Capítulo 33
Ângela manteve a mão na maçaneta e Marcos manteve as suas ao lado do corpo, num último momento de hesitação. Havia muita coisa em jogo e eles ainda temiam estragar tudo. Suas mentes lhes diziam para saírem dali e se afastarem, enquanto seus corpos permaneciam imóveis, pesados como chumbo e atraídos como ímãs.
Antes de se tocarem eles já estavam se amando, pois seus corpos, almas e corações pertenciam um ao outro. Sem dizer nenhuma palavra eles avançaram um passo e se uniram em um beijo tão intenso que quase os desequilibrou.
Para Marcos, foi como estar no céu. Sempre havia desejado Ângela como a nenhuma outra mulher e tinha passado maus bocados nos últimos meses quando esse desejo ficava evidente. Havia bloqueado a impressão que tinha de que ela o desejava também, e ainda não estava certo se ela havia esquecido o ex. Talvez, no fim das contas, nem ela mesma soubesse, pensava, assim como ele não sabia o tamanho da extensão de seus sentimentos por ela. Ângela era sua melhor amiga, mas ele sentia que era muito mais. Mesmo tocando-a e sentindo seus lábios, que tantas vezes havia esquadrinhado milimetricamente com os olhos enquanto ela dormia, falava ou sorria, sentia-se insaciável dela. Sabia que mesmo depois de amá-la ainda continuaria com aquele aperto no peito, desejando abraça-la e não soltá-la nunca mais.
Para Ângela, aquele beijo foi capaz de clarear anos de sua vida. No momento em que ele tocou seus lábios ela soube que o amava, e que nunca havia amado Eduardo da mesma forma. O que havia sentido por seu ex talvez pudesse ter se desenvolvido e evoluído ao longo dos anos se desde o início ela não tivesse sido tão resistente, como nunca conseguiu ser com ele. Bastou sentir o beijo dele para descobrir que sempre o amara. O amou quando decidiu que não era prático continuar pensando nele após terem se aproximado pela primeira vez, quando decidiu esquecer a noite que passaram juntos e quando se negou a procurá-lo para contar sobre a gravidez, por medo de que ele viesse a fazer algo que a obrigasse a odiá-lo. Amou-o quando ele a beijou naquela festa, e chegou a odiar aquele beijo por ter lhe dado uma amostra de como seria perdê-lo. Todas aquelas justificativas e decisões para mantê-lo a certa distância, ela sabia agora, eram por medo de perdê-lo. Desde o início ele havia dito que não queria se envolver e que se afastaria caso acontecesse. Ela jogou o jogo dele para que estivessem sempre juntos, para que sempre tivessem algo importante. E por todos aqueles anos acreditou estar fazendo aquilo por si mesma. Claro que ela era bloqueada, claro que tinha um medo terrível de amar alguém e perdê-lo como havia perdido os pais, mas alguma vez havia conseguido resistir a ele? A resposta era não.
Mais lágrimas caíram pelo rosto dela. Ao senti-las, Marcos se afastou para olhá-la, segurando seu rosto entre as mãos.
— O que... Você não me quer? — perguntou dolorosamente, dando a ela a chance de recuar e tentar manter as coisas no lugar.
— Eu... quero — ela respondeu, e ele a beijou novamente.
Como eu posso repelir o homem que amo com todo o meu coração?, pensou Ângela. Ela sabia que deveria impedi-lo e sabia que no outro dia provavelmente ele iria se afastar, mas naquele momento decidiu que não se importava.
Marcos a pegou nos braços, e sem parar de beijá-la a levou para a cama, onde eles se amaram com paixão, e ao mesmo tempo doçura.
Palavras que ele nunca havia dito a ninguém brotavam de sua boca. Tudo em Ângela lhe inspirava coisas boas, e a expressão "eu te amo" quase lhe escapou. Por sorte ele se conteve e ocupou os lábios beijando-a longamente. Já era difícil estar rendido àquela paixão. Eles não haviam conversado sobre seus sentimentos, estavam confusos, e somente depois, com calma, poderiam falar a respeito e decidir o que fazer.
Ângela colocou o medo de lado e se deixou envolver. Ainda não podia acreditar no que estava acontecendo, nem no que tinha acabado de descobrir a respeito de si mesma e de seus sentimentos por ele. Naquele momento, só conseguia pensar em três coisas: Marcos era o pai do seu filho, ela o amava e eles estavam fazendo amor. Queria dizer a ele o que sentia, mas ainda não podia. Talvez houvesse uma chance para eles, talvez ele a amasse também e desistisse daquele plano idiota, talvez ela o curasse como ele a tinha curado.
Após se amarem, eles ficaram abraçados em silêncio. Havia muito a dizer das duas partes, mas ninguém conseguia falar nada.
Ângela se virou de costas. Não podia olhar nos olhos dele porque temia que o sentimento que vira neles tivesse desaparecido. Ele passou o braço em torno dela e ela o acariciou, desejando ser capaz de controlar as palavras que queriam denunciá-la. Por mais que tivesse certeza do que sentia, não podia dizer ainda, precisava ser cautelosa. Só de pensar nele se afastando de sua vida, sentiu lágrimas nos olhos e inconscientemente o apertou mais forte.
Marcos tentava articular algo para dizer. Queria que Ângela soubesse como ele se sentia, porém, no momento, nem ele mesmo sabia.
No dia seguinte ele viajaria para o Amazonas e achou aquilo uma benção, porque poderia ficar um tempo sozinho e avaliar seus sentimentos. Precisava muito daquele espaço, pois sabia que já não podia ignorar o que sentia por ela. Teria que repensar sua vida e entender bem o que queria antes de chamá-la para uma conversa. Não era fácil virar outra pessoa, acordar e perceber que havia mudado de tal forma que não tinha volta. Ele ainda pensava mal do casamento, embora a ideia de tê-la todos os dias em sua cama, e em sua vida, sabendo que ela seria somente sua, fosse tentadora. Também com isso resolveria o problema de Vítor ser criado por outra pessoa, que poderia ser um homem ciumento que os afastaria dele. A simples imagem de outro homem criando seu filho o fez estremecer, principalmente porque veio acompanhada do rosto de Eduardo — o homem perfeito! Sentia ciúmes dele antes mesmo de conhecê-lo, e agora sabia que não era apenas por Vítor.
Pensar em Eduardo fez seu instinto machista aflorar, e sem dizer nada ele virou o rosto dela e a beijou possessivamente.
— Está tudo bem? — Ângela perguntou quando teve a chance, vendo a expressão sombria que havia se instalado nos olhos dele.
— Está — Marcos respondeu seco.
— Por que você está carrancudo? No que está pensando?
— Em nada — ele respondeu embaraçado, suavizando o rosto. Como poderia ficar irritado com aqueles lindos olhos lhe sorrindo?
Ângela se apoiou nos cotovelos para encará-lo. Foi a sua vez de fechar a cara, e com mais firmeza que ele.
— O que foi? — Marcos perguntou acuado.
— Se você me ignorar novamente, eu te mato!
— Eu não vou — ele afirmou acariciando as costas dela.
— Eu acho bom — ela disse com aquela cara de moleca que ele tanto amava, e sorriu ao ser novamente envolvida em seus braços.
***
Ao contrário de Ângela, Marcos custou a pegar no sono e ficou pensando no que havia mudado — não tão depressa como parecia — entre eles. Ela dormia a seu lado com um semblante feliz e estava mais linda do que nunca, com os cabelos espalhados pelo travesseiro. Ele se aproximou um pouco mais até sentir o hálito quente e doce dela no rosto. Como eu posso ignorá-la? É impossível, pensou com certa angústia, apreciando aquele raro momento em que não precisava fingir indiferença nem disfarçar o que seu coração sentia.
Vítor acordou Melinda antes das 6 da manhã. Ela o alimentou e o distraiu por algum tempo, até que ele começou a chorar. Apesar de ter combinado com o filho de levá-lo às 11 horas, antes das 8 horas já estava saindo de casa.
Enquanto dirigia, ela pensava nas voltas que a vida dá. Muitas coisas estavam acontecendo, coisas boas e libertadoras, que infelizmente ainda não podia compartilhar com o filho. Marcos estava trilhando um bom caminho, mas ele ainda era muito fechado a certos assuntos e precisava de um tempo, ou de um empurrão, para se abrir.
Ao chegar ao apartamento, ela esperava encontrá-lo em casa e ficou desanimada quando viu sua cama arrumada e vazia. Ele não havia mencionado que viajaria tão cedo.
— Você vai ficar aqui na sala um pouquinho enquanto eu vou acordar sua mamãe — disse ao neto, ligando a TV em um desenho animado e ajeitando o carrinho dele em frente a ela. Caminhou sorrateiramente até o quarto de Ângela para acordá-la, e qual foi sua surpresa quando abriu a porta e encontrou os dois dormindo juntos, como um verdadeiro casal. Ela sorriu, fechou novamente a porta e marchou de volta para a sala, pensando que talvez agora fosse mais fácil para o filho assimilar o que tinha a lhe dizer. Chegando lá, beijou o neto e tocou na mãozinha dele.
— Eu sabia — disse a ele. — Sabia que isso ia acabar acontecendo!
Vítor riu para a avó como se entendesse o que ela estava dizendo, mas na verdade só estava achando graça em sua feição entusiasmada.
Marcos abriu os olhos e constatou que não estava sonhando. Havia mesmo passado a noite com Ângela.
Lentamente ele tirou a mão que a abraçava e se virou para encarar o teto. O que fazer sobre aquilo era o que se perguntava. Sob a luz do dia tudo parecia mais assustador. Ele queria ver o sorriso dela para encontrar um estímulo de coragem, mas ao mesmo tempo preferia não ter de encarar seus olhos até colocar os pensamentos em ordem.
Já da porta, parcialmente vestido, ele parou e olhou para o rosto dela. Ângela dormia serena, como uma mulher amada. Ele sorriu e lentamente saiu do quarto.
O barulho vindo da sala indicava que Melinda havia chegado. Marcos entrou no banheiro, tomou um bom banho e se enrolou em um roupão. Ao entrar no quarto se deparou com a mãe.
— Bom-dia, meu filho. Você dormiu bem? — ela perguntou de forma insinuante, alteando uma sobrancelha.
— Bom-dia — ele respondeu carrancudo. Estava na cara que ela sabia o que havia acontecido.
— Como foi a sua noite? — ela insistiu, divertindo-se à custa dele.
— Pode parar, mãe! — exigiu.
— Eu só quero saber como vai ser daqui para frente, se vocês ficarão juntos de vez ou se continuarão com a enrolação.
— Eu não sei. — Ele ergueu os ombros e Melinda viu nos olhos dele o quanto estava confuso quanto aos próprios sentimentos.
Marcos queria dar o fora dali o mais rápido possível. Começava a pegar suas roupas quando ela o abraçou por trás. Aquilo foi um inferno para ele, pois derrubou de vez sua dignidade.
— Meu amor, não é errado se apaixonar, ainda mais pela mãe do seu filho.
— Será que não? — ele perguntou com um suspiro cansado. — Será que não acabaremos como você e o papai, como dois estranhos?
— As coisas não são tão simples, meu filho, as pessoas erram.
— E como eu vou saber que não vou errar com ela?
— Você não vai errar porque se preocupa. Ao contrário da grande maioria, você não se joga de cabeça. Você pensa antes e é exatamente isso que o torna especial. Seu problema é que, às vezes, acaba pensando demais. Se jogar também é bom.
— Mesmo se eu cair?
— Os tombos são necessários, filho. Eu tive que cair muito para aprender, e ainda estou caindo. Se você for menos cabeça-dura que a sua mãe, cairá menos e se levantará com mais facilidade.
Marcos se virou e abraçou a mãe, depois se arrumou enquanto ela tomava conta de Vítor e os encontrou na sala, constatando satisfeito que Ângela ainda dormia.
Vítor chorou assim que viu o pai e estendeu os bracinhos para ele. Marcos o pegou no colo e ele levou as mãos a seu rosto, com os olhos tão brilhantes quanto os de sua mãe. Era inacreditável a semelhança entre eles. Vítor se parecia mais com Ângela, e olhando-o de frente, podia vê-la nele.
Marcos abraçou e beijou o filho, depois o entregou a Melinda. Vítor chorou e ele percebeu que se não saísse logo teria de encarar Ângela a qualquer momento, e não estava preparado. Ele os deixou e saiu. Sete dias era tempo suficiente para pensar em tudo.
Ângela acordou e constatou que não era um sonho. Havia passado a noite com Marcos e descoberto que o amava. Era muita coisa para assimilar de uma hora para a outra. Ela se virou cautelosamente e notou, com certa angústia, que ele já não estava lá. Olhando o relógio, percebeu que já eram quase 9 horas. O avião dele partiria às 10, o que significava que ele havia saído sem se despedir.
Seu coração se apertou. E se a noite anterior não tivesse significado tanto para ele quanto para ela? Aparentemente havia sentimento nos olhos dele, mas será que não era ela que estava fantasiando? Em nenhum momento ele havia lhe dito ou dado a entender que a amava. Poderia, então, decifrar os sentimentos dele apenas pelo olhar?
Pare de ser patética, ela ordenou a si mesma, obrigando-se a ser adulta e otimista. Foi para o banheiro, abriu o chuveiro e entrou na água, sorrindo ao se lembrar da noite anterior. Nunca havia permitido que ninguém se aproximasse de seu coração, mas Marcos a tinha libertado sem que percebesse. Queria muito dizer que o amava, mas só o faria quando tivesse certeza sobre os sentimentos dele. Antes de se declarar precisava saber se havia chegado tão fundo ao coração dele quanto ele chegar ao seu.
Vinte minutos depois ela encontrou Melinda com Vítor na sala. — Faz tempo que você está aqui? — perguntou para a sogra, que a estudou atentamente.
— Um tempinho — respondeu Melinda. — Marcos já foi.
— Ah, e... você se encontrou com ele? — Ângela perguntou, tentando parecer casual. Ela fingia muito mal e Melinda reprimiu um sorriso.
— Sim, quando eu cheguei ele estava no banho — Melinda respondeu. Ângela tentou disfarçar seu desapontamento por não encontrá-lo, embora também estivesse aliviada. Ela não sabia o que fazer ou como agir após o que havia acontecido entre eles.
Vítor olhou para a mãe e sorriu.
— Ai que saudades de você, meu amor! — Ela o pegou no colo e o apertou contra o peito. — Como você está cheiroso, que gostoso!
— Eu dei um banho nele — Melinda comentou, observando as sobrancelhas da nora se erguerem. — O que foi, acha que eu não sei dar banho em um bebê?
— Não, de você eu não duvido nada — Ângela respondeu, girando o filho no ar. Melinda riu sozinha ao ver a felicidade idiota estampada no rosto da nora e teve que se controlar para não provocá-la a respeito.
— Bom, eu acho que eu já vou. Quando vocês forem sair novamente, podem deixá-lo comigo. Vou adorar passar mais tempo com o meu neto.
— Obrigada, mas isso não deve se repetir com muita frequência.
— E por que não? Vocês dois são jovens e precisam sair para se divertir de vez em quando.
Ângela apenas meneou a cabeça, desejando que fosse verdade. No momento, tudo dependia de Marcos e, ao que parecia, ele já dava indícios de que se afastaria novamente.
Melinda fez algo extraordinário naquela manhã: despediu-se dela com um beijo. Ângela ergueu novamente as sobrancelhas e ficou encarando a sogra sem entender o motivo do carinho repentino.
Assim que se viu sozinha com o filho, saiu à procura de algum bilhete que Marcos pudesse ter lhe deixado, mas não encontrou nada. Está acontecendo de novo, pensou alarmada.
Durante aquele dia ela fez as coisas de sempre: limpou o apartamento, cuidou do filho, pintou as unhas dos pés, roeu todas as unhas das mãos de nervosismo... Os momentos de angústia eram substituídos pelos devaneios de amor quando pensava nele. De repente, Marcos estava instalado em sua cabeça de forma a ocupar quase todo o espaço que havia nela.
Vítor dormiu às 9 da noite, extremamente cedo para ele.
— Malandrinho, quer dizer que você fica um dia com a sua avó e ela te põe na linha como eu não consigo há meses? — perguntou carinhosamente ao filho adormecido em seus braços. Ela o levou para o berço e o cobriu com um edredom até a cintura. Apesar do ambiente fresco do apartamento, ele tinha gotinhas de suor na testa e nas laterais do rosto, adquiridas na última mamada.
Horas depois e Ângela ainda estava sem sono. Nada, absolutamente nada na TV, a atraía. Tentando se distrair, ela pegou seu notebook e o ligou no colo, na poltrona de Marcos. Ao abri o correio eletrônico, deparou-se com um e-mail dele e seu coração disparou. O assunto continha as palavras: "Sobre nós".
Ângela estava trêmula quando clicou e o abriu...
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E agora, gente? O que será que contém nesse e-mail?
Quem achou lindo esse capítulo bate aqui... Ou, segue o meu perfil e curta os capítulos, porque pretendo postar muitas histórias igualmente emocionante para vocês.
Estamos na reta final da história!
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