~24~
Lizzie
Sempre odiei florestas, quero dizer; nunca estive em uma de fato, mas o orfanato onde cresci ficava no interior do estado e o lugar era muito solitário. Principalmente ao anoitecer. Não estávamos completamente isoladas, havia fazendas vizinhas, mas isso não apagava a sensação de solidão. Lembro que todas as noites, antes de irmos dormir, as irmãs realizavam uma reza para agradecer ao dia e a irmã Marie sempre chegava atrasada. Atrasada e causando confusão.
- Madre Superiora! - certa noite irmã Marie entrou correndo na pequena capela que ficava em um dos cômodos do lugar. - Madre Superiora Edith!
- Mas por que você está correndo assim, irmã? - a Madre parou a reza e olhou para a imagem de Jesus Cristo no altar. - Perdão pela indiscrição dessa menina, Senhor.
- Madre, eu estava trancando as portas antes de vir para cá, então ouvi um barulho estranho lá fora. - ela juntou na frente do corpo as mãos que seguravam um terço. Nesse momento, lembro que as outras meninas e eu rimos pela forma como ela estava tão assustada, mas soltamos gritos apavorados quando um trovão ecoou pelo céu e a chuva começou a cair.
Como era de se esperar irmã Marie também gritou e se apressou para nos abraçar.
- Ora essa! - a Madre reclamou. - Onde já se viu! Uma serva de Deus com medo de barulhos estranhos. Não tem fé, irmã?
- Te-tenho, sim, Madre. - ela engoliu em seco. - Só não gosto da solidão deste lugar.
- Eu também não gosto. - sussurrei para ela que passou o braço por meus ombros e sorriu.
- Tem muito o que aprender, irmã. E vocês também, garotas. - a mulher completamente coberta pelo Hábito foi vencida e deu um sorriso. - Vamos todas rezar. Vamos.
O medo que eu sentia da solidão durante as noites naquele orfano não era nada comparado ao tormento que minha vida se tornou após a morte do meu pai. Mas estar caminhando por essa floresta, completamente sozinha, está sendo o ápice de pavor para mim.
- Pai Nosso que estais no Céu, santificado seja o Vosso nome... - pelos meus cálculos eu já deveria ter chegado a árvore onde Dayane está. - venha a Nós o Vosso Reino; seja feita a Vossa vontade assim na Terra como no Céu.
Paro por um momento e olho em volta. Tenho certeza que já passei por aqui antes, pelo menos umas duas vezes.
- Dayane! - grito, mas não há resposta. - O pão nosso de cada dia nos dai hoje; perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido... Ah, meu Deus...
Estou quase sentando no chão para descansar quando escuto o barulho estrondoso de um trovão.
- Ah! - grito e abraço a mim mesma em desespero. - Não, não. Chuva não. - fecho os olhos. - Deus, eu sei que fui malcriada no orfanato, mas não foi de propósito. - Mais um trovão ganha vida pelos céus e uma nuvem pesada e escura cobre toda a floresta. - Ah! Dayane!
A chuva começa a cair e vai ficando forte a cada pingo que encosta em minha pele. De repente a floresta se desmancha em um monte de plantas molhadas, poças de lama e trovões, muitos trovões. Começo a correr sem rumo, só preciso me esconder antes que os raios comecem a aparecer.
Nick
- Ela está perdida! - me levanto da cadeira que está em frente à tela de controle na Van da produção. - Temos que ir até lá!
- Fique calmo, Nick. - Harry põe a mão em meu ombro. - Ela está usando um rastreador, vamos mandar a localização dela para a equipe de resgate.
- Senhor - um dos rapazes da produção se pronuncia. - Acabamos de perder a localização de Liza Mcphee.
- O quê? - vou até ele que está mexendo no computador. - Como pôde deixar isso acontecer?!
- Não sei... eu estava recebendo o sinal do relógio dela agora mesmo, mas simplesmente sumiu do radar.
Enfio os dedos nos cabelos.
- Que tipo de equipe é essa?! - me exalto - Onde está Rosie? Ela é a diretora desse programa, deveria estar aqui!
- Ela disse que chegaria mais tarde. - Hailey explica, mas não dou ouvidos.
- Encontrem a Liza! Se algo acontecer com ela eu não sei...
- Nick, nós vamos achá-la. - Julian segura meus ombros. - Vejam se conseguem encontrá-la pelas câmeras, pessoal.
A equipe passa um pente fino por todas as imagens em tempo real que as câmeras estão registrando, mas Liza não está em lugar nenhum!
- Quando ela se assustou com a chuva, correu pra esse lado e saiu da trilha. - outro cara da produção aponta para a tela do seu computador e mostra um caminho estreito coberto por plantas. - Infelizmente não cobrimos a floresta toda com câmeras, só a região do mapa. Não sabemos o que tem por aí.
Sinto meu peito arder de preocupação. Não posso deixá-la sozinha e perdida naquele lugar. Não posso!
- Eu vou atrás dela! - decido e saio da Van. O temporal não está para brincadeira. A chuva embaça minha visão e o vento parece ter o poder de me fazer voar, mas isso não me impede de ir em frente.
- Nick! - Hailey tenta ir atrás de mim. - É muito perigoso. A chuva está forte demais!
- Volte pra Van, Hailey. Eu vou ficar bem!
Ela tenta segurar meu braço, porém me solto e corro mata adentro. Ninguém mais tenta me impedir. Ou eles sabem que é muito arriscado ou estão vendo isso como uma oportunidade brilhante de ganhar audiência.
Fico com a segunda opção.
- Liza! - grito, mas a chuva cobre o som da minha voz. - Por onde ela foi? Liza!
Como era de se esperar, não tenho nenhuma resposta e começo a tentar refazer o caminho da prova. A chuva fica mais forte a cada minuto e logo estou caminhando por um monte de lama. Passo por entre as árvores molhadas e chamo por Liza em vão, porém, sinto que devo continuar gritando por ela, tenho a sensação de que ela pode me ouvir.
O tempo passa rápido e a tarde começa a se tornar começo de noite, além do céu estar nublado por causa das nuvens, o sol está se escondendo e logo vai anoitecer pra valer. Por isso pego o celular no bolso e ligo a lanterna. Se o aparelho continuar levando tanta água assim, vai parar de funcionar, mas decido não pensar nisso.
Eu só preciso encontrá-la sã e salva, ou nunca irei me perdoar.
Mais ou menos uma hora depois consigo chegar ao que parece ser a trilha que Liza seguiu antes de se perder. Não há pegadas porque a chuva já transformou tudo em uma mistura de barro e lama, mas em meio aquilo tudo vejo o relógio de Liza. Eu me abaixo para pegá-lo e continuo em frente.
Trovões nunca me assustaram, mas eu só os ouvi quando estava em casa, protegido e tomando algo quente. Nunca tive que enfrentar um dilúvio assim e admito que estou assustado; apavorado, na verdade, não só com os trovões, mas principalmente com a ideia de perder Liza.
- Liza! - sei que é inútil chamar por seu nome, mas não consigo evitar. - Liza, pode me ouvir?!
Estou começando a perder as esperanças.
Pela primeira vez na vida em muito tempo estou realmente com medo.
Lizzie
- Nick? - sussurro e olho para trás, porém, não vejo nada além de árvores e água, muita água. Estou há mais de uma hora no meio dessa mata, dando voltas no mesmo lugar, com certeza estou imaginando coisas.
- Liza!
Não. É real. É a voz do Nick!
- Nick! - tento identificar a direção de onde o som está vindo, mas parece impossível. - Nick!
- Liza, onde você está?! - sua voz parece se aproximar e corro seguindo minha intuição mais que a razão e esbarro em algo.
Nick me abraça com força e beija o topo da minha cabeça.
- Graças a Deus! - ele não me larga e eu o aperto contra mim ainda mais. - Você está bem. - segura em meus ombros e se afasta para me olhar. - Está machucada? Sente alguma dor?
- Não, não. - sorrio trêmula de frio. - Es-es-estou bem. - digo ainda sem acreditar que ele me encontrou.
- Temos que sair da chuva. Vai acabar ficando doente.
- E-e-eu vi uma gru-gruta. Estava indo... pra lá quando ouvi você. - quase não consigo falar ao sentir tanto frio.
- Vamos. - ele me puxa pela mão e segue minhas orientações até chegarmos à caverna. Ao entrarmos procuramos nos aconchegar na parte mais quente do lugar.
Jogo minha mochila ensopada para o lado e sentamos no chão com as costas contra a parede rochosa. Nick passa o braço pelos meus ombros e diz:
- Eu também estou todo molhado. - ele ri. - Desculpa, mas acho que não posso te aquecer muito.
- Tu-tudo bem. - digo contra seu peito.
- Você sabe fazer uma fogueira?
- Não. - rio. - Mas de-deve ter algo na mochila.
Nick encontra um isqueiro no meio das minhas coisas e sai por alguns minutos para pegar galhos. Ele volta logo e começa a aceder o fogo. Lentamente a pequena chama vai crescendo e iluminando a escuridão da gruta. Agora podemos ver o quão grande ela é.
- Agora está melhor. - ele tira a jaqueta molhada e a coloca no chão perto da fogueira. - Quando ela secar você pode vestir.
- Obrigada. - sorrio, mas imediatamente faço uma cara de espanto. A minha peruca deve estar destruída por causa da chuva, com tudo o que aconteceu esqueci que estava usando uma. Toco o topo da minha cabeça e não sei como ela parece continuar intacta. Está molhada, mas perfeita.
- Tudo bem?
- Sim... é só que essa chuva deve ter acabado com meu cabelo. - tento disfarçar e tiro os óculos da frente dos olhos. Estou tão acostumada em ser a Liza que até esqueço que não uso essa coisa de verdade. - Será que a chuva vai demorar muito pra passar? - lanço um olhar para lá fora e vejo que a água continua caindo com força.
- Parece que sim. - Nick solta um suspiro. - Pelo menos teremos uma folga do reality.
Afirmo com a cabeça e permanecemos em silêncio até que ele decide falar:
- Sinto muito que tenha passado por isso.
- Não foi culpa sua. Nada disso foi. - digo.
- Ah, acho que isso é seu. Deve ter caído do seu braço e perdemos o sinal - ele coloca meu relógio de volta em meu pulso. - Pensei mesmo que tivesse perdido você. - seus dedos escorregam por minha pele até que estejam entrelaçados nos meus. - Sinto muito que as coisas sejam tão bagunçadas comigo e com você... sinto muito por te arrastado pra tudo isso e ficar insistindo em algo que talvez você não queira. - Nick faz uma pausa. - Só quero que saiba que faço isso por sentir que devo fazer. Mas, Liza, se você quiser que a nossa relação seja apenas profissional, eu prometo que vou deixá-la em paz. Basta me dizer.
Eu deveria falar que sim. 'Sim, Nick, é exatamente isso que eu quero e ponto final', mas não consigo. Não consigo porque estou apaixonada. O grande problema é que ele está amando outra pessoa, ele ama Liza; a garota ruiva e que usa óculos, mas não eu. Não a Elizabeth.
Porém, mesmo assim, eu não consigo parar com tudo isso. E a atitude que tomo nesse momento pode acabar confundido ainda mais as coisas.
Eu o beijo.
E ele retribui.
Beijá-lo é tão suave e eterno que sinto tudo aquilo que está errado se consertar. A forma como ele me abraça e faz parecer que estou protegida de todos os males do mundo, o jeito carinhoso de roçar os lábios nos meus... parece tão surreal.
Vai muito além de todos os meus medos, de todas as minhas incertezas.
Ele me dá um último beijo antes de nos afastarmos para olharmos nos olhos um do outro.
- Vai dar tudo certo, Liza. - ele deita no chão com a cabeça sobre a mochila e me puxa para seu peito. - Você acredita em mim?
- Sim. - respondo sem exitar. - Mais que tudo.
Sei que estou mentindo, escondendo coisas dele, mas na hora certa irei contar e se Nick gosta mesmo de mim, vai entender meus motivos.
Se for para eu ganhar esse reality, quero que seja pelo meu talento e pela minha determinação. Não pelo fato de eu ser a garota do tênis que ele procura há mais de um mês. E quando tudo isso acabar, ele saberá a verdade.
Está na hora de começar a buscar o meu felizes para sempre.
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