Capítulo 35
Por volta de 1 da manhã, Ângela chegou de taxi à casa de Malu. A dor havia se tornado insuportável, de forma que não conseguira esperar o dia amanhecer. Também não esperara que Marcos voltasse para se despedir, porque não podia olhar novamente para o homem que havia partido, de forma fria e cruel, o seu coração. Talvez ele até sentisse algo por ela, como diziam os seus olhos, mas amando-o como o amava, não podia mais conviver com ele sabendo que nunca o teria. Era melhor encarar a realidade, seguir em frente e, quando chegasse a hora, se dedicar a um homem que merecesse o seu amor. Mesmo sabendo que jamais amaria alguém como o amava.
Os dias se passaram. Quando Marcos ligava, Malu atendia. E quando ele ia visitar o filho, Ângela desaparecia até que ele já tivesse ido embora.
No fim do ano a família da amiga viajou para a praia. Ângela se recusou a ir e ficou sozinha com o filho.
No Ano Novo, de vestido branco, ela olhava para os fogos de artifício com o filho no colo. Vítor observava o céu colorido, completamente hipnotizado. Vez ou outra ele dava um gritinho e abraçava a mãe, ao que ela lhe sorria.
Naquele momento, Ângela começou a sua avaliação anual, a última delas:
Começara o ano se relacionando melhor com o pai e procurando mudar suas atitudes. Logo nos primeiros dias do ano, descobrira a sua gravidez e ficou apavorada. Passado o susto, começou a desejar o filho e deu uma grande alegria para Francisco, quando ele soube que seria avô e, mais tarde, quando conheceu o neto e soube que ele seria um menino. Perdera o pai, e com a morte dele caiu em depressão. Naquele momento, contou a Marcos que ele seria pai, e pouco depois se mudou com ele para São Paulo. Lá, se recuperou de seu estado depressivo, teve seu lindo filho, se apaixonou pelo pai dele e o perdeu. Agora se sentia uma estrangeira em sua terra natal, pois seu coração havia ficado na cidade grande.
Aquele fora o último dos seus cinco anos. Se ela levasse ao pé da letra, a data correta seria maio, época em que conhecera Marcos e ouvira dele a pergunta que originara toda aquela jornada. Mas como estava na virada do ano, e sem acreditar que as coisas fossem mudar, dava seu prazo por encerrado.
Apesar de todas as dificuldades que vivera, e de todas as lágrimas que derramara ao longo daqueles anos, Ângela sentia-se como havia desejado no início: uma vitoriosa. Isso porque amara e fora amada, trabalhara muito, aprendera várias lições, conhecera um mundo novo, e o mais importante, tivera um filho lindo. Ele era o maior bônus daqueles anos. Ele era a mão que a seguraria quando caísse. E por ele, se levantaria quantas vezes fosse preciso. O que o destino lhe reservava dali em diante, ela não sabia. Tudo o que desejava era ser feliz.
***
Em janeiro de 2012, Ângela e Malu conversaram sobre seu recomeço:
— Você tem certeza que acabou tudo entre vocês? — Malu perguntou, sabendo que era inútil ter esperanças. Já havia visto Ângela se fechar muitas vezes, mas nunca como aquela. Ela se recusava a falar sobre o assunto, guardava tudo para si mesma.
— Tenho. — Ângela desviou os olhos. Malu refletiu e achou melhor não fazê-la repetir a história. Havia alguma coisa nela que não batia, só não sabia o que era.
— E você tem certeza de que não quer voltar para sua casa? Minha irmã pode desocupá-la para você.
— Não, Malu. A casa está bem cuidada e é isso que importa. Além disso, eu passei muitas coisas lá, boas e ruins, que fazem parte de um tempo que já passou. Sinto que voltar seria como andar para trás, e neste momento eu preciso muito andar para a frente.
— Eu te entendo, amiga, mas não precisa sair daqui. Você pode ficar com a gente.
— Obrigada, mas eu não quero. Enquanto estou aqui, parece que espero por um milagre que não vai acontecer. Preciso voltar a viver no mundo real, e do meu canto para recomeçar.
— Você vai voltar para o jornal?
— Ainda não sei. Eu tenho o Vítor agora, preciso dar prioridade a ele. Acho que vou procurar algo mais simples, que ocupe menos o meu tempo, pelo menos até ele crescer um pouco.
Malu assentiu e se dispôs a ajudá-la a encontrar um lugar para ela e o filho. Não demorou e apareceu uma casinha em frente à sua que considerou perfeita. Recém-construída, ela tinha três cômodos, uma pequena área de serviço e uma garagem. Ângela a alugou, comprou móveis novos e guardou o Fusca, seu antigo companheiro de correria. Alguns dias depois, conseguiu um emprego de meio período como recepcionista em um consultório dentário, e começou a reorganizar a vida.
Quando ela não estava trabalhando, ficava com o filho, a amiga e a afilhada. Com o passar do tempo começou a se sentir melhor, mesmo assim, frequentemente ainda chorava pensando em Marcos. Seu amor por ele permanecia inalterado.
Em São Paulo, Marcos andava mais sério e calado. No apartamento, os quartos de Vitor e Ângela permaneciam trancados. Melinda não se conformava com a partida da nora, e apesar de estar com raiva dela, sempre questionava o filho sobre o que havia acontecido. Ele não entrava em detalhes.
Certa noite, em abril, ele chegou em casa e se deparou com um homem alto e bem-vestido em sua sala. Ele tinha cerca de sessenta anos, cabelos acinzentados, e a pele morena como a sua. Melinda estava ao lado dele.
— O que ele está fazendo aqui? — perguntou a ela, ignorando o homem por completo.
— Eu vim te ver — respondeu Felipe Andrade. — Você já não é mais um garoto, filho, precisa parar de me evitar.
— Obrigado, mas não tenho a menor intenção de fazer isso — Marcos rebateu e lançou um olhar duro para a mãe, sentindo-se traído.
— Seu pai está aqui porque eu pedi — Melinda explicou. —Precisávamos ter essa conversa com você porque estamos preocupados.
— E desde quando ele se preocupa comigo? E desde quando a senhora se preocupa com ele?
— Desde que nós voltamos — ela respondeu com um ar culpado, porém, firme.
— Vocês o quê? — Marcos perguntou incrédulo. — Só pode ser brincadeira. Você o perdoou depois de tudo o que ele fez?
— Perdoei meu filho, e sabe por quê?
Marcos deu de ombros, indignado.
— Porque eu o amo — ela confessou —, sempre amei... Ele errou comigo, mas eu também errei com ele. Em um relacionamento, nunca existe um só culpado e um só inocente, todos temos dos dois.
— Mas foi ele que nos deixou; que te sacaneou e arrumou outra família.
Felipe não disse nada para repreender o filho. Não o culpava por todo aquele ressentimento e esperava o momento certo de falar.
— É verdade, seu pai errou muito e me magoou, mas eu também errei — afirmou Melinda. — Eu estava sempre ocupada demais para ele e nem tentei salvar nosso casamento antes que ele afundasse de vez. Nós dois éramos jovens e estúpidos, feito você e a Ângela — ela fez questão de acrescentar, e ele apertou os olhos. — Não lutamos pelo nosso amor e tivemos que sofrer as consequências dos nossos atos. Eu sou a culpada por você ter se fechado tanto. Eu fui orgulhosa, egoísta, e fiz bem o papel de vítima.
— Você foi a vítima! — ele retrucou.
— Da minha própria arrogância. Eu me achava perfeita demais para dar o braço a torcer e lutar pelo homem que amava.
Marcos sacudiu a cabeça, sem acreditar que aquela mulher fosse mesmo a sua mãe.
— Eu vou embora para que vocês possam conversar — ela anunciou pegando a bolsa. — Já é hora de acabar com essa rixa. — Sem dizer mais nada ela saiu e os deixou sozinhos.
Marcos olhou para o pai. Apesar do cabelo grisalho e das rugas, a semelhança entre os dois era assustadora. O formato do rosto era forte e quadrado, os olhos grandes e escuros, e as sobrancelhas, espessas e marcantes. Felipe usava um terno escuro de bom corte, tinha o porte ereto e, apesar de estar alguns quilinhos acima do peso, parecia muito bem.
Antes de começar aquela conversa, Marcos decidiu que precisava molhar a garganta e abriu a geladeira, agora repleta de bebidas. Ele pegou uma cerveja long neck, a abriu, e se sentou em sua poltrona sem oferecer nada ao pai.
— Você sempre gostou dessa poltrona, desde pequeno — Felipe comentou, sentando-se no sofá. Marcos deu de ombros.
— O que você quer? — perguntou rispidamente após tomar o primeiro gole de sua cerveja.
— O seu perdão.
— É fácil falar em perdão quando você não é a parte prejudicada.
— Eu sei disso, meu filho — disse Felipe, e as palavras machucaram o peito orgulhoso de Marcos. — Você sempre foi um bom garoto e eu errei muito com você. Mas quero que saiba que eu nunca deixei de me importar, e nem deixei de te amar durante todos esses anos.
Marcos revirou os olhos, pensando em quanto tempo aquela lenga-lenga iria durar.
— Fiquei muito feliz quando soube que você seria pai — Felipe comentou. — Foi aí que eu e a sua mãe nos reaproximamos. Conheci o seu filho uma noite na casa dela e o achei lindo.
A garganta de Marcos se fechou com o comentário. A única vez em que Vítor havia ficado sozinho na casa de Melinda fora quando teve o encontro com Ângela. Ele ficou abalado com a lembrança, e novamente se sentiu traído pela mãe.
— É verdade, eu sou pai — ele disse com amargura, desviando os olhos para a garrafa. — Mas, ao contrário de você, pretendo ser um bom pai para o meu filho.
— Claro que pretende — afirmou Felipe com sarcasmo, fazendo Marcos olhar para ele. — O problema é que você pode ter as melhores intenções do mundo, mas há muita coisa envolvida quando o assunto é filho. Por exemplo: Pode ser que a mãe dele o jogue contra você como a sua mãe fez comigo, pode ser que Vítor cresça com um pai adotivo que entenda melhor as suas escolhas e com quem se identifique mais... Enfim, pode haver muita coisa que atrapalhe o seu relacionamento com ele. Eu fui estúpido, cometi muitos erros, mas ao contrário do que pensa, nunca tive outra família. Assim que descobri que tinha engravidado a Samantha, fiz de tudo para apoiá-la, mas nunca mais estive com ela. Foi um caso momentâneo inspirado pela minha burrice e ciúmes da sua mãe, e eu mantive tudo em segredo até onde pude porque a amava. Você é um homem agora e eu tenho certeza que consegue me entender.
Marcos se lembrou das palavras de Ângela quando lhe disse que, adulto, ele tinha maior capacidade de discernimento para entender o que se passara, mas mesmo assim se recusou a dar o braço a torcer.
— Não pai, eu não te entendo. Se você amava a minha mãe, como pode traí-la tão descaradamente com a secretária e ter um filho com ela?
— Porque eu era fraco e vivia com medo de perdê-la. Sua mãe era linda, social, e todos a desejavam. Ela não se deixava controlar por mim e eu fiquei apavorado. Comecei a traí-la para me sentir melhor comigo mesmo e para me sentir mais homem. Eu fui um idiota.
— Foi mesmo.
— E você está se saindo igual a mim — ele afirmou, e Marcos franziu as sobrancelhas.
— O quê?
— Eu não dei valor à minha família, e você está abrindo mão da sua.
— Você não sabe nada sobre a minha vida — Marcos se defendeu.
— Eu sei o bastante. Sei que você gosta muito dessa garota, senão não a teria trazido para cá. Sei que você adora o seu filho, e sei que não deveria tê-los deixado partir.
— Eu não podia prendê-los aqui.
— Você podia mostrar a ela o que sente ao invés de fugir como eu.
— Ela gosta de outro — Marcos afirmou, aborrecido.
— Você tem certeza disso? Porque a sua mãe me disse que ela gosta de você, e mulher sabe dessas coisas. Você não pode obrigá-la a te amar, mas se estiver errado, pode estar jogando fora a chance de ser feliz, exatamente como eu. O problema é que nem sempre a vida nos dá uma segunda chance. Eu ficarei muito feliz se tiver a minha.
— Você já teve, a minha mãe te aceitou de volta — Marcos afirmou com ligeira aversão.
— Graças a Deus! — disse Felipe. — Mas eu me refiro a você. Será que eu posso contar com uma nova chance? Porque estou adorando ser avô.
Marcos reprimiu um sorriso e disse:
— Talvez.
Felipe se levantou e bateu no ombro dele.
— Eu te amo, filho.
— Eu sei...
Felipe deu as costas e ia saindo quando parou e se virou.
— A propósito, parabéns por Nova Iorque. Soube que vai para lá.
— Mês que vem — Marcos confirmou.
— Vai ser bom para a sua carreira.
— É verdade.
— O problema é que se isso for uma fuga, você estará cometendo o mesmo erro que eu...
Marcos abriu a boca, mas não disse nada. A viagem mencionada pelo pai tratava-se de uma promoção. Ele iria para Nova Iorque, onde seria responsável por um novo departamento internacional de notícias do grupo RSS.
***
No início de maio, Ângela tocou a campainha da amiga. Passava das seis e meia.
— Você demorou hoje. Eu já estava ficando preocupada — disse Malu.
— Me desculpe. Eu estava com o Eduardo, e acabei não vendo a hora passar.
— Hum... E como vai o homem dos sonhos? — perguntou Malu, estudando a amiga.
— Continua um sonho — Ângela respondeu com um sorriso, e virou-se para o filho.
— Como está essa coisa mais linda da mamãe? — perguntou a ele, lhe fazendo cócegas. Vítor riu.
— Ângela? — chamou Malu. — Preciso te contar uma coisa.
Ângela parou de morder a barriga do filho e olhou para Malu.
— O que foi? — indagou.
— Marcos ligou.
— Ah, é? O que ele disse? — perguntou, tentando não parecer ansiosa.
— Ele quer ver você.
— Sério?
— Sim. Ele vem amanhã.
O que será que ele quer comigo, imaginou, com o coração acelerado. Desde que partira, há quase cinco meses, eles nunca mais haviam se visto. Aquela seria a primeira vez.
Nodia seguinte ela desceu a rua com o Fusca e o encontrou à sua espera, encostadoao seu carro com os braços cruzados sobre o peito. Não fazia ideia do por queele estava ali, mas só de olhar para ele, sentia que aquela conversa seria umagrande tortura...
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Dois corações foram partidos nessa história, mas parece ainda haver uma chance de esse casal "prêmio casal cabeça-dura do ano" se entender.
Faltam pouquíssimos capítulos, pessoal. Eu já estou com saudades!!!
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