Capítulo 12
— Como assim morar no asilo? — Ângela perguntou ao pai no dia 1º de janeiro de seu quarto ano.
— Eu decidi me mudar para o asilo. Não quero mais ficar aqui, fia; meu lugar agora é lá.
— Por que o senhor está fazendo isso comigo, pai? — Ela ficou aborrecida ao perceber que ele falava sério. Francisco sabia ser bem teimoso quando queria.
— Porque eu não quero mais te atrapalhar. Você tem sua vidinha, o seu noivo, e tem que parar de se preocupar comigo.
— Não pai, eu não vou levar o senhor para lá!
— Vai sim, porque eu já decidi — disse ele firmemente, e os dois ficaram em silêncio por um longo momento.
— Por quê? O que eu fiz para o senhor tomar essa atitude?
— Você não fez nada, fia. Só que você não pode ficar comigo o tempo todo, você precisa cuidar da sua vida.
— Pai, não faz isso com a gente — ela pediu desconsolada.
— Vai ser melhor pra nós. Eu estraguei a sua viagem, e só faço te dar preocupação.
Ela meneou a cabeça. Não conseguia acreditar que a insatisfação de seu pai tivesse chegado àquele ponto. Passaria os próximos dias argumentando e tentando convencê-lo do contrário, mas pelo que conhecia dele, sabia que não voltaria atrás em sua decisão.
O tempo passou e no final do mês Ângela estacionou o Fusca em frente ao asilo municipal. O diretor apareceu para recebê-los e foi a primeira vez que ela o viu pessoalmente desde que tomara as providências — muito a contragosto — para a internação do pai.
Charles Queiroz era um homem de meia-idade com cabelo grisalho e um bico de viúva em estado avançado no alto da cabeça. Um pouco mais baixo que ela, estava ligeiramente acima do peso, tinha o rosto agradável, um nariz redondo que a fazia se lembrar do Fusca e olhos inteligentes atrás de óculos arredondados. Foi nos olhos inclusive que ela reparou mais, porque eram olhos astutos que a avaliavam com uma expressão séria.
Charles era conhecido como um homem exigente e cheio de regras, mas ele tinha um coração enorme e fazia tudo pela felicidade dos "seus velhinhos".
Os idosos que viviam ali tinham basicamente dois tipos de família: os que os descarregavam ali junto com sua consciência e depois agiam como se eles não existissem, e os que amavam seus familiares e os internavam por não terem escolha, permanecendo presentes em suas vidas o tempo todo. Por mais estranho que parecesse, Charles se preocupava mais com o segundo tipo, porque eles interferiam na rotina dos idosos. Estavam sempre por ali e queriam tratá-los como se eles ainda vivessem em suas casas, o que ele não permitia.
Só de olhar para a jovem ele soube que ela seria um problema.
Ângela segurou no braço do pai e eles entraram, parando em uma grande sala onde os outros esperavam para lhes dar as boas vindas. Todos vestiam roupa de missa, como Francisco costumava dizer, e foram rápidos em apertar suas mãos. Ângela contou dezesseis pessoas entre homens e mulheres.
— Então, Francisco... O que achou? — perguntou o diretor.
— É muito bonito.
A grande sala tinha dois sofás, algumas poltronas e uma TV de LCD fixa na parede, que no momento estava desligada. Após os cumprimentos, Charles os conduziu por um largo corredor de quartos, parando no último à esquerda. Ele estava recém-pintado de branco, tinha uma cama de solteiro encostada à parede, um armário pequeno, uma cômoda e uma cadeira. Ângela abriu a janela para arejar o ambiente e Francisco se sentou na cama.
Charles pediu à Ângela que fosse vê-lo antes de partir e os deixou sozinhos.
— O senhor quer dar uma olhada por aí? — ela perguntou ao pai, forçando-se a parecer bem.
— Agora não, fia. Pega a mala pra mim, quero arrumar minhas coisas logo — ele pediu. Se demorasse um pouco mais ou se ela insistisse, era capaz de ele mudar de ideia, tão difícil estava sendo aquela mudança. Havia tomado essa grande decisão depois de sua queda, quando ainda estava no hospital. Ele não queria mais ser um peso para a filha, e por mais que soubesse que ela não o via assim, sentia-se motivado a fazer aquilo pela felicidade dela. Talvez assim ela se casasse logo e construísse uma família como ele sempre sonhara.
Ângela foi até o carro e ao olhar para a mala sentiu um nó se formar em sua garganta. Ela parou, abaixou a cabeça e respirou fundo para se recompor, depois pegou a mala e a levou para o quarto. Da porta, viu que o pai olhava distraído para a parede vazia em frente à cama e imaginou o que ele estava pensando.
— Pode deixar que amanhã mesmo eu trarei os seus quadros. Vamos pendurar todos e deixar esta parede bem bonita.
— Vai ser bom. Tô com saudade da minha Antônia — disse ele com pesar.
— Ela está conosco pai. Sempre! — Ângela sentou-se ao lado dele e passou a mão por seus ombros.
— Foi você quem comprou o colchão? — ele perguntou, reparando no colchão novo.
— Foi, mas a parede foram eles que pintaram. — ela olhou em volta. — Aqui parece ser um bom lugar.
— É, vai ser bom ter alguém da minha idade para conversar. Eu não entendo o mundo de hoje, onde os jovens têm medo de amar e as crianças já não têm infância.
— Pelo menos infância eu tive, e na rua — ela disse com um sorriso. — Minha infância foi perfeita, graças ao senhor e à mamãe.
— A minha infância também foi boa, minha vida toda foi, e a melhor parte dela foi você. — Francisco olhou para a filha, que lhe beijou a testa, depois suspirou e olhou para a mala. — São tantas lembranças — refletiu. — Agente vive tanta coisa, trabalha tanto, e no fim, só precisa de uma mala.
— Ainda não é o fim, pai, é só mais um capítulo de nossas vidas. Não é o melhor, devo admitir, mas ainda estamos juntos e é isso que importa. Eu nunca vou te abandonar.
— Sei disso fia. — Francisco olhou pela janela e focou os olhos nas nuvens. Depois olhou novamente para a filha.
— Esta aqui será a minha última casa — afirmou, e antes que ela dissesse qualquer coisa completou, apontando para o céu: — A próxima será lá.
Ângela sentiu a garganta fechar e os olhos arderem de lágrimas. Ela beijou o alto da cabeça dele, se pôs de pé e caminhou rapidamente para fora do quarto.
— Eu preciso pegar uma coisa no carro — informou sem olhar para trás, pois não queria que ele visse que estava chorando. Nada mais seria como antes, e com aquele sentimento de perda esmagando seu coração, seus cinco anos já não lhe pareciam tão prósperos.
Na varanda do asilo, com as costas na parede, ela lutava para controlar as lágrimas quando alguém se aproximou:
— Você parece ser uma boa filha — falou a senhora ao lado dela.
— Obrigada — ela respondeu enxugando os olhos com as costas da mão.
— Seu pai vai ficar bem aqui, você vai ver. Cuidaremos dele.
— Não acredito que vou ter que deixá-lo aqui — ela desabafou. — Nós só temos um ao outro; nunca nos separamos.
— Nem sempre a vida é como agente quer, não é mesmo? — refletiu a senhora.
— Não mesmo! — Ângela rebateu.
— Mas a vida não é má, criança, nós é que fazemos dela a vilã da história. Não nos conformamos com as mudanças, nem com o tempo, enfim, com nada. Tudo o que passamos faz parte da vida, mas ninguém entende isso. Queremos controlar tudo, quando a verdade é que não há controle algum. Não está em nossas mãos mudar o destino, mas vivê-lo da melhor forma quando ele nos alcançar.
Ângela olhou atentamente para a senhora. Havia tanta sabedoria naqueles olhos escuros e apertados, que ela não sabia o que dizer.
— A senhora tem toda razão — respondeu após um tempo, limpando o restante das lágrimas na blusa.
— Eu sempre tenho. Deixa eu me apresentar: — Meu nome é Sônia Lobato.
— Ângela Barros. — Ângela estendeu a mão para a senhora bem-vestida e reparou nela. O cabelo branco estava bem cortado, suas roupas eram elegantes, e ela tinha uma alegria natural que a fez se lembrar da mãe. Elas apertaram a mão uma da outra com um sorriso e Ângela olhou para a porta de entrada.
— Preciso ir, o diretor quer falar comigo.
— O Charles pensa que é durão — comentou Sônia. — Ele é um homem bom, mas faz este lugar parecer um quartel. Quer um conselho? Não bata de frente com ele, há outros meios de conseguir as coisas por aqui.
Ângela não entendeu o que ela quis dizer. Mas logo que entrou para falar com Charles descobriu. Algum tempo depois se despediu do pai e saiu porta afora, aborrecida e pisando duro.
— Oi criança! — disse Sônia, do mesmo lugar onde conversaram anteriormente.
— Aquele filho da....
— Foi difícil lá dentro? — Sônia perguntou, interrompendo o palavrão que viria a seguir.
— Não, imagina! — Ângela respondeu com ironia. — Ele apenas me proibiu de ver meu pai pelos próximos quinze dias, dizendo que é pelo bem dele, para que se adapte ao ambiente. Depois me passou uma leva de sermões a respeito de como as coisas funcionam por aqui. Estou ultrajada. Se meu pai não fosse tão frágil eu o arrastaria daqui imediatamente — desabafou com raiva.
— Foi como eu te disse: não bata de frente.
Ângela se jogou na cadeira ao lado dela bufando, mas totalmente derrotada. Afinal, o que poderia fazer a respeito?
— Sabe o que eu gosto de comer? — Sônia perguntou. Ela olhou para a senhora sem o menor interesse e perguntou, apenas por educação:
— O quê?
— Pizza — a senhora respondeu com um suspiro de prazer.
— Servem isso aqui? — questionou a jovem.
— Claro que não! Eu ligo na pizzaria, peço, e o entregador trás pra mim.
— Aqui?
— Exatamente onde estamos. Eu nem me dou ao trabalho de ir até o portão, até porque o segurança não pode abri-lo e nem deixar qualquer um de nós nos aproximarmos dele.
— E como ele chega até aqui? — Ângela perguntou, bem mais interessada do que no início da conversa. Sônia deu um suspiro, olhou em volta e apontou para o canto do muro.
— Tem uma grade solta ali, está só encaixada. Quando o meu amigo vem, ele tira o ferro, entra, senta aqui comigo e come. Depois vai embora e leva todos os vestígios com ele.
Ângela abriu e fechou a boca com os olhos arregalados. Naquele momento soube que tinha acabado de fazer uma amiga.
— Pena que ele está de férias — Sônia continuou. — Eu gostaria muito de comer uma pizza esta semana. De preferência na quarta.
— A senhora quer que eu...
— Você faria isso, criança? Nossa, eu ficaria tão feliz!
— Qual sabor a senhora gosta?
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