Capítulo 26
Como havia informado, Marcos não fez questão de se aproximar de Ricardo. Também não precisava ficar fugindo de encontrá-lo, pois mal esbarrava com ele na empresa. E como dificilmente chegava cedo em casa, não precisava vê-lo quando Ângela o convidava para jantar. O jornalismo e a nova carreira de empresário consumiam todo o seu tempo e energia, não deixando espaço para qualquer outra coisa.
Na Essence, os irmãos haviam sido oficialmente incorporados à diretoria após três meses de treinamento. Ricardo foi designado por Dantas para trabalhar em um projeto de franquias para a expansão da marca, enquanto Marcos ficou encarregado de criar uma campanha publicitária para uma nova linha de produtos.
Apesar de dizer a si mesmo todos os dias que não se importava com nada daquilo, e que soubesse que, quando chegasse a hora, Ricardo seria eleito o presidente da empresa, Marcos estava determinado a fazer o melhor possível para sair de lá com a cabeça erguida e alguma experiência. Os membros da diretoria e do alto escalão não lhe davam muito crédito, ao passo que Ricardo era visto como um membro legítimo da equipe.
A sensação de estar em segundo plano em relação a Ricardo não era nova para Marcos. Sempre havia se sentido assim no que dizia respeito a seu meio-irmão, e as circunstâncias da morte de Felipe apenas tinham reforçado esse sentimento. Nunca, porém, havia vivido sob a sombra de alguém e sempre fora o melhor em tudo o que se propusera a fazer.
Conforme o ano avançava, o jornalista começava a experimentar uma sensação de derrota que nunca tinha sentido antes. No RSS News havia rumores de uma reformulação da grade de programação, contratações e rescisões de contrato para o fim do ano, com o nome de Paulo Miranda circulando em todo canto e ganhando força entre um boato e outro. Não se surpreendia com isso e sabia que havia chances de ser substituído pelo atual concorrente. Para ser o melhor, precisava se dedicar ao máximo, dar tudo de si, abdicar do tempo com a família, do conforto e da segurança em busca das melhores notícias. Fizera isso por tanto tempo que achava injusto perder seu posto para alguém com menos talento. Experimentava a sensação de não ser mais tão relevante para o veículo de comunicação onde construíra sua carreira, ao mesmo tempo em que era obrigado a ver os membros da empresa de seu pai puxando o saco de Ricardo e o consultando para tudo como se ele já tivesse sido declarado presidente. Observava seus olhares de desdém sabendo que eles o consideravam um playboy arrogante que não deveria estar ali, e via Ricardo, sério e competente, ganhando o respeito de todos. Ele chegava cedo todos os dias, trabalhava com afinco e ainda encontrava tempo para se misturar com os funcionários.
Se já não bastasse para Marcos ter que assistir a ascensão do irmão na empresa, até mesmo em sua própria casa sentia que perdia para ele.
Vítor a cada dia se apegava mais ao tio que o visitava constantemente e brincava com ele como o pai quase não fazia, fosse por falta de tempo ou por excesso de cansaço. Ângela, por sua vez, vivia falando do cunhado, elogiando sua postura, caráter e afeto pelo sobrinho. Chegou a dizer, certa vez, que ele daria um bom marido, e que a mulher que se cassasse com ele teria muita sorte.
A forma como os dois haviam se aproximado deixava o jornalista ressentido. E como não externava o que sentia, nem falava sobre o que estava acontecendo, as discussões entre o casal ficavam cada vez mais frequentes, ao ponto de ele se perguntar se havia feito a coisa certa ao se casar, e se o que tinham valia mesmo a pena.
Não que não tivessem seus momentos. Amava a esposa, do seu próprio jeito, e sabia que era recíproco, mas não gostava da forma como ela o vinha cobrando nos últimos meses, e durante as brigas, despejando todo o ressentimento que guardara por ter cuidado de tudo sozinha enquanto ele priorizava a carreira. Se bem lembrava, tinha sido dela a decisão de assumir tudo, mesmo quando insistia em ajudá-la. Sabia que ela também estava sobrecarregada e que seu trabalho a estressava, mas não conseguia lidar com o estresse dela estando tão absorvido por seus próprios problemas.
Ultimamente, cada tentativa de diálogo terminava com ambos irritados e gritando um com o outro. Eles tomavam cuidado para não discutir na frente do filho, mas nem sempre conseguiam. E quando não brigavam, a maior parte de suas conversas não passava do nível superficial.
Certo dia, num domingo, Marcos estava sozinho em casa quando recebeu a visita de Fabrício. O jornalista vinha da China, onde trabalhava atualmente como correspondente internacional para o RSS News. A vivência no país superpopuloso tinha lhe acrescentado um ar experiente. Ele havia perdido o jeito de menino bobo e metido a conquistador para se tornar um conquistador de verdade.
Por horas os dois conversaram sobre os tempos antigos, quando trabalhavam juntos, e se atualizaram das novidades. Marcos gostou de saber mais sobre a China, um país que conhecia apenas de passagem, e Fabrício ficou pasmo com a história da morte de Felipe.
— Quer dizer que você não sabia que havia uma boa chance de ele morrer? — perguntou estupefato, imaginando a loucura que aquilo deveria ter sido para Marcos.
— Não. Nem sabia que ele estava doente. Claro, não sou idiota e percebi que ele andava meio caído, mas não o via muito na época e pensei se tratar apenas de cansaço — relembrou.
— E você nem imaginava que herdaria a empresa dele e que teria que trabalhar lá com o seu meio-irmão?
— Não.
— Cara, que roubada! — Fabrício meneou a cabeça e Marcos esboçou um sorriso triste. Sentia falta dos velhos tempos, quando as conversas entre eles eram sobre garotas, futebol e trabalho; uma época em que não precisavam se preocupar com muita coisa, quando eram jovens e tinham a vida a seus pés. Agora tinha trinta e cinco anos, alguns fios de cabelo brancos em meio à cabeleira escura, e a vida de pernas para o ar.
Em determinado momento, como sempre acontecia em suas conversas, o assunto chegou às mulheres, com Fabrício comentando sobre as aventuras do último ano e o namoro iniciado recentemente com uma modelo chinesa. Marcos tentou, mas não conseguiu disfarçar e acabou revelando para o amigo que seu casamento não andava bem das pernas.
— Casamento é assim mesmo — arriscou Fabrício, que não entendia nada do assunto. —, tem suas fases boas e também as ruins. Um dia, os dois estão numa boa; no outro, querem se matar.
— Ultimamente temos tido mais da segunda opção — informou com pesar, depois tomou um longo gole da sua bebida e prosseguiu: — Sabe, quando eu olho para trás e penso no pavor que eu tinha de casamento, era exatamente isso o que eu temia. De repente, não conseguimos ficar no mesmo espaço sem discutir, as cobranças estão cada vez maiores, e eu, cada vez mais de saco cheio.
— Está ruim assim?
— Não. Pior!
Fabrício se viu numa sinuca de bico. Marcos sempre fora o seu herói pegador, o cara que queria ser quando crescesse. Vê-lo desabafar os problemas do seu casamento — coisa que jamais sonhou que algum dia pudesse acontecer na vida dele — era desconcertante, para dizer o mínimo. Olhando para o amigo, via um homem adulto com problemas reais e uma vida que caminhava por uma estrada diferente da que havia escolhido. Se não gostasse de Ângela, e não conhecesse os sentimentos dele por ela, seria capaz de dizer ao amigo para partir para outra. Mas Ângela não era uma garota qualquer, e aconselhar o amigo a desistir da família que o tinha visto construir lhe parecia errado. Havia acompanhado a história deles desde o início, quando se conheceram, e mesmo não sendo perito em relacionamentos sabia que se tratava de uma daquelas histórias de amor que duram a vida toda. Pelo menos, das que deveriam durar.
— Sabe, talvez vocês estejam precisando sair um pouco para relaxar — conseguiu dizer. — Por que não tiram uns dias de folga e vão viajar?
— Agora? Impossível — Marcos respondeu. — Mas gostei da dica, conselheiro matrimonial — brincou, divertindo-se com o esforço do amigo em lhe ajudar com as questões do coração. Normalmente eles não falavam muito desse assunto, e quando falavam aquilo era o melhor que podiam fazer. Minutos depois eles já tinham voltado a falar de futebol.
Quando Fabrício foi embora, Marcos ficou sentado assistindo ao segundo tempo do jogo daquela tarde. Tomando cerveja e ainda sob a influência da presença do amigo, ele se pegou imaginando o que teria acontecido se tivesse dito não a Ângela. Teria conseguido esquecê-la? E quanto ao filho, conseguiria ser um bom pai vivendo longe dele?
Ângela chegou com o filho adormecido no colo quando Marcos tentava imaginar a vida sem eles. Sua calça branca estava suja, o cabelo bagunçado, e ela tinha uma borboleta azul no rosto, pintada na festa infantil que eles haviam ido. Depois de acomodar Vítor no sofá, e de se afundar ao lado dele, ela ergueu os olhos para o marido e sorriu.
Marcos se sentiu culpado por seus últimos pensamentos e sorriu de volta. Em seguida, levantou-se para pegar o filho e levá-lo para a cama, mas antes parou na frente dela, tocou a borboleta azul de traços delicados em sua bochecha, e lhe deu um beijo carinhoso, admitindo para si mesmo que, embora eles não estivessem na melhor das fases, tinham uma história e talvez pudessem dar um jeito na situação.
Aquele foi um dia bom entre vários dias ruins que haviam vivido, e muitos outros que ainda viveriam...
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Oi amores, tudo bem?
Parece que a crise chegou para ficar na família Andrade. Mas até quando? As coisas ainda vão ficar bem ruins antes de melhorarem. Sorry!!!
Continuem votando e comentando, mesmo que seja para querer matar um personagem masculino teimoso, pois isso me ajuda na divulgação, kkkkk.
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