Capítulo 36
Ângela demorou a sair do carro. Nervosa, mexeu em uma coisa e outra, tentando ganhar tempo para se recompor, e finalmente saiu. Ao fechar a porta, a maçaneta saiu em sua mão.
Que ótimo, bufou, tentando encaixá-la, ainda de costas para ele.
Marcos aproveitou o momento e deu uma boa olhada nela. Sua roupa era branca porque fazia parte de seu uniforme. Seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo e ela estava bonita.
Ele sorriu enquanto a observava desistir da maçaneta e jogá-la dentro da bolsa. Ela deu a volta no carro, tocou a campainha e esperou. Logo Malu surgiu, com Vítor nos braços, e Bia, só de calcinha e com a cabeleira solta, no chão. Ângela acariciou a cabecinha da afilhada e pegou o filho de nove meses nos braços.
Malu cumprimentou Marcos à distância e entrou.
O amor pela mãe foi interrompido pelo amor pelo pai assim que Vítor o viu. Marcos sorriu amplamente para o filho e o ergueu no alto como sempre fazia.
— Oi, tudo bem? — Ângela perguntou, dando um beijo no rosto dele.
— Tudo, e você?
— Eu vou bem também.
Ela abriu o portão e ele entrou em sua nova casa pela primeira vez.
— Vou preparar um café para nós, pode ser? — ela perguntou, procurando se ocupar de alguma coisa.
— Pode.
Enquanto Marcos brincava com Vítor na garagem, jogando-o para o alto e cafungando em seu pescoço, ela o observava da janela da cozinha. Ele vestia uma camiseta polo vermelha e uma bermuda jeans clara. Estava lindo, parecia feliz, e vê-lo daquele jeito a incomodou profundamente, ainda que não quisesse admitir.
Quando percebeu que ela o estava encarando, ele fixou os olhos nela. Como sempre acontecia, ela não foi capaz de sustentar aquele olhar e disfarçou, virando-se para pegar algo que nem sabia o que era no armário.
Ângela havia comprado uma coleção de potes iguais, foscos e do mesmo tamanho. Toda vez que ela precisava de um mantimento, tinha que abrir um por um para encontrá-lo. Enquanto realizava o processo de busca pelo pó de café, distraída, nem percebeu que Marcos a observava do batente da porta.
— Sinto falta da sua comida — ele comentou, fazendo o seu coração se comprimir.
— É, imagino que a sua cozinha tenha voltado a ser inabitada. — Ela forçou um sorriso e voltou-se para ele.
— Exato.
— Ao menos agora você tem espaço para as suas bebidas.
Ele não respondeu e ela se perguntou se ele sentia a sua falta também. Claro que sente, pensou. Sempre nos demos bem, até estragarmos tudo. Em alguns momentos ela se perguntava o que teria acontecido se não tivesse partido.
Enquanto ela passava o café, eles conversaram sobre o que andavam fazendo. Por um momento, pareceu até que não haviam se distanciado tanto.
Ela terminou o café e o serviu, depois o convidou para ir à sala. Ele contou a ela sobre seus pais e ela achou fantástico que ele e o pai estivessem recomeçando o relacionamento.
— Eu estou muito feliz por você, de verdade — disse a ele.
— Obrigado!
Seus olhares se encontraram por alguns segundos.
— E o seu irmão? — ela perguntou ao se lembrar dele. — Você soube alguma coisa sobre ele?
— Sim. Na verdade, nós vamos nos conhecer nesse fim de semana — disse ele, e fez uma pausa antes de completar: — Na minha festa de despedida.
— Como assim? — ela franziu as sobrancelhas.
— Eu vou para Nova Iorque no domingo, dia 13.
Ângela sentiu o peito apertar ainda mais e, temendo a resposta, perguntou:
— Por quanto tempo?
— Indeterminado — ele respondeu sem desviar os olhos dos dela um segundo sequer. Por um longo momento ninguém disse nada. O único som que se ouvia no ambiente vinha de Vítor, que brincava entre eles no cercadinho.
— Por quê? — ela perguntou com a voz baixa, rompendo o silêncio.
— Surgiu uma boa oportunidade por lá e eu a abracei.
Assim que se recuperou do susto Ângela começou a ficar tensa. Queria discutir com ele e lhe dizer que não podia abandonar Vítor daquela forma, e estava prestes a abrir a boca quando ele pareceu ler seus pensamentos:
— Eu não vou me afastar do Vítor, Ângela, pode ficar tranquila.
— Como não, se você vai para tão longe? — ela questionou, assumindo uma posição inquisidora.
— Já ouviu falar em uma coisa chamada avião? — ele brincou, mais sério do que gostaria.
— E quantas vezes você pretende usar essa coisa chamava avião? — ela rebateu, e antes que ele dissesse qualquer coisa, continuou: — Já ouviu falar em uma coisa chamada grana? Ou então tempo? E fuso horário? Quantas horas de avião você precisa só para ir e vir, e mais as horas de carro da capital aqui? Você sabe que é complicado.
— Eu sei — disse ele, tentando não se alterar. — Prometo que a cada dois meses, pelo menos, eu venho vê-lo, mas...
— Dois meses?! — Ângela repetiu sem parar para pensar e avaliar seu comportamento. — Dois meses é muito pouco para quem quer ser um pai presente — atacou, sabendo onde o feriria. Ele ficou mais sério e franziu as sobrancelhas, bufando para não explodir com ela.
— Eu já estou ausente, Ângela. Infelizmente a nossa realidade é essa e temos que lidar com ela. Você está aqui, refazendo a sua vida, e eu preciso refazer a minha.
Ela quis entender o que aquilo significava. Ele estava jogando nas entrelinhas que tinha tanto direito de sumir quanto ela? Mas que escolha ela tivera a não ser recomeçar depois de descobrir que ele não a amava?
Seus olhos diziam muito, mas ela não conseguia decifrar suas mensagens. Havia alguma coisa nele que ia contra todas as suas atitudes.
— Preciso ir, ainda tenho muita coisa para resolver — disse ele.
Ângela se levantou e o encarou com sua feição mais zangada.
— Você não pode estar falando sério. Não pode se mudar pra tão longe assim, sem mais nem menos! — disparou, incapaz de se conter.
Marcos se aproximou e a segurou pelos braços com firmeza, fazendo-a olhar para ele.
— Por que eu não posso, Ângela? Diga! Me dê um bom motivo para ficar!
— Seu filho! — ela respondeu exasperada.
— Você quis assim, não se lembra? Eu não escolhi esta situação, você sim. Não vou ficar à sua disposição. Amo o meu filho e farei o possível para estar perto dele o maior tempo possível, mas não deixarei minha vida de lado só por que você quer.
— Claro que não! — ela afirmou com a voz carregada de sarcasmo. — Eu deixei minha vida de lado por você, não se lembra? Eu fiquei à sua disposição! — acusou.
— Até o momento em que descobriu que amava outro — ele respondeu com um tom amargo. — Você tem o direito de ficar com quem quiser e de fazer o que bem entender, mas não tem o direito de me cobrar nada.
Ângela arqueou as sobrancelhas, tentando entender o que aquilo significava. Durante o minuto seguinte eles apenas se olharam, próximos demais. Então Marcos a soltou, respirou fundo, e se voltou para Vítor.
— Até logo, meu filho. Logo o papai volta para te ver. — Ele beijou a cabeça do filho sorridente, que lhe estendeu um dos seus brinquedos, e sorriu tristemente. — Eu te amo!
No instante seguinte, já de pé, ele olhou para ela.
— Adeus, Ângela!
Ela não respondeu. Ele partiu e ela permaneceu lá, parada, tentando entender o que havia acabado de acontecer.
Quantas vezes um coração pode se partir e ainda assim continuar a bater?
***
Marcos chegou aborrecido em seu apartamento. Melinda o estava ajudando a organizar suas coisas e reclamou por ele não tê-la levado junto para ver o neto.
— Você não perdeu nada! — ele disse emburrado.
— O que aconteceu? — ela quis saber.
— A idiota da mãe dele me encheu de acusações quando eu disse que vou me mudar.
— O que ela disse?
Marcos contou à mãe a discussão que tivera com Ângela a respeito da mudança e ela ouviu tudo calada, controlando o desejo de se manifestar a respeito.
No sábado, Ângela chegou das compras do supermercado e se deparou com a "ex-quase-sogra" em frente à sua casa. Elas entraram, e enquanto ela tirava as sacolas do carro, Melinda matava a saudade do neto.
— Sinto falta dele — ela comentou quando Ângela se sentou a seu lado.
— Eu sei — Ângela afirmou chateada e Melinda a olhou com a mesma intensidade assustadora que ela tantas vezes vira nos olhos de Marcos.
— Por que você veio embora, Ângela? — ela perguntou diretamente.
— Porque eu precisava refazer minha vida — Ângela respondeu, sem firmeza.
— Mentira, você fugiu.
— Do que você está falando?
— Eu vi vocês. Sei que passaram a noite juntos, e que no mesmo dia que o Marcos voltou de viagem você veio embora. O que aconteceu?
— Eu não tive escolha — disse Ângela, incapaz de mentir para a avó do seu filho, a quem havia aprendido a respeitar.
— Sempre há uma escolha — rebateu Melinda.
— Mas, no meu caso, a escolha seria amar alguém que não me amava de volta.
— Mas ele amava! E ainda ama.
A garganta de Ângela se fechou ao ouvir tais palavras, porque no fundo, desejava que fosse verdade.
— Ele me rejeitou — respondeu com pesar.
— Eu não sei o que aconteceu. O que eu sei é que vocês são dois idiotas cabeças-duras. Nada é por acaso. Vocês sempre se amaram e fizeram maravilhas na vida um do outro durante o tempo em que estiveram juntos.
— É verdade. Marcos fez muito por mim e sei que eu também fiz por ele. Fomos grandes amigos e, se eu pudesse escolher, não teria me apaixonado e estragado tudo.
— Quando não há sentimentos envolvidos, tudo é mais fácil. Vocês não escolheram o amor, foi ele quem escolheu vocês. Ele criou as situações necessárias para que se aproximassem e se conhecessem. E enquanto continuarem fugindo do que sentem, serão infelizes.
Ângela sentiu os olhos arderem de lágrimas. Melinda segurou em sua mão e continuou:
— Eu vim aqui hoje não só como a mãe do Marcos, mas como a sua também. Eu amo você, filha, por tudo o que fez pelo meu filho, e por toda a minha família. Tudo o que eu desejo é que vocês três sejam felizes, juntos como deve ser.
— Obrigada, Melinda, de coração — disse Ângela, com a voz embargada. — O que você disse é lindo, mas eu não sei se meu coração aguenta uma nova rejeição.
— E você vai aguentar ver o homem que ama desaparecer? Vai simplesmente deixá-lo ir?
Melinda foi embora e deixou Ângela refletindo. Ela queria muito ser corajosa, enfrentar os seus bloqueios e dizer o que sentia sem medo. Pelo menos uma vez na vida, queria seguir seu coração, mesmo sabendo que iria se machucar. Mas não era tão simples.
Incapaz de ficar em casa, onde o ar se tornara escasso, ela pegou o filho, entrou no Fusca, e saiu para dar uma volta sem destino. Quando se deu conta, estava em Guaratinguetá, na Avenida João Pessoa, próxima à rotatória do Ícaro. Naquele momento ela pensou no começo de sua história com Marcos, e em como fugira tantas vezes do que sentia por ele, ao longo daqueles anos. Ela parou o carro, desceu, e contemplou a estátua imponente banhada pelo sol. As lágrimas começaram a cair conforme se lembrava...
Eu sinceramente não entendo por que o Ícaro desobedeceu uma regra tão simples, sabendo que iria se machucar, havia dito.
— Vou te dizer o porquê, ele respondera. — Porque o sol era tão maravilhoso que ele não pôde se conter. Ele tentou, mas não resistiu ao poder do sol sobre ele".
Algum tempo depois ela entrou no carro, fez o retorno, e ao passar novamente pela estátua, a contemplou pelo retrovisor e disse:
—Me deseje sorte, porque hoje eu serei você...
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Ai que tudo!
Enquanto eu posto, vou relendo e me emocionando novamente!
Definitivamente tem algo errado, porque é visível que esses dois se amam.
O que a Ângela irá fazer agora?
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