amor ... teria mudado todo o percurso da minha vida e até mesmo interferido nas minhas decisões "
Eu prometi nunca me esquecer de Carl Sohan e sempre lia a carta novamente só para ter um vislumbre de seu rosto em minha mente . Limpei as lágrimas e guardei a carta na gaveta , logo em seguida me encolhi na cama com um sentimento avassalador de culpa . Eu poderia ter impedido seu suicídio , mas não o fiz . As vezes é necessário guardar nossa dor no bolso e tratar a ferida do outro , Lily vivia me ensinando isso .
Tomei um comprimido para a dor de cabeça e amarrei os cabelos quando ouvi dona Helena gritar pela terceira vez o meu nome . Respirei fundo e disse a mim mesma que hoje seria forte por meus pais , Sohan e Lily e que conseguiria cumprir mais um dia cansativo de trabalho .
- Vamos lá gata borralheira , seja forte hoje . Você vai conseguir , eu sei que vai - Suspirei e desci as escadas .
" vocês foram escolhidos de acordo com o propósito de Deus , o pai . E pelo espírito de Deus vocês foram feitos um povo dedicado a ele a fim de obedecerem a Jesus Cristo e ficarem purificados pelo seu sangue . - 1 Pedro 1. 2 "
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