Capítulo 10
No Palco Robbins, Athena amarrou o avental verde de atendente nas costas e lembrou do acordo com a família adotiva. A regra mais importante a lembrar era que ela não devia, de modo algum, chegar perto da cozinha.
A condição de Anna ao oferecer a vaga era que o turno deveria terminar antes da hora do jantar, de forma que Athena pudesse passar tempo com os Robbins.
Embora a cafeteria e o palco levassem o sobrenome de Robert, ele não frequentava o Palco Robbins, preferindo uma vida doméstica e reservando a culinária para os familiares.
A condição de Athena tinha sido mais aceitável. Quando o movimento estivesse lento, o tempo poderia ser preenchido por pausas para estudar – e para secretamente investigar mais sobre Seamus Gray e sua relação com Ashlynn – e uma bebida por conta da casa.
O trabalho era bastante monótono e não levou muito tempo para que ela começasse a entender como tudo funcionava. Seu trabalho era atender aos pedidos dos clientes, passar os pedidos para o cozinheiro, Marcus, preparar, então servir os pratos prontos, recolher louças, receber o pagamento, limpar as mesas quando Naomi, a faxineira, estivesse ocupada, e depois organizar os horários das apresentações no palco.
Athena atendeu os primeiros clientes, sentindo-se orgulhosa do aprendizado.
Algumas horas depois do turno começar, a primeira cliente conhecida chegou. Ela deu uma olhada ao redor e depois olhou para a funcionária no balcão, com avental sujo e o cabelo loiro preso em um rabo de cavalo. A voz dela substituiu a música de fundo da cafeteria.
– Te colocaram mesmo para trabalhar.
Athena encontrou os olhos avelã de Ashlynn e começou a passar um pano no balcão grudento.
– Aqui é um ambiente profissional. Sem conversas durante o turno.
– Desculpe, profissional – zombou Ashlynn. – Eu pensei que os Robbins não estavam falando sério sobre o emprego.
Athena empurrou o menu creme com opções escritas à mão na direção dela.
– O que vai pedir? – Ash cerrou as sobrancelhas e Athena deu de ombros. – Tem que pedir alguma coisa se quiser ficar no estabelecimento, são ordens dos patrões.
Ash revirou os olhos rispidamente, pegou o cardápio e leu as opções. Alguns minutos depois, ela devolveu o menu.
– Quero um croissant e um suco de laranja, para viagem, por favor.
Athena anotou o pedido em um bloquinho e colou a nota na janela da cozinha.
– Marcus! – Ela conseguia sentir o calor do fogão mesmo onde estava. – Mais um!
– Calma, menina! Já vou preparar!
Ashlynn se acomodou em um banqueta de frente ao balcão, ignorando as ordens sobre conversas no turno. Athena imaginava o motivo da visita.
– Como está se ajustando? – Ash perguntou.
– Você faz um bom papel de irmã mais velha, sabia?
Athena queria poder contar sobre a noite anterior, sobre como superou seus medos e se tornou Azura. Queria contar que tinha um parceiro, assim como os heróis de Nova York, e que eles estavam se tornando mais próximos. Queria reclamar da Instrutora e como era rígida. Entretanto, como tinha explicado antes para Escarlate, sabia que a máscara existia por uma razão fundamental: todos próximos de Athena poderiam estar em perigo caso sua identidade fosse descoberta. Ela sempre compartilhava seus segredos com Ashlynn, mas aquele teria que ser uma exceção.
– Tem sido... turbulento – respondeu.
– Conte-me tudo enquanto esperamos a comida ficar pronta.
E como não podia falar sobre tudo, Athena contou sobre os novos amigos.
– Eles devem chegar daqui a pouco, na verdade.
– Vou conhecê-los? Tenho tantas fotos suas de criança para mostrar! Vou contar suas histórias mais vergonhosas!
– Tenho certeza de que você tem coisas melhores para fazer, não?
Ash deu de ombros.
– Prefiro ficar aqui e te envergonhar na frente dos seus amigos.
– Nossa... você até age como uma irmã mais velha.
Depois, Athena falou sobre a situação com os Robbins.
– Eles são pessoas boas – admitiu.
– Eu te avisei.
– Você gosta de dizer isso, não é? – Athena revirou os olhos.
– É minha frase favorita, sem dúvidas.
– Bem, você estava certa sobre Anna e Robert. Mas o Will, ele...
– Ele é uma peste – Ash completou.
Athena riu alto, concordando com a cabeça.
– Ele não gosta muito de mim – disse.
– Ele nem olhou para mim quando eu cheguei.
– Ele me acusou de roubar os pais dele.
Dessa vez, Ash riu alto.
– Estivemos nessa situação antes, lembra?
Athena devolveu o sorriso. Antes de se tornarem amigas, ela pensava o mesmo sobre o relacionamento de Ash com seus pais, Linda e Nicholas. Ashlynn passava a maior parte do tempo com eles no trabalho e ainda se encontravam no final de semana, poucas vezes levando Athena junto.
– Eu tive que fazer um acordo para ele fingir gostar de mim.
– Eu deveria ter pensado nisso!
Por último, Athena comentou sobre a mudança para a casa e mencionou o documento assinado por Seamus Gray que tinha encontrado atrás da fotografia.
– Você não saberia algo sobre isso? – perguntou.
Ash ergueu a sobrancelha e deu de ombros.
– O que tem isso? Eu trabalho para Seamus Gray, Athena.
– Por que estava atrás da moldura da fotografia?
– Posso ter esquecido ali.
– Mas por que não queimou no incêndio? Como que essa folha, de tudo, não queimou, mesmo quando a moldura queimou?
– Porque essa fotografia é minha. Eu te dei a minha, que não tinha queimado.
Athena apoiou a mão no queixo.
– Por que a curiosidade? – questionou Ash.
Athena queria, desesperadamente, que houvesse algo para investigar. Ela queria que, de alguma forma, aquele documento estivesse conectado aos seus pais. Que, se Ash conhecia Seamus, talvez Linda e Nicholas também conhecessem. Mas era apenas um papel escondido ao acaso na moldura da foto. Pensando mais uma vez, Athena quase riu da ideia. Queria tanto descobrir o que tinha acontecido de verdade que estava começando a enxergar onde não havia nada a ser visto.
– Não é nada.
Era quase como se ela pudesse ler a expressão de Athena. Talvez fosse o longo tempo em que as duas se conheciam, mas havia muita gratidão por tal habilidade.
– Não tente procurar onde não existe nada, Athena. Vai acabar se decepcionando.
– É, eu vou tentar.
Ash amenizou a expressão, um pouco ansiosa.
– Ashlynn Johnson! – Marcus chamou. – Seu pedido está pronto!
Athena pegou os itens pela janela da cozinha, embalou tudo em uma sacola marrom e entregou para Ash, que entregou duas notas e colocou mais uma no jarro de gorjetas.
– Para compensar Berto pelo trabalho que você deu.
Athena deu de ombros.
– As gorjetas são divididas entre os funcionários. Não vai nada para o Berto.
– Então não gaste tudo de uma só vez, espertinha – Ashlynn abraçou Athena por cima do balcão. – Preciso voltar ao trabalho, mas vou continuar voltando aqui.
– Enxerida – sussurrou Athena.
– O que dis-
– Você consideraria avaliar o Palco Robbins? – Os olhos avelã a fuzilaram novamente, arrancando uma risada de Athena. – Faz parte do protocolo perguntar.
– Eu daria três estrelas para a atendente, por perturbar os clientes.
Athena pegou o bloco de anotações.
– Quatro estrelas e meio? Anotado.
– Caramba...
Ash acenou para Athena antes de sair, abrindo a porta na mesma hora em que Morgan, Thomas, Jasper, Cameron e Liana entraram na cafeteria.
– Ah! Vocês devem ser os amigos de Athena! Eu tenho tanto para contar sobre ela!
– Não tem, não! – Athena olhou feio para Ash. – Você não tinha que trabalhar?
– Posso ficar mais um pouco.
– Eu quero ouvir... – Morgan comentou.
– MJ, não incentiva ela – Athena implorou.
Ash se afastou do grupo de amigos e riu.
– Certo, estou indo! – Ela acenou mais uma vez e saiu da cafeteria.
Morgan levou o grupo para o balcão, rindo da reação nervosa de Athena.
– Não sabia que você tinha uma irmã.
– Não tenho. Ash só gosta de implicar comigo.
– Athena! – falou Cameron. – Como está indo até agora?
– Muito bem, na verdade. É até divertido trabalhar aqui.
– Que bom. – Jasper sorriu. Ele parecia sempre sorrir quando falava com Athena, e ela respondeu com um sorriso tímido.
Thomas ajeitou os óculos no nariz.
– Então... você é a nova funcionária?
– Eu mesma.
– Tem certeza de que é qualificada? Por causa do seu péssimo gosto, sabe.
– Engraçado você mencionar, Thomas, porque eu procurei no cardápio a sua, como é o nome...?
– Bomba de Abóbora – lembrou MJ.
– Isso. Essa bebida nem está no cardápio. De acordo com Marcus, ela era tão pouco pedida que colocaram na última linha do menu, em letras miúdas, e depois, quando ninguém mais pediu, eles tiraram do menu. É uma bebida fantasma, Thomas.
– Isso é porque ninguém tem um paladar como o meu. – Thomas colocou as mãos no coração, fingindo estar ofendido.
– Ninguém tem um paladar tão ruim quanto o seu – zombou Liana.
– Mas, ei, pelo menos agora você pode mudar seu gosto para bebidas, e de graça.
Athena deu de ombros.
– Obrigada, mas vou gastar meu privilégio de bebida grátis com café de verdade.
Thomas levantou os braços para o ar, derrotado.
– Eu perdi mais uma. Lamentável!
Athena fez uma nota mental para lembrar o nome da bebida de Thomas das próximas vezes.
– Acabou que você não teve a chance de ver a banda tocar antes – falou Jasper.
A mente de Athena voltou para a noite anterior. Não tinha como explicar para Jasper o que tinha acontecido, como tudo estava caótico.
– Terei outras chances de ver vocês tocarem. Agora que trabalho aqui, posso agendar suas apresentações. Podem até tocar no meu turno, para animar essa cafeteria um pouco.
– Vou tocar especialmente bem, então – afirmou Jasper.
Athena disfarçou a vermelhidão no rosto borrifando álcool na bancada de mármore, e começou a esfregar com um pano, tentando evitar o olhar de Jasper.
– Afinal, por que você está trabalhando aqui? – perguntou Cameron.
– Os Robbins ofereceram o emprego para que eu juntasse um pouco de dinheiro. Vou precisar de bastante para voltar para Manhattan.
De repente, Liana espalmou as mãos na bancada.
– Eles estão compactuando para você ir embora? Que injusto! – Ela cruzou os braços. – Você acabou de nos conhecer e já quer voltar, é isso? Eu fui até legal com você...
– Eu ainda tenho algumas coisas para resolver em Manhattan. – Athena riu da reação de Liana. – Eu só vou conseguir voltar quando acabar a escola, de qualquer forma, então você tem algum tempo para me agradar mais.
Liana piscou. Athena gargalhou, apertou o avental verde e preparou o bloco de notas e a caneta.
– Podem pedir.
London se sentia diferente naquela tarde.
Na noite anterior, depois de ter se tornado Escarlate e conhecer Azura e a Instrutora, ele enviou uma mensagem para Thomas, assim que pisou em casa, sentindo urgência de falar com ele, de explicar sua ausência e dar uma resposta satisfatória para ele.
Finalmente tinha a resposta.
E foi essa mesma sensação que fez London sair da escola após as aulas, sem avisar ao motorista, Keaton Rose, e seguir caminho até o Palco Robbins.
O cheiro da tarde movimentada na cafeteria fez seu caminho ao nariz de London. Ele viu Thomas conversando com os outros amigos e se aproximou.
– Olá, London – Jasper cumprimentou.
– Oi.
Os olhos dele cruzaram rapidamente com os de Athena, que entregava os pedidos dos amigos, mas ela desviou primeiro, indiferente.
Ela murmurou algumas palavras para Thomas. Ele procurou em volta até encontrar o amigo parado na porta de entrada. Ele agarrou a bebida e, com um aceno, guiou o amigo para uma mesa acolchoada no canto. Mais perto do palco, puderam ouvir o leve ressoar de uma voz ao vivo. London se surpreendeu por existir, de fato, um pequeno palco naquele lugar.
Ele se acomodou e sentiu o coração bater ansiosamente. Desde que deixou Keaton no estacionamento da escola, não conseguia afastar a sensação de que algo estava errado. Pensou que talvez devesse voltar para casa, mas não se mexeu.
– Seu pai deixou você vir aqui?
– Não. Ele não sabe. E nem Keaton.
Thomas abriu a boca. Então a fechou. E abriu de novo. E fechou de novo.
– A resposta é não – falou London.
– A resposta... do quê?
– Você me perguntou se trabalhar na Companhia Gray era o que eu queria, se eu tinha certeza de que é isso que eu quero – explicou. – A resposta é não.
Thomas encostou no banco acolchoado e cruzou os braços. Ele observou o amigo de cima para baixo, perguntando-se o estado de saúde dele. Em um pulo, ele avançou com a mão esticada contra a testa de London.
– Vem aqui!
– O que você está fazendo?! – London se afastou da mão do amigo.
– Deixa eu... – Ele continuava desviando das investidas, então Thomas desistiu. Não fazia ideia se era uma pegadinha ou não. – Você está bem, cara?
London sufocou um sorriso. Thomas não fazia ideia de como, mais do que nunca, se sentia ótimo. Também não sabia que a atitude diferente de London era resultado da felicidade que durou somente algumas poucas horas no dia anterior, um segredo que teria que guardar.
Ele queria contar ao amigo sobre a vida secreta que estava levando, mas os protocolos sobre os heróis, aos quais tanto London quanto Thomas estavam bem familiarizados, devido aos anos lendo quadrinhos de heróis, eram rígidos. London tinha certeza de que, se pudesse, o amigo entenderia o segredo.
– Estou ótimo. – Ele apoiou o braço na mesa. Thomas estava genuinamente surpreso. – Não existem desculpas suficientes para compensar por todo o tempo que eu passei afastado. Eu não posso me desculpar o suficiente por todos os eventos que eu perdi.
Thomas largou a Bomba de Abóbora na mesa. Ele nunca tinha escutado o amigo falar daquela forma.
– Só o que eu posso fazer é tentar te explicar... o porquê eu tenho que continuar assim. – Ele respirou fundo. – Tem sido uma época difícil desde que a minha mãe faleceu. Fazia um tempo desde que eu não conseguia me sentir tão próximo do meu pai, não tanto quanto antes. Eu precisava, quer dizer, preciso dele, porque ele ainda está aqui, comigo.
Thomas assentiu. Ele lembrava muito bem de como London tinha ficado depois que a mãe faleceu.
– Quando eu me juntei à Companhia Gray, só então que eu consegui me aproximar do meu pai. Depois de todos os meses focando em qualquer outra coisa, ele conversou comigo de novo. – London estava sorrindo como o amigo não via ele fazer há algum tempo. – Tom, quando eu comecei a participar dos negócios da minha família, meu pai olhou para mim pela primeira vez em semanas.
London nunca tinha falado aquilo em voz alta.
– Eu não quero perder essa conexão com meu pai e também não quero magoá-lo.
Thomas ajeitou os óculos no rosto, se preparando para as próximas palavras do amigo.
– Vou continuar na Companhia Gray.
Os olhos de Thomas escureceram. Ele sabia o que aquilo significava para a amizade dos dois. Seamus nunca tinha aprovado aquela amizade. Mas mesmo que fosse horrível dizer adeus ao melhor amigo, Thomas não era capaz, de jeito algum, de sentir raiva. Ele, mais do que ninguém, sabia como London valorizava a família.
– Eu entendo, cara. Você veio me dizer que não podemos mais ser amigos, é isso?
London balançou a cabeça.
– Eu ainda não acabei de falar, gênio. Não fique aí, se precipitando todo. – E lá estava o olhar esperançoso de Thomas mais uma vez. – Pode ser bem difícil, mas fora da empresa e da escola, não existe uma forma de meu pai me controlar. Não mais.
– É – Thomas deu de ombros –, eu acho que você não precisa mesmo aprender a falar cinco línguas, de qualquer forma.
London abriu um sorriso.
– Vou tentar fugir de casa quando puder, mas pode ser um pouco difícil por causa do novo motorista.
Thomas finalmente terminou o milk-shake e decidiu dar sua opinião.
– Não necessariamente apoio a sua decisão de continuar na empresa, mas admiro seu coração. – Ele concordou com a cabeça. – Eu perdoo você. Mas por que a repentina mudança de opinião?
– Acho – falou London – que a melhor coisa que posso fazer é viver a minha vida de modo a sentir que estou realmente vivo.
Thomas sacudiu a cabeça.
– Cara, não sei por que você está todo filosófico hoje, e nem quero saber. – Ele viu o olhar de London desviar para o grupo perto do balcão. – Vai falar com eles, aproveitando que você está nesse espírito de "vou conquistar o mundo".
– Eu... – Ele olhou para Athena e lembrou do dia anterior. – Não vou, não.
– Por causa da garota nova?
– Acho que ela deve me odiar.
– Eu também não gostaria de você, se estivesse no lugar da Athena. Mas eu falei com ela, quer dizer, bem mais do que você. Ela parece ter um bom coração.
– Eu gostaria de ser amigo dela.
– É como você disse, cara. Aqui fora, nada pode te deter.
London observou a roda de amigos ao redor do caixa.
– Athena é gente boa, sério.
Pelo canto dos olhos, Thomas viu o pai de Liana e Cameron se aproximar com passos furiosos da cafeteria.
– Ei – ele apontou para a janela, na direção do homem corpulento de terno –, aquele não é o sr. Rose?
London congelou. Ele girou a cabeça e se abaixou na mesa rapidamente ao confirmar.
– O que você está fazendo, Lon?
London deu um tapa no joelho de Thomas, fazendo ele se abaixar junto.
– Aquele é o motorista! – avisou.
Thomas arregalou os olhos e devolveu o tapa.
– Por que ele está aqui?
– Eu não sei! Ele vai te ver assim que abrir a porta! Sai daqui!
Respirando rápido, London levantou e olhou em volta, em pânico. Seu coração batia mais veloz a cada segundo. Não podia deixar Keaton vê-lo ou aquele dia estaria arruinado no segundo em que fosse denunciado ao pai.
De longe, London viu Athena direcionar a cabeça para o balcão, como se indicando a saída de emergência. Sem pensar, ele correu e se jogou atrás do balcão poucos segundos antes de Keaton abrir a porta.
Ele se agachou no canto, ao lado de Athena, e esperou sua sentença.
– Olá, garotos – cumprimentou Keaton. – Lia, Cam, vocês viram London?
Os dois se entreolharam. Cameron era um péssimo mentiroso e não gostava de mentir, mas podia perceber que aquela era uma situação delicada, pelo modo como London tinha se escondido. Liana, por outro lado, achava a situação divertida e gostava de testar a paciência do pai. Ambos balançaram a cabeça.
– Olá, sou a Morgan Justice – MJ esticou a mão para Keaton, que a apertou de volta. – London não está com o senhor?
– Não – respondeu Keaton. – Gostaria de saber se ele está aqui... com um de vocês.
– Não, eu não vi ele.
Keaton olhou em volta e encontrou o suspeito número um em um lugar suspeito.
– Thomas.
Ele saiu apressado e bateu a cabeça na mesa, provocando um som oco e doloroso. Ele se aproximou de Keaton, fazendo massagem no local, abriu um sorriso e ajeitou os óculos.
– Oi, senhor Rose! Como vai? Veio levar seus filhos para casa?
Keaton cerrou os olhos, questionando se Thomas estava escondendo algo ou se aquele era seu comportamento normal.
– Você não viu London por aqui, viu?
Thomas balançou a cabeça.
– Eu não.
– Hm. Por que estava debaixo da mesa?
– Só estava pegando um ar.
Keaton suspirou e olhou na direção de Athena.
– E você...
– Me chamo Athena Fallon, senhor.
– Não viu London passar por aqui?
London se encolheu mais ainda no canto atrás do balcão. Ele estava receoso se Athena ia entregá-lo ou não, e não esperava nenhum favor , mas também não estava pronto para que o dia terminasse tão cedo. Ele ergueu a cabeça, pronto para implorar súplicas silenciosas, mas para sua surpresa, Athena balançou a cabeça levemente.
– Não vi, sr. Rose.
Keaton por fim desistiu. Ele assentiu e deu um abraço em Liana e Cameron. Antes de sair, falou, em um tom mais alto, para todos ouvirem.
– Se vocês virem London, me avisem, por favor.
London esperou pelo barulho da porta se fechando antes de soltar o fôlego preso.
– Pode levantar agora – avisou Athena.
– Obrigado.
– De nada.
Ele se apoiou no balcão.
– Por que me ajudou?
– Como assim? Te ajudei porque você precisava de ajuda.
London engoliu em seco.
– Olha, eu realmente sinto muito por ontem.
– Não se preocupe, eu não estava falando sobre ontem – Athena esclareceu. – Você só parecia desesperado para se esconder em algum lugar, então eu te ofereci um esconderijo.
– Valeu.
Ele estava arrependido. Tinha sido grosseiro com Athena, enquanto ela tinha ajudado sem pensar duas vezes, mesmo que não o conhecesse direito.
– Athena, eu sinto muito por...
– Por rejeitar me ajudar? – ela interrompeu, abrindo um pequeno sorriso sarcástico no canto da boca. London ficou confuso com o tom. Ela não parecia estar com raiva, não como antes. Parecia mais estar se divertindo com as desculpas dele.
– Eu queria mesmo te ajudar, mas não posso.
– Não tem problema. Não importa mais.
– Mas eu não...
– Está tudo bem. Você não me deve nada. Eu quis te ajudar.
Então, London percebeu que estava certo sobre Athena Fallon. Ela poderia facilmente ter deixado Keaton descobrir que ele estava na cafeteria.
– Que tal começarmos de novo? – Ela sugeriu. Uma parte nada invejável dela esperava que ele fosse se apresentar, como Gray, London Gray, como diziam os pretensiosos ricos na televisão, a mão reta treinada para fechar acordos e a superioridade exibida no olhar de cima. – Me chamo Athena Fallon. Acabei de me mudar.
Ela esticou a mão. London observou as unhas azuis e douradas, confuso. Não entendia o esforço da parte dela, mas secretamente também almejava a amizade daquela desconhecida. Mesmo assim, hesitou.
As ordens do pai continuavam a soar na cabeça dele; não devia chegar perto de Athena Fallon. Mas ela estava sorrindo da mesma maneira que Thomas, quando se conheceram pela primeira vez. Naquela época, London soube que seria um grande amigo do menino de óculos grandes, e tinha uma sensação parecida, ainda que diferente, com Athena.
E ele estava cansado de deixar os amigos para trás.
– London Gray. – Ele apertou as mãos pálidas dela. – Morei em Lumina Valley minha vida inteira. Acho que temos algumas aulas juntos.
Athena percebeu que tinha julgado-o mal. Aquele garoto não era nada parecido com o que tinha rejeitado-a na sala de aula, o riquinho de imagem imaculada que ficou marcado na mente dela. Aquele London no Palco Robbins era mais bagunçado e despreocupado. Os fios despenteados, o moletom, a atitude solta, a diminuição na gesticulação, tudo era mais atrativo naquele London. Parecia menos impecável e, portanto, mais humano.
– Então acho que te verei por aí, não é? – ela disse.
Ele devolveu um sorriso preguiçoso.
– Você está me fazendo cruzar um limite aqui, Fallon. – Não havia raiva em seu olhar, apenas uma sinceridade inusitada. – Obrigado.
Athena não entendeu o que ele quis dizer, mas assentiu mesmo assim. Talvez ela nem entendesse o que tinha feito, mas London estava certo do que devia fazer em seguida. Nem mesmo Seamus Gray não poderia impedir suas próximas palavras.
– Vou te ajudar – disse.
Athena ergueu a sobrancelha.
– Eu não te ajudei para que me retribuísse.
– Eu sei, mas eu vou... eu quero te ajudar.
A parte cética de Athena não conseguia acreditar naquilo tão facilmente.
– Você foi bem frio quando falei com você pela primeira vez, e quer me ajudar?
– Eu sinto muito por aquilo. Não espero que você acredite, mas, sim, quero te ajudar.
– Por quê?
– Por quê? – Ele forçou uma risada desesperada. – Por mil motivos, Fallon. Porque eu cansei de ouvir meu pai. Porque cansei de não fazer o que eu quero fazer. Porque você é a pessoa de quem ele discordaria. Caramba, por mim mesmo!
Da forma que ele falava, Athena entendeu que era sério. Ela não planejava investigar Seamus depois de conversar com Ash. Não havia nada de suspeito naquilo. Ela trabalhava na Companhia Gray, afinal. Também não parecia haver nada demais no documento; talvez Ash tivesse mesmo esquecido aquele papel na fotografia com seus pais. Athena não tinha motivos para investigar nada, mas ainda tinha uma pontada de curiosidade, uma leve esperança que o e se somente não poderia saciar.
– Tudo bem, eu acredito em você. E obrigada. Mas agora você precisa sair da área dos funcionários.
Ela empurrou London pela portinha vai-e-vem, mas antes que saísse, ele encarou sua mais nova amizade e sorriu.
– Fallon... – falou.
– Sim?
London estava ciente de que desafiava o pai ao fechar aquele acordo com Athena, mas era este o exato motivo de seu sorriso.
– Pareceu uma heroína, me salvando agora.
Athena sorriu de volta e expulsou-o da área dos funcionários. Ele não fazia ideia.
– Aproveite a fuga, Gray.
Ao final da tarde, London sorria como um tolo no caminho de volta à mansão. Ele não se lembrava da última vez que tinha se sentido tão livre, exceto quando era Escarlate.
Ele não sentiu as horas passarem enquanto conversava com os amigos de Thomas, que tinham recebido ele da mesma forma acolhedora como receberam-no antes de se envolver em uma vida comandada por terceiros, quando ainda havia uma possibilidade de ter amigos. Ele nem mesmo imaginou que tantas horas tinham se passado até que o turno de Athena acabou e todos se despediram.
As portas automáticas da mansão abriram quando London chegou perto. De longe, ele viu dois carros parados perto da entrada, um cinza e um preto, e seus dois motoristas estavam do lado de fora, um falando sobre o outro no estacionamento.
London reconheceu as duas pessoas. Keaton Rose, seu motorista, estava com as mãos cruzadas na frente do corpo e a cabeça abaixada enquanto Seamus, seu pai, falava em tom de voz baixo com ele.
– Me desculpe, senhor... – pediu o motorista.
London se aproximou dos dois.
– Pai?
– Sr. Gray?! – Keaton exclamou, surpreso.
Foi então que London lembrou de que tinha fugido da escola depois da aula, sentindo uma pontada de arrependimento.
– Justamente quem estávamos procurando. – London reconheceu o padrão na voz do pai, o tom gélido e despreocupado que engrandecia as palavras certas. Se estava irritado com a ausência do garoto, não demonstrava sinais.
– O que está acontecendo?
Keaton estava entregando as chaves do carro nas mãos de Seamus.
– O que parece que está acontecendo, meu filho?
As feições de London se tornaram urgentes. Com o efeito da adrenalina que sentiu ao se afastar da escola, ele não pensou em quem seria prejudicado caso a fuga fosse descoberta.
– Está demitindo ele?! Por quê? O que ele fez?
– London, não...
– Me parece – interrompeu Seamus – que o motorista não conseguiu cumprir com seu trabalho.
London se aproximou do pai, pronto para discutir.
– Está tudo bem – Keaton murmurou, fazendo o garoto parar onde estava.
Mas não estava tudo bem, não para London. O motorista estava sendo despedido por sua culpa, por ter pensado que poderia sair ao menos uma vez e que nada aconteceria. Por ter colocado o emprego de outra pessoa em perigo, ele se odiou.
– Por favor, não demita ele! – implorou.
– Você não pode opinar, meu filho. Esta decisão é minha e já foi tomada. Vou procurar com mais afinco por um motorista mais eficiente.
Keaton pensou que deveria ter seguido seus instintos. Deveria ter olhado debaixo do balcão da cafeteria como sua cabeça ordenava e ter trazido London de volta para casa, como eram suas ordens. Seu coração tinha tomado as rédeas mais uma vez. Ele quis dar ao garoto um tempo afastado da vida ocupada, deixar que aproveitasse a juventude com seus amigos, e por isso saiu da cafeteria. Até então pensou que tinha feito o correto. Mas quando retornou à propriedade dos Gray e Seamus estava esperando pelo filho, Keaton não teve outra escolha para proteger London senão avisar de que não fazia ideia de onde ele estava. Portanto, ele não disse nada, apenas manteve os olhos no chão enquanto aceitava sua punição.
Seamus checou o horário no relógio no pulso.
– Pode ir agora, sr. Rose.
– Foi culpa minha – London interveio, evitando olhar para Keaton ou deixá-lo pisar fora da propriedade. – Eu não avisei que tinha aula de esgrima hoje à tarde.
Ele torceu para que a mentira funcionasse. O pai nem mesmo se importava em prestar atenção nas conversas com o filho para se lembrar de que as aulas extracurriculares ainda não tinham começado.
Seamus concordou com a cabeça, indiferente à desculpa do filho.
– Da próxima vez, avise o sr. Rose. – Ele checou o relógio mais uma vez. – Eu não tenho tempo a perder procurando por outro motorista.
London suspirou de alívio.
– Entretanto, sua ação não sairá impune, meu filho. Você continuará seus estudos em casa depois da escola, a partir de agora até que eu diga o contrário, entendeu?
London apertou os punhos. Tudo nele dizia para argumentar, para falar qualquer coisa, ganhar aquele pedaço de liberdade de volta, mas ele não queria causar ainda mais problemas. Então sentiu seu mundo desmoronar quando tudo o que fez foi assentir em silêncio.
– Estamos entendidos, então.
Seamus entregou as chaves de volta para Keaton e entrou no carro cinza. Ele deixou a mansão para trás em questão de segundos.
– Sinto muito pela confusão – London se desculpou.
Keaton respirou fundo e suspirou alto, relaxando o corpo.
– Sei que você estava na cafeteria.
London levantou os olhos tristes.
– Meus filhos não são bons mentirosos, se quer saber.
– Sinto muito mesmo por causar sua demissão, sr. Rose.
– Está tudo bem. Você acabou ganhando meu emprego de volta. Eu agradeço por isso. Você não precisava dizer nada ao seu pai.
London chutou as pedras no estacionamento.
– Eu não podia deixar que você fosse demitido por culpa minha.
– Aprecio a sua honestidade. Da próxima vez que pensar em fugir, tem que me avisar onde está, para não arrumar problemas para nós dois, entendeu?
London não entendeu o motivo pelo qual Keaton estaria disposto a arriscar o emprego por ele, mas ficou feliz por isso. Ele sorriu para o mais novo aliado.
– Entendido, senhor.
Keaton colocou a mão no ombro dele.
– Se eu tenho que te chamar de London, você não pode me chamar de senhor. Me faz parecer velho, entende? Apenas Keaton já está bom.
London gargalhou baixo.
– Entendido, Keaton.
(REVISADO: 4956 PALAVRAS)
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