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01| detenção

CANADÁ, 16 de setembro de 2015.
Narrado por Harper

— Olha quem resolveu dar o ar da graça!— brincou Maggie, porque era a primeira vez na semana que eu ia ao colégio.

— Eu faltei por compromissos no trabalho. — disse falsa.

— Eu sei que não foi isso. O que te fez faltar?

— Falta de vontade de ver o seu rostinho e o das outras pessoas.

— Só isso? — soou preocupada.

— Só — sorri —, vamos indo pro ginásio.

— Eu nunca vou entender como você consegue gostar de educação física...

— Eu não entendo é como você não gosta. É a melhor aula! Melhor que artes e história.

— O meu horário preferido sempre é o do lanche — a empurrei de leve e abri a porta do ginásio para ela, o lugar estava vazio — Quem te trouxe? — começou a se trocar.

— Jeremiah.

— O tatuador? — concordei com a cabeça — Já disse que não gosto dele.

— Você e as minhas mães, e eu já entendi. Mas ele só me deu uma carona...

— E uns amassos, né — usou do tom malicioso e eu revirei os olhos.

— E isso também, mas eu queria mesmo era uma tatuagem...

— O que você quer fazer dessa vez?

— Quero escrever uma frase na costela.

— Deve doer — sentou no banco e me encarou.

— Existem coisas que doem mais.

Em poucos minutos o vestiário começou a encher e eu fui conversar com o treinador. A aula foi rápida, talvez por eu gostar, mas o próximo período com certeza seria infinito, geografia, a matéria que eu menos gosto.

Enrolei o máximo que pude, tanto que quando sai do vestiário todos os alunos já tinham ido, exceto Shawn que conversava com o treinador. Pensei em ficar ali para ouvir a conversa deles, mas eles notaram a minha presença, por isso fiz questão de sair rápido.

Abri a porta para sair do ginásio e olhei para eles antes de sair, e por causa da proximidade notei alguns hematomas e cicatrizes pelo corpo do meu colega.

Decidi cabular a aula de geografia passeando pelo corredor do segundo andar, estava entretida com a rolagem do meu instagram, até que alguém bateu em mim.

— Me desculpa — olhei para o rosto de quem tinha dito aquilo, e era Shawn, ele me esticou a mão e eu levantei.

— Não tem problema — sorri e peguei o celular que ele esticava na minha direção —, você trincou a tela do meu celular — usei um tom bravo, mas baixo para não atrair a atenção da coordenadoria que ficava naquele andar.

— Nós podemos falar sobre isso depois? Eu estou atrasado para a aula...

— A pessoa vem, bate em mim, quebra o meu celular e quer que eu espere a aula do bonito terminar. Se você estivesse lá isso não teria acontecido — alfinetei.

— Se você estivesse na sala isso também não teria acontecido.

— Ah, então agora a culpa é minha? — falei mais alto e grosso.

— Não, não é. — respirou fundo — Podemos conversar depois? Eu realmente preciso ir para a aula.

— Se você realmente "precisa", por que ficou enrolando no ginásio?

— Eu não estava enrolando, estava conversando com o treinador.

— Como está fazendo agora comigo, conversando, ou melhor enrolando — o encarei com deboche.

— Harper, por favor...

— Não — disse provocativa.

— ME DESCULPA, TÁ BOM? — gritou e eu arregalei meus olhos porque eu não esperava uma grosseira de Shawn Mendes, o garoto do ano, o senhor exemplar, o menino do GPA 3,8.

— O que está acontecendo aqui? — a coordenadora disse vindo em nossa direção. Pronto, eu falto metade da semana e quando venho me meto em encrenca.

— Nada. Eu apenas esbarrei com a Harper, sem querer.

— E porque você estava gritando? — o encarou.

— Por nada! — Eu intercedi a sua resposta antes que ele abrisse a boca.

— A pergunta não foi para você.

— Por nada, Senhorita Rodriguez.

— Ninguém grita por nada, principalmente quando se devia estar na sala de aula. — me encarou feio — Vamos para a minha sala. — ela nos guiou até a sala dela e nós sentamos nas cadeiras a sua frente — Por que você não estava na sala, Harper?

— Porque eu não queria ter aula de geografia — respondi como se fosse óbvio e vi ela fazer uma cara feia, revirei meus olhos já sabendo que passaria a tarde no colégio por causa de detenção.

— E você, Shawn?

— Eu fiquei conversado com o treinador assim que acabou a aula, e por isso acabei me atrasando...

— Meia hora de atraso? — o encarou desacreditada.

— É.

Ela não disse nada, apenas pegou um papel, que eu reconheci ser da detenção, e começou a escrever. Shawn estava apreensivo e não parava de balançar os pés e encarar cada canto da sala.

— Detenção para os dois, por 3 horas, hoje — segurou o papel para nós, eu peguei o meu e me levantei para sair da sala.

— Coordenadora... — Shawn começou mas foi interrompido pelo "não" que a mulher mais velha fez com a cabeça. Ele saiu dali desolado e encarando aquele papel como se fosse uma sentença de morte.

[...]

— Oi — disse quando vi Shawn entrar na sala 105, a sala da detenção.

— Olá.

— Olha, me desculpa, eu não devia ter sido tão idiota.

— Tudo bem — sorriu fraco e se sentou ao meu lado na primeira fileira —, e... Bem, como funciona isso? — riu fraco.

— Nós vamos ter que fazer um resumo sobre um livro, qualquer um, para amanhã.

Ele ficou em silêncio e eu tirei meu celular da mochila para ocupar meu cérebro, comecei a ouvir um barulho, irritante, dele puxando ranho. Soltei a respiração de maneira mais pesada para que ele entendesse que aquilo estava me incomodando, mas ele não percebeu, quando o olhei, vi seu rosto apoiado nas suas mãos e que ele estava chorando.

— Ei. — coloquei a mão direita nas suas costas — Tá tudo bem, é só uma detenção... — ele me encarou e começou a chorar de maneira mais desesperadora, senti a culpa e o abracei. Toda vez que eu alisava suas costas achando que ele ia parar, ele somente aumentava o ritmo da lágrima e dos soluços — Olha para mim — ele tirou o rosto do meu ombro e continuou chorando copiosamente —, respira — segurei suas mãos e passei a controlar nossas respirações, o que fez com que ele parasse de soluçar, só algumas lágrimas ainda desciam —, quer me contar porque está chorando?

— É só porque — soluçou e voltou a fazer cara de sofrimento, enxuguei suas lágrimas — isso vai arruinar meu histórico escolar.

— É só uma detenção. Eu tenho certeza que isso não vai te prejudicar.

— Meu pai vai brigar comigo...

— Eu posso ir conversar com ele, eu digo que foi tudo culpa minha. — sorri tentando passar calma para ele, o que não pareceu surtir efeito algum.

— Não precisa...

— Tem certeza? — ele concordou com a cabeça e eu o abracei de novo.

Ele passou as 3 horas da detenção chorando, o que resultou no meu moletom todo sujo de remela e um sentimento de culpa que parecia que ia me imobilizar. Eu não precisava e nem devia ter sido tão grosseira com ele.

— Até amanhã — sorri para ele e dei um beijo na sua bochecha que estava inchada de tanto chorar.

— Até, Harper — acenou fraco para mim.

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