Capítulo 23
Ano IV
O perdão existe em 1º lugar para aquele que perdoa,
para libertá-lo de algo que vai destruí-lo,
que vai acabar com sua alegria e capacidade
de amar integral e abertamente
(A Cabana - William P. Young)
No início daquele quarto ano, Marcos continuou seu treinamento na Essence sem muito entusiasmo. No jornal, embora gostasse do que fazia, também não tinha o mesmo prazer e precisava se esforçar para não deixar o cansaço o atrapalhar, visto que gravava no período noturno, quando devia estar descansando. A rotina massacrante o obrigava a dormir quatro, cinco horas por noite; e ao acordar, o fato de saber que começaria tudo de novo e que teria que se sentar na cadeira do pai, próximo às coisas dele, acabava com o seu dia. Preferia passar o tempo andando pela empresa ou conversando com Gisele, que se empenhava em lhe mostrar todas as etapas do trabalho e o fazia compreender a importância de cada parte do negócio. Pouco tempo trabalhando com ela, e ele podia entender porque o pai sempre a elogiara tanto.
Naquela etapa, Marcos não via Ricardo muitas vezes porque ambos estavam sempre ocupados. No fundo agradecia por isso, já que sem Felipe a relação entre eles parecia estranha e forçada. Ricardo vez ou outra passava em sua sala e o convidava para ir à cafeteria do térreo. Fora isso, e os esbarrões acidentais pelos corredores da empresa, cada um trilhava seu caminho separadamente.
Houve um dia, no final de janeiro, em que Marcos quis retribuir a atenção do meio-irmão e pensou em chamá-lo para tomar um café. Antes de chegar à sala dele, ouviu vozes lá de dentro e parou.
Gisele conversava com Ricardo em um tom bem mais descontraído do que o que usava com ele. Aquilo não o aborreceu, uma vez que sabia que eles se conheciam há mais tempo.
- Acredito que você vai se dar bem aqui - dizia ela. - Seria bom para a Essence ter um diretor mais centrado e competente que o Dantas.
- Não tenho como saber até o fim do ano - Ricardo rebateu. - Para ser sincero, na maior parte do tempo não sei o que estou fazendo.
Somos dois, pensou Marcos, ameaçando dar meia volta e voltar para a sua sala.
- E Marcos, como tem se saído? - Ricardo quis saber. Tal pergunta fez o jornalista estacar. Se estava sendo avaliado, julgou-se merecedor de ouvir a resposta.
- Bem, na verdade... - Gisele começou, aparentemente surpresa. - Ele não parece levar muito a sério, mas absorve tudo com facilidade e tem tino para os negócios. Achei que seria perda de tempo trabalhar com ele, mas tem sido no mínimo interessante.
Marcos sorriu com o comentário da assistente. Olhou para os lados para ver se vinha alguém e, como o corredor estava vazio, continuou ouvindo a conversa.
- Quer dizer que vocês já são amiguinhos? - Ricardo a provocou, num tom de voz que Marcos interpretou como ciúme.
- Ainda não o conheço bem para formar uma opinião concisa sobre ele e não faço amizades sem ter certeza do caráter da pessoa. Se for para fazer uma pré-avaliação, diria que ele é legal. Diz o que pensa, não faz joguinhos, brinca o tempo todo, mas fala sério quando precisa.
- Concordo que ele pode ser agradável quando se propõe a isso - Ricardo divagou.
Gisele sorriu e continuou:
- Nos negócios, ele é parecido com o seu pai, um pouco impulsivo, do tipo que segue o instinto. Enquanto o estou ensinando, várias vezes preciso parar para ouvir alguma pergunta, sugestão ou crítica a determinado processo da empresa.
- Para quem não tem uma opinião formada, você parece encantada.
Marcos precisou sufocar uma risada pelo ciúme mal disfarçado de Ricardo. Estava na cara que ele era a fim da garota, mas por algum motivo não tinha coragem de chamá-la para sair e reprimia seu amor platônico.
- Pare com isso - Gisele reclamou. - Sabe que não sou de ficar tecendo elogios à toa. Você me perguntou como ele está se saindo e eu disse a verdade. Independente do que eu penso, se quer mesmo saber, por mais esperto que ele seja, acho que não ficará na Essence por muito tempo. Dá para ver que está aqui a contragosto.
- Eu não o culpo. Sinceramente não sei o que meu pai estava pensando quando nos obrigou a isso sem aviso prévio.
- Como assim? Felipe não informou a vocês que teriam que assumir seus negócios caso algo desse errado? Fiquei sabendo que ele não teve tempo de prepará-los, mas não imaginei que tivesse sido assim.
- Mas foi. Só ficamos sabendo quais eram os planos dele durante a abertura do testamento, dias depois da sua morte.
Houve vários segundos de silêncio. Ricardo foi quem o quebrou:
- Eu estive com ele até o final, segurando a sua mão, e antes também, durante o pré-operatório, enquanto fazia os exames. Em nenhum desses momentos, ele me disse o que pretendia para a empresa. Pela forma como se despediu antes de ser levado para a sala de cirurgia, pude ver que ele sabia o que ia acontecer. E mesmo assim não me disse nada.
- Talvez porque se despedir fosse mais importante do que falar sobre negócios.
Aquelas palavras caíram em Marcos como uma bomba. Saber que Felipe havia escolhido Ricardo para ficar do seu lado no momento mais decisivo da sua vida apenas confirmava o favoritismo que ele sempre tivera pelo bom e íntegro filho caçula. Não planejava ceder à sua revolta adolescente, mas não conseguiu agir de outra forma diante do que havia acabado de descobrir. Além disso, seu último encontro com o pai só servia para agravar a situação, porque ele não havia dito nada sobre estar correndo risco de morte ou sobre a operação; ao contrário, falara em códigos e dissera que precisaria dele. Na certa estava falando da maldita empresa. Os dois haviam passado anos sem se falar, estavam começando a reconstruir a relação de pai e filho, e ele preferira falar de negócios em vez das coisas mais importantes. Essas ele guardara para Ricardo, o filho amado.
Gisele ainda conversou um pouco com Ricardo e se despediu. Ao entrar na sala de Marcos, não o encontrou e ficou sabendo que ele havia ido embora sem deixar recado.
***
Melinda estava em casa quando o filho irrompeu feito um furacão.
- Deus do céu! O que houve com você?
- Você sabia que ele estava lá? - perguntou ele, a voz trêmula de raiva. Melinda não entendeu a pergunta. Tentava decifrá-la, quando ele esclareceu: - Ricardo, mãe! Estou falando do maldito Ricardo! Você sabia que ele estava com o meu pai naquela noite no hospital?
Melinda sentiu uma pontada no estômago. Quis pensar em algo para dizer, mas seu olhar apenas confirmou o que Marcos suspeitava. Com uma risada para lá de sarcástica, os olhos brilhando com lágrimas que insistia em segurar, ele passou as mãos pelos cabelos.
- Que maravilha! Todos sabiam sobre a doença dele e a operação. Todos, menos o palhaço aqui ― Apontou para o próprio peito.
Melinda encolheu os ombros e olhou para o filho debaixo para cima.
- Eu sinto muito - disse com sinceridade. - Não queria que fosse desse jeito, mas seu pai me fez prometer que não diria nada a você. E sobre Ricardo, eu sabia como você se sentiria, por isso não te contei.
- Você não faz a menor ideia do que eu estou sentindo. Pensei que você fosse melhor que ele, mas vocês são farinha do mesmo saco: dois sacanas egoístas que sempre só pensaram em si mesmos.
As palavras de Marcos feriram Melinda, mas, embora as achasse injustas, não conseguiu sentir raiva do filho.
Marcos levou novamente as mãos à cabeça.
- Ele nem se despediu de mim! Tudo o que ouvi em nossa última conversa foi dito nas entrelinhas e relacionado ao que ele queria que eu fizesse. Nem um "adeus", nem uma tentativa de acertar as coisas entre nós. Nada. A única coisa que ele queria de mim era que eu assumisse essa maldita empresa e por que, se ele já tem o filho perfeito para seguir todas as suas ordens? Velho idiota...
- Filho, você está com raiva agora. Vamos conversar com calma sobre o que aconteceu. Tenho certeza de que...
- Não perca o seu tempo - Marcos a cortou, agitando a mão para que ela parasse de falar. - A hora da conversa já passou. Como sempre, vocês estão atrasados. Sempre estiveram.
Marcos saiu a passos largos, e já na porta, parou e encarou a mãe com o olhar mais sombrio do que nunca.
- Esqueça que eu existo. Não quero você na minha casa, nem na minha vida. E sabe por quê? Porque fui EU que estive do seu lado esses anos todos, e não ele. EU sequei as suas lágrimas quando ELE te sacaneou. Eu a consolei e tomei as suas dores. Mas em algum momento você pensou em mim enquanto fazia tudo o que ele queria? Claro que não! Pensei que fosse impossível, mas estou com mais raiva dele agora do que antes. Minha vida estava ótima sem ele por perto e agora está uma droga, por culpa de vocês dois.
Furioso, Marcos foi embora. Naquela noite ele não teria que ir ao jornal, mas também não quis ir para casa e procurou um lugar onde pudesse ficar anônimo e remoer sua raiva.
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Aiaiai!!! O que já estava ruim ficou ainda pior. Que bomba o Marcos recebeu. Vem treta brava por aí. Não me odeiem, a coisa fica ruim antes de melhorar...
Amando a quantidade de leitoras votando e comentando. Bjs 😘
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