Nick

Eu não sei se a garota do tênis estava entre as 400 participantes da primeira audição de ontem. Quando a vi cantando naquele restaurante, não consegui ver muito do seu rosto, já que ela usava maquiagem e um boné brilhante, mas achei que conseguiria reconhecê-la se a visse novamente. Avaliei o rosto de cada candidata e nenhuma delas se parecia com a garota do All Star. Isso é decepcionante! Eu esperava encontrá-la na primeira seleção, então lhe escolheria para ir ao reality com mais 9 garotas e no final ela seria a vencedora, mas agora que não a reconheci entre as participantes, nem ao menos sei se ela se inscreveu.

O jeito é continuar com o programa. Muitas meninas foram sensacionais na audição e já tenho em mente as 10 participantes que vão para a casa de praia em Cancún.

Porém, por mais que eu não saiba se a garota misteriosa está entre essas 10 concorrentes, estou seguindo minha intuição e meu ouvido, é claro. Fiz questão de desenhar uma estrela na ficha de todas as garotas que tinham uma voz parecida com a que ouvi no restaurante. Mas é difícil. Não é como se eu tivesse a voz da menina gravada no celular e pudesse ouvir sempre que quisesse. Ela está apenas em minha memória e ontem, durante a seleção, fiquei confuso várias vezes. Umas três garotas me lembravam bastante a voz que procuro há dias, mas ao mesmo tempo não eram... iguais. Eu não sei.

Mas a voz que mais me trouxe de volta àquela noite no restaurante foi a da participante de número 242. Liza McPhee. Ruiva, usava óculos de grau gigantes na frente dos olhos e cantava com muita emoção, quase como a garota do restaurante, porém, não era ela.

Enfim, quem sabe outra menina acabe conquistando a gravação do dueto se eu não encontrar a dona do tênis. Liza é uma forte concorrente, que com certeza vai para o reality em Cancún.

*

Duas semanas após a primeira audição, as dez garotas já foram escolhidas por mim. Todas vão receber uma carta, como se fosse um convite para o baile real da Cinderela. Essa parte foi ideia da minha mãe.

Depois disso, elas irão para um café da manhã em um salão de festas, onde todos os detalhes do reality serão explicados por mim e a equipe do programa. Por último elas vão receber um envelope com duas passagens para Cancún; todas terão a oportunidade de levar sua melhor amiga para o Reality. Isso foi ideia da produtora do programa, disse que isso "esquentaria" as coisas, e com mais garotas na casa haveria mais chances de intrigas. De acordo com ela as intrigas aumentam a audiência.

Ridículo. Porém, nescessário.

Agora, é só esperar que todas recebam as cartas.

Cancún é a próxima etapa.

Lizzie

Arlete e Frederica não param de falar um segundo sobre a primeira etapa do Garota Encantada. Admito que se eu pudesse revelar a minha participação também estaria falando sobre isso, mas já que não é possível, só me resta ouvir minhas irmãs tagarelando sobre o que talvez tenha sido o melhor dia da minha vida.

- Olha, mamãe! - Arlete mostra o celular para Ivone. - O vídeo da minha apresentação saiu!

- Posso ver também? - deixo a louça de lado e fico ao lado de Ivone que está sentada à mesa da cozinha saboreando a torta de amora que fiz mais cedo.

- E você entende de música? - Frederica me encara franzindo as sobrancelhas.

- Eu toco piano pra vocês toda noite de natal desde que cheguei nessa casa. - falo. - É claro que entendo.

- Nisso tenho que concordar. - Arlete aperta o play. - Já que é tão boa musicista, quero ouvir sua opinião.

O vídeo começa e Arlete canta a música "Mine" da Taylor Swift. Eu abro a boca, surpresa demais para acreditar que essa seja sua voz. Ela está afinada, cantando suavemente. Mas... Há duas semanas Arlete não sabia cantar, eu acho.

- Que voz doce. - comento sem entender. - Onde aprendeu a cantar assim?

- Eu coloquei minhas meninas em uma aula de canto quando elas disseram que participariam dessa competição. - Ivone se gaba. - Arlete desenvolveu um ótimo timbre.

- Uau! - digo ainda sem acreditar no som que vem do celular até meus ouvidos. - Parabéns, Arlete. E você, Frederica? Como foi sua audição?

- Eu nem subi no palco. - ela abaixa a cabeça. - Não teria chances mesmo.

- Desistiu segundos antes de entrar. - Arlete não tira os olhos do seu vídeo.

Por um momento, me sinto triste por Frederica. Talvez ela tenha se sentido inferior a sua irmã que aprendeu a cantar tão bem em tão pouco tempo.

- Mas o que importa é que uma de vocês conseguiu ir muito bem! - Ivone sorri. Ela é tão insensível. - Agora é só esperar o resultado.

Volto a lavar as louças e dou um sorriso ao olhar pela janela da cozinha. Sempre que lembro de como cantei naquele palco sou transportada para um mundo de felicidade sem fim.

Daria tudo para ter essa sensação mais uma vez.

No dia seguinte, uma queda de energia na loja de Ivone me faz ter que fechar o estabelecimento mais cedo. Aviso sobre o incidente por telefone e ela me manda ir pra casa imediatamente, pois os tapetes precisam ser lavados e por algum motivo aleatório ela está com vontade de jantar comida coreana. Que eu sei fazer muito bem.

Invento uma história de que o pneu da minha bicicleta furou e que vou demorar um pouco para chegar, já que terei que passar na oficina e tudo mais. Ela acredita, mas não desiste da ideia de me fazer lavar os tapetes e cozinhar. Eu nem reclamo, já estou acostumada com as tarefas diárias de Ivone e suas filhas.

Aproveito os minutos livres da minha tarde para encontrar Dayane na Casa do Taco. Entro no restaurante e ela está atrás do balcão, folheando uma revista tranquilamente. Ela me disse que o movimento aqui é sempre parado à tarde.

- Lizzie! - acena e vou para o banco alto e de madeira. - Que tal um suco de laranja com molho de pimenta?

- Eca. - faço careta.

- É a nova invenção do chefe. Ele acabou de criar. Quer experimentar? - ela se inclina sobre o balcão, me empurrando o copo comprido, cheio de uma grossa gororoba avermelhada. - Cá entre nós - sussurra. - ninguém teve coragem de provar ainda.

- Eu não vou ser a primeira. Garanto.

Ela ri e então o sino na entrada do restaurante anuncia a chegada de alguém. Como um reflexo de costume, olhamos para a porta e vemos um carteiro. Ele lê a carta em sua mão e diz:

- Eliza McPhee, correspondência. - levanta o envelope cor de iogurte de morango.

Eu gelo. Só há uma razão para que Liza McPhee receba uma carta. Já que ela não existe e foi inventada para o Garota Encantada, essa correspondência só pode ser uma resposta da audição!

- É ela! - Dayane aponta.

- Sou eu. Eu acho. - ele vem até mim e entrega a carta.

- Antes de ir, gostaria de provar nosso novo sabor de suco? - Dayane mostra o copo como se estivesse em um comercial e sorri. - Laranja com pimenta.

- Não. Obrigado. - o carteiro parece enojado. - Tenham uma ótima tarde. - ele se vai e abro o envelope imediatamente.

- O que diz? - Dayane fica ao meu lado, tentando ler as palavras.

- Srta. McPhee - leio em voz alta, minha voz tremendo e minhas mãos começando a suar. - é com grande honra que nós da WETV, anunciamos que você foi selecionada para participar do nosso mais novo reality show, Garota Encantada! Você poderá viver por um mês em uma linda casa praiana com Nicholas Colin e terá a chance de gravar um dueto ao lado do maior astro teen da América se for a vencedora. - respiro com dificuldade. - Parabéns e seja bem-vinda ao que faremos ser o melhor momento de sua vida!

- Você entrou! - Dayne tapa a boca com as mãos. - Você entrou! - grita e todos no restaurante olham para nós.

- Eu entrei! - abraço a garota magra e começamos a pular como duas malucas. - Eu vou pra Cancún!

- Você vai pra Cancún!

- Vou morar com Nicholas Colin!

- Vai morar com ele!

- Vou competir num reality show!

Ainda estamos pulando abraçadas.

- E você vai ser demitida senão parar de baderna no meu restaurante. - o homem que aparentemente é chefe da minha amiga aparece dando pulinhos ao nosso lado e nos faz parar.

- Foi mal, chefe.

Ele então volta para a cozinha e nós caímos na gargalhada.

Eu só posso estar sonhando.

Quando chego em casa nem ligo se vou ter tapetes para lavar e jantar coreano para fazer. Vou para um reality show, mostrar ao mundo minha música, com tudo pago. Quando Ivone der conta já vou estar em um avião indo para o México.

Na sala de estar vejo minhas irmãs correndo de um lado para o outro e Ivone, que já mudou a cor do cabelo novamente, está ao telefone.

- Minha filha é uma cantora maravilhosa! - ela se olha no espelho da sala e confere seu loiro platinado, ficou ainda pior que o laranja de água de salsicha. - Sempre soube que conseguiria. - ela diz para alguém do outro lado da linha.

- O que está acontecendo? - pergunto.

- Faça suas malas, Elizabeth. - Arlete sorri.

- Ué, para onde nós vamos?

- México! - Ivone desliga o telefone e começa a dançar.

- Do que estão falando? - arregalo os olhos.

- Veja! - minha irmã me mostra sua carta. A dela tem cor de iogurte de ameixa. - Eu entrei para o Reality!

- Também? - meu coração despedaça.

- Como assim também? - Frederica coça a cabeça.

- Eu quis dizer... também que nem as outras participantes. Vi algumas no Instagram.

- Ah, ótima ideia, Elizabeth! - Arlete diz em pura alegria. - Tenho que postar no Instagram que também sou uma das participantes! Imagine só quantos seguidores irei ganhar. - ela corre para as escadas.

- Eu também quero seguidores! - Frederica vai atrás e eu desabo no sofá.

Agora, com Arlete no reality, não há chances de eu conseguir participar. Ela vai me fazer sair, vai destruir minha chance...

- Não fique aí parada, menina! - Ivone segue para o quarto. - Saiba que vou ser generosa em levar você conosco para Cancún.

- Por que vai me levar?

- Você acha mesmo que eu vou para outro país sem alguém para me ajudar a fazer compras ou cuidar das minhas unhas dos pés?

Solto a respiração.

- Como quiser.

Ela se vai e permito que uma lágrima escorra por minha bochecha.

Era bom demais para ser verdade.