Capítulo 30
Ângela acordou no dia seguinte ao jantar romântico que não aconteceu com uma enorme dor de cabeça, o estômago embrulhado e sentindo muita sede. A primeira coisa que percebeu ao desligar o despertador do celular foi que estava completamente vestida. Seu travesseiro estava manchado de batom e não conseguia se lembrar de como havia ido parar na cama. Recapitulou as cenas, e a última coisa da qual se lembrou foi de estar na poltrona, um pouco alta pela bebida, e de sentir sono enquanto tentava compreender o episódio de uma novela que não acompanhava. Não imaginava que tivesse ficado tão ruim a ponto de não se lembrar de caminhar até o quarto. Fechou os olhos para ver se a memória voltava, mas foi em vão.
Burra, castigou-se em pensamento, furiosa por ter preparado um jantar maravilhoso para um homem que não apareceu, quando poderia ter jantado com Ricardo como antes e passado horas agradáveis na sua companhia. Marcos se mexeu ao seu lado. Ele dormia de bruços e a vontade que sentiu de bater nele só não foi maior que o latejar de sua cabeça. Arrastou os pés até o banheiro antes que realizasse seu desejo e o machucasse fisicamente. Tomou uma ducha morna, vestiu uma calça jeans clara, a camiseta amarela do Bob Esponja que só usava em casa, calçou um par de sandálias rasteiras, penteou os cabelos molhados e foi para a cozinha preparar o café. Não teria que sair do escritório naquele dia e não estava dando a mínima para a sua aparência. Caso alguém — vulgo Renata — implicasse demais, colocaria a camisa de seda preta e o par de scarpins que guardava em seu armário para emergências como aquela. Caminhou devagar até a cozinha, e após ligar a cafeteira, retirou a mesa do jantar, intacta a não ser pela garrafa cujo líquido era a causa da sua ressaca. Ao terminar, pegou uma tábua de frios e começou a picar algumas laranjas para a salada de frutas que pretendia enviar como sobremesa na lancheira de Vítor. Sentia-se patética pela noite anterior e desejava que Marcos tivesse esquecido sua mensagem — como parecia ter acontecido — e não tivesse reparado nem na mesa de jantar, nem nas roupas com as quais ela havia dormido. Não queria vê-lo naquele dia. Ao longo dos últimos meses, bancar a distante havia sido um refúgio para mascarar a carência e a decepção a que era frequentemente exposta em seu casamento. Ao tomar a iniciativa para uma reaproximação, tinha baixado a guarda, ficando vulnerável. Agora sentia tudo em dobro.
Para seu desconforto, Marcos surgiu instantes depois. Assim que o viu, desviou os olhos para as frutas que picava.
— Bom dia! — ele disse com a voz neutra, passando por ela para ir à cafeteira.
— Bom dia! — respondeu de forma seca, e se odiou por ser tão óbvia. Estava furiosa, mas não queria explodir e brigar. Precisava se lembrar de que estava tentando algo diferente da raiva.
— Você dormiu bem? — Marcos perguntou, tentando puxar assunto e ser gentil.
— Dormi.
— A que horas dormiu? — insistiu ele num tom casual, percebendo que ela não estava a fim de conversar.
Ângela respirou fundo, colocou os pedaços de laranja em uma vasilha e passou a picar as maçãs com um pouco mais de força, tentando esquecer o fato de que estava em seu pior humor e com uma faca na mão.
— Umas nove e meia — respondeu, pois era o último horário de que se lembrava. — Tomei muito daquele seu vinho e fiquei com sono, então fui para a cama.
— Ah, você foi? — Marcos perguntou, observando a força que ela fazia para se controlar. Seria cômico, se não fosse triste. — Notei que dormiu de vestido — comentou.
— É porque eu fiquei com preguiça de tirá-lo e me deitei do jeito que estava. Eu fui ao shopping com Vítor ― informou. ― Fiquei com preguiça, porque se eu tirasse o vestido, teria que tirar a maquiagem, hidratar o rosto e tal...
Marcos compreendeu naquele momento que a atitude dela não tinha nada de indiferença, pois se fosse mesmo indiferente a ele, ela não teria preparado um jantar romântico e, caso o fizesse, não estaria se empenhando tanto em mentir. Aquilo só podia significar o quanto estava magoada.
— Mentirosa — afirmou, dando um passo e parando próximo às costas dela. Ângela olhou para ele, mas continuou onde estava. — Você não foi ao shopping coisa nenhuma. Estava aqui, preparando um jantar para nós dois. E você não se lembra de como foi parar na cama, ou saberia que eu a carreguei no colo até lá.
— Você o quê?
— Eu te peguei na poltrona, onde estava apagada, e a levei para a cama. Vi a mesa posta para o jantar, as velas, e a minha garrafa de vinho, que você gentilmente usou para se embebedar enquanto me esperava.
Ângela voltou-se para a frente e apoiou as mãos no balcão. Respirou fundo, humilhada e ressentida. Quando conseguiu organizar os pensamentos, disse:
— Bem, você me pegou. Eu estava mesmo aqui, preparei mesmo um jantar para nós dois, e não fazia a mínima ideia de como tinha ido parar na cama até agora. Assumo tudo isso e o que mais quiser que eu assuma. Está feliz agora?
— Não.
No silêncio que se seguiu, Marcos tentou entender porque Ângela se esforçava tanto para minimizar o ocorrido, e Ângela se esforçou não desmoronar. Ela acreditava que sua única saída era não se importar; ou eles voltariam à fase das brigas intermináveis.
— Eu preparei um jantar porque fiquei com vontade — afirmou, ainda sem olhar para ele. — Não é nada de mais. A culpa foi minha.
Marcos ficou furioso.
— Droga, Ângela! A culpa foi sua sim, mas também foi minha. Diga isso, grite comigo por não ter aparecido, mas, pelo amor de Deus, não finja que não liga!
— Eu não ligo — Ângela retrucou, e se concentrou em picar o restante das frutas. Não podia embarcar na onda dele; se o fizesse, sabia como aquilo ia terminar.
— Não liga o caramba, você está P. da vida!
Ângela bateu a faca com força na tábua. Sua paciência não ia aguentar muito tempo.
— O que quer que eu diga, Marcos? Por que não me deixa em paz? Tentei fazer algo por nós ontem e você não deu a mínima. Por que é tão importante que eu me descabele por isso? Já passamos dessa fase, não se lembra? Foi no começo do ano, quando tudo que você fazia me importava.
— E agora nada mais importa? — Marcos questionou, sentindo-se desafiado.
— Não.
— Não importa que eu tenha respondido a sua mensagem sem nem ao menos prestar atenção nela? — provocou.
— Não.
Marcos se aproximou um pouco mais, colando-se a ela. Ângela o ignorou e continuou sua tarefa, se esforçando para permanecer impassível.
— E não importa o fato de que, quando terminei o trabalho, preferi ir para um bar relaxar, ao invés de vir para casa?
Silêncio. Inspiração profunda. Expiração lenta.
— Não.
— Também não importa que eu tenha passado uma noite agradável com outra pessoa e que só tenha me lembrado de vir para casa muito tempo depois?
Ângela não respondeu. Seu corpo começava a ter espasmos e ela respirava cada vez mais lentamente para se controlar e não dar a ele o que lhe pedia.
— E você não quer saber com quem passei a minha noite agradável, bebendo e conversando, ao invés de jantar com você?
Ângela novamente não respondeu. Estava no seu limite e não entendia porque ele a estava ferindo daquele jeito depois de ter lhe dado um bolo.
— Eu estava com Gisele — Marcos declarou com a voz lenta e provocante. Ângela bateu a faca com força na tábua e virou o corpo para ele, tomada pela fúria que vinha tentando controlar.
— Seu desgraçado! — gritou, esmurrando-o no peito seguidas vezes, até ele segurar seus pulsos com força e obrigá-la a olhar em seus olhos. As lágrimas que ela vinha contendo rolaram com força, uma após a outra. — Por que está fazendo isso comigo?
— Porque eu quero que me diga o que está sentindo — Marcos explicou, aliviado em ver as lágrimas que provavam que ela ainda sentia algo, e que talvez seu casamento não estivesse perdido.
— Raiva! É isso que estou sentindo! — foi a resposta dela, os olhos brilhando com aquele e vários outros sentimentos.
Marcos ia dizer algo quando notou o sangue escorrendo da mão dela para as suas.
— Droga! — praguejou, adiantando-se para lavar as próprias mãos e ajudá-la com o ferimento. Só então Ângela percebeu o que estava acontecendo. Num movimento rápido, Marcos empurrou a tábua com a faca e as frutas de qualquer jeito para dentro da pia, ergueu Ângela nos braços e a sentou no balcão, direcionando sua mão cortada para baixo da torneira aberta.
— Ai! — ela reclamou quando a água atingiu o corte e começou a lavá-lo. Marcos pegou um pano de prato limpo em uma das gavetas e o enrolou na mão dela para estancar o sangue enquanto procurava a caixa de primeiros socorros. — Eu gostava desse pano — Ângela murmurou quando ele terminava de amarrá-lo. Naquele momento nenhum deles se lembrava da briga de antes. Marcos pegou o que precisava, tirou o pano ensanguentado, lavou novamente o corte e se pôs a fazer um curativo mais elaborado. Quando terminou, minutos depois, parou e observou seu trabalho.
— Não foi tão fundo, acho que não precisará de pontos — comentou, buscando os olhos dela.
Ângela tinha o rosto úmido pelas lágrimas de antes e o encarava com mágoa.
Ao menos os seus olhos não demonstram indiferença, pensou ele, e só então percebeu que eles estavam no balcão, na mesma posição em que haviam feito amor um ano antes, quando suas brigas duravam pouco e eles eram felizes. Lembrou-se do ciúme que ambos tinham sentido naquela noite, do vestido provocante, e da paixão que os consumira. Estendeu a mão para tocá-la e limpou suas lágrimas sem desviar os olhos dos seus.
— Sinto muito por ontem. Eu estava ocupado quando me mandou aquela mensagem e acabei me esquecendo dela. Fui a um bar com Gisele e tomamos alguns drinques para comemorar, porque finalizamos aquele nosso projeto e o deixamos pronto para ser apresentado. Quando cheguei e vi o que você tinha feito, me senti péssimo.
Por alguns segundos, Ângela apenas digeriu aquelas informações.
— Por que ficou me provocando? — perguntou por fim.
— Porque eu precisava saber se você ainda me ama. Nos últimos tempos, tenho a sensação de que posso morrer na sua frente que você nem vai notar, e isso está acabando comigo.
— Bem-vindo ao meu mundo — Ângela declarou, incapaz de se conter. Não queria provocá-lo, mas estava cansada de massacrar seus sentimentos como se eles não significassem nada.
Marcos pareceu chateado.
— É essa a impressão que tem tido de mim? Há quanto tempo sente isso?
Desde o dia em que seu pai morreu.
— Há bastante tempo...
— Pois saiba que eu me importo.
Ângela baixou os olhos, magoada demais para perdoá-lo naquele momento. Marcos pensou por alguns segundos e teve uma ideia para remediar aquela situação. — O que acha de sairmos neste fim de semana? E não diga que já tem compromisso, sabe que precisamos de um tempo longe de tudo. Seremos apenas nós dois e Vítor, ninguém mais.
Negar foi o primeiro impulso de Ângela. Não queria estar perto dele, nem ir para lugar algum. Então, se lembrou da conversa com Melinda sobre os lados do muro e acabou concordando.
— Pode ser. Para onde vamos?
— Que tal a casa de Ilhabela?
Marcos sabia o quanto ela adorava a casa de praia que agora lhes pertencia, e que se algum lugar a faria se sentir melhor, seria aquele.
— Tudo bem — ela concordou. Marcos sorriu.
— Ótimo! Prepare tudo para sairmos hoje à noite.
Ângela assentiu e ergueu os olhos para ele. Marcos pensou no que fazer e constatou que só havia uma coisa a dizer:
— Obrigado!
— Pelo quê?
— Por ainda se importar.
---
Se tem algo em que o Marcos é realmente bom, é em perturbar a Ângela. Ele quis testar os sentimentos dela porque está sentindo que está perdendo a amada.
Será que essa viagem vai ser boa? Eu espero que sim.
Continuem curtindo e comentando. Bjs 😘
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