Capítulo 9
Dois meses foi o tempo exato que as resoluções de Ângela duraram. Ela logo percebeu que não seria tão fácil romper velhos hábitos.
Para começar, era impossível se desviar de algum trabalho extra que Andréa lhe pedia e, quando tentava, acabava se atrapalhando. Também não dava para romper com Daniel e Pedro porque em alguns poucos momentos também precisava deles.
Quanto ao salário, melhorou muito para ela, que pôde contratar duas enfermeiras para cuidar do pai e pagar um plano de saúde para ele. Ela também arrumou o Fusca e conseguiu negociar suas dívidas e começar a pagá-las. Não sobrava muito no fim do mês, mas já era algo com o qual eles podiam viver.
Como não podia romper com os maus hábitos dos outros, ela continuou tentando romper os seus, se impondo a acordar cedo todos os dias e fazer o que precisava ser feito. Chegava sempre no horário e era uma das últimas a sair, mas logo abandonou a chapinha, se limitando a um rabo de cavalo simples e uma maquiagem básica para trabalhar.
O fim do expediente era às cinco da tarde, mas frequentemente Ângela ficava até as sete. Além dela, quem costumava fazer serão era a própria Andréa, que parecia não ter vida pós-jornal, e Eduardo, que além de cuidar do site fazia toda a diagramação dos textos e era o responsável pela informática e equipamentos.
Ângela gostava de ficar até mais tarde por causa do silêncio. Era bem mais fácil e prazeroso trabalhar sem as interrupções diárias. Às vezes Andréa pedia uma pizza e os três comiam juntos. Ângela se sentia mal pelo pai, por isso tentava não exagerar tanto no trabalho. Ela ligava para casa varias vezes por dia e, quando chegava, se dedicava inteiramente a ele.
O único aspecto de sua vida que continuava em off era a amoroso. Ela acreditava ter superado sua paixão repentina por Marcos, mas passou a sentir a solidão que não se permitia sentir antes dele.
Em sua nova empreitada profissional, Eduardo acabou se tornando um aliado. Ele lhe confessou que antes fazia parte do time "anti-Ângela", mas que já havia se convencido de que ela era uma garota batalhadora e que, apesar de ser um pouco desorganizada, não era nada irresponsável.
Certo dia eles estavam em uma reunião de pauta e ela cochilou sentada enquanto Andréa marcava alguns tópicos no quadro branco. Eduardo a viu e propositalmente deixou a caneta cair na mesa com tampo de vidro, provocando um barulho que chamou a atenção dos outros e a acordou. Ângela abriu os olhos vermelhos e o encarou por alguns segundos, depois saiu para lavar o rosto, pegou um cafezinho na cozinha e, quando voltou, o agradeceu em silêncio.
Na noite anterior ela havia internado o pai no hospital porque ele havia passado mal.
Hospitais faziam parte da rotina deles. Geralmente, quando as internações aconteciam, Francisco era examinado, tinha alguns dos remédios trocados, ficava em observação por alguns dias e depois era liberado. Contudo, toda vez que era obrigada a interná-lo, ficava com medo que algo ruim lhe acontecesse. E como não dormia quando estava preocupada, não havia pregado os olhos durante a noite.
Após aquele episódio, o colega também passou a servir-lhe como um álibi. Quando Pedro ou Daniel pediam alguma coisa, ela dizia que precisava fazer algo para ele, que confirmava. Eles se aborreciam, mas como não podiam fazer nada, acabaram diminuindo progressivamente a exploração.
Ângela passou a admirar Eduardo conforme o conhecia melhor. Ela descobriu que ele estava no jornal desde o seu início, e que na época eles eram apenas quatro e tinham que se virar para concluir as edições e distribuí-las. Acumulando funções, ele acabara responsável pelo site, e com isso descobriu uma nova profissão pela qual se apaixonara.
Ângela também descobriu que ele estava solteiro havia algum tempo e que tinha vontade de se casar e formar uma família.
A última coisa que ela descobriu sobre ele, no fim daquele ano, foi que ele estava interessado nela.
Certa noite de dezembro ela esperava pela confirmação de um compromisso para o dia seguinte quando ele se aproximou da sua mesa. Após conversaram sobre assuntos banais, em determinado momento ele perguntou:
— Você vai fazer alguma coisa neste fim de semana?
— Provavelmente não — respondeu ela, atenta ao que ele diria em seguida.
— Quer ir a uma festa comigo? — ele perguntou em tom informal, tentando disfarçar sua ansiedade.
Ângela não soube o que dizer. No instante em que ele a convidou para sair ficou claro o que ela vinha suspeitando havia algum tempo. Sua cabeça entrou em parafuso. Por um lado, sentia solidão e gostava da companhia dele, mas por outro, a ideia de namorar a apavorava. Estava sozinha há tanto tempo que não sabia mais ser namorada, e sabia que não estava se precipitando ao pensar dessa forma, pois já o conhecia o suficiente para saber que ele era um homem sério.
— É um casamento — ele explicou constrangido, notando sua hesitação. — Um amigo meu vai se casar e eu não tenho ninguém que vá comigo e me ajude a aguentar aquela tortura.
— Por quê? Você não gosta de casamentos? — ela perguntou com um sorriso.
— Não é isso. É que eu serei padrinho e terei posar para fotos, dançar...
— Entendo. Vou ver lá em casa se posso ir e te falo.
— Se quiser eu posso pedir para o seu pai — ele brincou, fazendo-a sorrir novamente.
— Acho que não será preciso. Pode deixar que eu mesma peço.
Ele deu um pequeno sorriso de satisfação e saiu, deixando-a perturbada. Apesar do aperto que sentiu no peito, ela gostou de se sentir desejada por alguém, pois sabia que ele não a tinha convidado apenas por amizade.
No sábado Eduardo chegou para buscá-la as seis e eles saíram seis e vinte, um pouco atrasados, mas ainda em tempo. Ângela usava um vestido longuete azul, sapatos peep toe, e brincos de strass.
Eles chegaram à igreja e se separaram. Ele entrou como padrinho com uma amiga do casal de noivos e Ângela se juntou aos convidados.
A noiva usava um vestido tomara-que-caia com cauda comprida. Seu cabelo estava preso em um coque e, do alto de sua cabeça, onde brilhava uma linda coroa, descia um longo véu.
O noivo parecia o homem mais feliz do mundo.
Observando a cena, Ângela se sentia estimulada a abrir o coração. Porém, sabia que não era tão simples assim e não tinha certeza se conseguiria introduzir uma nova pessoa em sua vida. A prática sugeria que não. Mas o emocional, abalado desde maio, lhe dizia para não desperdiçar as oportunidades, principalmente após ter dito a Marcos que não era como ele, e que se o amor batesse à sua porta, não fugiria.
No fim do casamento ela se encontrou com Eduardo na porta da igreja, onde ele a apresentou aos noivos, e de lá eles seguiram para a festa. Eduardo cumpriu seu papel de padrinho e tirou todas as fotos necessárias. Ângela ficou na mesa, e como não era tímida, se enturmou rápido com os amigos dele. Vez ou outra, enquanto ria de suas piadas ou contava uma das suas, observou-os trocando olhares e sorrisos conspiratórios com ele, que permanecia sério. Sua timidez a encantava.
Quando os noivos foram liberados das obrigações com as fotografias e cumprimentos, caíram na dança com os convidados ao som de sucessos internacionais dos anos 1980. Neste momento Eduardo chamou Ângela para dar uma volta e ela o seguiu para fora do salão, nervosa e com a garganta fechada.
A festa acontecia em um clube de campo. Eles caminharam por estradinhas iluminadas por pequenos postes de luz e ao se aproximarem de um parque de diversões, dirigiram-se aos balanços e sentaram-se lado a lado. Era verão e uma brisa fresca soprava em seus rostos. Ela tirou os sapatos e apoiou os pés descalços na grama, depois fechou os olhos, permitindo que o ar puro lhe ajudasse a relaxar.
— A noite está bonita — Eduardo comentou olhando em volta.
— É verdade — ela concordou.
— Você também está — Ele olhou para ela, que abriu os olhos.
— Obrigada — agradeceu com um meio sorriso.
— Eu posso te fazer uma pergunta? — pediu ele, tentando encontrar uma forma de dizer o que queria. Ângela assentiu sem desviar os olhos dele. Nervosa, ela se sentia como um gato assustado que não sabia se atacava, se corria, ou se permanecia imóvel.
— O que você acha de mim? — ele perguntou por fim.
Ela não precisou pensar muito para responder.
— Eu acho que você é um cara muito legal, íntegro... Um homem de valor.
— Obrigado. Eu acho você uma mulher incrível, além de linda. Você é esforçada, dinâmica, está sempre sorrindo e ajudando todo mundo. Gosto muito de passar o tempo com você.
— Eu também, com você.
— Na verdade eu queria passar mais tempo com você. — Ele olhou com firmeza nos olhos dela e esperou sua reação.
Ângela não soube o que dizer. Se o encorajasse, sabia onde aquilo ia dar: ela iria namorar, introduzir uma nova pessoa em sua rotina atribulada, e não sabia se estava pronta.
— Eu também gostaria de passar mais tempo com você — ela suspirou. — Só não sei se é possível.
— Por quê? — ele quis saber.
— Porque eu não tenho esse tempo. Minha vida se resume ao meu pai, minha casa e o trabalho. Eu mal consigo dar conta de tudo...
Além disso, estou sozinha há tanto tempo que me sinto confortável assim.
— Eu sei da sua situação e a admiro por isso. Você é especial justamente por saber priorizar as coisas mais importantes.
— Eu agradeço sua admiração, mas este é o ponto. Mal consigo dar conta das coisas importantes que já tenho na minha vida. Fico pensando se sou capaz de acrescentar mais uma.
— Quer dizer que ficar comigo é importante? — ele brincou, e ela sorriu em resposta.
— Claro que é!
— Por que não vamos devagar? — Ele insistiu. — Podemos nos conhecer aos poucos, sem cobranças.
— Eu não sei...
— Eu não quero te pressionar. Gosto de você, mas se quiser podemos continuar amigos. Vai ser embaraçoso, mas eu prometo que nada mudará entre nós.
Ela sentia que deveria ficar quieta e seguir sem maiores complicações em sua vida, porém, algo lhe dizia para se agarrar àquela oportunidade que o destino estava lhe dando e esquecer o resto. E por mais que os contras de sua mente fossem maiores do que os prós, aquela voz tentava se impor.
— Eu quero tentar — afirmou —, só não sei se devo.
Ele registrou somente a primeira parte da resposta. Se ela quer tentar é porque no fundo sente alguma coisa por mim, pensou. — Você quer um tempo para pensar? — sugeriu.
— Sim, eu gostaria — ela respondeu angustiada.
— Tudo bem. Uma semana está bom?
— Está.
— Ótimo. Quer ir para casa agora?
— Quero.
Eduardo a levou para casa e eles fizeram a maior parte do trajeto em silêncio. Ao parar o carro, ele cogitou a possibilidade de beijá-la, mas se conteve. Havia oferecido um tempo a ela e iria cumpri-lo, por mais que lhe custasse. Ângela sorriu para ele e beijou seu rosto, mas antes que abrisse a porta para sair ele pegou sua mão, fazendo-a se virar para olhá-lo.
— Obrigado por ter me acompanhado hoje. Espero que tenha se divertido.
— Eu me diverti muito. Obrigada!
Ele mantinha os olhos em suas mãos quando tornou a falar.
— Promete que vai pensar com carinho na minha proposta?
— Eu prometo — ela respondeu olhando para as suas mãos, repetindo o gesto dele.
Ele deu um sorriso tímido e soltou a mão dela.
— Boa-noite, Ângela.
— Boa-noite, Eduardo.
Francisco dormia tranquilamente quando Ângela entrou. Após olhá-lo, ela deitou-se em sua cama e passou horas pensando no assunto, assustada e dividida.
Eduardo era bem diferente do último homem que havia lhe interessado. Enquanto Marcos era charmoso, seguro de si e irritante, Eduardo era tímido, cavalheiro e monogâmico. Ele era bonito de uma forma mais comum e, embora não a fizesse sair de órbita, via nele o homem perfeito para construir um relacionamento. Ainda era cedo para dizer, mas sentia que ele era o homem perfeito para se casar, e talvez o seu príncipe encantado. Ao pensar nisso ela foi imediatamente arremetida àquela noite de maio. Sentia os grandes olhos inquisidores de Marcos sobre si e pensava se estaria fugindo caso recusasse a proposta que lhe fora feita. Ela sentia que namorar Eduardo naquele momento seria um erro, mas também sentia que devia se arriscar. Estava em uma encruzilhada.
Enquanto com Marcos as coisas haviam fluído espontaneamente e em um curto período de tempo, deixando-a desorientada e entregue, com Eduardo ela se sentia travada e se via obrigada a tomar a decisão de forma racional.
O problema era que Eduardo não iria embora no dia seguinte. Ele era real e a queria para passar mais que algum tempo. Era isso que mais a assustava e tornava a sua decisão difícil.
Às vésperas do Natal, Ângela fez o balanço daquele primeiro ano. Conhecera Marcos, que mexeu muito com sua vida em um curto espaço de tempo; foi promovida, resolveu grande parte de seus problemas e estava terminando o ano com uma proposta de namoro com um homem decente. Restava a ela decidir se permaneceria em sua zona de conforto ou se encararia uma coisa nova.
Como não conseguia dormir, entrou na internet e ficou navegando.
Fazia tempo que não pensava em Marcos, mas nos últimos dias havia pensado bastante nele, fosse para compará-lo com Eduardo, ou então para se lembrar de algumas das conversas importantes que tiveram.
Ela entrou no Google e digitou o nome dele. Sabia que profissionalmente ele estava indo bem, e suspeitava que pessoalmente também. Ao pesquisar em Imagens, surgiram várias fotos dele em eventos importantes, sempre bem-vestido, e ocasionalmente acompanhado por belas mulheres. Como não tinha nada para fazer, ela foi clicando nas fotos e reparando naquelas mulheres lindas e elegantes que nada tinham a ver com ela. Uma delas em especial atraiu sua atenção por aparecer mais que as outras, e em fotos recentes. Ela abriu a notícia de um tabloide que dizia que o jornalista era o mais novo affair de Nicole Simão, modelo internacional, que por acaso era sobrinha de ninguém menos que o chefe dele, Roberto Simão. Ela era alta, linda e loira, tinha um rosto perfeito e grandes olhos verdes. Na foto os dois apareciam sorrindo e, ao olhar para ele Ângela sorriu.
Você é um farsante Marcos Andrade, já está amarrado em alguém. Se você conseguiu, talvez eu consiga também.
Marcos conhecera Nicole pessoalmente havia poucos meses e imediatamente se encantara por ela. Primeiro por sua beleza, e depois, porque descobriu que, assim como ele, ela não era adepta a relacionamentos sérios. Nicole era fria e só o procurava quando estava interessada. Para ele era ótimo porque aproveitava a companhia dela sem precisar se prender. O que eles tinham era uma espécie de "relacionamento aberto", se é que se podia chamar de relacionamento algumas saídas esporádicas.
No fim daquele primeiro ano, tanto Ângela quanto Marcos estavam aonde queriam, com suas vidas caminhando da forma como planejavam.
Mas ela ainda tinha uma decisão a tomar...
--//--
#TeamMarcos ou #TeamEdu ?
Qual vocês escolhem para a nossa heroína?
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