Capítulo 13
Na quarta-feira Ângela pulou a grade do asilo pela primeira vez, sentindo-se uma delinquente e ao mesmo tempo muito bem com toda aquela adrenalina percorrendo seu corpo. Ela entregou a pizza de quatro queijos "super-calórica" para Sônia e entrou sorrateiramente para ver o pai. No futuro, tentaria induzir a senhora a comer menos calorias, mas, no momento, não queria contrariá-la e correr o risco de perder sua aliada.
Francisco estava deitado fitando a parede quando ela entrou. Ele levou um susto, e antes que dissesse qualquer coisa ela já estava sobre ele, abraçada ao seu pescoço.
— Pai, eu senti tanta saudade!
Ainda aparvalhado ele a abraçou, depois sorriu. Você é mesmo uma joia, fia, pensou.
— Eu disse que não te abandonaria — ela disse entre lágrimas. — O senhor pode até tentar, mas não vai se ver livre de mim tão cedo...
Pular o muro do asilo virou um costume que se repetia duas, três vezes na semana. Ângela passava horas lá, com o pai no quarto, e com Sônia na varanda. A senhora parecia uma garota. Sempre tinha ótimas tiradas para todo e qualquer assunto e não possuía trava na língua. Por ser autêntica e dizer o que pensava, a fazia se lembrar de Marcos. Vez ou outra, quando estava sozinha, ela ainda se pegava pensando nele e lembrando-se de quando se conheceram. Desejava saber como estava a sua vida e lamentava que eles não tivessem mantido contato.
Eduardo ficou satisfeito com a internação de Francisco porque acreditava ser o melhor para todos. Certa noite ele terminou o trabalho mais cedo e decidiu fazer uma visita surpresa para Ângela. Quando estava próximo à casa dela, a viu atravessando a avenida com o Fusca e discretamente a seguiu. Isso porque mais cedo ela havia dito que não iria sair. Quando a viu parando o Fusca do outro lado da avenida onde ficava o asilo e pulando a grade, ficou chocado.
E eu acreditei que ela ia se desligar um pouco dele e pensar mas em nós. Que idiota eu sou!
Por mais que quisesse ficar zangado com ela, no entanto, não conseguiu. Não fazia um mês que o pai que ela tanto amava havia se mudado para o asilo, era natural que ela não conseguisse se afastar dele. Só esperava que aquela situação não durasse para sempre, porque já estava cansado de ser a última das prioridades dela.
Invadir o asilo foi simples para Ângela até o segundo mês, quando Charles descobriu. Ele não era bobo e percebeu que ela estava tranquila demais e acatando bem todas as suas ordens. Nem os familiares que eram menos apegados aos seus idosos tinham tanta calma, quanto mais ela, que parecia viver para o pai. Não demorou nada para que ele somasse dois mais dois. Ele a observou conversando altamente entrosada com Sônia, que seria a garota popular e baderneira da turma se ali fosse uma escola. Depois inspecionou o muro e descobriu a falha.
Seus dias de farra estão contados, Ângela, ele pensou, divertindo-se secretamente com a situação. Essa garota é mesmo única, como diz o pai. Francisco também teria o dele por deixar que a filha infringisse as regras do asilo tão descaradamente, e Sônia também. Charles se preparava para pegar a jovem em flagrante quando ela estragou tudo.
Um dia ela estava exausta e acabou se deitando na cama do pai, que lhe cobriu e foi para a sala. Ele dormiu no sofá e ela apagou em sua cama. Charles chegou pela manhã e os viu. Ao ser acordada pelo diretor carrancudo, Ângela ficou acuada como um animal encurralado por seu predador. Ele brigou com ela e a proibiu de ver o pai por duas semanas. Depois disse que se a pegasse novamente iria denunciá-la à polícia e ela dormiria na cadeia. A mesma punição aplicada a ela valeu para Francisco, afinal, teria que ficar semanas sem ver a filha. Quanto à Sônia, ela teve o quarto vasculhado, perdeu a chave extra que havia conseguido subornando algum funcionário, e também suas mordomias. A grade do muro foi consertada imediatamente e uma cerca elétrica foi instalada acima dele.
Quando pôde ver o pai novamente, Ângela o achou muito abatido.
Sônia arrumou outra chave e a jovem, outro jeito de pular o muro, desativando a cerca elétrica recém-instalada com a ajuda do segurança. Ela estava se aperfeiçoando, virando quase uma profissional. Com mais cuidado, elas continuaram a fazer a mesma coisa de antes, esperando apenas pelo dia em que ela dormiria na cadeia. Se Charles tinha dito, ele iria fazer, e Sônia a fez prometer que iria tirar fotos do xilindró para lhe mostrar.
Francisco não parecia bem. Ultimamente ele andava mais sério e distraído, e por mais que a filha insistisse, ele não falava a respeito. Ela tinha certeza de que alguma coisa estava acontecendo com ele, e naquela etapa mal se lembrava de que tinha um noivo.
No início de maio nasceu a pequena Beatriz Rangel, apelidada de Bia. Ângela foi ao hospital conhecê-la e lá foi informada de que seria a sua madrinha, o que no fundo já imaginava.
No fim daquele mesmo mês ela foi chamada ao asilo por Charles. Seu palpite é de que ele a tinha descoberto novamente e iria puni-la.
Mas que raio de perseguição esse povo tem comigo? Primeiro a Andréa, agora o Charles, pensou irritada enquanto dirigia, tentando imaginar como seria a noite na cadeia. Uma parte secreta de sua mente lhe dizia que algo poderia ter acontecido com seu pai, mas ela a ignorou completamente, assim como o frio na espinha ao pensar no assunto.
Ao chegar ao asilo, viu pelo olhar de Charles que a coisa era séria. Ele lhe contou que Francisco estava com um câncer no esôfago. Por sorte — ele explicou — a doença estava no estágio inicial e poderia ser curada com quimioterapia. O único problema era a idade avançada dele, porque o tratamento enfraqueceria seu sistema imunológico e poderia lhe trazer complicações.
— É por isso que ele anda tão estranho — ela deduziu quando ele terminou. — Eu sabia que tinha alguma coisa acontecendo.
— Começaremos o tratamento na próxima semana — disse Charles. — Seria bom se você o acompanhasse.
— Eu vou.
Ela nem conseguiu ver o pai após a notícia. Precisava pensar sobre aquilo e se preparar para o que estava por vir. Nas palavras de Charles, a coisa não era tão séria, a não ser pela idade avançada e a saúde frágil dele. Ainda assim a notícia a derrubou.
Naquela noite ela chamou Eduardo para conversar e terminou o noivado, dizendo a ele que já não podia mais se dividir entre os dois, e que sabia que ele estava infeliz havia algum tempo, o que a deixava infeliz também.
Por mais que a amasse, e que admirasse tudo que ela fazia pelo pai, Eduardo estava cansado de sentir ciúmes e de se sentir excluído da vida dela. Ela o mantinha à distância sem nem perceber e ele já não sabia como, e se um dia, chegaria de fato ao seu coração. Por esse motivo aceitou o fim do romance, apesar de sofrer, e de vê-la sofrer com a situação.
— No fundo eu sabia — disse ele. — Sempre soube. O pior é que eu não posso te acusar, porque você me avisou. Quando começamos, você já sabia como ia terminar. Por isso relutou em aceitar meu pedido.
Uma lágrima escapou de um dos olhos de Ângela.
— Eu juro que tentei — ela disse em sua defesa, a voz rouca de emoção. — Mas você está certo, eu sabia como ia terminar antes mesmo de começar.
— Então, por que você tentou? — ele perguntou, abatido de tristeza.
— Por você — disse ela. — Você era o homem dos meus sonhos, e ainda é. A questão é que eu já não consigo mais fazer as coisas pela metade, e cada vez que te desaponto eu fico muito chateada. Você merece mais do que isso. Meu pai é a minha prioridade, sempre foi. O que não quer dizer que eu não me importe com mais ninguém. Eu gostaria muito de ser a mulher que você precisa, mas não posso, não neste momento. Eu sinto muito.
— Eu também...
Dois meses se passaram.
Francisco resistiu bravamente às sessões de quimioterapia. Ele emagreceu, passou mal, mas raramente reclamava. Ângela ficou orgulhosa dele e só contou sobre o fim do noivado após a segunda bateria do tratamento. Ele ficou chateado — como ela já esperava — e se acusou de ser o motivo da separação. Ela negou, argumentou, mas não teve jeito. Ele não se conformava de que tudo que havia sonhado para a filha não fosse se realizar, pelo menos a tempo de ele poder ver. E num esforço de fazê-la se atentar para a própria vida, passou a rejeitá-la. Não aceitava mais suas visitas noturnas e quando ela o visitava, mal falava com ela.
Ela se sentiu punida. Começara um relacionamento sabendo de sua dificuldade para se abrir, em parte para agradar o pai, porque gostaria de realizar o sonho dele, e porque queria ser feliz. Agora estava só, pós ter magoado o único homem que algum dia merecera o seu amor, e de coração partido.
Naquele momento difícil, tentando se distrair, ela se apegou ao que continuava dando certo: seu trabalho.
Certa noite o telefone tocou quando estava de saída. Ao atender, descobriu que se tratava de uma denúncia de violência doméstica. Por mais que tivesse dito à denunciante que não poderia ajudar, pois noticiar só iria piorar a situação, e que se tratava de um caso de polícia, naquela noite ela não conseguiu dormir. No dia seguinte, foi até a casa da vítima se fazendo passar por assistente social, e conheceu Maria Joana, uma jovem de vinte anos com dois filhos e grávida do terceiro, que sofria abusos do companheiro, um valentão conhecido da região chamado Claiton. Ela tinha hematomas pelo corpo, parecia assustada, e magra demais para a sua condição. Conversando com ela, Ângela descobriu que aquele era um caso clássico em que a vítima ficava à mercê do agressor por medo de tomar qualquer atitude que viesse a piorar a sua situação. Quando se deu conta, já estava envolvida com aquele problema e bolou um plano. Elas iriam instalar câmeras de segurança pela casa, e diante de uma nova agressão, Maria Joana entregaria as imagens para a polícia e avisaria Ângela para que ela fizesse a reportagem como forma de pressionar a sociedade e o poder público a não deixar o caso impune.
No dia combinado ela levou uma pessoa de uma empresa de segurança até a casa da vítima. Ao final do dia, após ter dispensado o técnico de segurança, ela se despedia de Maria Joana quando Claiton chegou, bêbado e violento. Elas não tiveram chance de tentar explicar sua presença ali, pois tão logo as viu, ele partiu para cima delas.
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