IV
A CALMARIA QUE PRECEDE O CAOS
garoto, saiba que no dia seguinte ao momento que o caos se instaurou, eu parecia estar incrivelmente anestesiada. o mundo rodopiava ao meu redor, as casas saíam de lugar por causa do vento da saudade, as pessoas arrancavam os cabelos das suas próprias cabeças e ainda assim, eu parecia não entender o que estava acontecendo. não conseguia discernir a mão direita da esquerda, nem o coração da mente. perdida na descrença de ter acontecido aquilo que eu mais temia que tivesse que um dia acontecer, eu andava pela rua em passos vagarosos ao lado do meu pai, discursando que estava tudo bem, tudo continuava normal. não precisava e nem vivia para você. não frequentava os locais que ia só porque você estaria lá. nem esperaria cruzar com você na rua inesperadamente alguns anos à frente. não era porque você havia deixado a minha vida que eu iria me sufocar até não poder mais. estava tudo certo, mas era mentira e no fundo eu sabia disso. ai mas de verdade, garoto, por alguns segundos eu até achei que ficaria bem. mas mais um dia se passou e então o grito veio. nunca sentira algo assim antes. lá estava eu trancada no banheiro, pedindo algo ao senhor sem nem saber quais eram as palavras que saíam junto às minhas lágrimas. se eu tivesse que adivinhar, certamente me afundaria na tentação de pedir que você voltasse, mas havia também a necessidade de que aquela dor incompreensível no meu peito cessasse. de certo modo você voltou, sim, mas foi por culpa minha, que te chamei novamente em minha direção por meio das palavras. ainda te vejo quase que todo dia quando me escrevo e me leio e tateio meu próprio ser impresso em letras sobre o papel amarelado de livro antigo. antigo, o que a gente seria dali a alguns anos. antigos. esquecidos. desbotados. decompostos. amarelados. banalizados. insignificantes. não importa quantas vezes eu ainda te escreva, em todas elas me choro toda ao lembrar que não existimos mais. não importa quantas vezes eu ainda te escreva... não existimos mais. e te chamar por entre as palavras não vai trazer você aqui.
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