Capítulo 3
O jantar foi tão constrangedor quanto Marcos tinha previsto. Felipe era puro tato ao falar com ele e mesmo assim os dois mal se entendiam. As conversas com Ricardo, curtas e limitadas, também não se mostravam promissoras, e Melinda parecia concentrada em fazer a noite terminar logo, porque não parava de olhar as horas no relógio dourado de estilo europeu da sala de jantar. Somente Ângela e Vítor interagiam com todos, ajudando a aliviar a tensão do ambiente.
Felipe falou um pouco sobre sua empresa. Iniciada há mais de trinta anos, ela havia começado pequena e se expandido ao longo do tempo. Alguns de seus produtos de perfumaria entravam todo ano na lista dos mais vendidos e eram exportados para vários países. Já a linha cosmética era mais nova e ainda não possuía o mesmo prestígio.
― Você podia ir lá, Marcos. Muita coisa mudou desde a sua última visita.
― Tenho certeza que sim ― Marcos respondeu, e tanto Ângela quanto Melinda notaram a amargura carregada em sua afirmação.
― Eu sempre levava Marcos para o trabalho quando ele ainda era pequeno ― Felipe acrescentou para Ricardo.
― É verdade ― emendou o jornalista. ― Mas você passava a maior parte do tempo ocupado em reuniões, enquanto eu ficava esperando com a secretária, totalmente entediado.
Não era para ser uma provocação, mas foi esse o efeito que a declaração de Marcos causou. Todos ficaram sem jeito e Ricardo o encarou com os olhos bem abertos, como se lhe perguntasse: "Você conheceu a minha mãe?".
― Deve ser bem complicado dirigir uma empresa tão grande, com tantos funcionários ― Ângela se encarregou de mudar o rumo da conversa, salvando a situação.
― É verdade. São muitas bocas para alimentar ― disse Felipe, tentando provar a todos que não era um monstro. ― Numa posição assim, um erro bobo pode significar um prejuízo enorme e custar um monte de empregos. Por isso preciso ter a cabeça no lugar e agir com o pé no chão. Procuro não dar grandes passos sem pensar bem, mas, às vezes, prefiro assumir o risco e seguir meu instinto.
― E o senhor já cometeu muitos erros? ― ela quis saber.
Muitos. Esta sala está cheia deles, Felipe pensou por um momento, mas não disse nada a respeito e se recompôs para responder adequadamente:
― Sim. Felizmente foram poucos os de grande impacto, e nenhum tão absurdo ou que não pudesse ser contornado. Claro, errar é terrível, mesmo assim não me arrependo, porque é errando que se aprende. — Felipe olhou para Marcos, que desviou os olhos.
― Entendo — disse Ângela. — E você, Ricardo, já cometeu muitos erros na sua profissão? — perguntou, e após a resposta engatou uma série de assuntos impessoais para manter todos ocupados e, assim, salvar a noite.
Ao final do jantar, Melinda chamou a nora para lhe mostrar os presentes que ela e Felipe haviam comprado recentemente para o neto. Ângela já havia desistido de repreendê-la por mimá-lo demais e a seguiu com o menino no colo. Felipe saiu para dar um telefonema e deixou os filhos sozinhos.
― Essa é a parte onde, após o jantar, os homens se reúnem para fumar e falar sobre negócios. ― Marcos levantou-se e apontou para a porta com um gesto de cabeça.
― Eu não fumo ― Ricardo informou, levantando-se também.
― Nem eu ― Marcos respondeu. Os dois caminharam lado a lado, em silêncio, e chegaram a um deck com vista para o jardim. Lá, observaram a paisagem da noite quente sem olhar na direção um do outro.
Após o que lhes pareceu muito tempo, Marcos quebrou o silêncio:
― Eu conheci a sua mãe. ― Olhou para Ricardo, depois novamente para a frente. ― Ela era legal comigo, me dava doces e dizia que logo o meu pai ia aparecer e me levar para brincar.
Ricardo não respondeu. Lembrava-se de quando a mãe havia lhe contado que tinha um irmão. Como qualquer garoto de dez anos, ficou feliz e quis logo conhecê-lo. Ela disse que não seria possível e ele só foi entender o motivo alguns anos depois, quando soube das complicações daquela história. Tinha cerca de quinze anos quando descobriu que o irmão em questão o odiava e que eles nunca seriam amigos. Na ocasião, ignorou o sentimento de rejeição e decidiu esquecer o assunto por algum tempo, mas, certa noite, na época em que cursava a faculdade de História, chegou tarde em casa e pegou a mãe assistindo a uma reportagem com um jornalista jovem e desinibido com quem sentiu um tipo estranho de conexão. "Está vendo aquele rapaz na TV?", ela lhe perguntou, e sem esperar que respondesse, afirmou: "É ele".
Assim que soube sobre Marcos, Ricardo passou algum tempo obcecado, pesquisando tudo o que encontrava sobre ele. Seu meio-irmão era popular, tinha uma carreira em ascensão e só saía com mulheres lindas e poderosas. Em resumo, para um estudante que ralava para se manter, ele parecia ter uma vida fácil demais. Sua mãe sempre soube que seu pai não a amava, talvez por esse motivo ela nunca o tenha deixado fazer muito por eles e batalhou para criá-lo sozinha. Até a faculdade onde estudara era federal, e por achar que Marcos tinha tudo de mão beijada e que ainda assim desprezava o pai que lhe proporcionara aquela vida, passou a se ressentir com ele também. Quando o conheceu, por insistência do pai, eles se trataram com cordialidade; porém, ao conhecer Ângela, uma garota comum apesar de bonita, e ver a família que ele estava construindo, grande parte daquele ressentimento se dissipou. Além de tudo ainda havia Vítor, seu sobrinho. Só por ele já valia a pena tentar ser amigo de Marcos, motivo que o ajudara a aceitar o pedido do pai para participar daqueles jantares dali em diante.
― Sei que não parece, devido às circunstâncias, mas a minha mãe era uma boa pessoa — afirmou, defendendo a mãe. ― Ela me criou sozinha e me incentivou a lutar pelo que eu queria. Isso não muda o que aconteceu, mas quero que saiba que não foi por dinheiro, porque ela nunca deixou o meu... é... ele — Apontou para dentro, onde Felipe se encontrava. — fazer mais do que o necessário.
Marcos assentiu em silêncio, pensando que infelizmente aquilo não mudava nada. Havia muitos erros naquela história, inclusive seus, e uma justificativa, por melhor que fosse, não tornava as coisas mais fáceis. De qualquer forma, apreciou a tentativa dele de se desculpar pela mãe.
Felipe surgiu com Vítor nos ombros e se juntou a eles. O menino quis descer e Marcos o acompanhou em uma pequena excursão pelo jardim. A noite estava agradável, e, enquanto se afastava, ele observou Felipe e Ricardo engatarem uma conversa tranquila e desprovida de qualquer tato, daquelas que somente vários anos de amizade e convivência eram capazes de proporcionar.
Do tipo que ele nunca teria com o pai.
Ângela surgiu no jardim a tempo de ver o marido examinando a interação entre o pai e o filho mais novo, e disfarçou antes que ele percebesse que fora pego em flagrante.
― Eu vivo dizendo que seus pais vão acabar estragando o nosso filho — disse em voz alta, para ser ouvida pelo sogro.
― O meu neto merece tudo! ― disse Felipe, caminhando até eles.
― Vem, vovô ― pediu Vítor. ― Vem bincá.
Felipe se aproximou e, enquanto observava o neto correndo para lá e para cá com o brinquedo novo, pôs uma das mãos no ombro do filho. Marcos estava distraído com Vítor e "quase" não notou o gesto.
Antes de dormirem, mais tarde, Ângela disse a Marcos que Felipe estava usando o neto para se aproximar dele.
― E como foi que descobriu isso, Sherlock? ― perguntou ele, agarrando-a pela cintura e trazendo-a para junto de si com um olhar divertido.
― Eu apenas constatei. Quando vocês estão sozinhos, são um desastre, mas quando Vítor está por perto, você baixa a guarda e ele sabe que pode se aproximar.
― Ou ― Marcos emendou. ― ele agrada Vítor porque é o avô dele e é isso que os avôs fazem. Dá para perceber como ele gosta do pirralhinho.
― Gostar é pouco, ele é louco por ele. Na verdade, é louco por vocês dois.
― Esse é o meu defeito, todos me adoram ― Marcos retrucou. E percebendo que ele brincava para mudar de assunto, Ângela decidiu não insistir.
― Também... ― sussurrou, chegando mais perto e o encarando com um olhar que era mais cômico do que sexy. ― Como não gostar de um cara lindo e delicioso como você?
Marcos riu, agradecendo-a mentalmente por sempre tentar fazê-lo enxergar as coisas pelo melhor ângulo, porém, sem nunca forçar a barra. Sem soltá-la, girou-a até ela ficar por cima e, enquanto a abraçava e se preparava para beijá-la, observou seus cabelos caírem como cortinas escuras, fechando seus rostos em um espaço exclusivamente deles.
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Oi, pessoal!!! Gostaram do capítulo???
Pobre Marcos, não sabe como agir perto do pai e do irmão mais novo. Me contem o que estão achando dessa situação.
Não deixem de curtir o capítulo para o livro ficar mais visível para outros leitores.
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