25 | transparente
CANADÁ, 05 de outubro de 2015
Narrado por Shawn
— Ei, garoto perfeição. — Harper chamou antes que eu pudesse sair da sala de artes, o que me fez sorrir. — O que você acha de almoçarmos juntos? — Meneei a cabeça em uma concordância silenciosa.
O tom melancólico e seu olhar sobre mim durante toda a refeição fomentava o receio que já tinha: tê-la decepcionado, uma vez que eu era mister em fracassar com todos ao meu redor.
A verdade era que eu não era o tipo de garoto com que a adolescente a minha frente, munida de tatuagens e atitudes autênticas, queria se relacionar, bastava sobrepor as nossas personalidades para chegar a tal inferência. Contudo, por alguma razão, talvez a expectativa por estar sendo visto pela primeira vez, eu direcionava todas as minhas forças em um possível relacionamento, cujo nascença parecia fadada ao fracasso, como tudo que ocorria em minha vida.
— Você está bem? — Harper apertou os olhos, tentando ler o meu silêncio, que havia se estendido por todo o almoço.
— Sim. — Sorri, ou ao menos, tentei, mas ela ergueu as sobrancelhas, tornando nítida sua descrença em mim. — Só estou um pouco cansado. — Justifiquei falsamente. — O final de semana foi corrido.
— E como está sua avó? — Conduziu Harper, aparentemente, sendo induzida pela minha nítida mentira de que estava tudo bem.
— Ah... Melhor. Bem melhor, graças a Deus, ela teve alta no sábado de manhã.
— Que bom. — Finalizou, deixando o silêncio pairar na mesa, enquanto eu terminava de comer, pois ela mais brincava com a comida, jogando o purê de batata para cima e para baixo, do que qualquer outra coisa.
— Deixa que eu coloco as nossas bandejas. — E assim o fiz, encontrando Harper já de pé, com a mochila verde musgo desbotada a postos em seu ombro esquerdo.
— Você tem alguma atividade extraclasse hoje? — Perguntou enquanto caminhávamos pelo corredor.
— Clube de fotografia.
— Por que eu não estou surpresa, Shawn?! — Revirou os olhos num tom de divertimento.
— Então... Nos vemos amanhã. — Me despedi sem graça quando estávamos na frente da sala em que eu terei física, mas a garota de cabelo graciosamente despenteado tocou nossos lábios rapidamente, sorrindo entre o contato.
As aulas do período vespertino transcorreram naturalmente, apesar da minha mente reproduzir pensamentos negativos quanto a Harper, e os analgésicos que minha mãe havia me dado para dor já estivessem perdendo seu efeito, fazendo com que, além das palavras torturantes de Manuel, seus toques cravassem em minha pele uma dor eterna.
Entretanto, assim que sai da sala de fotografia, após uma longa conversa com a professora sobre o que faltava no material que eu apresentava, que, segundo ela, era naturalidade e originalidade, e me deparei com Harper encostada na parede, enquanto o som de Justin Bieber era audível além de seus fones de ouvido, toda a naturalidade e morbidade que revestiu meu dia, se esvaiu.
A presença dela trazia um sentimento que, apesar de assustador, era delicioso e novo.
— Você vai terminar surda desse jeito, Harper. — Adverti depois de tirar um de seus fones.
— Você estava preso nessa sala há séculos e Maggie se recusou a me fazer companhia, acredita nisso? — Justificou em uma hipérbole dramática. Meu corpo respondeu ao seu ato com um sorriso largo, o primeiro do dia.
— Achei que só íamos nos ver amanhã.
— Shawn! — Ergueu os ombros e me olhou incrédula. — Você está super estranho hoje, não ia deixar meu quase-namorado assim e ir para casa. — Ri pela forma como me chamou. — E não, eu não estou obcecada com namorar, ok?
— Se você diz.
— Vai me contar o que está acontecendo?
— Nada. Eu juro.
— Shawn, eu não nasci ontem. Na verdade, eu sou até mais velha que você, então não venha pensado que vai me enganar assim.
— Estou dizendo a verdade, Harper. — Meu tom calmo se tornou ofegante e defensivo. — Sinto muito se te fiz ficar até mais tarde na escola por causa disso.
— Eu fiquei porque quis, Shawn. Eu gosto de você, achei que soubesse disso.
Neguei com a cabeça, em um ato involuntário, descrente de suas palavras, incapaz de ver além da nuvem turva de sentimentos que os termos repulsivos, e que ficavam repetindo eternamente em minha mente.
Acelerei meus movimentos, querendo chegar logo à saída e entrar no ônibus para ir para casa, deixando Harper para trás, propositalmente, e, nem mesmo a chuva que encontrava o chão em pancadas agressivas me impedira de sair da escola e fazer o meu caminho habitual. No final, tudo tinha que parecer estar bem, ainda que não estivesse.
— Qual a porra do seu problema, Shawn?! — Harper gritou, me encontrando depois de alguns minutos, e me cobriu com o seu guarda-chuva. — Você comeu merda pra sair andando na chuva como se fosse normal?
— Pode ir embora se você quiser, Harper, ninguém está te obrigando a ficar aqui!
— Shawn, é... — Começou, exibindo da mesma ira da chuva que insistia em cair, e fazia com que meu corpo tremesse de frio, mas parou, respirou, e então recomeçou: — O que aconteceu, Shawn? Estava tudo bem na quinta. Você pode confiar em mim, eu não vou ir embora, eu não vou te deixar. — Confessou, tocando em meu rosto, e cessou o espaço entre nós, colando seu corpo ao meu.
Apesar do meu silêncio, as lágrimas quentes que encontravam o seu moletom branco confessavam todas as lamúrias que me perseguiam e assombravam.
— Shawn, você pode confiar em mim. — Repetiu, enquanto afagava minhas costas e minhas lágrimas inundavam seu moletom. Mas eu me mantive em silêncio. — O que acha de irmos para minha casa? — Questionou. — O ônibus está chegando. — Nos afastamos para entrar no veículo, e eu repudiei minhas atitudes com veemência quando notei o olhar das poucas pessoas que estavam ali em mim, afinal, eu estava encharcado.
— Me desculpa. — Sussurrei depois de me sentar ao lado de Harper, na última fileira de bancos do ônibus, buscando alguma privacidade para nós.
— Não. — E trouxe meu corpo para próximo do seu. — Você não fez nada que eu tenha que te desculpar.
— Nem ainda não ter te pedido em namoro? — Ela sorriu.
— Nem por isso, Shawn. Por nada. — Suas mãos trabalhavam em meu cabelo, em um afago acalentador. — Shawn... — Chamou, mas negou com a cabeça quando abri meus olhos em sua direção. — Eu te amo. — Disse, em um filete de voz, fechando os olhos.
— Eu... — Mas seus dedos na frente dos meus lábios me impediram de concretizar a veracidade da recíproca.
Foi naquele momento em que percebi que, além de Harper me amar, e ter escolhido ficar ainda quando os fantasmas do passado ainda me assombravam, ela também tinha medo de que o que vivíamos não ser verdadeiro. Contudo, a condição em que nos encontrávamos, molhados, em um ônibus em que não sabia onde nos deixaria, e despidos de nossos medos exibia a verdade mais transparente em nossa relação, o amor.
Por isso, respirei fundo, e, confessei o que causava meus maiores medos, a minha maior mentira perfeitamente encenada:
— O meu pai bate em mim. — Meu tom de voz foi claro, dizendo todas as palavras que sonhei expurgar em pedidos de socorro endereçados, mas nunca captados. — Em mim e na minha mãe, ele, ele... Ele tem problemas com remédios e, é, e... — Me calei.
Harper apenas concordou com a cabeça, mas, pela primeira vez, eu não me senti sozinho.
Pela primeira vez, me senti acolhido, com toda a minha bagagem, pelo que eu era e por quem eu era.
Pela primeira vez em anos, eu tive esperança.
rsrs !!quem é vivo sempre aparece!! rsrs
enfim, espero que tenham gostado desse capítulo — que veio depois de meses, mas, como sempre, culpem o estágio e a faculdade —, foi a primeira e única narração do shawn e achei importante trazer um pouquinho de como ele se sente e como reage, de verdade, em relação a tudo que tem de passar.
.............................AH, as feridas se tornarão cicatrizes em breve.............................
se puderem, deixem a estrelinha e o comentário! isso sempre faz o meu dia.
beijos e amo vocês!!
v.r.r.j.,
07 de novembro de 2021
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