Corpos espalhados pela casa, tanto nos sofás e poltronas, quanto no chão, com alguns colchonetes espalhados, e ainda aqueles que estavam no chão duro mesmo. Um cenário que revelava a festa agitada que havia acontecido a madrugada inteira.

Yuri bocejou, passando pelo mar de corpos suados e fedendo a álcool e cigarro. Levantou um pouco a blusa grande de Lamar que usava para coçar a barriga; o sono era grande e a dor de cabeça maior ainda. Andou a passos preguiçosos até a cozinha, onde encontrou Noah usando apenas uma calça de moletom que Jackson lhe emprestou; a falta de uma camiseta no corpo revelava algumas tatuagens que o estadunidense possuía.

— Bom dia. — Noah cumprimentou animado, com um sorriso radiante. Ele terminou de fazer café e fechou a garrafa térmica. — Tray saiu pra comprar nosso café da manhã; ele deve demorar um pouco, já que foi sozinho. Jackson não quis ir e voltou a dormir, mas fiz café enquanto ele não chega. — Ele mostrou a garrafa térmica cheia de café.

— Bom dia... — Desejou preguiçosamente, com os olhos pequenos pelo sono. Ainda estava processando o que Noah havia dito, sem perceber que encarava o peito nu e tatuado do mais velho. — Que dor de cabeça do cacete... — Murmurou, sentando-se em um banco alto de frente para a bancada.

— Imaginei que estaria, felizmente Jackson deixou uma caixa cheia de remédios pra essa ocasião. — Urrea pegou um comprimido e um copo d'água, entregando-os para Yuri, que ainda estava lerdinho e com o rosto amassado. O mais velho sorriu, olhando para a bagunça que Yuri estava; conseguia lembrar-se perfeitamente dos beijos trocados na noite anterior e das risadas que deram juntos. Não esperava que Yoshihara se lembrasse de algo ou estivesse tão acessível quanto na festa.

— Valeu. — Agradeceu com a voz carregada de sono, engolindo o comprimido junto com a água na esperança de que isso aliviasse um pouco da dor.

— Então— — Noah começou a falar com uma animação contagiante, mas foi cortado por um sonolento e resmungão Yuri.

— Vamos esquecer tudo.

— ...como? — Aquele brilho radiante desapareceu em um passe de mágica, em um estalar de dedos, a alegria contagiante de Urrea havia ido embora junto com seu sorriso. — Você só pode estar brincando comigo. — A indignação era evidente na voz de Noah, que se perguntava como se apaixonou por alguém tão difícil e complicado. Noah já estava cansado disso, cansado de correr atrás de alguém que parecia não querer sua presença, de alguém que o rejeitava a todo momento, mas, porra, seu coração insistia em bater a milhões por hora quando via o garoto de olhos bicolores e sardas adoráveis. — Depois de anos, finalmente tivemos uma noite legal juntos, sem brigas, tivemos bons momentos e você simplesmente quer esquecer? Quando é que você vai perceber que eu te amo pra caralho?! Que sou totalmente rendido por você e que quero voltar a fazer parte da sua vida?!

Os olhos pequenos de sono tornaram-se grandes pela surpresa. Não via Noah desse jeito há anos; o mais velho sempre fora alguém descontraído e calmo, principalmente com ele, tratando-o como um cristal que poderia quebrar com apenas um grito. Para total surpresa e indignação de Noah, Yuri começou a rir alto. Noah nem reparou em como os olhinhos puxados sumiam, ou em como sua risada era gostosa de ouvir, ou na adorável covinha na bochecha direita, e nem de longe notou como Yuri ficava ainda mais lindo rindo tão abertamente, coisa que não via há tempos. Não, com certeza Noah não prestou atenção em nada disso.

— Então é engraçado pra você? É engraçado que eu tenha passado anos te amando para você simplesmente falar para eu esquecer uma das melhores noites da minha vida?! — Sua voz estava cheia de indignação e seus olhos brilhavam pelas lágrimas que ali se acumulavam. Yuri sentiu pena de como Noah ficou, mas achou adorável o beiço que ele fazia sem ao menos perceber.

— Não é isso, e eu nunca disse pra esquecermos a noite de ontem. — Noah ficou confuso pelas palavras ditas pelo garoto que ainda ria, esperou-o se acalmar e recuperar o fôlego perdido. — Quando eu disse pra esquecermos tudo, eu me referia ao nosso desentendimento, à nossa briga no ensino médio. — Noah ficou longos segundos sem expressar um som ou reação, diferente de Yuri que parecia se divertir bastante com a "cara de idiota" — de acordo com o próprio Yuri — que ele fazia. — Eu sinto sua falta, Noah. Mas não vou mentir, tô hesitante, eu mentiria se dissesse que superei aquilo e não tô magoado, porque eu tô. — Revelou, agora mais sério, encarando Noah que ainda processava tudo. — Por isso quero ir aos poucos, quero voltar a confiar em você com o tempo, não me leve a mal, só não quero me machucar de novo.

Noah piscou os olhos uma, duas, três, diversas vezes até processar tudo, prestando atenção em cada palavrinha que saía da boca do mais novo.

— Você... você tá falando sério?! — Desenhou-se um enorme sorriso nos lábios rosados de Urrea, sentindo seu frágil coração quase parar. — Eu prometo, Yuri! Prometo que vou reconquistar sua confiança, não importa se vou levar duzentos anos pra isso! — Pegou nas mãos de Yuri e as encheu de beijos, fazendo o citado rir balançando a cabeça em negação.

— Idiota, vamos estar mortos daqui a duzentos anos.

— Na próxima vida, se eu não conseguir sua confiança de volta nessa vida, consigo na próxima! — Garantiu com uma determinação invejável. Yuri tentou segurar um sorriso, mas a covinha aparecendo em sua bochecha entregava tudo. O Noah à sua frente parecia o Noah que ele era amigo anos atrás, diferente do adolescente babaca que tanto sentiu remorso por esses anos. Noah puxou Yuri para um abraço apertado. Se isso era um sonho, ele não queria acordar de jeito nenhum.

— Tá, tá, sem abraço, sai. — Yuri dá tapinhas no ombro de Noah após retribuir o abraço de um jeito meio desajeitado. Noah, por sua vez, riu afastando-se a contragosto, sabendo bem que Yuri é bem seletivo quando se trata de contato físico, e iria garantir que voltasse a ser um dos poucos que o Yoshihara permitia abraçar e ficar agarrado de noite em uma noite de filmes. — Só vamos deixar tudo fluir naturalmente, se for pra voltarmos a ser próximos, vai acontecer, não vamos forçar nada, ok? — A voz agora tinha um tom calmo e sereno, não queria que Urrea o entendesse errado.

— Tudo bem, não vou forçar nada, mas se prepare pra uma enxurrada de mensagens aleatórias de madrugada. — Disse em tom de brincadeira, que talvez, apenas talvez, tivesse um pingo de verdade.

— Ouse atrapalhar meu sono que você vai precisar de muito mais que duzentos anos pra me ter de volta. — Noah sorriu mais ainda ao ouvir o "me ter de volta". Só de pensar que já teve essa coisinha encantadora e complicada para si e não deu valor tinha vontade de se socar. Mas Noah, alheio aos verdadeiros sentimentos de Yuri, pensou que ele falou no sentido de amizade. Pobre Noah, mal sabe ele que Yuri era tão apaixonado por si quanto ele é pelo garoto de sardas agora.

— Não garanto nada! — Respondeu com uma alegria inabalável. Nada e nem ninguém iria estragar o seu dia, nem o mau humor matutino do sardento à sua frente, que, falando com sinceridade, estava, pela primeira vez, com bom humor em plena manhã de sábado e de ressaca. Motivo? Noah Urrea, um jovem adulto de hipnotizantes olhos verdes por quem Yuri foi apaixonado por anos, e agora, estava novamente "entrando" no coração do mesmo, mesmo que bem no fundo, ele nunca tenha saído de lá.

Se Noah fosse fazer uma lista com dicas para conquistar a pessoa que gosta, a última com certeza seria para não ter um crush em Yuri Yoshihara. Não porque ele é uma pessoa complicada, que facilmente é subornada por açaí ou por ter o péssimo hábito de se jogar nos amigos próximos pedindo por atenção, não mesmo. O motivo é bem simples: "Não tenha Yuri Yoshihara como crush, pois ele já é o meu, e daqui um tempo, meu namorado".

Mas claro que não deixaria Yuri ler isso, pois com certeza levaria inúmeras travesseiradas no rosto vindas de um baixinho facilmente irritável, mas que no fim, riria das "idiotices" de Noah, que talvez virassem realidade algum dia, e que ambos torciam para que se tornasse, não importando quanto tempo demore. Afinal, eles têm uma vida inteira para voltar a terem aquela relação especial que tinham quando mais novos, e ainda teriam as próximas vidas para viverem todo aquele turbilhão de sentimentos.