05. Pesadelos
"No sonho, eu entrei algumas vezes em casas escuras que não conhecia. Casas estranhas, escuras, assustadoras. Quartos negros que me envolviam até eu não conseguir mais respirar..."
— Astrid Lindgren, Mio, Meu Filho
NA MANHÃ DE SEGUNDA-FEIRA, LORELAI foi até a cafeteria chamada Sip and Snack.
O lugar ficava na rua Nightshade, um pouco antes da própria avenida Corbett; era um estabelecimento limpo, bem cuidado e acolhedor, com várias mesas e cadeiras acolchoadas, além de reservados que ficavam nos cantos ao lado das janelas de vidro — que exibiam o nome da cafeteria. O balcão onde havia feito seu pedido — chocolate quente, um sanduíche de queijo e dois brownies — era decorado com luzes pequenas e amareladas, e um aroma agradável de biscoitos assados e marshmallows enchia o ar.
A dona da Sip and Snack — que também era a atendente — era uma mulher jovem e simpática, que parecia ter por volta dos trinta anos, com pele escura e lindos cabelos cacheados presos em um rabo de cavalo. Parecia ser o tipo de pessoa que fazia qualquer um se sentir bem-vindo.
Era um ambiente perfeito para conseguir a inspiração certa para tentar terminar o primeiro capítulo de seu livro. Primeiro capítulo esse que possuía apenas três parágrafos, para a frustração de Lorelai, e pareciam não estar exatamente do jeito que ela queria. Tinha o enredo em sua mente, porém não sentia-se capaz de passá-lo para o papel.
Permaneceu encarando a tela do notebook, tamborilando os dedos na mesa, enquanto o chocolate quente pela metade começava a esfriar. Será que eu deveria tentar reescrever esse início?, pensou, pressionando os lábios, Acho que o protagonista não está bem apresentado e talvez o clima da estória esteja muito parado...
O sininho que ficava acima da porta indicou que alguém entrava na cafeteria e Lorelai ergueu a cabeça por instinto; não sabia exatamente o motivo de fazer isso, já que várias pessoas entraram e saíram enquanto ela estava ali, mas dessa vez algo atraiu sua atenção.
O homem era jovem, parecia ter sua idade, não poderia ser muito mais velho. Tinha um andar relaxado, como se não tivesse nenhuma preocupação na vida que não fosse tomar umas boas doses de bebida; usava coturnos, calças e uma blusa de lã com mangas longas e gola alta, como se para se proteger do frio — tudo na cor preta; os cabelos ondulados, longos até os ombros, eram também de um tom lustroso de preto, com a parte de cima presa em um coque e o restante usado solto. Não conseguiu ver seu rosto muito bem, mas percebeu que ele usava óculos escuros.
Ela virou-se em direção à janela: o céu estava completamente nublado e uma leve chuva caía. Bom, talvez os olhos dele fossem muito sensíveis à luz.
Ele parou na frente do balcão sem se incomodar em entrar na fila, e apoiou os braços ali.
— Ei, Mandy, o de sempre — Lorelai conseguiu ouvi-lo dizer — E o de sempre do Pat também.
— Há uma fila aqui, Arman — a atendente, que também era a dona da cafeteria, falou, parando diante dele e deixando que uma outra funcionária assumisse seu lugar diante da fila, atendendo os clientes.
— Eu sei — o homem, Arman, respondeu, como se fosse óbvio que ele nunca aguardaria em uma fila.
Mandy revirou os olhos, parecendo bufar, mas não se opôs a atender o pedido de Arman. Talvez fossem amigos, ou ele fosse um cliente frequente.
Arman se virou ficando de costas para o balcão, ainda apoiado ali de forma displicente, parecendo observar ao redor, dando a chance de Lorelai finalmente ver seu rosto.
Era um rosto bonito e ela gostou das bochechas dele; tinha traços finos e bem marcados, e sobrancelhas escuras como os cabelos. Os óculos de sol a impediam de ver a cor e o formato dos olhos, mas naquele momento que ele havia flagrado a pequena análise que ela fazia de sua pessoa. Um sorriso ergueu o canto de seus lábios. Era o tipo de sorriso que poderia significar qualquer coisa.
Lorelai desviou o olhar ao mesmo tempo que Mandy voltava a se aproximar de Arman.
— Aqui está, e não incomode meus clientes — escutou a mulher dizer.
— Jamais sonharia em incomodar alguém aqui.
Quase como se não pudesse evitar ela o encarou novamente, e Arman já a observava dando mais um sorriso estranho antes de sair.
Pestanejou, sentindo que havia alguma coisa estranha — embora não soubesse exatamente o que era. Esfregou os olhos e abriu uma nova página em branco, recomeçando a escrever subitamente inspirada como não estivera há dias.
O céu estava cinzento como se alertasse a todos sobre uma tempestade iminente e uma fina chuva começava a cair quando ele entrou na cafeteria naquela manhã, apreciando o aroma delicioso e o ar acolhedor do lugar. Não que o homem tivesse tomado tempo para aproveitar o ambiente, pois andou até o balcão de forma displicente, ignorando a fila com um sorriso que poderia significar qualquer coisa em seus lábios.
— Perfeito — Lorelai murmurou, abrindo um sorriso. Finalmente estava conseguindo o primeiro capítulo perfeito.
Encontrei a inspiração em um desconhecido, pensou, mordendo o lábio inferior enquanto continuava a digitar, Um desconhecido que talvez nunca mais veja. Ou talvez sim, se permanecer frequentando esse lugar.
Ela sorriu com seus próprios pensamentos.
— Com licença — Mandy apareceu ao seu lado, com uma expressão simpática — Gostaria de mais alguma coisa?
— Mais chocolate quente, por favor — respondeu.
— Irei trazer rapidamente.
— Desculpe perguntar, — interrompeu antes que Mandy se retirasse — mas quem era aquele homem de cabelos negros que saiu agora a pouco? Tive a sensação de já o ter visto antes.
A mulher ergueu as sobrancelhas, parecendo surpresa, e hesitou um pouco antes de responder.
— Aquele era Arman. Arman Renwick.
— E ele vem sempre aqui?
— Bom, sim — Mandy umedeceu os lábios — Algumas vezes, e... Eu não aconselharia a se aproximar dele. Arman costuma ser uma boa pessoa, mas também costuma atrair problemas e causá-los.
— Uma pena, ele parece ser inspirador — comentou, esticando os braços acima da cabeça.
— Você é escritora? — os olhos castanhos de Mandy brilharam.
— Escrevo alguns artigos e agora estou tentando trabalhar em meu primeiro romance — Lorelai sorriu — Finalmente o início do primeiro capítulo me deixou satisfeita.
— Isso é incrível! E pretende escrever sobre Corbeauford?
— Não literalmente sobre a cidade, mas me permito procurar algo que seja inspirador — respondeu — Assim como o tal Arman.
Suas palavras foram ousadas e Mandy riu, embora a sua risada parecesse um pouco nervosa.
— Eu sou Amanda — ela assentiu em um cumprimento — Irei trazer seu chocolate quente.
— Obrigada, Amanda.
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À noite, Lorelai conversou com sua avó por chamada de vídeo.
Mary McDonnell era uma mulher bonita de setenta anos, com cabelos pintados em um tom acaju e olhos âmbares; tinha um temperamento calmo e uma sagacidade lógica que tanto a ajudara em sua carreira como advogada — uma das melhores de Nova York, como se orgulhava de dizer.
— Essa cidade é tranquila — Lorelai contava, enroscada no sofá da sala de estar; o filme que passava na televisão tinha o volume quase no mudo para não atrapalhar o diálogo entre as duas mulheres — Tranquila até demais, quando comparada à Nova York. Mas acredito que qualquer lugar seja tranquilo quando comparado à Nova York.
O olhar de sua avó era um misto de carinhoso com preocupado.
— E como é a casa? — ela perguntou — O sr. Crane cuidou realmente de tudo?
— Sim, os documentos estavam em ordem e a casa estava limpa e arrumada — sorriu — E estou finalmente conseguindo avançar em meu romance!
— Isso é maravilhoso, querida! O quanto já escreveu?
— Terminei o primeiro capítulo um pouco antes de ligar para você.
— Tem conseguido se alimentar bem? — Mary perguntou, pois sabia da falta de habilidade de Lorelai na cozinha.
— Tenho sim — a jovem respondeu, torcendo para que sua expressão e tom de voz estivessem convincentes — Há bons restaurantes por aqui — acrescentou, ocultando o fato de sua alimentação estar sendo tudo menos saudável.
Obviamente, Mary não acreditou; a conhecia bem demais e sempre sabia quando ela mentia ou falava a verdade, mas pareceu não querer insistir nesse assunto. Conversaram apenas por mais alguns minutos, sobre coisas aleatórias, com a jovem prometendo que não demoraria a ligar da próxima vez antes de desligar.
Lorelai levantou do sofá e esticou o corpo, erguendo os braços acima da cabeça; desligou a TV e pegou o celular, subindo as escadas e indo até seu quarto. Já havia tomado um longo banho e escovado os dentes, tudo o que queria era deitar-se na cama e ter uma boa noite de sono. E foi o que fez após colocar o celular na mesa de cabeceira.
Relaxada e satisfeita com o dia que tivera, não demorou para que caísse em um sono profundo.
Estranhamente, após tantos dias sem sonhar — ou ao menos sem lembrar do que sonhava — viu uma silhueta masculina como se oculta por sombras. Não teve medo, pois reconheceu os olhos brilhantes: já tinha sonhado com esse homem que não conseguia ver o rosto, embora dessa vez pudesse perceber que a luz de seus olhos era verde, e vários corvos voavam ao seu redor.
Sabia que ele a encarava, imóvel, como se aguardasse que ela fizesse algo. Lorelai tentou se mover, tentou falar, porém não conseguia. Algo segurava sua voz e seus pés pareciam feitos de chumbo. Mas ainda conseguia olhar para os lados e, em meio a escuridão, sabia que estava em um longo corredor cheio de portas fechadas.
— Knight — os corvos começaram a crocitar, todos ao mesmo tempo — Knight! Knight!
O som parecia ecoar dentro de sua mente, repetindo sem parar seu sobrenome paterno, e as aves avançaram em sua direção. Não a atacaram, mas isso a encheu de pânico, e Lorelai caiu de joelhos, subitamente sem forças.
Fechou os olhos, apertando as orelhas com as mãos, e quando tornou a abri-los estava em sua cama, ofegante, suada e com o coração acelerado.
E, ao olhar para a janela, viu que já havia amanhecido.
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