Capítulo 25
— Aconteça o que acontecer, não dê o braço a torcer! — Martha disse a Ângela quando elas se encontraram, dias depois da discussão.
— Já estamos há quatro dias sem nos falar — confidenciou Ângela, feliz por poder desabafar com alguém. Malu estava viajando e não queria incomodá-la. Martha havia ligado, e como há tempos elas não se viam, combinaram de tomar um café no fim da tarde.
— Eu já fiquei dois meses sem falar com Joel — disse Martha com naturalidade, deixando Ângela boquiaberta.
— Dois meses? É muito tempo! Como conseguiu ficar sem falar com o seu marido, dormindo na mesma cama e cruzando com ele o tempo todo dentro de casa?
— Não vou dizer que foi fácil, mas ele nunca saberá disso. Eu o fiz sofrer e agi como se não desse a mínima.
— Não consigo fazer isso — Ângela meneou a cabeça, ainda impactada com os dois meses e imaginando como seria ficar todo esse tempo sem falar com Marcos. Quatro dias já pareciam uma vida e estava prestes a fraquejar, apesar de ainda sentir mágoa quando se lembrava de tudo.
— Às vezes, precisamos ser duras — afirmou Martha, com convicção. — No meu caso, eu queria fazer faculdade. Joel tinha terminado de pagar a faculdade da Anali e parte das despesas do casamento da Bianca. As duas já estavam encaminhadas, e ao invés de se preocupar com os meus sonhos, ele foi lá e trocou a droga do carro. Eu sempre me pus de lado por todos eles. Não era justo.
— Então, você o puniu.
— Até ele me dar o que eu queria. — Martha sorriu. — Nunca vi o Joel tão empenhado em conseguir alguma coisa. Ele economizou, vendeu umas tralhas, fez um empréstimo... tudo para que eu pudesse pagar a matrícula e as primeiras mensalidades do meu curso.
Ângela sorriu também, imaginando o que o "pobre" Joel havia passado naqueles dois meses em que ficou de castigo. Não conseguia se imaginar fazendo algo parecido. Dar um gelo de sessenta dias em um homem tranquilo como Joel era uma coisa; fazer aquilo com alguém como Marcos, estressado e impulsivo, era outra totalmente diferente. Sem contar que ele adorava medir forças. Até nos assuntos do coração, seu marido cabeça-dura era competitivo e raramente cedia primeiro.
Vendo a indecisão da jovem, Martha explicou:
— Veja bem, não é uma questão de poder, como você deve imaginar. É verdade que em cada casal existe uma pessoa dominante e outra mais tranquila; aquele que ama mais e o que ama, mas não demonstra tanto. Enfim, não vou ficar falando de características de relacionamentos porque você está cansada de ver isso na revista onde trabalha. A questão aqui é o respeito. Precisa mostrar a ele que não é um capacho que ele pode pisar quando quiser. Você é a mulher dele e merece ser tratada da melhor forma. Se ele não quer falar sobre sua vida pessoal com você, não fale da sua. Mostre que o mundo não gira em torno do umbigo lindo dele.
Ângela sorriu para a amiga mais velha, admirando a sua sabedoria.
— Muitos relacionamentos afundam porque a mulher se desvaloriza — Martha continuou em tom sério. — Quando o casal se conhece é só "oba-oba", o cara manda flores e trata a mulher como se ela fosse uma princesa. Depois, quando o encanto acaba, muitas vezes ele começa a podá-la e desmerecê-la, se colocando numa posição onde ele é importante e ela não. E o pior é que a trouxa acredita e acaba se tornando o que ele diz. Nesse momento ele procura outra, porque a pessoa em que ela se transformou já não serve para ele. Estou generalizando, também tem muita mulher sem-vergonha e manipuladora por aí. A questão é, se ele não está te valorizando, precisa mostrar a ele como merece ser tratada.
Aquelas palavras ecoaram na cabeça de Ângela por horas. Por fim, ela decidiu que Martha estava certa e que precisava se impor mais. Não cedeu e continuou fechando a porta do quarto todas as noites por quinze dias. Àquela altura, Marcos já havia tirado a bagunça do quarto de hóspedes e estava dormindo lá.
Na noite do décimo sexto dia, Ângela demorou a chegar porque havia levado Vítor à festa de aniversário de um amiguinho. Após colocá-lo na cama, aproximou-se do seu quarto e notou que a porta estava trancada e que havia ficado para fora. No chão havia uma muda de roupa, sua escova de dentes e um par de chinelos. Foi a sua vez de rir da situação, enquanto se perguntava se Marcos estaria acordado, saboreando a sua vingança. A única diferença era que ela sabia exatamente do que ele precisava quando deixou as roupas dele na primeira noite. Já ele não fazia ideia do que pegar para ela e lhe deixou uma camisola preta, sexy e curta que nunca usava porque o excesso de renda pinicava a sua pele, além de uma calcinha fio dental da mesma cor. Precisava pegar suas coisas, mas como não queria dar o braço a torcer e deixá-lo vencer, foi até o quarto de hóspedes e pegou uma velha camisa branca que ele não usava mais; tomou banho e a vestiu sem nada por baixo. E como não queria dormir na cama de solteiro que estava impregnada com o cheiro dele, pegou um lençol para se cobrir e foi para o sofá.
Marcos acordou na manhã seguinte propositalmente mais cedo, porque sabia que ela precisaria entrar no quarto para pegar suas coisas antes do trabalho. Havia visto a hora que ela chegou e tinha apreciado a sua vingança, embora quisesse muito que ela desse o braço a torcer e lhe pedisse para abrir a porta.
Assim que saiu do quarto, viu as roupas que deixara na noite anterior e ficou com medo de que ela tivesse ido dormir em outro lugar. Caminhou apressado até a sala, passando antes pelo quarto de hóspedes para ver se ela estava lá, e a encontrou na cozinha, vestindo uma de suas velhas camisas. As mangas estavam dobradas até os cotovelos, o tecido era branco e transparente, e o cumprimento da peça mal cobria suas coxas torneadas — uma visão que o deixou tonto de desejo.
— O que foi? — Ângela perguntou enquanto passava por ele para pegar o pó de café no armário. Ao se esticar para pegar o pote na prateleira de cima, a camisa subiu, parando a centímetros de suas nádegas e fazendo-o incendiar-se por inteiro.
— Minha camisa fica bem em você — comentou, preferindo a postura de predador à de abobalhado.
Ângela nem se deu ao trabalho de olhar para ele e continuou empenhada no que estava fazendo.
— Eu tive que me virar, já que a porcaria da camisola que você me deixou não cobre nem a minha bunda!
Marcos mordeu os lábios para não rir, pensando que a camisa que ela usava também não cobria muita coisa.
— E quanto à calcinha, sabe que eu não gosto de fio dental — Ângela continuou com naturalidade, pegando uma xícara de café enquanto a cafeteira ainda pingava. Marcos não havia se dado conta de que ela não estava usando nada por baixo da camisa e ficou louco para tirá-la e fazer amor com ela ali mesmo. Apesar de estar morrendo de fome e ansiando por uma xícara de café, foi para o banheiro e tomou uma ducha fria, esperando que ao sair seu sangue tivesse voltado ao normal e não precisasse mais esbarrar com ela vestida daquele jeito.
Ângela sorriu quando ele sumiu da cozinha. Não havia planejado seduzi-lo, mas gostou da reação que causou e de saber que ainda tinha aquele poder.
Naquela noite, continuou bancando a durona. Novamente ele havia voltado mais cedo para casa, e quando ela ameaçou ir para o quarto, ele a seguiu.
— Antes de você se trancar, preciso pegar umas coisas — blefou.
— Eu não estou me trancando, isso foi só nos primeiros dias. A porta tem estado apenas encostada. — Marcos assentiu, embora soubesse disso. Todas as noites, quando chegava, ia até o quarto de Vítor para vê-lo, e depois ao deles. Girava a maçaneta com cuidado, a observava dormir e depois saía.
— O fato de ela não estar trancada não quer dizer que eu possa entrar — observou.
— É verdade.
— E eu posso?
— Hum...
Ângela o encarou e suspirou. Sabia bem o que aconteceria se o deixasse entrar: o plano de bancar a durona iria por água abaixo, eles fariam amor e tudo ficaria aparentemente bem, sem que tivessem conversado sobre o que aconteceu. Contudo, não conseguia mais fazer aquele joguinho. Martha conseguira ficar dois meses brigada com Joel, mas Joel não era nem de longe tão bonito ou atrevido quanto Marcos, parado à sua frente apenas de short. Mordeu os lábios, pensando no assunto por alguns segundos, e por fim deu de ombros.
— Pode — respondeu, abrindo a porta e entrando na frente. Parou perto da cama e virou-se para ele, pensando em algo para dizer. Marcos a agarrou antes que abrisse a boca e a beijou com determinação. Sem acreditar que estavam nos braços um do outro novamente, os dois caíram na cama, onde continuaram as carícias e beijos ardentes, deixando seus corpos falarem pelas emoções das últimas semanas. Fizeram amor duas vezes naquela noite; ao terminarem estavam exaustos e permaneceram abraçados embaixo dos lençóis, completamente satisfeitos.
— Sinto muito por tudo — Ângela se desculpou com a cabeça no peito dele. — Nunca quis dizer aquelas coisas.
— Nem eu — Marcos comentou, alisando as costas dela com um movimento distraído de vai e vem. — Sei que agi como um idiota e aquela não foi a primeira vez que isso aconteceu. Você não teve culpa de nada.
— Eu só queria entender por que você ficou tão bravo em relação a Ricardo. Não quero te pressionar, mas gostaria de saber o motivo de tanta aversão.
— Você conhece o motivo. — Marcos olhou para ela, que o encarava com uma expressão de cautela no rosto. — A verdade é o que é. Não consigo engolir Ricardo na minha vida dessa forma, tão presente. Eu me contentaria em saber que tenho um irmão, e vê-lo uma, duas vezes por ano, seria mais que suficiente. Conviver com ele todos os dias não é fácil, porque não temos nada em comum. Além disso, por mais que não toquemos no assunto, temos nossas diferenças.
— Você se refere ao pai de vocês, certo?
— Eu seria hipócrita se dissesse que não. Foi por causa dele que meus pais se separaram e meu pai foi embora. Por causa dele eu não tive um pai presente e acho injusto que ele tenha tido. — Marcos pensou no final, na escolha que Felipe havia feito sobre quem estaria ao seu lado em seus últimos momentos de vida. Ângela notou a máscara de ressentimento que transpassou os olhos do marido e alisou seu cabelo para distraí-lo.
— Eu achei que vocês estavam se dando melhor agora que trabalham juntos, por isso não avisei sobre o jantar. Entendo você, o problema é que Ricardo faz parte da nossa família. Seu pai o introduziu nela anos atrás e não podemos lhe virar as costas agora. Além disso, não quero que Vítor perca mais alguém que ama. Ele sente falta do avô e pergunta sobre ele o tempo todo; sua mãe tem andado ausente, ainda mais nas últimas semanas; e você tem estado mais ocupado do que nunca.
Da mesma forma que não havia comentado sobre o motivo de sua aversão a Ricardo, Marcos também omitiu a briga que tivera com a mãe. Achava melhor que Ângela não soubesse, porque assim não teria que justificar sua raiva.
A raiva era tudo o que tinha para lidar com a bagunça em que sua vida havia se transformado .
— Resumindo — Ângela continuou. —, estamos todos ocupados para Vítor. Ricardo o trata bem e sei que não é fingimento, que ele realmente o ama. E Vítor também o adora.
— E ele não é o único... — corrigiu Marcos. Ângela ignorou o ciúme contido naquela declaração e revirou os olhos.
— Tudo bem, eu também gosto dele, principalmente por causa da maneira como ele trata nosso filho. Eu não quero brigar, quero apenas que pense melhor sobre isso — finalizou, desejando que ele concordasse com o que lhe pedia. Ela não sabia quão difícil estava sendo para ele ficar perto de Ricardo naquele momento. Usava Vítor como argumento para tentar aproximá-lo do irmão e, assim, realizar o último desejo de seu sogro.
— Tudo bem — Marcos se deu por vencido, porque não queria que em uma próxima briga Ângela o acusasse de não se importar com o filho e as pessoas que ele amava. — Mas não se iluda. Se quiser convidá-lo para jantar, prometo tratá-lo cordialmente quando estiver por perto, mas não espere demais.
— Obrigada! — Ângela sorriu e o abraçou, pensando que aquele poderia ser um começo para o entendimento entre os irmãos.
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Gostaram do capítulo? Precisava de uma trégua essa tempestade, né?
Estamos caminhando para a reta final do livro. Mas ainda tem muita coisa para acontecer, muitas tretas, reconciliações, sufocos, e cenas de partir o coração. Prometo que o final será digno e fará valer todo o sofrimento.
Obrigada, pois graças a vocês o livro está indo muito bem nos rankings, ficando visível para muitos leitores, o que me deixa muito feliz. Continuem votando e comentando ; )
Em breve contarei sobre o próximo livro que postarei aqui, Conspirações do amor - uma história onde um amor antigo será testado através de conspirações empresariais maquiavélicas. Ficaram curiosos?
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