Capítulo 35
A recente oportunidade de apresentação da banda Young Freedom tinha, felizmente, coincidido com a excursão escolar para a cidade vizinha. O passeio contava com um ônibus amarelo e vinte e oito alunos da disciplina de história.
Quando Jasper enviou uma mensagem no grupo dos amigos convidando a todos para assistir a apresentação, London já estava começando a arrumar as malas. Parecia que o mundo estava sorrindo a seu favor: Seamus estava em uma viagem de negócios e não poderia negar o convite mesmo se ficasse sabendo.
O garoto nunca tinha participado de uma viagem em grupo antes e por isso estava um pouco ansioso. London arrastou o braço pelo armário, empacotou salgadinhos, refrigerante, água e um cobertor na bolsa de academia, e pediu sigilo aos funcionários da casa e à Keaton. Por fim, ele trocou de roupa e checou o quarto uma última vez, e percebeu que quase deixou o mais importante para trás: o Orbe do Poder. Ele tinha planejado não contar para Azura sobre a exclusão e planejou ficar de olho no noticiário, e, se fosse preciso, Escarlate estaria um pouco atrasado para a luta.
Enquanto isso, Athena fechou o zíper da mochila e olhou em volta para se certificar de que não estava esquecendo de nada. Não sabia quanto tempo passaria fora, então agarrou mais um livro, enfiou junto com os lanches e foi encontrar-se com MJ no estacionamento da escola, onde os alunos faziam fila para entrar no ônibus.
Os lugares estavam reservados com as mochilas. Athena pegou o assento do corredor e devolveu a bolsa de MJ no mesmo momento que London se juntou a ela, no assento da janela.
O ônibus deu a partida, fazendo um coro de vozes comemorar alto.
Observando pela janela, London se sentiu feliz por estar um pouco longe de casa. Ele não acreditava que tinha mentido para o pai para ver o amigo tocar ao vivo, ainda que fosse sob a cortina de uma aula de história. Parecia que ele estava sendo resgatado de uma vida ordinária. Foi uma sensação libertadora que tomou conta de seu peito, a mesma que sentia ao colocar a máscara vermelha.
Ele lembrou-se da pequena aventura na noite anterior e tirou uma pasta da mochila.
– A minha mãe descobriu que estava doente quando passou por uma consulta médica no hospital de Lumina Valley – ele disse para Athena. – Alguns anos depois, quando os meus pais já estavam participando do Projeto Fallon, em Nova York, ela passou um tempo em casa e estava visivelmente bem. Para confirmar o estado de saúde dela, Dahlia levou-a ao hospital novamente.
Ele entregou a pasta para Athena, omitindo que Escarlate quase foi pego pela doutora Anna Pacheco Robbins enquanto invadia os arquivos do hospital local.
– Eu consegui os registros médicos. A Maria Gonzales foi a médica responsável pelo segundo laudo.
Athena não questionou os métodos dele.
– Pedirei para que Anna dê uma olhada – respondeu.
Ela abriu um pote de seu bolo caseiro e ofereceu aos outros nos bancos do lado e atrás, mas quando revelou que ela mesma os tinha feito, todos recuaram as mãos e se esforçaram ao máximo para não torcer o rosto.
– Ah, gente? Está bom dessa vez, eu prometo!
Ela balançou o pote, mas os amigos recusaram a oferta com um balançar de cabeça ou fingiram não ter escutado. London, entretanto, pegou um pedaço e riu, nervoso.
– Não pode ser tão ruim, não é?
Todos os amigos observaram ele engolir em seco e forçar o doce goela abaixo. O ar foi preenchido com suspense enquanto esperavam uma reação. O garoto mastigou o bolo por um longo tempo antes de forçar a garganta a engolir a massaroca.
– Você se superou, Fallon...
Ele tapou a boca e segurou a barriga.
– Ele foi envenenado! – Thomas berrou.
– Você está bem? – MJ perguntou. – Quer um antídoto ou algo assim?
– Gray, você ainda está vivo?
London fez um sinal positivo com as mãos.
– É tão bom que todos deveriam provar – ele murmurou, apesar do rosto esverdeado.
Ele tirou o pote da mão de Athena e virou para os amigos com um sorriso diabólico, mandando sinais positivos para ela, porém quase vomitando ao fungar o pote.
– Vamos, gente, só um pedacinho...
– Não estou com fome – MJ rebateu.
– Talvez da próxima vez – disse Thomas.
– Nem ferrando – falou Liana.
– Acho que você vai ter que dividir com a Athena, Lon – resolveu Cameron.
London guardou tudo na mochila e esfregou a barriga, disfarçando a ânsia de vômito com uma expressão falsa de satisfação.
– Me dá um – ela pediu, desentendida.
– Não mesmo. É meu.
Depois da sensação de tontura passar, eles passaram algum tempo conversando sobre tudo e mais um pouco.
O ônibus estava chegando perto do limite da cidade, passando pela nova construção do prédio da Marshall & Fashion, quando freou bruscamente.
Os alunos foram jogados para frente, porém estavam seguros pelo cinto de segurança.
A motorista abriu a porta, entediada com o dia de trabalho.
– Muito bem, pessoal – ela disse, desanimada. – Esmeralda está atacando... O trânsito está fechado por enquanto. Logo antes de sairmos desta cidade, perfeito...
Athena e London ficaram pálidos.
– O que faremos enquanto isso? – Jasper perguntou. – Vamos esperar?
– Podem fazer o que quiserem – a mulher respondeu. – Até os da máscara chegarem e a batalha terminar, não sairemos daqui.
Ela voltou ao volante e deixou o burburinho de vozes tomar conta do ônibus.
– E agora? A apresentação começa daqui a pouco – Jasper preocupou-se.
– Quem diria que Esmeralda causaria confusão até mesmo aqui – Thomas falou.
– London está aqui – disse Liana. – O nosso pai está livre agora, Cam.
Cameron discou um número no celular.
– Vou pedir carona até o local.
Jasper assentiu, sentindo o nervosismo ir embora.
– Certo, pode ser. Obrigado, galera.
– Mas não vai caber todos nós – Liana apontou o óbvio. – O que faremos?
– Vocês três vão na frente – Athena sugeriu, pensando rapidamente em uma desculpa para sair sem que ninguém desconfiasse. – Eu vou avisar aos Robbins que estamos todos bem, antes que se preocupem demais. Já volto.
Ela saiu do ônibus e correu para a loja mais próxima, onde se transformou em Azura e usou o poder do Orbe do Espaço para chegar mais rápido ao local do ataque, esperando que Escarlate já estivesse lidando com a situação.
London se levantou e agarrou a mochila.
– Onde você vai, cara?
– Eu, hã... O bolo não pegou muito bem...
– Eu sabia que tinha alguma coisa naquele bolo suspeito! Tá, tá, sai logo daqui!
London assentiu e correu para fora. Ele procurou em volta, mas Athena estava fora de vista, então passou entre os carros parados, se escondeu em um arbusto e se tornou Escarlate, partindo em direção ao ataque logo em seguida.
Enquanto isso, Azura atravessou o Atalho e encontrou o construto de Esmeralda assim que aterrissou no asfalto. Ela desativou o Orbe do Espaço e o mandou de volta ao Infinito, e as cores roxas do uniforme desapareceram. Pelo caos, Escarlate ainda não tinha chegado.
O Construto tinha uma aparência humanóide e, apesar da gritaria, não estava atacando ninguém. Quando viu Azura se aproximar com o bastão na mão, só então agiu. De seu corpo brotou uma foice de brilho verde cuja lâmina chocou contra a arma azul.
Azura notou a brecha nos movimentos do Construto. Ela bloqueou o ataque seguinte e golpeou a barriga do inimigo com a ponta lisa do bastão. No mesmo instante, deixou as costas desprotegidas e tombou para frente com um corte superficial da foice.
Ela sentiu a dor latejando e olhou por cima do ombro, pensando se tratar de um outro construto despercebido, mas não havia nada ali. Ela voltou a olhar para frente, temendo deixar outra brecha desprotegida, e viu o Construto desaparecer em uma névoa verde.
Azura teve um leve pressentimento de uma sombra atrás de si e lançou-se para longe pouco antes da lâmina do Construto cortar o ar. Ela segurou firme o bastão na frente do corpo e firmou os pés no chão, preparando-se para outro golpe.
Uma espada rubra cortou o ar e atravessou do alto até o Construto, que se dissipou em névoa pouco antes. Escarlate aterrissou com força, o asfalto tremendo debaixo de seus pés.
– Qual é a situação?
– É um corpo instável, não recebe ataques diretos – explicou.
– Como o Construto viu a minha espada? Eu cheguei que nem um fantasma aqui.
Azura lembrou do inimigo parado entre tantos civis esganiçados, se movendo somente ao vê-la, ou ouvi-la, percebeu. O Construto não poderia enxergá-la no meio da multidão.
– Acho que não viu. Ele deve ter percebido a nossa presença.
– Como?
– Usando os outros sentidos.
– Então temos que fazê-lo perder os sentidos... Que tipo de plano é esse?
Azura começou a formular um plano para agilizar a derrota do inimigo.
– Um plano que precisa de um terceiro mascarado. Segura a barra até eu voltar?
– Aposto que derroto esse Construto antes de você voltar.
– É o que veremos.
Azura largou o bastão em pleno ar e deixou a luta com o parceiro. Por sorte, a pessoa certa ainda estava em Lumina Valley.
Isabella Marshall não gostava da visão da janela do apartamento. No último andar, ela sentia que os pais haviam comprado a moradia acima de toda Lumina Valley para mostrar sua superioridade falha aos outros.
Ela não se sentia feliz. Parecia que, de alguma forma, conseguia decepcionar sua irmã mais nova todos os dias, e o casamento dos pais estava colapsando, seu melhor amigo estava preso em uma vida que não gostava e todos os seus amigos estavam em outra cidade curtindo a apresentação de Jasper Young.
As fotografias guardadas na gaveta nunca tinham visto outro ambiente além do quarto. Ela gostava do modo como olhava para o mundo através da câmera. Os diferentes ângulos significavam coisas diferentes em sua percepção. Ela conseguia elaborar para si mesma uma vida boa através das imagens. Mas as fotos nunca sairiam da gaveta.
Para os Marshall, Bella tinha a vocação decidida, e a escolha não era de seu agrado.
Ela pensou em como seria viver em uma vida como as que retratava com a câmera. Se estivesse em outra situação, ela seria mais corajosa. Faria escolhas diferentes. Em outra vida, a felicidade seria exteriorizada, e não só para ela.
A televisão mostrava a mais recente revolta de Esmeralda, a batalha de Escarlate com o Construto destruindo mais uma loja perto da Marshall & Fashion, que foi construída do zero mais uma vez.
Bella deu de ombros. Se o prédio fosse destruído de novo ou não, ela não ligava mais.
Ela ouviu um barulho na cobertura, acima de sua cabeça, e foi verificar. Nem em seus maiores sonhos pensou que encontraria Azura ali, invadindo a propriedade alheia.
– Aí está você – a heroína disse naturalmente.
– Eu?
– Não é Isabella? Isabella Marshall?
Bella encostou no batente da porta.
– O meu nome é Bella.
Azura ignorou a resposta.
– Os seus pais não estão em casa, não é?
– Não. Por quê?
– Você deve ter visto que Esmeralda está atacando perto da M&F.
Bella cruzou os braços.
– É, eu sei. Não devia estar lá, ajudando Escarlate?
– É o vermelho. Ele vai ficar bem. Eu, por outro lado, preciso da sua ajuda.
– Como assim?
Azura se aproximou de Bella, o olhar azul firme.
– O que acha de ser uma heroína, só por hoje?
– Você nem me conhece. Não é porque meu sobrenome está perto do ataque que vou correr para salvar o prédio.
Azura revirou os olhos, desejando a melhor atuação da garota naquele momento, uma animação para se tornar uma heroína.
– Não disse isso. Eu mesma destruí aquele prédio da última vez, lembra?
Ela se aproximou e cruzou os braços.
– Eu vi algumas fotos postadas de uma conta da cidade, em uma aula de fotografia, e o seu nome estava escrito logo abaixo.
Bella arregalou os olhos, arrependendo-se de ter comparecido à aula extracurricular na semana anterior. Durante as duas horas que passou aprendendo sobre fotografia, entretanto, e em todos os dias após aquele, ela não se arrependeu. Tinha sido a melhor fuga de sua vida.
– Sei que você se esforça para mostrar a Cidade das Máscaras em uma visão pacífica – a heroína continuou. – Esmeralda está atacando, arruinando essa paz com um construto. Eu e o vermelho precisamos de alguém que possa nos ajudar a voltar para aquela pacificidade que vemos. É você, Bella, não a filha perfeita dos Marshall, que pode ajudar. É da sua ajuda que eu preciso.
E alguma parte do discurso motivacional de Azura entrou na cabeça da garota, porque ela encarou a cidade atrás da heroína por um tempo longo o suficiente para hesitar de algo em si mesma e depois criar coragem para dar um passo à frente.
– O que posso fazer? – perguntou. – Antes que eu mude de ideia...
Azura abriu um sorriso orgulhoso. Ela ativou a Marca do Guardião e um orbe flutuou como mágica para fora, uma esfera de núcleo dourado, cuja proteção tinha sido confiada a ela, e ao qual ela confiava a outra pessoa em troca da proteção da cidade.
– O orbe da Dama Dourada... – Bella reconheceu.
– Isso mesmo. Você deve conhecê-lo. Isso me poupa explicações mais detalhadas. Este é o Orbe da Realidade.
A garota agarrou o orbe com certa timidez, mas o brilho dourado refletiu nos olhos. O pertence de uma antiga e conhecida heroína estava em suas mãos, e ela não podia deixar de se sentir motivada pelo fato.
– O resto eu explico no caminho – Azura murmurou. – Esmeralda deve estar tomando uns belos socos agora.
Azura estava ciente de que tinha algum tempo antes que o desaparecimento de Athena começasse a parecer suspeito. Precisava agir rápido contra Esmeralda.
Enquanto corria com a Arqueira Dourada ao seu lado, explicou o plano e a habilidade do orbe para a garota, que se sentia mais livre do que nunca.
E então fazia alguns minutos que ela estava quieta demais.
A heroína azul aterrissou onde Esmeralda estava atacando, mas algo estava errado. Ela procurou em volta, mas tudo parecia pacífico. Escarlate e o Construto não estavam por perto, nem os vestígios da batalha. As pessoas em volta caminhavam como se o conflito tivesse sido resolvido.
Um sorriso brotou no rosto de Azura. Parecia que Escarlate tinha levado a melhor.
– Não acredito – ela disse. – Ele conseguiu mesmo derrotar o Construto antes de mim?
Ela sufocou uma risada e virou para trás.
– Caramba, Arqueira, não acredito-
E Isabella Marshall não estava em lugar algum.
– O quê? – O sorriso sumiu imediatamente. Ela não tinha tirado os olhos da garota em nenhum momento, mas era como se ela nunca tivesse estado lá. – Arqueira? Arqueira?!
– O que aconteceu?
Então ela sentiu a marca queimar na mão, reagindo ao seu pânico, quando se deu conta de que, sem Bella por perto, o Orbe da Realidade ainda estava com ela.
– Onde você está, Bella? – sussurrou para que ninguém ouvisse.
Ela verificou a energia do Orbe da Mente e tentou formular um plano. Não sabia para onde Bella tinha desaparecido com o Orbe da Realidade e não tinha sinal do parceiro, e assim o pânico se formou em sua garganta.
Ela desceu do telhado, escondeu-se em um canto, desativou o orbe e mandou de volta ao Infinito e virou Athena mais uma vez. A garota se infiltrou na multidão caminhando pelas ruas e verificou o noticiário pelo celular. Não havia notícias de Esmeralda sendo derrotada por um único mascarado.
Olhando em volta, percebeu que tudo parecia mais luminoso na Cidade das Máscaras. As pessoas andavam na rua como se tivessem acabado de ganhar na loteria, os dentes brancos brilhantes alegremente à mostra.
Parecia estranho, mas Athena não desconfiou de nada suspeito, então refez o caminho até o Palco Robbins, imaginando se Bella estaria ali. Então percebeu que alguma coisa estava realmente errada quando, no interior do Palco Robbins, ela se viu em terceira pessoa.
Ela reconheceu todos os traços da garota de cabelos loiros que vestia um avental verde atrás do balcão, as características físicas que tinha passado anos vendo na frente do espelho, e questionou se eram a mesma pessoa. Como poderiam ser, se Athena olhava para si mesma por um vidro?
Quando acabou de anotar o pedido de um cliente no balcão, a atendente, com o mesmo nome no crachá, entregou o troco e se dirigiu até a cozinha.
– Ela... cozinha?
A espectadora sentiu como se estivesse vendo um filme sobre uma versão aprimorada de si mesma, onde seus olhos eram a câmera.
Aquela Athena falsa, entretanto, tinha uma vida diferente. Alguns minutos depois, ela saiu da cozinha carregando uma bandeja na mão e se dirigiu com um sorriso para a mesa no centro da cafeteria.
Com os olhos marejados, a espectadora percebeu que os clientes eram seus pais. Linda e Nicholas estavam recebendo o pedido, vivos e bem.
Então ela entendeu que estava sob o efeito cruel de um orbe. A Lumina Valley que ela enxergava era o desejo altruísta de Bella, manifestado pelo Orbe da Realidade. A funcionária não era a verdadeira Athena, mas a Athena que ela poderia ser.
Athena não resistiu ao impulso de chegar mais perto, de olhar para o rosto dos pais, de quem sentia tanta falta. Ela esperou até que a Athena falsa voltasse para a cozinha e secou as lágrimas, porém não conseguiu evitar o aperto no coração enquanto abria a porta da cafeteria, ouvia o sininho familiar tocar acima de sua cabeça e se dirigia até a mesa dos pais.
Tinha tanto para falar, saudades e perguntas, que a garganta ficou presa no silêncio.
– Já terminou o turno? – a voz suave de Nicholas questionou.
– Eu... sinto tanto a falta de vocês.
– Como assim?
– Você acabou de nos ver – o tom melodioso de Linda ressoou.
– É, é eu sei – Athena balançou a cabeça. – Mesmo assim... mesmo que os veja a todo momento... também sinto a falta de vocês a todo momento.
Os dois se entreolharam, confusos, então olharam para a filha que não conseguia parar de chorar.
– Athena?
A garota girou na direção da voz familiar, sentindo outra explosão de dor tomar conta de seu peito quando Ashlynn se aproximou com a mesma expressão confusa dos pais.
E, por um segundo, o cenário nostálgico parou no tempo. Ash estava de volta como se nunca tivesse partido. Linda e Nicholas estavam aproveitando o tempo livre com a filha, onde ela trabalhava. Os três estavam vivos.
– Venha – Ash sugeriu –, sente conosco.
Athena acompanhou enquanto Ash sentava no banco, deixando uma cadeira vazia para ela. Então, o brilho do mundo afora a fez erguer a cabeça, e um vislumbre desconhecido a fez olhar para um grupo mais atrás, acomodado no sofá perto da janela.
Ela só tinha visto aquele rosto em fotos.
Ao lado de London, Dahlia e Seamus, Elena pegou uma xícara com delicadeza e levou aos lábios. Era inegável que ela era uma mulher bonita nas fotografias, mas, vista de frente na cafeteria, a luz do sol iluminando a pele bronzeada, Elena parecia real.
Athena percebeu que aquele cenário, onde a sua família e a de London simplesmente existiam mais uma vez, poderia ter acontecido se os seus pais não tivessem se envolvido com os orbes. Aquilo teria poupado muita dor para todos. Entretanto, pensou, a outra parte de sua vida, a que dividia com Escarlate, também não existiria.
E ela se perguntou se poderia trocar de vida, se permitir a viver com os pais e Ashlynn naquela ilusão. E então ela começou a se perguntar como seria não pegar o Orbe da Realidade de volta. Era tentador continuar ali, afogando-se em uma miragem. Ela podia escolher aquela vida, mas como? Como poderiam existir duas dela em um mesmo espaço?
No fundo da mente de Athena, ela sabia que era um desejo egoísta e impossível. Tinha plena consciência de que os três rostos que a encaravam de volta eram apenas uma ilusão que Bella havia criado para ela, e nada duraria muito. A habilidade do Orbe da Realidade com sua energia completa, usada daquela forma irresponsável, não duraria muito mais.
Nada daquilo permaneceria para sempre. Aquela realidade não era uma fotografia, era um filme de como Bella imaginava uma vida feliz para os amigos. Era a mentira mais real que poderia existir. Azura precisava estar ao lado da garota quando tudo fosse colapsar.
– Eu tenho que ir agora – Athena falou. – Acho que, dessa vez, sou eu quem os deixa.
Ela olhou para a família pela última vez. Nunca parecia ser o suficiente.
– Mãe, pai, Ash... eu amo vocês. Para sempre.
E o seu corpo inteiro doía ao caminhar para a saída. A voz da outra Athena ecoou atrás dela, indo se encontrar mais uma vez com a sua família, que provavelmente se perguntariam o que tinha acabado de acontecer. Mas não teria importância, porque tudo logo chegaria ao fim.
Então Athena deixou o Palco Robbins para trás.
Ela viu a sombra de Escarlate correndo no alto de um telhado e se perguntou se aquele não poderia ser o verdadeiro. Mas ela sabia que o alcance da habilidade do orbe dourado não era tão amplo e por isso compreendeu que tinha sido a única afetada por ele.
Ela se escondeu em um beco, ativou o orbe azul e foi se encontrar com o herói.
– O que está acontecendo? – ela perguntou.
– Um construto está atacando – ele respondeu.
Azura transformou o orbe em um bastão e acompanhou o ritmo de Escarlate. De longe conseguiram ver o Construto, mas, para a surpresa de todos, outra Azura apareceu na direita, lançando o bastão na direção da primeira, que desviou.
Os três mascarados pararam o ataque e se colocaram um na frente do outro, formando um triângulo desconfiado.
– Quem é você? – a outra Azura perguntou.
Escarlate não sabia para quem olhar.
– Eu sou a Azura.
– Eu discordo.
Azura revirou os olhos pela própria teimosia. Bella tinha capturado aquilo muito bem.
– Você é uma ilusão – disse. – Essa Cidade das Máscaras é falsa!
A outra heroína apontou o bastão para ela. Ela ergueu os braços para não ser atacada e negociou:
– Me escuta! Eu sou a verdadeira Azura!
– É mesmo? Por que eu deveria acreditar em você?
– Sei que não vai acreditar sem provas. É um traço irritantemente inconveniente agora.
Escarlate estava rindo da situação, achando tudo muito interessante.
– Você vai acreditar em mim porque posso provar que sou a verdadeira. Desativar!
Os mascarados ficaram boquiabertos, mas não mostraram nenhum sinal de conhecer a garota loira que surgiu no lugar da heroína.
– Se tentarem, não conseguirão fazer o mesmo. Isso é uma ilusão de Isabella Marshall. Ela não sabe quem vocês são sem as máscaras, então são as únicas identidades que podem ter.
Azura e Escarlate duvidaram no que deveriam acreditar.
– Vermelho – Athena pediu –, crie uma barreira em volta de Azura.
Ele assentiu. Uma cortina vermelha começou a cobrir a heroína, que buscou aprovação em Escarlate.
– Confie em mim – ele disse.
Ela concordou e deixou o orbe fazer seu trabalho. Quando ninguém conseguia vê-la do lado de fora, gritou:
– Desativar!
Alguns segundos depois, a cortina foi desfeita. Azura ainda usava a máscara e tinha o olhar diferente. Escarlate mirou Athena, surpreso.
– O que está acontecendo? – foi a voz dele de perguntar.
Ela deu uma breve explicação sobre a situação e colocou a máscara de volta, voltando a assumir a liderança da equipe.
– Desculpa, mas preciso que um de vocês fique e distraia Esmeralda enquanto o outro vem comigo pegar o Orbe da Realidade de volta, e eu prefiro que você... Azura... fique.
– Eu entendo.
As duas Azura assentiram e tomaram caminhos diferentes.
A dupla comumente extraordinária de heróis seguiu em direção à Marshall & Fashion, no limite da cidade. Eles aterrissaram em um prédio perto, procurando sinais de Bella.
– Então, quer dizer que tudo isso é falso? – Escarlate apontou para os prédios em volta e para si mesmo. – Eu sou falso?
– Claro que não, vermelho – Azura respondeu. – Esse é o poder do orbe dourado. De certa forma, isso tudo é uma realidade. Você é real, porque acredita ser. Pode não ser a minha realidade ou a de Bella, mas você é real, sim.
– Isso não faz sentido.
– Não, não faz.
O herói cruzou os braços e lançou um olhar insinuador para ela.
– Então... nessa outra realidade, você e eu somos próximos assim também?
Azura desviou o olhar, sentindo o rosto esquentar. Ela ainda se lembrava vividamente da confissão do Escarlate de sua realidade. Nas duas batalhas que ocorreram depois daquele dia, foi difícil para ela entender a razão de estar agindo de uma forma diferente. Estava rindo, de fato, das piadas dele. Ela não reclamava mais das cantadas ruins ou das brincadeiras dele. Na verdade, passava a maior parte do tempo desejando estar mais perto de Escarlate, sentindo as mãos tremerem quando ele chegava perto.
– Existem muitas barreiras para nós – ela murmurou.
Escarlate suavizou o olhar. Estava prestes a tocar o ombro dela quando um barulho na cobertura da Marshall & Fashion denunciou uma explosão.
Os dois correram para a cobertura. Um Construto estava atacando, assustando os civis em volta, e no centro estava a Arqueira Dourada.
– Eu pensei que a outra Azura estava cuidando de Esmeralda!
– Vai, azul! Eu resolvo isso!
Escarlate avançou, colocando-se na frente da Arqueira com a espada queimando forte contra o Construto. Azura virou para a mascarada, que tinha um olhar assustada no rosto.
– Bella – disse –, você precisa acabar com isso antes que a energia do orbe acabe.
A garota ergueu a cabeça.
– Como...? Você sabe quem eu sou?
– Eu sei o que você estava tentando fazer. Eu vi. Mas você desconhece o poder real do Orbe da Realidade. Ele não consegue afetar uma cidade inteira, Bella.
A Arqueira balançou a cabeça, negando as palavras.
– Eu não estava tentando machucar ninguém – ela murmurou.
Azura concordou. Tinha visto a bela ilusão criada pela garota. Nada daquilo foi criado para machucar, mas para curar.
– Eu entendo.
Ela sentiu uma presença perto, transformou o orbe em um bastão e rapidamente virou o corpo, bloqueado o golpe da lâmina do Construto. A Arqueira se recuperou e levantou atrás dela, seu arco dourado se formando, apontando para o núcleo do inimigo. Pelo canto do olho, Azura viu os braços dela tremerem.
O resto aconteceu em câmera lenta. A lateral do corpo do Construto se expandiu como um galho em direção à Arqueira, mas nunca chegou nela.
Escarlate tomou o golpe e desabou no chão.
A voz de Azura rachou os céus.
– NÃO!
Ela forçou o bastão contra a lâmina verde afiada, fazendo o Construto se desequilibrar por tempo suficiente para alcançar o corpo ferido do herói.
O rosto dele estava pálido e gelado e seu corpo estava pesado quando ela o puxou para si, apoiando todo o peso dele em seu colo. Ele não desviou o olhar do dela, focando nos olhos azuis como se quisesse que eles fossem a última coisa a ver.
– Eu acredito em você, azul – foram as últimas palavras dele.
Era como a cena da morte de Ashlynn se repetindo mais uma vez na visão de Azura, mas a máscara de Escarlate nunca deixou seu rosto, mesmo depois que o sobe e desce de seu peito deixou de existir.
– Não, não, não, não, não...
O peito da heroína explodiu em dor profunda quando aquele Escarlate, que parecia tão verdadeiro quanto o seu Escarlate, o que tinha sacrificado sua vida por ela tantas vezes, o que fazia piadas ruins, o que ela estava apaixonada, deixava de existir na frente de seus olhos.
REVISADO (4555 PALAVRAS)
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