Capítulo 6
Marcos chegou pontualmente, às oito.
Francisco o recebeu no portão da casa simples do bairro periférico, e o encaminhou até a sala para esperar por Ângela, que ainda estava no banho.
Atrasada, para variar, pensou ele enquanto se sentava no sofá marrom em formato de L e analisava o senhor, percorrendo-o com o olhar. Ele era mais velho do que havia imaginado. Mais claro que a filha, tinha cabelos brancos e pequenos tufos de pelo na orelha. Seus olhos eram castanhos claros, as mãos enrugadas e manchadas, e ele ainda usava a aliança de casamento.
— O moço aceita uma água ou um guaraná? — Francisco ofereceu.
— Uma água seria bom — respondeu Marcos, sentindo-se um adolescente por estar sentado na sala com o pai da garota.
— Vem comigo — Francisco levantou-se e fez questão de mostrar-lhe a casa toda.
Marcos observou tudo, desde as fotografias espalhadas pela sala, até os móveis antigos da cozinha, todos da década de 1980. No quarto de Ângela havia uma pilha de roupas sobre a cama, que o fez rir e pensar que ela não era assim "tão diferente" de qualquer outra garota.
Após verem tudo e tomarem água eles voltaram para a sala, onde Francisco começou a falar do seu assunto preferido: a filha.
Ângela saiu do banheiro e correu para o quarto. Estava atrasada e não sabia o que vestir. Ela vasculhou a montanha de roupas tentando encontrar algo que não tivesse visto, mas nada parecia adequado para sair com Marcos.
Mas por que eu estou tão preocupada, se nem é um encontro, ela se perguntou. Mesmo assim não conseguia se decidir.
Desanimada, sentou-se e inspirou profundamente, inalando o cheiro forte e masculino do perfume dele. Era um cheiro poderoso e agradável, e pela primeira vez na noite ela sentiu medo.
Quarenta minutos depois Ângela apareceu na sala de vestido preto, salto alto e maquiada. Seu cabelo estava escovado e a franja estava de lado.
Marcos se pôs de pé e olhou para ela, encantado com a sua transformação.
— Como estou? — ela perguntou aos dois, sorrindo e dando uma voltinha.
— Você tá linda, fia — disse Francisco.
— Está ótima — Marcos concordou.
— Sobre o que vocês estavam conversando? — ela perguntou vestindo um casaco.
— Sobre você — Francisco admitiu.
— Seu pai me dizia o quanto quer que você se case logo para não ficar sozinha quando ele partir — Marcos completou observando a reação dela, que foi de tédio.
— Meu pai é um romântico à moda antiga, Marcos. Ele vive querendo casar todo mundo, principalmente eu. — Ela dirigiu—se para o pai com um olhar obstinado: — Quantas vezes eu já disse que o único homem do qual preciso é o senhor?
Antes que Francisco pudesse responder ela o abraçou forte e beijou seu rosto.
— Tchau pai.
— Vai com Deus, fia. Cuida da minha princesa, moço.
— Pode deixar. Eu serei um príncipe — Marcos brincou, e saiu atrás dela.
Já na garagem, Ângela pegou a mão dele e depositou nela a chave do Fusca.
— E aí príncipe, quer dirigir a minha abóbora? — perguntou sorrindo.
— Fechou — ele respondeu, empolgado.
Ângela pediu que Marcos guardasse o seu carro na garagem. A rua era movimentada, e ela não queria que aquele carrão ficasse à mercê da molecada.
Ele ficou animado em dirigir o carro que o lembrava de suas primeiras aulas de direção. Era uma coisa meio nostálgica, como tudo de bom que lembra a infância.
Logo ao entrar, no entanto, percebeu que não seria assim tão fácil. Ele ficou enorme e desconfortável no carrinho, e naquele momento ela perguntou se ele não achava melhor eles irem com o dele.
— Não, eu posso fazer isso — ele respondeu corajoso e deu a partida.
Eles foram a Guaratinguetá. Enquanto percorriam a Avenida João Pessoa, Ângela ia mostrando as opções de restaurantes, bares e pizzarias da região.
— Vamos fazer a rotatória do Ícaro e descer a avenida até o final, pode ser? — ela perguntou.
— Pode.
Ao se aproximarem da rotatória, Marcos comentou:
— É uma bela estátua.
— O Ícaro? — Ela riu. — Eu o chamo de: "O Mané de Asas!"
— Por quê?
— Você já ouviu a história dele? — perguntou, e antes que ele respondesse começou a contá-la do jeito que sabia: — Ele e o pai estavam presos, daí o pai teve uma ideia brilhante e construiu asas de cera para eles fugirem, mas o alertou para que não se aproximasse do sol, pois, se o fizesse, o calor iria derreter as suas asas e ele iria morrer. Adivinha o que ele fez?! Se aproximou do sol, as asas derreteram e ele morreu. O pai dele é que merecia uma estátua. O cara era um gênio, ele fez asas para o filho! Eu sinceramente não entendo por que o Ícaro desobedeceu uma regra tão simples, sabendo que iria se machucar — finalizou, ignorando o fato de se tratar apenas de um mito.
Marcos riu da indignação dela.
— Vou te dizer o porquê — respondeu, olhando a estátua pelo retrovisor. — Porque o sol era tão maravilhoso que ele não pôde se conter. Ele tentou, mas não resistiu ao poder do sol sobre ele.
— Uau! — ela abriu a boca. — Vou ter que escrever isso para não esquecer.
— Isso se chama: "Ver o outro lado da história". Gostou da minha versão?
— Na verdade eu gostei sim, mas a minha é mais legal.
— É mesmo — ele admitiu.
— E se você se apaixonar perdidamente? — ela o provocou. — Assim como o Ícaro, não poderá se conter, e vai acabar casado e com um monte de filhos. Claro que antes terá que encontrar uma mulher que seja tão maravilhosa quanto o sol. É — estalou a língua —, parece que vai ficar sozinho mesmo, porque é impossível.
— Para mim está ótimo — ele respondeu, sondando a expressão infantil e o sorriso largo estampado no rosto dela.
Eles desceram até a Avenida Presidente Vargas, famosa pelo carnaval da cidade, e escolheram uma pizzaria com música ao vivo. Ao descer do carro, Marcos esticou as costas doloridas e ela riu. Eles entraram, escolheram uma mesa em um canto reservado e pediram um vinho. A iluminação era agradável e ambos estavam descontraídos.
Eles conversaram sobre o trabalho e brindaram a ele, depois falaram sobre o dia seguinte e acertaram alguns detalhes para terminar a reportagem.
Ângela sentiu que deveria dizer algo para agradecer-lhe por tê-la ajudado. Quando Andréa tinha anunciado que ela iria ficar com a equipe dele, pensou que ele só a usaria para buscar café e lanche para eles, mas ele a incorporou à equipe e lhe deu um voto de confiança, acatando boa parte de suas ideias. Embora ela estivesse uma pilha de nervos por conta do fim do estágio e o que isso representava, após aqueles dias, sentia-se viva, e com mais coragem para lutar e correr atrás de seus objetivos.
— Quero que saiba que admiro muito o seu trabalho, Marcos. Conhecê-lo foi um passo importante na minha carreira e acrescentou muito, ainda que ela acabe no fim do mês.
— Você vai conseguir. — Ele pareceu sincero e ela suspirou.
— Eu queria poder ter tanta certeza.
— O problema não é você conseguir o emprego, mas se manter nele.
— Como assim?
— Você precisa parar de se atrasar.
— Sei disso — ela assentiu, com a voz baixa e sem brilho. — Preciso me esforçar mais.
— Não é uma questão de esforço, você já se esforça o bastante.
— Então, qual é a questão?
— Eu sou jornalista investigativo, saco as coisas. No momento em que conheci o seu pai, tudo ficou claro. Ele não tem boa saúde, você cuida dele e isso acaba atrapalhando o seu desenvolvimento profissional.
— O meu pai não me atrapalha! — ela respondeu na defensiva e se mexeu na cadeira.
— Não foi isso que eu quis dizer — ele se justificou. — Sejamos racionais, você precisa de uma solução que te possibilite dormir para trabalhar corretamente e cumprir seus horários.
— E o que você sugere? — ela perguntou, apertando os olhos sem desviá-los dos dele.
— Você já considerou a hipótese de colocá-lo em um asilo?
— O que? — Ângela ficou vermelha e ele soube que aquele era o limite dela, o assunto do qual não se podia falar. Temendo ter ido muito longe, logo se retificou:
— Me desculpe, não quis ofendê-la.
— O seu pai pode ter sido ausente, Marcos, mas o meu não foi. Muito pelo contrário, ele sempre me apoiou em tudo e eu não vou simplesmente jogá-lo no asilo — ela atacou sem pensar, porém, ele não pareceu se chatear com a resposta.
— Tudo bem, eu só estava tentando ajudar.
— Obrigada, mas eu dispenso. — Ela se levantou, jogou o cabelo para trás com a mão e saiu para o toalete. Lá encarou o espelho e tentou não chorar. Claro que aquela hipótese já havia passado vagamente por sua cabeça, mas ela se recusava a usá-la, a não ser em último caso. Seu pai era tudo que tinha, a única família que lhe restava. A hipótese de separar-se dele era algo que a machucava profundamente.
Confusa, sentia raiva de Marcos por cutucar sua ferida, e ao mesmo tempo não entendia por que ele estava tão interessado em sua vida, visto que tinham acabado de se conhecer.
Na mesa, Marcos aguardava que ela voltasse para se desculpar. Ver Ângela tão zangada só aumentou seu interesse por ela. Estava ficando cada vez mais difícil para ele resistir aos encantos daquela menina. Não sabia se era o fato de estar indo embora e não vê-la mais, mas estava ligado a ela como não costumava se ligar a mulher alguma.
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