Capítulo 11
O terceiro ano começou como acabou o segundo: agitado. Com a nova empresa e a pós-graduação de Eduardo, sobrava pouco tempo para ele e Ângela se verem. De vez em quando, quando seus horários batiam, eles almoçavam juntos. Ele estava empolgado com a empresa, porém, sentia a falta dela. Vez ou outra a chamava para sair. Era muito difícil ela ir, e embora ele gostasse do sogro, às vezes se incomodava que eles nunca tivessem tempo para ficarem sozinhos. Ele não dizia, mas em alguns momentos ficava enciumado com toda atenção que ela dedicava ao pai.
Com algum custo ele a convenceu a viajar com ele em julho para conhecer a sua família, no norte de Minas Gerais. Ela achou justo conhecer os pais do namorado e se esforçou para cuidar de tudo e demonstrar entusiasmo apesar de suas preocupações. No fundo estava apavorada em ficar longe do pai, mesmo que apenas por alguns dias. Por esse motivo pagou uma boa quantia para uma das enfermeiras dormir em sua casa nos dias em que estivesse fora.
Na quinta-feira ela saiu um pouco mais cedo do jornal para resolver algumas coisas referentes à viagem, como comprar roupas novas para os dois e presentes para a família dele.
Cheia de sacolas, no fim da tarde, ela foi até a empresa ECWEB, sendo EC, de Eduardo Correia, e Web, por ser voltada à criação de sites. Abaixo do nome estavam os dizeres: "Soluções criativas para o mundo virtual". Ela riu ao se lembrar de quando eles os escolheram juntos, tirando e acrescentando palavras, rabiscando folhas e mais folhas.
O ponto já não era o primeiro que ele havia alugado, pois aquele logo se mostrara pequeno demais. Este era maior e melhor localizado.
O primeiro ambiente da empresa era uma sala de espera bem decorada com poltronas novas, quadros, plantas, e uma mesinha de café. Ângela entrou, e sorriu ao perceber que o detector de presenças não estava funcionando. Logo depois vinha a sala de Eduardo. Ela contava com uma mesa de vidro fosco branca, cadeiras bonitas e um sofá pequeno, que ele se acostumara a ter desde a época do jornal e que era muito útil para eles namorarem, quando tinham tempo. Ele também não estava lá, então Ângela avançou para o último ambiente. Este era maior, menos decorado e cheio de equipamentos; tratava-se do laboratório onde os rapazes trabalhavam. Ângela se aproximava da porta quando ouviu um deles contando uma piadinha suja. Esperou ele terminar e disfarçou a risada quando entrou, com ar de inocência.
— Oi, Edu. Oi, meninos. Posso saber do que vocês estão rindo? — perguntou para constrangê-los.
— Não é nada amor — disse Eduardo, olhando para o outro lado. Ela mordeu os lábios para não rir.
— Você precisa consertar o detector de presença, sabia? Eu quase levei aquele seu notebook novinho pra casa.
— Esqueceu que eu sei onde você mora? — ele se aproximou dela e lhe deu um beijo rápido de cumprimento. — Vamos para a minha sala?
— Vamos sim. Tchau, rapazes.
— Tchau, Ângela! — eles responderam em uníssono, sérios e respeitáveis como só ficavam na presença dela ou de alguma outra namorada. Ela e Eduardo foram até a sala dele e lá trocaram beijos e conversaram sobre a viagem até a hora de irem embora.
— E se a sua mãe não gostar de mim? — ela perguntou, preocupada com a possibilidade.
— E por acaso é possível alguém não gostar de você? — ele rebateu.
— Mas é claro que sim! Você mesmo não gostava de mim quando nos conhecemos, lembra? — ela o provocou.
— Mas é exatamente porque não te conhecia. Julguei o livro pela capa e sinto muito por isso.
— Não tem problema. Eu estava sempre sorrindo e aparentava não ter problemas. Todos me achavam uma irresponsável, varias pessoas já me disseram isso.
— Você tinha um bom-humor insuportável — ele concordou. — Ainda tem.
Em resposta, ela o beijou.
— Estou muito feliz com esta viagem — ele sussurrou, apertando-a em seus braços.
— Eu também — ela assentiu sorrindo.
Estava tudo acertado para eles irem no sábado. Na sexta Ângela saiu após o almoço para resolver o que restava, como não deixar que faltasse nada para o pai enquanto estivesse fora. Conforme se aproximava a data da viagem, seu coração apertava mais. Ela dizia a si mesma para parar de ser boba, que o pai iria ficar bem, e que seriam só alguns dias. Mesmo assim sentia-se mal por não poder levá-lo. Ele estava bem, mas vinha se recuperando de uma gripe que quase lhe custara outra internação.
Durante toda a tarde ela comprou remédios, comida e filmes antigos para ele, e seu último compromisso foi em uma loja de eletrônicos onde comprou uma bateria nova para o seu celular, pois a sua havia morrido naquela manhã.
Ao ligar o aparelho, percebeu que havia várias ligações perdidas de Malu, e algumas do jornal. Sem pensar duas vezes, ligou para a amiga.
— Ângela! — Malu disse assim que atendeu.
— Oi, Malu. Eu vi sua ligação perdida no meu celular. Aconteceu alguma coisa? — perguntou apreensiva.
— É o seu pai!
A garganta de Ângela fechou e ela quase deixou o celular cair, diante do pensamento horrível que passou por sua cabeça.
— O que aconteceu? — perguntou com urgência na voz.
— Ele sofreu um acidente. Foi minha culpa, me desculpe — Malu respondeu com a voz nasalada de chorar.
— Como assim? Onde ele está, Malu? — ela perguntou, temendo a resposta. Diga que ele está vivo, por favor!
— Estamos aqui na Santa Casa. Neste momento ele está sendo operado — disse a amiga.
Uma parte de Ângela ficou feliz por não ouvir o pior. O alívio, no entanto, durou somente alguns poucos segundos.
— Eu estou indo para aí — anunciou, antes de sair correndo.
Não demorou cinco minutos para ela estacionar numa das vagas do pronto socorro. Ao passar pelas portas de vidro, avistou Malu, além dos doentes e de seus acompanhantes. Correu até ela e estacou ao ver sua blusa manchada com o sangue de seu pai. Suas pernas fraquejaram e ela levou as mãos à boca, abafando um: "Oh meu Deus".
— Você precisa ficar calma — disse Malu, e em seguida lhe contou como tudo acontecera:
— Eu fui para a sua casa como você me pediu. Me desculpe, eu demorei um pouco pra chegar porque tive a ideia de fazer o bolo de fubá cremoso que seu pai adora. Eu queria agradá-lo, mas quando cheguei, o encontrei caído no banheiro. Ele estava desacordado e sangrando, então eu liguei pedindo uma ambulância e vim com ele.
— Não foi culpa sua — disse Ângela quando ela terminou, e em seguida foi até a recepção para saber do pai. Sem mais novidades, sentou-se ao lado da amiga e enfiou a cabeça entre as mãos.
— Eu não tinha o celular do seu namorado, por isso não liguei para ele. Você precisa avisá-lo — sugeriu Malu.
— Mais tarde — disse a jovem, que só pensava em ver o pai e mais ninguém.
Quando permitiram que ela entrasse na UTI, ela o viu sedado, com a cabeça enfaixada e o braço engessado. O corte provocado pela quina do box do banheiro quase fora fatal — disse o médico que o atendeu. Ele a alertou sobre os perigos de uma queda na idade dele e ressaltou a importância de se ter em casa barras de apoio e móveis que facilitassem a vida dos idosos. Depois que ele a deixou ela chorou, segurando a mão do pai.
— O senhor quase me matou de susto — disse a ele com a voz suave. — O que eu faria sem você?
Ela não pode ficar muito mais, então foi embora com Malu. Estacionou no portão da amiga e respirou fundo, olhando para o nada.
— Você quer ficar aqui esta noite? — Perguntou a amiga, já sabendo a resposta.
— Obrigado Malu, mas eu só quero ir para casa e dormir um pouco.
— Está certo. Me desculpe, amiga!
— Eu tenho é que te agradecer Malu. Você salvou a vida dele.
As duas se abraçaram brevemente e Malu entrou. Ângela foi para casa e quando chegou se deparou com as manchas de sangue espalhadas pelo chão da sala, corredor e banheiro. Cansada, pegou um balde com água, um pano, e limpou tudo. Depois ligou para Eduardo.
— Oi amor! — disse ele com empolgação. — Eu tentei te ligar umas duas vezes, mas você não atendeu então não tentei mais. Achei que você podia estar ocupada com os preparativos da viagem. Não vejo a hora de partirmos.
— Meu pai sofreu um acidente, Edu — ela confessou com a voz engasgada. — Não vou poder viajar com você.
— Acidente? Como assim? O que aconteceu? — ele a interrogou. Ângela respirou fundo e lhe contou tudo o que aconteceu.
— Mas, por que você não me ligou? — ele perguntou chateado. — Eu fiquei esse tempo todo como um bobo, acreditando que estava tudo certo enquanto você estava lá, passando por isso sozinha!
— Me desculpa Edu! Tudo aconteceu muito rápido.
— E como ele está?
— Tecnicamente estável. Mas vamos ter que esperar pelos próximos dias.
Um silêncio pesou sobre eles. Eduardo estava chateado com razão, porém, Ângela não se sentia em condições de conversar.
— Você quer que eu vá ficar com você? — ele perguntou com voz preocupada.
— Não, Edu. Me desculpe, mas eu quero ficar um pouco sozinha. Vamos descansar e amanhã conversamos mais.
Eduardo mais uma vez se sentiu excluído e se chateou ainda mais, mas não disse nada. Também não insistiu em vê-la e respeitou a vontade dela.
— Não sei por que eu digo isso, mas, se precisar de mim, me fala — disse ele. — Sinto muito pelo seu pai.
— Obrigada. Sinto muito pela viagem — ela completou.
Francisco deixou o hospital após quinze dias. Ângela tirou os dias de férias que usaria para a viagem e cuidou dele. Eduardo acabou viajando sozinho e no natal, buscou seus pais para conhecerem-na.
Ângela comprou um belo vestido vermelho e o usou com um par de sandálias douradas e delicados brincos de ouro que ganhara de sua mãe em seu aniversário de quinze anos. Sua preocupação de impressionar os sogros e causar uma boa impressão foi logo quebrada com a simpatia deles. César e Marisa correia eram pessoas simples e divertidas que ela adorou conhecer. Francisco também. Ele era o mais calado da festa e estava assim porque datas como aquele eram difíceis para ele. A filha sabia o peso que o natal sem Antônia causava em seu velho coração. Ela própria ficava mais propensa a chorar naquela data.
Pouco antes da meia noite ela arrumava os últimos detalhes da ceia quando foi chamada à sala. Chegando lá, Eduardo a abraçou na frente dos pais e em seguida se ajoelhou. Ângela foi surpreendia por um pedido de casamento romântico e sensível. Como sempre acontecia em situações como aquela, ela ficou sem ação. Havia uma parte dela que queria aceitar o pedido dele. Eduardo era gentil, fiel e carinhoso, além de um bom amigo. Eles não brigavam e se respeitavam muito. Mas ela tinha medo de dar um passo tão importante e não sabia se estava pronta. Havia outra parte dela que achava precipitado assumir tal compromisso enquanto sabia que o namorado não estava plenamente satisfeito. Ele nunca externava o que sentia, mas só de olhar para ele ou de ouvir a sua voz, ela sabia quando ele ficava zangado por ser deixado em segundo plano, estressado por eles não poderem ficar a sós, ou então cansado, precisando de uma atenção que ela não podia lhe dar no momento. Temia que ele acreditasse que as coisas fossem ficar mais fáceis com o casamento e se arrependesse quando descobrisse que não. E temia não conseguir cumprir com sua parte no acordo e não ser a esposa que ele precisava. Ela tinha Francisco, e sob alguns aspectos ele era como uma criança. Por mais que o deixasse aos cuidados de outras pessoas, nunca estava satisfeita e sempre se sentia culpada por não estar por perto.
Enquanto ela remoía todos os contras da situação, foi chamada à tona pela voz do pai.
— Fia! Você vai deixar o moço esperando?
Ela olhou para o pai, que tinha o cenho franzido de expectativa, e para Eduardo, que a estudava atentamente. Um filme também havia passado pela cabeça dele naquele momento. Mas apesar dos contras, acreditava que os prós faziam valer a pena.
— Eu... Aceito! — ela finalmente respondeu, sorrindo. Eduardo colocou uma aliança no dedo anular direito dela, ela repetiu o gesto com ele, e eles selaram o compromisso com um beijo e um novo abraço.
Mais tarde ela foi ao jardim e contemplou a lua da noite quente e estrelada de verão. Ali fez suas orações, e a avaliação do seu terceiro ano.
Aquele ano tinha tido seus contratempos, como o acidente de Francisco, porém, havia sido bom. Ela continuava no Vale Impresso e por sua determinação era cotada como uma das melhores jornalistas da região, sendo inclusive procurada por jornais concorrentes, rádios e afiliadas de TV. Mais que uma repórter, ela sempre tentava ajudar, e o lado humanitário de suas matérias prendiam a atenção das pessoas.
Malu estava grávida e descobrira havia poucos dias que esperava uma menina. Ela, que sempre cuidara dos sobrinhos, agora teria a sua família completa e realizaria seu grande sonho de ser mãe.
Francisco andava mais calado e cabisbaixo desde a época do acidente. Mais ainda nos últimos dias. Ela atribuía sua tristeza às festas de fim de ano, mas estava alerta e já pensava em levá-lo a um psiquiatra, temendo que ele estivesse com depressão. Felizmente o pedido de casamento pareceu alegrá-lo. Havia muito tempo os olhos dele não brilhavam tanto como no momento em que ela dissera sim para Eduardo. Agora estava noiva. Olhando para a aliança no dedo, pensava no que ela representava. Eduardo era um bom companheiro, alguém que a amava o bastante para querer se casar com ela. Com certeza seria um bom marido. Ela só não sabia se seria capaz de amá-lo como ele merecia ser amado, e se seria a esposa companheira da qual ele se orgulharia.
O ano estava acabando. Quanto ao próximo, ela só esperava que ele transcorresse bem e sem grandes sustos.
--//--
Ângela ficou noiva! Por essa acredito que vocês não esperavam. E o pai dela, o que será que ele tem, para ter estado cabisbaixo durante tanto tempo? Aguardem o próximo capítulo, porque novas emoções estão vindo por aí...
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