Capítulo 2
O despertador de Athena não foi programado para tocar de manhã. Era o primeiro dia de aula do último ano do ensino médio, e normalmente ela estaria ansiosa para voltar às aulas, acordada desde cedo se preparando para aprender coisas novas e encontrar os amigos, mas, naquela manhã, o sentimento não estava ali. Não foi esse o motivo que a manteve acordada durante a madrugada, olhando para fora no banco acolchoado à beira da janela, observando o céu trocar as cores do azul mais escuro para o tom mais claro.
Ela pegou a primeira roupa que suas mãos alcançaram no armário, desceu as escadas e tentou procurar pelo banheiro sem acordar ninguém, mas não conseguiu lembrar dos cômodos aos quais tinha sido apresentada no dia anterior. Talvez porque, a cada cômodo apresentado por Anna, Athena estava ocupada demais para prestar atenção, pensando em motivos para não estar naquela casa com aquela família. Ela tentou refazer os passos e lembrar a apresentação daquele andar, então arriscou um palpite e abriu uma porta.
O cômodo parecia ser um escritório desorganizado, bem iluminado pela grande janela com vista para o jardim da frente, com a luz natural da manhã invadindo as paredes brancas e os móveis claros.
De frente para o computador, Anna cruzou o olhar com o de Athena na porta. Uma ficha médica estava na mesa e, na tela do computador, uma série de páginas de exames. O cabelo grosso da mulher estava despenteado e grudado no rosto, ela vestia um moletom sujo de manchas de café e olheiras repousavam logo abaixo dos olhos castanhos, mas Athena não comentou; pensou que devia estar da mesma forma.
Anna deu uma breve olhada no relógio no pulso e então nas roupas no braço da garota, e apontou para uma porta do outro lado do corredor, a voz, ainda rouca, avisando:
– O banheiro fica logo ali.
Athena assentiu, meio constrangida pela invasão.
– Você está bem? – Anna afastou-se da tela do computador na cadeira giratória. Ainda que pudesse deduzir a resposta, precisava perguntar.
– Estou ótima – Athena mentiu. Ela não queria explicar os motivos para sua falta de sono, ainda mais quando um deles olhava direto para ela. Ao menos, pensou, nem Anna nem Robert tinham comentado sobre seus pais ou a mudança silenciosa para a casa.
Ela ainda não tinha se acostumado com a ideia de viver com eles, os estranhos que não eram seus pais. Todos os segundos que passava ali, Athena só pensava em ir embora. Mas ela tinha feito uma promessa à Ashlynn, de que ao menos tentaria se adaptar, então naquela casa era exatamente onde ficaria.
– Está com cara de quem não dormiu a noite inteira – continuou Anna.
Athena queria dizer você também, mas se segurou.
– Estou ótima – repetiu.
Anna percebeu a mentira, mas ignorou.
– Por que está acordada a esta hora? – a garota perguntou.
– Estou estudando um caso – Anna respondeu.
Ela ajeitou a postura e forçou a voz a sair mais autoritária.
– Você e Will frequentam a mesma escola, agora que ele está no ensino fundamental, mas suas aulas são em prédios diferentes. Eu pedi para que ele te acompanhasse essa semana, mas sugiro que você memorize o caminho, para conseguir chegar sozinha nas próximas vezes.
Mais uma vez, Athena assentiu. Demoraria alguns poucos dias para que ela lembrasse o caminho até a escola, e, durante esses dias, Ash a acompanharia na volta. E Will era o único que parecia não gostar de Athena tanto quanto ela não gostava de estar ali, e por isso ela não precisaria se empenhar em uma familiaridade forçada com o garoto ao longo do trajeto.
– Tudo bem.
Ela se inclinou para fechar a porta quando Anna diminuiu a voz:
– Se não se importar, Athena... nós queríamos conhecer você melhor.
Ela parou com a mão ainda na maçaneta. Ela não sabia direito se queria se aproximar deles, ainda mais quando planejava voltar para Manhattan. Ela certamente não queria novas figuras familiares para si e não queria tratar os Robbins como tal. Eles nunca seriam seus pais. Só que, daquela forma, com o quarto decorado, o acolhimento e a cordialidade, parecia que os Robbins queriam se aproximar dela cedo demais. Todos naquela casa estavam se esforçando para que ela gostasse deles e se adaptasse àquela vida. Bem, dois Robbins, pelo menos. Mas apenas poucas semanas tinham se passado desde o falecimento dos seus pais, e ela ainda não estava pronta para seguir em frente.
– Na nossa família, nós jantamos juntos todas as noites – continuou Anna, imaginando que o silêncio seria toda resposta que conseguiria. – Ontem, quando fui ao seu quarto para te chamar para jantar, você estava dormindo. Imaginei que estivesse cansada da viagem, por isso não insisti.
Athena quase soltou um riso, mas não queria ser grossa.
Na noite anterior, depois de arrumar o quarto, ela encostou na janela até o anoitecer, mas não relaxou. Em algum momento, quando o céu se tornou mais escuro, ela ouviu Anna bater na porta e correu para baixo dos lençóis, e quando a porta foi aberta, ela estava fingindo dormir profundamente. Ela não queria conversar e nem jantar com nenhum deles, ainda mais na primeira noite da mudança. Demorou um tempo, mas Athena manteve os olhos fechados até ouvir a porta do quarto bater.
– Sim – ela mentiu de novo. – Apaguei na cama.
Anna cutucou os braços cruzados com as unhas roídas e franziu o cenho.
– Bem, jantaremos hoje.
– Entendi.
– Não precisa decidir de imediato, mas gostaria muito que se juntasse a nós.
Athena estava ficando cansada de assentir.
– Entendi – disse.
Quando Anna voltou sua atenção para o computador, ela entendeu como uma dispensa muito apreciada.
Dessa vez, ela abriu a porta certa que dava para o banheiro, então ligou a água quente e deixou o vapor afogar os pensamentos e o recente convite dos Robbins de sua mente.
Depois de trocar de roupa, ela desceu e encontrou a família na cozinha, em uma dança de pratos cheios e um revezamento de copos que pareceu ensaiada por anos.
Robert mexia em panelas com aromas fortes suspensos no ar, revelando as comidas gordurosas que faziam parte do menu do café da manhã da família Robbins. Ele esticou uma caneca cheia para Athena e desviou habilmente de Will, que passou por debaixo do braço dele como um furacão, agarrou um prato e voltou pelo mesmo caminho. Athena quase aplaudiu a habilidade de Robert, que não derramou uma única gota no chão. Ela pegou o café preto e murmurou um "obrigada".
Anna bebia café com leite e dançava ao som de uma música brasileira animada que tocava na cozinha. Ela, por sua vez, esticou para Athena um prato com pão torrado, ovos e bacon ainda quentes e puxou Robert para dançar junto.
Athena foi para a sala de jantar, tentando absorver o clima animado tomado pela casa. Ela imaginou se todos os dias seriam daquele jeito e tentou calcular quantas xícaras de café seriam necessárias para aguentar toda aquela alegria logo de manhã cedo.
Will sentou na cadeira do outro lado da mesa e arregalou os olhos verdes expressivos para o prato dela, desacreditado.
– Eles te deram bacon?! – Ele fez um beiço, cruzou os braços bronzeados e olhou feio para o sanduíche de salada próprio prato. – Eles nunca me dão bacon...
Athena franziu o cenho e se perguntou se o garoto tinha mesmo idade para chegar até a escola sozinho.
Anna atravessou a sala, cerrando os olhos para o filho em aviso.
– Comporte-se.
Então, Will encarou Athena, zangado, ainda de braços cruzados.
– Não quero você aqui!
Ele deu uma olhada no bacon, pegou o prato com o sanduíche e correu pelas escadas para o quarto, depois estalou a porta com um barulho alto.
Athena lembrou do dia anterior, quando ela tinha chegado com Ashlynn e Will correu para dentro e a ignorou pelo resto da noite. Ele estava se tornando seu favorito naquela casa.
– Ele não quis dizer isso. – Robert sentou na cadeira onde o filho deixou migalhas para trás.
Athena deu de ombros. Ela realmente não se importava muito com o modo de agir de Will porque também não estava exatamente tentando conhecê-lo, mas duvidava de que aquela birra era somente por causa do bacon.
– O que achou da comida? – perguntou Robert.
Athena provou o café e se surpreendeu. Ela conseguia apreciar um bom café, mas em casa, cozinhar não era exatamente o ponto forte de nenhum Fallon. Mas o gosto daquele café quente era melhor do que a água tingida de marrom que tinha se acostumado a tomar em casa, e o cheiro cumpriu uma série de requisitos pelos quais ela considerou aquele como o melhor café que tinha provado em seus dezessete anos.
– Delicioso!
Ela terminou o café em um gole.
– Pode pegar mais, se quiser.
E, fácil assim, Athena não desgostava de Berto.
A sala de aula estava cheia de vozes quando London entrou. No meio de tantos rostos, ele procurava somente um, o único que ele estava ansioso para ver na escola depois de tanto tempo. Ele avistou Thomas acenando de longe e um grande sorriso brotou em seu rosto.
– E aí, cara? – falou Thomas, a voz animada. – Guardei seu lugar.
Ele se levantou para cumprimentar o amigo com o aperto de mão secreto que tinham inventado quando eram pequenos, e eles admiraram o fato de ainda serem capazes de lembrar da coreografia inteira, mesmo depois de tanto tempo.
– Quanto tempo! – falou London, sentando na carteira vaga ao lado de Thomas.
Ele observou como o amigo mudou durante as férias escolares. Thomas tinha tirado o aparelho dos dentes, cortado alguns centímetros do cabelo escuro ondulado, tinha começado a praticar exercícios físicos e crescido, ficando mais alto que London, que já era bastante alto. Algumas coisas nele, no entanto, ainda continuavam as mesmas, como os óculos enormes sob o nariz largo, contrastando com a pele marrom escura, e as roupas de temas científicos que ele costumava usar.
London sorriu com a familiaridade.
– Você não mudou quase nada – mentiu.
Ele largou a mochila na carteira vaga e se sentou.
– Posso falar a mesma coisa de você.
Thomas olhou em volta, procurando os rostos novos e os antigos.
– Acho que todos ainda estão aqui este ano.
London seguiu o olhar dele e também analisou os rostos na sala. Ele soltou o fôlego.
– Ah... – disse. – Estou feliz em voltar.
Thomas relaxou na cadeira.
– Para falar a verdade, achei que você não viria.
– Eu também, mas... eu precisava vir – London respondeu. O barulho dos estudantes e os trabalhos de casa eternos preenchiam a mente dele com outras coisas além do falecimento da mãe, que tinha acontecido há apenas alguns meses antes do início das aulas.
– Tudo bem se não viesse.
London ergueu a sobrancelha.
– E com quem você ia conversar se eu não viesse?
– Eu tenho outros amigos, sabia?
London riu da defensiva do amigo, que falava a verdade. Thomas era mais sociável do que ele, e ainda que este não fosse o único motivo, tinha muito mais amigos em comparação. Na verdade, se London contasse seus amigos mais próximos nos dedos, contaria apenas dois.
– Mas nenhum deles é seu melhor amigo – ele apelou.
Thomas rendeu-se.
– Verdade.
O relógio acima do quadro branco marcou o começo da primeira aula.
– Só tô dizendo que suas férias podiam ser prolongadas, se você quisesse – continuou Thomas.
– Eu sei.
London retirou os materiais da mochila e colocou em cima da mesa. Ele tinha decidido voltar para a escola junto dos outros alunos porque não queria mais ficar sozinho em casa. Os meses finais do segundo ano e as férias tinham sido mais do que o suficiente para isso.
– Temos um rosto novo esse ano... – Thomas apontou para a porta.
O professor entrou na sala de aula acompanhado de uma garota nova que London não reconheceu, imaginando que ela não devia ser moradora de Lumina Valley. Ela vestia a blusa branca por dentro da calça marrom e, enquanto seguia o professor, não ousou cruzar o olhar com ninguém em particular. Ela era bastante pálida, tinha o cabelo loiro liso cortado na altura dos ombros, sardas nas maçãs do rosto e no nariz, olhos azuis como o oceano e carregava um copo de café na mão.
– Alô, galera, eu estou aqui na frente, não é? – disse o professor, balançando os braços no alto para que os alunos ficassem quietos.
Quando todos se silenciaram e estavam olhando para a aluna nova, London podia jurar que a viu ruborizar, e escondeu um sorriso.
O professor apresentou-a para a turma. Disse que seu nome era Athena Fallon e que ela tinha chegado da cidade de Nova York há apenas um dia. Ele abriu espaço para perguntas e para ela falar um pouco sobre si mesma, mas ela apenas se mexeu no lugar, desconfortável.
– Não posso só me sentar? – ela sussurrou.
– Não, infelizmente não. – O professor insistiu e apontou para os outros alunos. – Todos eles passaram por isso.
Athena xingou mentalmente a maneira como a igualdade funcionava naquela sala de aula, deixando os introvertidos em desvantagem.
– Você veio mesmo de Nova York? – perguntou alguém no fundo da sala.
Athena percorreu os olhos à procura da voz melodiosa. Um garoto belo, com o cabelo preto levemente cacheado e olhos escuros, olhava diretamente para ela. O rosto retratava uma herança japonesa e foi iluminado por uma estranha curiosidade, fez Athena xingar de novo na cabeça.
Ela se limitou a responder apenas uma palavra.
– É.
– O que é diferente em comparação com Lumina Valley? – A voz melódica e profunda ecoou pela sala, mostrando que ele não estava satisfeito com aquela resposta.
Athena cerrou os olhos na direção dele, perguntando-se o motivo da interrogação. E como o garoto apenas se recostou na cadeira, esperando pela resposta, ela suspirou e lembrou da primeira coisa que notou quando acordou no carro, assim que chegou em Lumina Valley.
A estrutura de Manhattan era histórica, a pintura apresentando idade mais avançada e as luzes eram mais coloridas. Em Lumina Valley, no entanto, a arquitetura era mais moderna e composta, em sua grande maioria, por casas de muitos andares e uma vizinhança calma de luz menos variada e monocromática.
– A história, acho.
– E quanto às pessoas?
– As pessoas? – Athena cruzou os braços, estranhando a conversa. – São enxeridas.
Ela ouviu algumas risadas baixas ecoarem pela sala e sentiu o rosto ruborizar. O garoto avaliou a situação por um momento e fez sua última pergunta.
– Como é a cidade depois da meia-noite?
Athena ficou confusa. Aquela não parecia uma pergunta objetiva. Era quase como se ele soubesse de algo que nem mesmo ela sabia. Algumas pessoas se inclinaram para a frente, parecendo de repente interessadas, como se aquele fosse um momento familiar para eles.
Na noite anterior, Athena sentou no banco acolchoado do quarto e ficou olhando pela janela, assistindo as luzes monocromáticas de Lumina Valley se apagarem e a escuridão se tornar crescente. Estava desperta demais para conseguir dormir.
As luzes coloridas eram o que Athena mais gostava em Nova York. As cores eram um fragmento das pessoas, uma prova de que a cidade estava acordada, viva. Em Lumina Valley, no entanto, uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos, as luzes pareciam ter hora de dormir, já quase não existiam depois de certa hora. As luzes de Lumina Valley, bem como os moradores, eram mais adormecidas, monocromáticas, tornando o ambiente mais calmo, mas ainda bastante bonito aos olhos.
– Simples – respondeu Athena.
O garoto sentado no fundo da sala sorriu e se encostou de volta na cadeira, terminando seu diálogo.
– Certo, pessoal, estamos prontos? Vamos começar a aula! – gritou o professor. Ele apontou para um lugar vazio na fileira de carteiras no meio da sala. – Pode se sentar ali, perto da MJ.
Athena foi caminhando entre as fileiras, sentindo olhares pesando nas costas. Ela não encarou aqueles que a observavam, porém sustentou o olhar do garoto de moletom vermelho, que capturou sua atenção, sentado perto de um garoto de óculos grandes. Ele a observou com olhos castanho-escuros que contavam uma história e curiosidade inexplicável, e foi o primeiro a desviar o olhar.
Por fim, Athena chegou na carteira designada.
A primeira coisa que ela notou sobre Morgan foram os folhetos espalhados pela mesa. Uma análise rápida mostrou um anúncio em letras garrafais e a data da manifestação pública contra um evento, que aconteceria em Lumina Valley.
A segunda coisa que notou foi a aparência gentil e sorriso extrovertido da garota, com uma pergunta pairando na ponta da língua. Morgan tinha o rosto fino, o cabelo preto cacheado até a metade das costas e os olhos escuros curiosos, uma bela garota negra de pele clara, e foi a língua solta que a incitou a começar a falar.
– O que aconteceu lá na frente? – perguntou.
– Como assim? – Athena sussurrou de volta.
– Não sei o que ele estava pensando ao fazer aquelas perguntas.
Pelo modo como Morgan denunciou a atitude do garoto, com uma raiva irracional para com uma desconhecida irradiando nos olhos, Athena percebeu que aquelas perguntas nunca foram feitas para ela.
– Quem é ele?
Morgan virou para a última fileira, onde o garoto estava distraído girando uma caneta entre os dedos e ocasionalmente escrevendo anotações que não eram sobre a aula.
– O nome dele é Jasper Young – explicou com ar de familiaridade. – Somos amigos desde que eu era a novata, há dois anos. Ele nunca foi de fazer alguém passar vergonha.
– Não – reconheceu Athena –, ele não estava fazendo isso.
Morgan se aproximou e a observou com seriedade, procurando uma explicação que ela mesma não conseguia compreender, mas desviou os olhos ao perceber que o silêncio da nova aluna dizia que não conseguiria respostas.
– Você não quer ficar aqui por muito tempo, não é?
Athena arregalou os olhos, surpresa.
– Como você sabe?
Morgan deu de ombros e começou a copiar o quadro, empurrando os folhetos para o lado como se fosse uma antiga máquina de escrever.
– Você não me perguntou sobre os cartazes que estava olhando.
Ela notou mais uma vez a surpresa no rosto de Athena e começou a gesticular com a caneta na mão e um sorriso simpático no rosto.
– É, eu percebi – disse.
– Como?
Seus dedos longos cobertos por um mar de anéis produziam um barulho metálico ao se chocarem.
– Normalmente quem planeja ficar faz um esforço para criar amizades.
Athena estava curiosa quanto à Morgan, admirada com sua capacidade de percepção.
Ela ficaria em Lumina Valley por alguns meses, isso era certo, e não tinha planejado o que faria durante todo esse tempo todo. Era certo que não tinha planejado fazer amigos, já que voltar era seu único objetivo, mas ter alguns naquela cidade certamente faria com que o tempo passasse mais rápido e se tornasse bem mais divertido.
Ela esticou a mão para Morgan, decidida.
– Meu nome é Athena, mas você já sabe disso – disse.
Elas apertaram as mãos.
– Morgan Justice, mas você pode me chamar de MJ.
O sinal indicou o término da última aula e início da tarde. As aulas extracurriculares só estavam previstas para começar a partir da segunda semana de aula, então os alunos estavam planejando o resto do dia.
– Tem planos para mais tarde? – Thomas perguntou, mesmo sabendo a resposta.
– Vou ficar preso em uma reunião – London resmungou.
Thomas largou a apostila em cima da mesa, provocando um baque sonoro alto.
– O quê!? – resmungou London.
– Foi mal, me empolguei – Thomas admitiu. – Mas tem certeza de que é isso que você quer, cara? – Ele cruzou os braços e pressionou os dedos no óculos, como fazia sempre que queria provar seu ponto de vista. Era óbvio que as reuniões não eram o que ele queria para o amigo. – Sem querer colocar mais pressão na sua vida ocupada, meu caro amigo London, mas este é o ano em que escolhemos o nosso futuro!
No último ano do ensino médio, a maioria dos estudantes já tinham decidido em qual direção seguir depois. Thomas cursaria programação, mas, diferente dos outros alunos, tinha decidido esse caminho ainda cedo, quando, pela primeira vez, ajudou a programar um robô funcional que não se incendiou. Ele estava orgulhoso de sua escolha, mas, aos seus olhos, London parecia estar perdido em relação ao futuro, ou certo demais quanto à escolha errada.
– Fazer parte da empresa é o meu legado – disse London.
– Isso não é resposta.
London colocou a mochila nas costas, pronto para acabar com a conversa.
– Sim – ele não encontrou os olhos do amigo –, é isso que eu quero.
E foi embora, deixando Thomas com os outros amigos.
Athena e MJ ainda conversavam quando a maioria dos alunos tinha saído. Durante as aulas, elas se ajudaram quando tinham dúvidas na matéria, sussurraram quando os professores não estavam olhando e disfarçaram risos enquanto os colegas se perguntavam de onde vinha a fonte do barulho. Mesmo no primeiro dia de aula e com certa dificuldade em se aproximar de pessoas novas, Athena se sentia próxima de Morgan.
Elas estavam guardando os materiais quando um garoto grande se colocou na frente de Athena. Ele tinha uma cabeleira laranja como as cores mais nobres do outono, olhos verdes e sardas em todo o rosto pálido, mas sua aparência foi ocultada pelo celular que ele apontou na direção de Athena e pelo flash ligado.
– Seu nome é Athena Fallon? – ele perguntou, a voz aguda e empolgada.
MJ, que o conhecia por tempo suficiente para saber que ele não tinha boas intenções quando aparecia com o flash ligado, tentou fazê-lo sair de perto.
– Sai daqui, Oliver!
Oliver desviou habilmente para o lado quando MJ tentou agarrar o celular, e sorriu para Athena, que não entendeu a situação, mas percebeu que os dois não eram amigos, e por isso ele não devia ser uma boa pessoa.
– Fallon, como naquele incêndio que aconteceu em Nova York?
Athena transformou os olhos em gelo cortante, chocada com o modo que as palavras foram pronunciadas, como se fossem nada mais que notícias. Ela não tinha se dado conta de que alguém poderia ter conhecimento de sua história, especialmente em uma cidade pequena como Lumina Valley. E pela reação surpresa de Morgan e dos outros que observaram a cena, eles não conheciam mesmo. Mas Oliver parecia estar disposto a mudar isso.
– Foi por isso que você se mudou para cá? – ele continuou, tentando jogar os cachos alaranjados para trás da cabeça. – Pode comentar sobre isso?
Athena levantou da cadeira com a intenção de colocar juízo na cabeça dele, mas sentiu os olhos começarem a arder com uma prévia de lágrimas. Quando pensou que estava prestes a chorar, outro garoto se colocou entre os dois e tampou a visão da câmera com o próprio corpo.
– Vai embora, Oliver – ele sugeriu, o tom brincalhão na voz retratando calma.
Oliver olhou em volta e considerou a situação, então olhou para Athena uma última vez antes de abaixar a câmera e ir embora.
– Eu ia falar com ele – Athena mentiu, passando as mãos pelos olhos disfarçadamente.
O garoto virou e olhou diretamente para ela. Ele era alguns centímetros mais alto que ela e também era o mesmo estudante que tinha feito as perguntas no começo da aula. Jasper, lembrou. Ele tinha pele clara e olhos escuros cobertos pelo cabelo, e usava uma blusa branca por debaixo do casaco quadriculado e calças jeans claras, e sorriu para ela.
– Agora não precisa mais – disse.
A voz melodiosa dele fez ela sorrir de volta, secando a prévia das lágrimas dos olhos.
MJ se aproximou e cruzou os braços ao lado de Athena.
– Não ligue para o Oliver – falou Jasper. – Ele faz essas coisas.
– Ele pode ser bem sem noção de vez em quando. – Morgan revirou os olhos.
Athena assentiu. Instintivamente, percebeu que vários rostos olhavam para ela. Agora todos sabiam o motivo de sua mudança para Lumina Valley, e ela não queria ser alvo de pena. Mais do que nunca, queria apenas voltar para casa, para Manhattan.
– Enfim – Jasper chegou mais perto, uma intimidade indescritível com quem acabou de conhecer, e apontou para três pessoas – Aqueles são Thomas, Cameron e Liana.
Athena agradeceu pela mudança de assunto e observou onde ele apontava.
Um dos adolescentes era um garoto com a camiseta estampada de átomos no centro, e sorriu como se ele e Athena fossem amigos há muito tempo.
Os outros dois adolescentes eram bem parecidos fisicamente. Ambos com a pele clara bastante pálida, com cabelo castanho-dourado e olhos amendoados, mas só por esses detalhes podiam ser chamados de irmãos.
O irmão mais novo era significantemente mais alto e maior que a irmã, tanto em altura quanto em largura, mas tinha um rosto muito mais simpático e, quando avistou Athena, uma covinha apareceu nos cantos da boca.
A irmã mais velha, por sua vez, tinha um rosto mais sério e fechado, uma única mecha rosa-choque em cada lateral do cabelo, e o short jeans rasgado que vestia revelou uma prótese prateada reluzente, logo abaixo do joelho direito, e ela não sorriu com os dentes, mas acenou discretamente com os dedos.
Athena notou a ausência do garoto de olhos castanho-escuros que estava sentado perto de Thomas, e se perguntou quem era e qual o motivo de não ser incluído na apresentação.
Ela deduziu que todos eles deveriam se conhecer há bastante tempo, considerando que ela era a única novata do terceiro ano, e deviam ser amigos por todo esse período também.
– Vamos nos encontrar de noite no Palco Robbins – continuou Jasper.
Athena ergueu as sobrancelhas.
– Robbins? Como a Anna e Berto Robbins?
– É – disse Morgan, igualmente surpresa. – Espere aí, Berto? Você já conhece eles?
Athena abafou uma risada. Lumina Valley era mesmo uma cidade pequena.
– Não conheço o Palco Robbins.
– É uma cafeteria – revelou Jasper. Ele virou de frente para Athena e demorou o olhar nas marcas do rosto dela, e continuou observando ao falar: – Você sabe onde é, MJ, então, se puder, leve a sardenta junto.
Ele não esperou por uma resposta, pegou a mochila e foi embora com os outros.
– Como conhece os Robbins? – perguntou MJ, mas antes que pudesse ter a resposta, ela arregalou os olhos escuros. – Não acredito!
– O quê?
– Minha irmã caçula está na mesma turma que o filho deles, aquela peste! – Ela fingiu esganar o ar, arrancando uma risada generosa da amiga.
– O Will é mesmo uma peste – Athena concordou.
– Eu sabia! – Morgan cobriu a boca e apontou para a amiga, empolgada. – Na semana passada, minha irmã disse que ele estava irritado porque os pais estavam considerando adotar alguém de outra cidade.
– Eu mesma. Mas eu prefiro chamar de "favor para uma amiga".
Athena voltou a guardar os materiais e sentiu os olhares curiosos dos alunos restantes sobre cada movimento que fazia.
– Ótimo – sussurrou. – Agora a sala inteira sabe porque estou aqui.
Morgan cutucou o braço dela de leve e sorriu.
– Se vale de alguma coisa, fico feliz que esteja aqui, independente do motivo.
Athena abriu um sorriso fraco e jogou a mochila nas costas.
Sentado nos degraus da frente da escola, London observou o fluxo de pessoas.
Pelo canto do olho, viu a novata sair com um olhar mais alegre do que quando entrou na sala de aula. Ele ainda conseguia enxergar uma sombra escondida em algum lugar nela, uma sensação com a qual ele se sentia familiarizado. Ainda assim, naquele momento, quando a garota desceu as escadas acompanhada de Morgan e as duas conversavam como se fossem velhas amigas, ele não pôde deixar de notar uma amostra de felicidade nela.
Tal sentimento feliz parecia visitar London cada vez menos, mas ainda podia senti-lo de vez em quando, ao receber mensagens de Thomas ou de Bella, ou quando a irmã aparecia para visitar, ou mesmo quando conseguia a aprovação do pai.
Eram poucas as coisas que ainda faziam ele se sentir feliz.
Ele escondeu um sorriso e desviou o olhar de Morgan e da aluna nova. Athena, ele se lembrou. Alguma coisa nela tinha despertado o interesse dele. Ele sentiu vontade de saber um pouco mais sobre ela, e por alguma razão, sentia que descobrir mais sobre aquela garota era, de algum jeito, descobrir mais sobre si mesmo.
O carro cinza da Companhia Gray estacionou em frente à escola e o novo segurança da família se aproximou de London.
London percebeu quando o homem corpulento tentou disfarçar enquanto olhava para o outro lado da escadaria. Ele se virou naquela mesma direção e viu Liana e Cameron acenando de volta, depois percebeu que todos eles tinham o mesmo tom de cabelo e um rosto parecido.
Ele tinha conhecimento de que o novo empregado tinha filhos adolescentes, mas ainda se surpreendeu com a coincidência.
O homem parou na frente de London, de costas para os filhos.
– Está pronto, senhor? – ele perguntou.
London odiava aquela formalidade.
O primeiro segurança da Companhia tinha sido um grande amigo, e mesmo durante os dezessete anos que trabalhou para a família Gray, nunca tinha sido capaz de largar o hábito da formalidade, nem mesmo quando foi despedido.
Entretanto, longe dos olhos severos do pai, London queria tentar uma atitude diferente com o novo segurança.
– Pode ir falar com seus filhos.
– Como é, senhor?
Ele deu de ombros.
– Eu posso esperar.
– Não. – O segurança riu e conduziu London pelos degraus. – Não, eu tenho que levar o senhor para casa.
London manteve os pés firmes no chão, ajeitou a postura e reuniu as mãos na frente do corpo, exibindo a melhor imagem do pai que conseguiu. Precisava apenas do terno para fazer a atuação perfeita.
– Estou mandando você ir lá falar com eles, sr. Rose. – Ele tentou imitar até mesmo o modo como o pai soava. – E quero que pare de me chamar de senhor.
O segurança ficou em silêncio por um bom tempo, vendo London exibir um desafio em seus olhos castanhos bondosos. Então, coçou a barba rala e desatou a rir.
– Vou com uma condição. A partir de agora, me chame apenas de Keaton.
– Fechado.
– Certo, estou indo – disse Keaton. – Obrigado, London.
London desfez seu papel de chefe como se estivesse trocando de roupa e voltou a ser um estudante de novo. Ele odiava ter que fazer aquilo mas, muitas vezes, era só o que fazia as coisas funcionarem.
Ele foi até o carro cinza da Companhia Gray com as mãos no bolso da calça, sorrindo de leve com a situação.
Pelo canto do olho, percebeu um par de olhos avelã pairando sobre ele, a expressão da mulher indecifrável, e ele rapidamente desviou o olhar. Quando olhou de volta, a mulher tinha desviado a atenção para a garota nova, que foi em seu encontro com as sobrancelhas erguidas.
London conseguiu ouvir Athena dizer "ainda estou aqui" para a mulher, antes de abrir a porta do carro e se jogar no banco de trás.
(REVISADO 5102 PALAVRAS)
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