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04 | ideias

CANADÁ, 17 de setembro de 2015.
Narrado por Harper

— Me espera no refeitório, — devolvi o material de Maggie que eu estava carregando — e presta atenção na aula de matemática, não quero ter que ficar explicando depois.

— Tá bom, mamãe. Até mais — entrei na sala de artes e sorri para o professor, além de bonito e novo, ele elogia meus desenhos, não é atoa que artes é minha aula favorita. Diferentemente das outras aulas, em que sento no quarto ou quinto lugar, sentei na primeira carteira da fileira do meio, praticamente colada ao professor.

— Bom dia, turma. Vou passar a lista de presença e a nota da atividade passada — sorriu largo e entregou as listas para Shawn, que estava ao meu lado.

— Oi! — disse depois de cutuca-lo, que sorriu para mim.

— Oi, Harper, tudo bem?

— O que aconteceu com o seu nariz?

— Ah, isso? — apontou para o nariz, provavelmente ganhando tempo para pensar em algo — A escada caiu em mim... — o encarei com a testa franzida.

Sorri mais uma vez e voltei a atenção a minha mesa, tirei meu material da mochila e comecei a fazer um rabisco.

— Que rascunho lindo. — o professor disse se encostando na minha mesa — Isso me deu uma ótimo para ideia! Turma, — foi para a frente da sala e todos prestaram atenção nele — eu vou passar uma atividade para semana que vem. Valendo 2 pontos, eu quero um história em quadrinhos, de no mínimo 3 páginas. Tema livre e deve ser feito em duplas. Vou pegar os papéis para vocês.

— Peter, — puxei o moletom do garoto ao meu lado, ele me encarou — quer fazer comigo?

— Você sabe meu nome completo?

— Sei. Vai querer fazer comigo ou não?

— Pode ser.

Sorri mais uma vez e voltei a atenção na minha folha branca, essa seria uma oportunidade de conhecer a família dele e quem sabe, saber o porquê batem nele. Não falei com ele o resto da aula, meu rascunho de escada pareceu bem mais interessante.

Sai da sala, guardei meu material, e fui para o refeitório. Enquanto a mulher colocava a mistura na minha bandeja olhei para trás na tentativa de encontrar Maggie, ela estava numa mesa com Amélia, sua namorada-não-tão-namorada. Elas se recusam a assumir que namoram, mas para mim, ir na casa uma da outra todo final de semana, não se relacionar com outra pessoa, trocar "eu te amo", e manter uma relação sexual e amorosa, é um namoro.

— Vou fazer um trabalho com ele — disse assim que me sentei, Amélia tirou seus braços que envolviam o corpo da minha melhor amiga.

— Ele quem?

— Com o Shawn, amor — Maggie disse carinhosa para Amélia, não sei qual a dificuldade em assumir um compromisso sério.

— Não sabia que eram amigos...

— E não somos, somos colegas. Mas eu e Maggie estamos numa investigação sobre a vida dele — Amélia a encarou e cochichou algo no ouvido dela, nós não queremos que a escola inteira saiba que estamos investigando a vida do senhor perfeição, quando eles já podiam ter feito isso a um bom tempo.

— Querem ajuda?

— Não, não precisa, você tá tão ocupada ultimamente.

— Se a Maggie não quer eu quero! Tem como você, sei lá, descobrir o máximo possível da vida dele?

— Você está falando com a pessoa certa! — sorriu e tomou um gole da sua Pepsi. Amélia tem muita facilidade com a internet, não que ela seja ágil como uma pessoa normal, mas sim porque ela é uma hacker. E como eu, a morena de cabelos cacheados repetiu dois anos, mas eu repeti por burrice, enquanto ela por hackear o sistema das suas antigas escolas, ser descoberta, e expulsa.

[...]

— Trouxe livros novos! — Maggie abriu a porta da biblioteca em que trabalho e gritou, desci rapidamente as escadas, a ajudando com os livros.

— Achei que não viesse hoje.

— Por que eu não viria?

— Por uma causa que tem nome e sobrenome — sorri maliciosa.

— A minha causa com nome e sobrenome nem me deu bola, ela está muito ocupada com a tarefa que você passou para ela.

— Aposto que hoje mesmo ela já descobre tudo que eu preciso.

— A questão é: o que você precisa?

— Que os pais de Shawn sejam presos, e uma cerveja.

— Vamos comprar?

— Não posso ,— ri irônica — sabe, vai que aparece alguém aqui.

— Quem vai aparecer em uma biblioteca que fica no meio da estrada? Meu pai é dono disso, ele não vai brigar com você, até porque nem ficar sabendo ele vai.

— Eu sei, seu pai nem gosta de vir aqui...

— Vai! Vamos comigo!

— Não, vai lá, eu vou organizar os livros novos e limpar as mesas. Não demora! Te amo — sorri para ela que abriu a porta alta de madeira e saiu.

Assim que terminei de arrumar os livros novos, o que demorou um pouco, o pé direito duplo não ajudava e aquela escadinha me dava uma sensação de insegurança, sentei na cadeira da bibliotecária e peguei meu celular. Tinham algumas notificações de Amélia, era um dossiê, ou praticamente um, sobre a vida do Raul.

Li tudo umas três vezes, tentando pensar em algo, alguma brecha, mas nada. Pais supostamente perfeitos, ninguém com ficha criminal, a ficha médica da família era pequena, Shawn quebrará o braço 3 vezes e o nariz duas vezes, sua mãe, fraturou o quadril uma vez e seu pai tinha algumas retiradas de analgésicos pela seguradora, nada demais.

Bem, se ele é filho único, mora com os pais, e só a mãe tem uma ficha médica, o agressor só pode ser o pai, que é engenheiro químico. Uma profissão que não me ajudaria em nada, apenas por ele trabalhar em escalas, o que já era algo.

A mãe não trabalha, se alguém lesse a ficha dessa família sem conhecê-los, com certeza diria que é de uma família que faz comercial de margarina.

Imprimi todas as folhas que Amélia me mandou por mensagem e grifei alguns detalhes, mas nada que me chamasse atenção, até que encarei a ex-profissão da sua mãe, corretora de imóveis.

Corretora de imóveis.

— Cheguei! — Maggie esticou uma cerveja para mim, sorri de orgulho da ideia que tinha acabado de ter.

— Eu tive uma ideia!

— Medo!

— É um ótima ideia! Mas você vai ter que me ajudar.

— Sempre sobra para mim — negou com a cabeça.

— Nós vamos fazer turnos para espiar a casa dele.

— Isso é uma ótima ideia? Acho que todo policial medíocre faz isso.

— Shiu! — coloquei o indicador na frente dos seus lábios — Não é só isso, o plano tem várias partes. O pai dele trabalha em turnos...

— Como você sabe?

— Agradeça a sua namorada.

— Eu já disse que não namoramos!

— E dai? Seu pai vive dizendo que superou sua mãe e olha o que ele fez! — me referi a biblioteca. Ela foi construída no lugar em que eles deram o seu primário beijo, e ele escolheu fazer uma biblioteca aberta à comunidade porque ela é professora de francês, e apaixonada por ler.

— Tá bom! Continua sua historinha e não me enche.

— E a sua mãe está desempregada, mas vai voltar a trabalhar — arqueou as sobrancelhas — porque meu tio...

— Não começa, Harper, que saco! Pra que colocar meu pai no meio?

— Não foi você que me deu lição de moral dizendo que eu tenho que ajudá-lo? Agora aguenta! — a encarei séria — Como eu ia dizendo, seu pai vai colocar aquele prédio do centro, que funciona uma galeria a venda, mas é de mentirinha, eu vou me passar de acessora do seu pai e ligar para a Karen, mãe do senhor perfeição, e vou pedir para ela ser a corretora do imóvel...

— E o que garante que ela vai aceitar?

— O pai do Shawn deve dois mil dólares para a seguradora, eu vou oferecer uma comissão de 15 mil dólares caso a compra seja concluída.

— Ai, minha melhor amiga é tão inteligente — apertou as minhas bochechas.

— E quando a casa estiver vazia, uma de nós, que no caso é você, vai entrar lá e procurar por algo de errado, tipo bebida, droga, sei lá.

— Pera, você quer que eu invada uma propriedade privada?

— Primeiro: você não vai ser pega. Segundo: se você for, você é uma Lindemman, seu pai é dono de mais da metade do Canadá, nada aconteceria com você. E terceiro: é um plano perfeito.

— Planos perfeitos não existem.

— O que achou da minha ideia?

— Que diferença faz se eu achei um fiasco ou a melhor ideia do mundo? Eu vou ter que participar de qualquer jeito!

— Tão inteligente!

— E quando nós a colocamos em prática?

— Logo, logo logo... — sorri e dei mais um gole na minha bebida.

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