Capítulo 19
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos na mesma direção
Aonde está você agora além de aqui dentro de mim
(Vento no Litoral – Legião Urbana)
Quando Malu chegou, Ângela ainda se encontrava no mesmo lugar. Com o rosto entre as mãos, ela mantinha o olhar fixo na cama do pai. Esta já se encontrava vazia, porém, remexida, denunciando que ainda há pouco havia alguém com vida ali.
As duas se abraçaram, e, ao contrário de Malu, que já chorava com a mesma facilidade com que respirava, Ângela não conseguia verter uma lágrima sequer. A dor era insuportável. Latejava fisicamente em seu peito vazio e na garganta embolada. Ainda assim, ela não podia se entregar, pois tinha providências a tomar. Elas recolheram os pertences dela e do pai, e saíram pela madrugada fria de outono para cuidar de todos os detalhes. E por mais surreal que parecesse a situação, Ângela se esforçou ao máximo para preparar tudo com carinho, o que lhe custou muito.
A madrugada logo virou dia. Ângela decidiu que o velório do pai seria na casa dele, onde eles haviam vivido em família e sido felizes.
Quando o corpo chegou, a coisa toda ficou mais real para ela. Mesmo assim, suas emoções continuaram travadas. Francisco aparentava estar dormindo, sereno e em paz. Em seu coração ela sabia que era assim, e aquele foi um pequeno conforto em meio a tanta dor.
Logo a casa se encheu de gente. Muitos vizinhos, amigos e idosos do asilo apareceram para se despedir dele e dar-lhes os pêsames. Eles chegavam, apresentavam suas condolências e perguntavam sobre o ocorrido. Malu, sendo a boa amiga que era, coordenou tudo a fim de deixar a amiga quieta com seus pensamentos.
Ângela não saiu do lado do corpo o dia todo e ninguém, nem mesmo a amiga, conseguiu fazê-la comer. Ela olhava para o pai e sentia vontade de conversar com ele, mas não o fazia porque não conseguia imaginá-lo do outro lado, cruzando a fronteira. Dias antes eles conversavam, ele sorria e seus olhos brilhavam. Como ela podia entender que aqueles momentos não tornariam a acontecer? Toda a preparação que o pai fazia a respeito de sua morte podia até tê-lo ajudado a aceitar seu destino, mas não a ajudava em nada. Ele havia lhe dito que iria partir, mas ela não estava preparada para deixá-lo ir.
Na hora do enterro, sua dor aumentou. Naquele cemitério à encosta de um morro, que representava dor, mas que ao mesmo tempo lhe trazia paz, ela reviveu uma cena triste. Alguém colocou o caixão ao lado da sepultura e abriu a tampa para que ela se despedisse. Todos os outros se mantiveram à distância e permaneceram em silêncio.
Ângela se aproximou lentamente e pôs as mãos nas do pai. Era uma tarde calma, fresca e com céu azul, um dia bonito para celebrar a vida.
Por alguns minutos ela não disse nada. Então, tomada pela emoção que finalmente começava a se libertar, abriu a boca lentamente:
— Pai... Eu te amo! — declarou com a voz quase inaudível, e a primeira de muitas lágrimas caiu. — Nunca vou te esquecer. Pode ter certeza de que falarei do senhor todos os dias para o seu neto, para que ele saiba que o avô dele foi o melhor pai, o melhor amigo e a melhor pessoa que este mundo já teve. Vou sentir muito a sua falta e espero que Deus tenha lhe reservado um bom cantinho no céu. Um dia iremos nos encontrar novamente. Até lá, por favor, olha por mim.
Naquele momento, inundada pelas lágrimas que estiveram presas por tempo demais, ela debruçou-se sobre o corpo do pai, fazendo com que as pessoas em volta se comovessem. E após o que pareceu uma eternidade ela levantou o rosto, beijou a testa dele e tocou em suas mãos pela última vez.
— Vai com Deus pai! — despediu-se, dando um passo atrás. O caixão foi levado até o túmulo e, sob o seu olhar desolado, foi dado andamento ao enterro.
Enquanto ela observava a cena deprimente, sentiu uma mão em seu ombro. Ao se virar, notou que se tratava de Eduardo. Eles se abraçaram e ele ficou com ela até o final.
Francisco foi enterrado no mesmo túmulo de Antônia, mãe da sua filha e amor da sua vida. Quando acabou, as pessoas depositaram suas flores, despediram-se de Ângela e se dispersaram rapidamente. Malu foi para o carro e, por fim, só restaram os dois.
— Eu sinto muito, Ângela! — disse Eduardo com pesar.
— Obrigada! — ela agradeceu, mas não conseguiu sorrir.
— Eu vim assim que pude — informou ele, preocupado. Ela olhou rapidamente para ele e voltou a olhar para o túmulo.
— Muito obrigado por ter vindo — agradeceu, e distanciou-se um pouco para ajeitar algumas flores na terra recém-mexida. Ele ficou em silêncio e deu a ela o espaço necessário para que se despedisse. Após algum tempo, vendo que ela não tinha forças para sair dali, segurou em seus ombros e sugeriu que partissem. Ela assentiu e, amparada por ele, começou a caminhar. Naquele momento o céu estava pintado de um lindo tom de rosa devido ao pôr do sol. Apesar da tristeza, ela sentiu paz ao contemplar a cena.
— Você está linda! — Eduardo comentou, admirado. Fazia meses que eles não se viam e aquela era a primeira vez em que ele a via grávida.
— Obrigada. Você também parece bem.
— Eu estou — ele afirmou com um sorriso. — Então, de quanto tempo está?
— Cinco meses.
— Já?
— Sim. — Ela deu mais alguns passos e parou de repente, fazendo-o parar também e olhar para ela. — Sinto muito por eu mesma não ter te contado.
— E por que não contou? — ele desejou saber.
— Porque não consegui. Eu errei muito com você e sinto muito por isso. Não esperava que isso acontecesse comigo, mas aconteceu e eu não posso reclamar porque ele agora é tudo o que eu tenho. — Ela olhou para a barriga, e depois para os olhos dele. — Quero que saiba que eu gostaria muito de ser a pessoa que você esperava, e estava tentando ser.
Naquele momento ele percebeu que ela ainda sentia algo por ele e sentiu um frio no estômago. Não pela primeira vez, criticou a si mesmo por ter desistido dela tão fácil.
— Eu também errei com você — admitiu. — Não fiquei do seu lado como prometi que ficaria e senti ciúmes da sua relação com o seu pai. Eu sinto muito.
— Não sinta, Edu. Eu sei que não abri muito espaço na minha vida para você. Hoje eu reconheço a dificuldade que tenho em relação a isso.
Ele olhou longamente para ela e por um momento desejou poder voltar no tempo e impedir aquele término.
— Me promete que vai ficar bem! — pediu quando se despediram.
— Que escolha eu tenho? — ela respondeu com um pequeno sorriso, e então entrou no carro com Malu e elas partiram para a casa dela.
Enquanto Malu fazia o jantar, Ângela tomava banho. Quando terminou, ela olhou-se no espelho e se assustou com o tamanho de suas olheiras. Do lado de fora, Bia engatinhava de um lado para o outro e o casal discutia algo sobre marcas de fralda. E apesar das vozes deles serem reconfortantes, tudo o que ela desejava era ficar sozinha.
O ponto alto do seu dia foi quando se fechou no quarto de hóspedes e caiu na cama. Seu sonho foi pesado e vazio, sem sonhos. No dia seguinte, acordou pensando no pai, e em como faria para cumprir a promessa que fizera a ele...
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Ai ai, esse capítulo me fez chorar muuuuitas vezes. Quem chorou também, comenta comigo.
Mas a pergunta que não quer calar é a seguinte: Como será o reencontro da Ângela com o Marcos? Porque ela prometeu ao pai que iria contar ao jornalista que está esperando um filho dele. Como será que Marcos, um solteirão convicto que tem pavor de relacionamentos, irá reagir quando souber que irá se tornar pai?
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