Passado
Finn estava concentrado nos códigos que apareciam na tela, mas tinha consciência de que estava sendo observado pelo namorado. Desviou o olhar do trabalho e encarou-o de longe. Minutos atrás ele tinha feito um suco verde no liquidificador e agora o tomava lentamente.
Ele estava nervoso porque na segunda-feira apresentaria alguns projetos num congresso para arquitetos. Gostaria de saber como ajudá-lo mas Leonard não parava quieto um segundo. Suas ações não tinham início e nem fim: caminhava pela casa cantarolando uma melodia, molhava as plantas e abria a geladeira sem parar.
Não conseguiu concentrar-se em terminar de organizar os códigos para o site, muito menos as contas de finanças domésticas e pessoais. Com um suspiro, mas sem ficar irritado e compreendendo a ansiedade do namorado, fechou o laptop e caminhou até a cozinha, onde serviu café preto com leite em uma xícara.
Leonard sentou-se à sua frente, no balcão da cozinha, com uma expressão nervosa.
━É um evento grande.
━Você já foi a outros eventos do tipo, não?
━Claro, mas eu sempre fico nervoso. O que eu faço, Finn? Já roí todas as minhas unhas, afoguei metade das plantas dessa casa, liguei para a minha mãe três vezes e acendi um incenso.
Finn bebeu do próprio café e respirou fundo, gostando do silêncio da casa, de onde podia ouvir os pássaros na rua piando, o vento fraco do final da tarde e o barulho das crianças na rua brincando. Sorriu com um pouco de tristeza ao pensar naquelas crianças e no quanto a própria infância havia sido diferente da maioria delas.
━No que está pensando? -o asiático perguntou, quebrando o silêncio com sua agitação e curiosidades características
━Nas crianças que estão brincando na rua.
━Como assim?
Finn pensou numa maneira de fazê-lo esquecer do evento e acalmar-se, ao menos por algumas horas. Colocou a xícara no balcão e caminhou até o sofá, no qual sentou-se de maneira confortável. Leonard o seguiu e sentou-se no meio de suas pernas, dobrando os joelhos para ficarem mais próximos ainda.
O loiro envolveu a cintura do namorado com os braços e beijou-o na nuca com carinho.
━Vai me contar algo sobre a sua infância? Estou empolgado. -Leonard deitou a cabeça no ombro de Finn e sorriu
━Não é uma história tão legal assim. Ouvir as crianças correndo me lembrou que eu nunca gostei muito de brincar quando eu era pequeno.
━Não? Como assim? -o asiático franziu o cenho
━Sempre fui muito tímido e sou filho único. Eu gostava de ficar sozinho.
━Então como você brincava?
━Eu gostava de montar quebra-cabeças e resolver cubos mágicos.
━Por isso você é assim quietinho. -Leonard sorriu com carinho
━Mas eu também gostava de ler. Então passava minhas tardes lendo. Se eu tivesse saído para correr na rua eu teria vários amigos agora. -suspirou, com uma expressão triste que quase partiu o coração do asiático.- Mas eu nunca soube como manter uma amizade, as pessoas se me achavam entediante.
Leonard apoiou o queixo no peito dele e ficou observando-o de pertinho. Reparou na sua expressão pensativa e nos olhos azuis, focados ao longe, na janela da sala. Os cabelos loiros ondulados pareciam mais claros sob a luz interior. Suas sobrancelhas moviam-se conforme ele falava.
Finn deu um sorrisinho rápido e fraco, como se lembrasse de alguma memória e Leonard o abraçou apertado pela cintura, querendo perder-se no cheiro dele, que naquele momento era de café. As roupas que o loiro vestia, um moletom cinza e uma calça jeans preta, tinham o odor característico do sabão em pó de lavanda que usavam e o asiático enterrou o rosto na barriga dele, por cima do tecido, fechando os olhos e inspirando profundamente o perfume.
━Ei, isso faz cócegas. -Fin resmungou
━O seu cheiro é muito bom. -murmurou com os olhos entreabertos
Leonard olhou para cima e encontrou o par de olhos azuis lhe encarando com timidez e carinho. Colocou uma perna de cada lado do colo de Finn e abraçou-o pelo pescoço.
━Você não é entediante, meu amor. -deu-lhe um beijo rápido na bochecha e ajeitou-se no seu colo- Você é inteligente, por isso é tão quietinho. Enquanto eu falo sem parar você pensa em maneiras de me fazer ficar quieto, não é? -o provocou com um risinho, tocando a ponta do seu nariz com os dedos
━Eu gosto quando você fala sem parar -Finn admitiu.- Me pergunto como é possível alguém ter tantas coisas interessantes para dizer. -foi sua vez de beijar Leonard na bochecha
As mãos do loiro fecharam-se na cintura do namorado e o puxou para um abraço cheio de ternura. Os dedos do asiático embrenharam-se nos cabelos loiros e sua boca cobriu a testa dele com beijos rápidos.
━Falando sobre infâncias, a minha foi bem legal. Eu liderava os grupinhos, adorava desenhar e jogar aqueles jogos de tabuleiro, sabe? Mas eu cresci com meus primos, então ser filho único não me afetou tanto assim. -Leonard disse
O loiro estava tentando não ficar animado, mas o asiático estava sentado bem em cima de seu quadril. Era impossível não reagir à sua proximidade e ao seu cheiro de erva-doce, que vinha das mudas que havia regado mais cedo. Finn respirou fundo e pousou as mãos nas coxas dele; este afastou-se para olhá-lo diretamente.
━Seus pais não te faziam brincar com as outras crianças?
━Sim. Eu tentava, mas logo desistia. Ninguém brincava do jeito como eu queria -riu baixinho.- Então fui crescendo, fui morar sozinho e meus pais se mudaram.
━Quando vou conhecê-los? -Leonard perguntou, esfregando o nariz no pescoço de Finn e dificultando a resposta do loiro
━Não acho uma boa ideia. -respondeu, desviando o olhar. Assustou-se quando sentiu os dedos do asiático subirem por baixo de seu moletom, dedilhando sua pele sutilmente e obrigando-lhe a contorcer-se de cócegas
━Por que não? -Leonard parou de tocá-lo e olhou-o com seriedade
━Eles preferem manter distância da minha vida pessoal. Mudaram-se para o interior e moram junto com os irmãos e os primos. Eles nunca aceitaram bem o fato de eu gostar de homens e evitam tocar no assunto.
━Você não se importa com isso? -arqueou as sobrancelhas, curioso
━Não, é o jeito como sempre fomos. Nos falamos por celular e pela internet, mas eles moram longe e preferem assim. Nunca me perguntam sobre minha vida pessoal para não se decepcionar com minha resposta -disse com mágoa.- Mas o sonho deles era ter um neto.
━E você quer ter filhos, Finn? -a pergunta direta pegou-o de surpresa e Leonard acrescentou: Porque eles podem ter netos, há outros jeitos de ter um filho hoje em dia.
━Não sei, nunca pensei sobre -coçou a testa, nervoso com o rumo da conversa.- Somos muito jovens para pensar nisso, não?
━Fale por você, eu estou quase chegando nos trinta -mostrou-lhe a língua.- Eu gostaria de ter filhos.
Finn ficou em silêncio, sem saber como reagir aquele desejo. Nunca havia pensado sobre o assunto, que não era tão importante assim para sua vida. Tinha a percepção, desde pequeno, de que seria o último descendente da família.
━Você foi morar sozinho muito cedo, não é, Finn?
━Se eu não tivesse saído da casa dos meus pais eu não conseguiria ter tido minha independência. E mesmo que eu ganhasse pouco, trabalhando no restaurante, eu conseguia me virar. Sempre paguei as contas em dia. Mas também dava aulas particulares para poder viver um pouquinho melhor -suspirou, fechando os olhos e deitando a cabeça no peito de Leonard.
Sua última frase provocou uma agitação no asiático, que afastou-se, com uma expressão curiosa, e perguntou:
━Professor particular? -as sobrancelhas arquearam com surpresa- Meu Deus, faz todo o sentido! -Leonard subitamente arregalou os olhos e segurou o rosto de Finn com ambas mãos.- Você é calmo, tranquilo, gentil e fala baixo. E o principal, sabe fazer cálculos e hackear as coisas.
━Leonard eu não sei hackear nada. Eu só sei usar algumas linguagens de programação -murmurou timidamente.
━Ser professor combina tanto com seu jeitinho! -beijou-o nos lábios rapidamente- Muitos alunos davam em cima de você, aposto. -provocou-o
━Não. -riu- Eu dava aulas de graça em uma escola pública. Era no turno inverso, alguns alunos precisavam de reforço e me candidatei para ajudá-los. Mas isso foi há muito tempo, antes mesmo de eu me formar.
━Finn, tem noção do quão incrível você é? -o loiro riu, com um pouco de vergonha
Incrível era um adjetivo que poucas vezes havia sido usado para descrevê-lo. Era sempre bom, aceitável ou mediano. Não costumava se destacar em cada, mas ficou feliz por Leonard admirá-lo daquele jeito. A tristeza que sentia desde a ida à praia aos poucos ia passando.
Passaram a tarde daquela maneira, agarrados e abraçados no sofá, trocando beijos e carícias lentas. Seus cheiros se misturaram: a lavanda, erva-doce e o café, criando um odor leve e gostoso.
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Quando Archie acordou, encontrou um comprimido para dor de cabeça e um copo d'água na mesa de cabeceira. A cabeça latejava tanto que, assim que engoliu o remédio, cobriu-se até os cabelos e fechou os olhos com força, mas não conseguiu voltar a dormir. Repassou mentalmente a ida ao restaurante na noite anterior e deu um sorrisinho alegre. No entanto logo recordou-se do que havia acontecido no carro, especialmente dos xingamentos que haviam sido utilizados.
Lembrou-se de ter tomado duas taças de champanhe e da sensação horrível na garganta. Os pensamentos voltaram-se, insistentemente, para o carro, para os xingamentos, e o rosto esquentou instantaneamente. Havia sido uma noite tão intensa, diferente de todas que havia tido com o namorado, que sentia-se envergonhado.
O som de passos lhe alertou da aproximação do outro e, com o coração acelerado, olhou para a porta, de onde um Marc sem camisa, vestido só com uma cueca preta, lhe encarou com um sorrisinho.
━Estou dolorido. -resmungou e levantou-se da cama
O outro ficou lhe observando com curiosidade. Era raro Archie acordar mal-humorado daquele jeito.
━Vai tomar banho?
━Claro, eu praticamente desmaiei ontem. -falou baixinho enquanto espreguiçava-se
━Te espero lá embaixo então.
━Vai fazer café para mim? -Archie sorriu e aproximou-se
Havia ensinado Marc a fazer café algumas semanas atrás, na praia, porque várias vezes o pegava brigando com a cafeteira. Alguns dias acordava e encontrava uma mesa posta, com um café muito ruim do qual fingia gostar para não magoá-lo. Archie tinha passado muito tempo preparando a bebida para ambos, tanto que Marc havia esquecido como fazê-la.
━Posso tentar.
Marc ajeitou para trás alguns dos fios de cabelo negros dele e, admirando seus olhos verdes, beijou-o na testa. Foi envolvido num abraço carinhoso pelos ombros e retribuiu, apertando-lhe as costas numa massagem lenta. O cobria por inteiro com seus braços e apoiou o queixo em sua cabeça, de olhos fechados. O cheiro de morangos nunca saía de seus cabelos e, quando saísse procuraria com perfume com aquele mesmo odor para presenteá-lo.
━Obrigado pelo jantar, Marc. -falou num muxoxo, com cabeça repousada em seu peito
━Não agradeça. Quase fomos pegos, mas você estava concentrado demais para perceber.
━O quê?! -Archie afastou-se, com os olhos arregalados e o rosto vermelho
━Um homem espiou pela janela. -Marc sorriu largamente
━Marc! Eu nunca mais vou fazer isso.
━Isso o quê? -perguntou, fingindo ingenuidade, e Archie cruzou os braços
━Transar em público. -murmurou baixinho, com a face queimando de vergonha- É muito perigoso.
Marc revirou os olhos, mas a expressão assustada no rosto de Archie lhe obrigou a puxá-lo novamente para perto de seu corpo.
━E daí? Se não fosse perigoso não seria bom.
Na noite anterior havia vestido-o com um pijama azul claro com o qual ele permanecia. O tamanho do conjunto era P, mas ainda assim a calça e a camiseta ficavam largas. Combinava com sua pele clara.
Archie suspirou, desistindo de tentar argumentar, e caminhou até o armário. Tirou uma toalha felpuda de lá e um conjunto de calça jeans e camiseta de manga comprida. Quando virou-se, Marc estava sorrindo.
━O que foi?
━Como foi seu primeiro porre? Com duas taças de champanhe?
Archie abriu a boca para reclamar, mas em seguida o rosto esquentou, ao lembrar-se dos xingamentos. E que havia pedido para ser xingado. Tudo por causa da champanhe. Nunca mais beberia nada alcóolico.
━Minha cabeça dói. Obrigado pelo remédio. -apontou para a cabeceira, na qual o copo com água permanecia
━Graças à champanhe descobri que tipo de xingamentos você gosta.
Um arrepio percorreu a espinha de Archie. Os olhos escuros lhe encararam com divertimento e pensou em retrucar, mas a cabeça doía, se o fizesse só pioraria sua dor. Marc cruzou os braços, esperando alguma reação, com um sorrisinho malicioso no rosto.
━Nunca mais vou beber.
━Mas eu pensei que você tivesse gostado.
━Da champanhe? Não gostei.
━Mas dos xingamentos sim.
O rosto esquentou e passou por Marc na ida até o banheiro, caminhando com o olhar baixo e constrangido, sem coragem de encará-lo. Na metade do caminho foi segurado pela cintura e puxado até encostar as costas no abdômen de Marc. O cheiro dele, o toque agressivo, a proximidade e o perfume lhe fizeram estremecer. Arrepiou-se instantaneamente, mas ficou surpreso ao receber um beijo no topo da cabeça. Ele suavizou o aperto em sua cintura.
━Você está mal-humorado hoje.
Olhou para cima e esperou ver uma expressão irritada, mas encontrou apenas um olhar curioso.
━Foi tão ruim assim transar no carro?
Archie suspirou e virou-se, segurando a toalha e as roupas nas mãos.
━Não. Foi muito bom. -admitiu
━Foi ótimo. Foi você quem pediu para eu te xingar. Se não gostou...
━Eu gostei. -o interrompeu, constrangido, sem olhá-lo
━Gostou? -Marc puxou o queixo dele para cima, com um brilho enigmático no olhar
━Sim. -beijou a palma da mão do namorado, olhando-o diretamente e Marc controlou-se para não empurrá-lo para a cama
Estava prestes a dizer algo, quando o celular tocou no bolso da calça. Pegou-o e Archie, sentindo-se elétrico com aquela proximidade, afastou-se, caso contrário não conseguiria tomar banho.
Quando atendeu, a voz da mãe lhe deixou desnorteado. Fazia muito tempo que não a ouvia.
━Marc? Bom dia!
━Mãe?
Archie parou na porta do banheiro e ficou escutando. Marc caminhou até a janela do quarto, impedindo-lhe de ver suas expressões.
━Sim, como você está? Espero que as férias tenham sido boas.
━Estou bem. Obrigado por ter nos emprestado a casa.
━Sempre que quiser ir para praia a casa estará pronta para recebê-lo, filho.
━Obrigado.
━Liguei para te convidar para almoçar conosco no clube.
No clube. O clube aonde costumava ir com os pais e Rachel, onde praticava esportes quando pequeno, onde já havia dado festas anos atrás... Não queria ir, e a mãe percebeu sua hesitação.
━Hoje?
━Por favor... Eu e seu pai estamos com saudades.
Sua frase foi dita com tanta sinceridade que Marc suspirou. O relacionamento com os pais era estranho e, após a volta deles, haviam se comunicado, na maior parte das vezes, apenas por telefone.
━Traga o Archie, ele sempre será bem-vindo.
Marc assustou-se ao sentir um toque na cintura e, ao virar-se, Archie sorriu e assentiu com a cabeça, incentivando-o a aceitar o convite.
━Vamos. -Archie murmurou.
━Tudo bem. -respondeu à mãe, num tom derrotado- Que horas?
━Às treze. Estaremos no restaurante.
━Certo.
━Até mais! Beijos, te amo.
Ela desligou e Marc apertou os olhos para Archie.
━Eu também quero conhecê-los melhor. -inclinou-se e deu-lhe um beijo rápido nos lábios
━Se não entrar no banheiro em cinco segundos seu banho vai ser mais difícil. Archie riu e correu para o banheiro, fechando e chaveando a porta em seguida. Marc sorriu e olhou para a rua, apreciando o sol que espalhava-se pelos telhados vizinhos. Seria um dia típico no clube: sol, crianças na piscina, pais jogando tênis com os filhos... Como antigamente.
_____
Após comerem uma lasanha de berinjela feita por Finn, e uma salada verde com grãos preparada por Leonard, decidiram ir até a sede da empresa de arquitetura que o asiático havia comprado após o Natal. A reforma havia começado quando estavam de férias e já havia progredido bastante até então.
Lembrou-se dos tempos na universidade, do quanto falava para os colegas, para a mãe e para o ex-namorado, que um dia seria um renomado arquiteto e, finalmente, via seu sonho cada vez mais próximo. Teria que dedicar-se em conseguir clientes, mas tinha certeza de que conseguiria.
Era surreal lembrar-se que, anos atrás, estava conversando sobre seus desejos para o futuro com o ex-namorado e agora estava concretizando seu sonho ao lado de Finn, que cuidaria da contabilidade. Pensou no ex-namorado e cenas passaram por sua cabeça de relance. As sugestões de Finn às vezes lhe faziam lembrar, mesmo que não quisesse, dos dias com o ex. E não gostava de admitir o quanto sentia falta daquele seu outro lado que há tempos não via.
Finn anotou algumas coisas na prancheta, analisando o lugar com um sorriso no rosto. O talento, a energia e a dedicação dele eram uma combinação de sucesso para o trabalho que fazia. Sua agitação o impulsionava a ver as dificuldades por um outro angulo e aí conseguia resolvê-las. Finn gostava de observá-lo concentrado, caminhando de um lado para o outro com um lápis na mão.
Voltou a atenção ao que escrevia, e notou que os cálculos de gastos eram grandes, mas se conseguissem um número fixo de clientes seria possível lucrar bastante com a empresa. O lugar teria um viés ecológico e, consequentemente, sustentável, algo pelo qual os consumidores jovens prezavam muito.
Leonard caminhou até o escritório que havia decorado para Finn e tentou ver se havia algo fora do lugar, mas todos objetos decorativos estavam onde havia pedido. Na escrivaninha dele estava o porta-retrato digital que tinham ganhado de Marc e Archie no Natal anterior e, nele, várias fotos suas e de Finn apareciam. Sorriu com ternura ao vê-las.
Deu uma última olhada na iluminação, nas plantas e flores que havia escolhido e no carpete claro. Caminhou até atrás de Finn e cobriu os olhos dele com as mãos.
━Vamos entrar no seu escritório! -pegou a prancheta das mãos dele e largou-a no balcão principal
━Leonard, eu disse que não precisava de escritório!
Finn estava surpreso e curioso. Não fazia ideia de que o namorado havia separado uma sala para fazer trabalhar com as finanças. Foi guiado pelas mãos dele, que lhe empurraram para dar alguns passos e, quando ouviu o barulho da maçaneta, Leonard tirou as mãos de cima de seus olhos.
━Espero que goste. -sussurrou baixinho
Quando abriu os olhos, deparou-se com uma sala lindamente decorada de acordo com seu gosto. Os tons eram terrosos, beges e brancos; o piso era laminado, na textura de madeira natural, o papel de parede imitava cubos de madeira, na cor branca, e a iluminação era feita por duas lâmpadas grandes, penduradas em lustres brancos em formato de círculo.
Na escrivaninha principal, que era espaçosa e ficava ao lado da janela, havia um laptop, uma calculadora, vários lápis, um bloco de notas e muito espaço para ser utilizado. O resto do espaço da sala era preenchido por uma estante marrom que ia até o teto e, na frente da mesma, um sofá branco estilo futon com um design moderno.
━É sofá-cama, então se você brigar com seu namorado e não tiver onde dormir pode vir para cá.
━Leonard. -Finn virou-se, boquiaberto
━Diga que você gostou, por favor! -uniu as mãos, com medo daquela reação e o loiro riu
━Isso é mais do que eu poderia sonhar em te pedir. Eu disse que não precisava de um escritório, que eu poderia trabalhar de casa.
━Mas você gostou?
━Claro que eu gostei. Está lindo demais. -olhou em volta, admirado com o quanto aquele lugar era a sua cara
━Tem isolamento acústico, sei que gosta de silêncio para trabalhar. Está vendo aquele armário na parede, acima da escrivaninha?
Finn reparou no armário e assentiu.
━Lá dentro tem uma cafeteira para você tomar o seu amado cafézinho. E eu até coloquei uma miniatura de uma moto aqui, olha. -puxou-o pela mão até a estante, onde havia um objeto pequeno de porcelana
━Você pensou em tudo mesmo. Nunca tive um espaço de trabalho tão lindo-Finn balançou a cabeça, incrédulo
━Pois acostume-se, meu amor. -abraçou-o pelos ombros, adorando saber que o cheiro das erva-doce havia ficado impregnado nele
━Puxa, Leonard. -caminhou até a escrivaninha e pegou o porta-retrato digital que Marc e Archie haviam lhes dado de Natal
━Tem uma foto nossa, de quando estávamos na praia.
A fotografia mostrou um Leonard sorridente e um Finn espontâneo, com um braço nos ombros do asiático. Sorriu imediatamente ao vê-la. Havia sido tirada num dia em que não estava tão triste.
━Eu amo essa foto.
Leonard admirou os olhos azuis que mostravam alegria e ajeitou alguns cachos loiros dele para trás das orelhas.
━E eu amo você. -murmurou
Finn levantou o olhar, um pouco vermelho, e beijou-o lentamente. Em meio ao ato, ambos sorriram e entrelaçaram os dedos. Encostaram as testas ao final do beijo, com os lábios formigando.
━Só queria te mostrar seu escritório, agora podemos ir.
━Mas e o seu? -Finn arqueou as sobrancelhas, curioso para ver o lugar onde Leonard trabalharia
O asiático coçou a cabeça e pareceu constrangido.
━Tem certeza que quer vê-lo?
Finn assentiu e, minutos depois entendeu a hesitação do outro. A sala de Leonard era extremamente moderna, quase futurista, completamente o oposto da sua, que tinha tons claros e sem muito contraste.
No centro havia um tapete preto com uma mesa redonda e amarela no centro. Nas paredes, quadros coloridos de flores estavam pendurados de maneira espaçada. Na estante havia alguns vasos com flores. O sofá preto combinava com o tapete e com a escrivaninha, que já estava cheia de papéis, pastas e, claro, uma folhagem.
━Tenho sofá-cama também.
Finn percebeu que estava olhando para a sala com o cenho franzido, tentando acostumar-se aquele ambiente colorido. Depois de alguns minutos ali percebeu que na verdade nada era muito espalhafatoso ou tão colorido assim. Os tons pretos ajudavam a neutralizar as cores.
━Eu exagerei um pouquinho, não é? -Leonard murmurou, preocupado ao ver a expressão surpresa em seu rosto
━Não. -Finn respondeu com sinceridade- Está muito bem organizado e tem a sua personalidade.
Leonard sorriu e abraçou-o pelo pescoço. Depositou um beijo em sua bochecha e, com um suspiro de alívio por ver o espaço pronto, sussurrou em sua orelha:
━Quer ir para casa ou algum outro lugar?
━Por que não damos uma volta de moto? -o loiro sugeriu
━Ótimo!
Não gostava de andar de carro ou de moto e, sempre que possível preferia caminhar, mas ultimamente usar os veículos que possuíam era essencial. Além disso, havia andado poucas vezes na garupa com ele.
Finn beijou-o na bochecha e pegou sua mão. Leonard agarrou-se ao braço dele e inspirou fundo o cheiro de erva-doce da camisa de flanela dele. Os olhos azuis lhe encararam com carinho e o asiático quase derreteu com tanto amor contido num olhar.
Mas o loiro estava nervoso. Leonard havia feito tanta coisa para agradá-lo que sentia-se culpado por ter se mostrado tão desanimado durante as férias. Devia algumas explicações a ele.
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Como Archie não sabia o que deveria vestir para ir ao clube, porque nunca havia ido a lugares como aquele, deixou que Marc escolhesse sua roupa. Ele escolheu uma camisa de botões vermelho-escura, uma calça jeans preta e um sapato Derby de couro, todo preto e com cadarços. Quando colocou as lentes de contato e olhou-se no espelho, viu que a cor vermelha ressaltou sua pele e seus olhos.
Passou os dedos pelos cabelos, ajeitando alguns fios para trás com um pouco de gel e espiou Marc pelo espelho. Demorou para escolher uma roupa e, quando optou por uma camisa amarela, Archie arregalou os olhos, surpreso por ele ter saído dos tons escuros. Foi pego olhando-o, boquiaberto e logo tratou de fechar a boca.
━Surpreso?
━Eu nunca te vi de amarelo.
━Eu nunca usei essa camisa, está guardada há anos.
Marc abotoou a camisa e Archie admirou-o, gostando de vê-lo só com ela. As coxas torneadas e musculosas, por conta das corridas na praia, lhe fizeram suspirar. O outro deu um sorrisinho torto e riu da sua reação.
━Você gosta muito das minhas pernas.
━Elas são bonitas. -aproximou-se e, antes que Marc pudesse vestir as calças, passou as mãos por suas coxas, puxando alguns pelos
━Ei, isso dói. -deu-lhe um tapinha na mão
Archie respirou fundo e controlou-se para não atirar-se nos braços dele. Não podia, pois ainda estava dolorido por conta do dia anterior.
━Você não gosta de sentir dor? -perguntou, curioso, enquanto ele vestia a calça jeans preta
━Claro que não. Esse é o seu papel.
━Mas você não tem curiosidade de saber como é para mim? -Archie perguntou e sentiu as bochechas esquentarem
Marc franziu o cenho e fechou o zíper da calça. Encarou o namorado seriamente, sabendo bem o que ele queria dizer.
━Archie. -disse seu nome como um aviso, para que não voltasse aquele assunto
━Poderia tentar. Você poderia ficar... -Archie começou, esperançoso, mas a voz foi sumindo ao ver a carranca nada alegre do outro. Desistiu e suspirou- Te espero lá embaixo.
E saiu, um pouco chateado, mas sem dizer nada.
Marc piscou, sem entender o que havia acontecido e xingou-se baixinho. Sabia bem o que ele proporia se o tivesse deixado continuar. Mas talvez devesse tentar não ser tão egoísta e ceder, mesmo que custasse parte da sua dignidade.
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Os garçons, vestidos com bermudas de linho brancas e camisas beges, passavam entre as mesas equilibrando copos e pratos em suas bandejas. O calor não estava tão intenso, mas para quem vestia calça jeans e camisa social era difícil não suar.
O barulho de conversas animadas vindas do restaurante enchia ainda mais aquele dia ensolarado. As crianças brincavam em piscinas compridas, supervisionadas por nadadores profissionais. A quadra de tênis ficava mais afastada no terreno imenso do clube e de lá eram ouvidos gritos cada vez que a raquete tocava a bola.
Os cabelos castanhos de Adeline caíam em cachos embaixo do seu chapéu de praia. Os óculos de sol estampavam, em um canto, o nome de uma marca de grife famosa. Ela vestia um macacão que ia até os joelhos, na cor verde-clara. O pai de Marc, Jacques, sentado ao seu lado, tinha os cabelos mais grisalhos do que da última vez em que haviam lhe visto.
Quando aproximaram-se, Archie ficou nervoso, mas não tanto quanto Marc, que disfarçou, com sua típica maestria, o quão desconfortável estava perto dos pais.
━Marc, estávamos com tantas saudades! -ela tirou os óculos, exibindo um olhar carinhoso e, ao abraçá-lo com força, a barriga grávida atrapalhou o gesto
━Oi, mãe. -falou rapidamente
Em seguida Adeline olhou para Archie e inclinou-se para segurar seu rosto com ambas as mãos.
━Archie! Você está tão bonito! -olhou-o de cima a baixo com alegria
━Ele sempre foi bonito. -Marc resmungou
Jacques cumprimentou o filho com um abraço mais contido.
━Ela está mais extrovertida do que o normal. É o nascimento que se aproxima. -sussurrou em seu ouvido, como se fossem amigos. Marc apenas arqueou as sobrancelhas e sentou-se ao lado do pai.
━Olá, senhor Berlusse. -Archie cumprimentou Jacques timidamente
━Archie, como você está?
━Bem, obrigado. -sorriu e sentou-se ao lado de Marc
Logo um garçom aproximou-se, estendeu cardápios para os recém chegados e foi embora.
━Nos contem o que vocês fizeram na praia! - Adelina inclinou-se e apoiou o queixo nas mãos, sorrindo largamente
Marc tossiu e Archie desviou o olhar, fingindo estar interessado nas opções do menu.
━Caminhamos todos os dias. Fomos ao centro. Jogamos videogame.
━E quem de vocês dois cozinhou? -Jacques indagou num tom brincalhão
━Nenhum dos dois. -Marc respondeu com uma careta
━Mas eu ensinei o Marc a passar café.
Adeline e Jacques se entreolharam e riram. Marc revirou os olhos e começou a ler o cardápio. Archie acompanhou-os na risada e, em seguida, apertou a perna do namorado por baixo da mesa, num sinal reconfortante, para lembrá-lo que estava ali.
Os pais dele eram simpáticos, carismáticos e extrovertidos. Archie tinha a impressão que seria fácil reconstituir aquela relação de pais e filho, se Marc não fosse tão rancoroso e cabeça-dura. Além disso ele não estava fazendo tanto esforço assim para tentar restabelecer aquela ligação, ainda guardava uma mágoa muito grande da família.
Adeline tinha o mesmo olhar do filho, aquele jeito superior de encarar os outros. Jacques era mais alegre e mais parecido com Marc fisicamente. Eram um casal entrosado e alegres, mas olhando-os como família, percebia um clima tenso entre os três, que logo instalou-se sobre a mesa.
Marc abaixou o cardápio e virou-se para Archie.
━Escolheu?
━Vou pedir o mesmo que você. -murmurou, já que não conhecia aqueles pratos e nem sabia pronunciar seus nomes
Um senhor careca e de bigodes grisalhos aproximou-se da mesa. Ele vestia um terno cinza e parecia estar extremamente contente. Apoiou as mãos nas cadeiras de Archie e Marc e inclinou-se no meio dos dois.
━Eu não acredito! A família Berlusse reunida?
Marc pensou, com amargura, que faltavam dois membros importantes ali. Apesar disso, ficou encarando o homem com curiosidade, sem reconhecê-lo.
━Xavier! -a mãe exclamou
━Não levante-se, por favor, sra. Berlusse. É uma honra recebê-los aqui novamente. A família de vocês frequenta o clube há anos. Mas há quanto tempo não visitam o clube?
━Estivemos viajando. -Adeline respondeu e olhou para Marc de um jeito desconfortável
━Sete anos. -Marc respondeu, com um sorriso estranho- Há sete anos não frequentamos o clube.
━Marc? -Xavier arqueou as sobrancelhas- Puxa, como você cresceu! Seu avô costumava te trazer aqui para jogar tênis e nadar, lembra?
De repente, Marc lembrou-se do homem. Enquanto nadava, o avô conversava e ria com Xavier. O homem costumava fechar uma raia da piscina apenas para Marc.
Lembrou-se de tardes passadas na sala de jogos, do avô lhe ensinando a jogar sinuca e lhe mostrando algumas fórmulas químicas no papel.
━Lembro. -respondeu, sorrindo com sinceridade
━Desculpe por não termos vindo antes, Xavi. Papai sempre falou muito sobre você. -Adeline disse- Espero que os negócios no clube estejam indo bem.
━Estão, obrigado, Adeline. -voltou-se para Archie- E o senhor é?
Archie abriu a boca para responder, sem saber direito como se comportar. Achou aquele senhor muito simpático. Quando ia dizer seu nome, Marc segurou sua mão por cima da mesa e sorriu.
━Meu namorado, Archie. -olhou, sorrindo, para os pais, que ficaram em silêncio
Xavier parou de sorrir e tossiu, mas logo recompôs-se. Archie sentiu o rosto esquentar.
━É um prazer, Archie. Espero que passem uma ótima tarde.
━Obrigado, Xavier. -Jacques sorriu e acenou
Um atendente aproximou-se e anotou seus pedidos no tablet que carregava. Antes de sair deu um olhar significativo para Marc, que franziu o cenho, sem entender. Archie ficou vermelho ao perceber que ele havia acabado de flertar com seu namorado.
Olhou discretamente em volta e, perto da piscina haviam espreguiçadeiras e cadeiras de praia. Várias mulheres de biquíni olhavam para Marc. Naquele lugar, que cheio de crianças barulhentas, mulheres mais velhas cheias de jóias e maridos entediados de terno, ele se destacava. As mulheres jovens haviam reparado em Marc logo que ele chegou, tentando adivinhar de quem era filho e se estava solteiro.
Archie quis fugir dali e sentiu-se desconfortável com tantos olhares em cima do namorado, que ou parecia não perceber, ou os ignorava.
━Como anda o trabalho, filho? -Jacques perguntou, tentando puxar assunto
━Chato. -respondeu com sinceridade e o pai arqueou as sobrancelhas
━Não é o que você queria fazer?
━Trabalho quase o dia inteiro num escritório. -suspirou- Sempre quis trabalhar em laboratório.
Archie ouviu com atenção, já que Marc pouco falava sobre seus sonhos profissionais. Ele ganhava muito bem, mas não sabia que estava insatisfeito com o que fazia. Analisou-o com curiosidade e lembrou-se de antes de irem para praia, do quão mal-humorado ele ficava quando chegava em casa.
━Talvez você devesse procurar outro emprego. Com seu curso você consegue o que quiser.
━Se não está feliz precisa buscar outro lugar para trabalhar. Não pensa em fazer uma pós-graduação? -Adeline perguntou
Enquanto Marc pensava, a comida chegou. Um prato foi colocado na frente de cada um e Archie encarou o garçom que havia tentado flertar com Marc com irritação. Ele olhou-o diretamente quando deixou os talheres na mesa e deu um sorrisinho. O rosto esquentou ao perceber que tinha acabado de receber um flerte.
━Eu não teria tempo para nada.
━Você pode fazer online. Obrigado. -Jacques agradeceu ao garçom, que virou-se e saiu
Marc suspirou e começou a comer. Quando Archie olhou para o prato, encontrou camarões e bolinhas pretas, espalhadas numa apresentação bonita. Havia um molho verde pastoso num canto que coloria a comida. Provou o camarão e adorou o sabor de alho e algo doce, que já havia provado, mas que ainda era novo: champanhe. Não estava tomando nada alcóolico, ao menos, apenas comendo. Ficou mexendo nas bolinhas com o cenho franzido, sem saber o que eram.
━Marc -puxou-o pela manga da camisa amarela- o que é isso? -olhou significativamente para o elemento desconhecido no prato
Sentiu os olhares dos pais dele lhe analisaremi e ficou envergonhado.
━Você nunca comeu caviar, Archie? -Adeline indagou, com as sobrancelhas arqueadas
━Não. -olhou para o prato, com as bochechas queimando, e comeu outro camarão
━Prove, acho que você vai gostar. -ela sorriu, incentivando-o
Quando Marc encarou a mãe, ela lhe deu um olhar esquisito e soube, imediatamente o que queria dizer.
━Você trabalha com o que, Archie? -Jacques perguntou
━Eu... -mordeu os lábios- sou dono de uma floricultura. E cafeteria.
━Temos um homem de negócios na mesa. -Adeline brincou
━Que legal, são dois estabelecimentos?
━Era uma floricultura, mas agora virou cafeteria também.
━Se precisar de assistência jurídica eu tenho um escritório de advocacia. Como você agora é meu genro eu nem vou cobrar. -Jacques piscou e Archie relaxou na cadeira, sorrindo
━Muito obrigado, senhor Berlusse.
━Por favor, me chame de Jacques.
Prosseguiram comendo em meio ao som de crianças pulando na piscina e correndo. Os garçons passavam para lá e para cá, ocupados com os pedidos dos clientes. Garrafas de vinho e champanhe eram vistas em várias mesas.
A comida estava deliciosa e bem temperada e veio acompanhada de um suco de laranja com abacaxi.
━Ainda está trabalhando, mãe?
Pelo menos Marc estava tentando puxar assunto, Archie pensou enquanto comia devagar, saboreando aquele prato caro e delicioso.
━Com esse barrigão, Marc? -ela arqueou as sobrancelhas e riu- Na verdade estou traduzindo alguns documentos para o seu pai. Assim que a licença maternidade terminar voltarei à ativa.
━A senhora é tradutora? -Archie perguntou, com curiosidade
━Sim, tradutora e intérprete. Trabalho para diplomatas e cônsules.
━Que incrível! Quantas línguas a senhora fala?
Adeline sorriu ao responder:
━Cinco.
Archie arregalou os olhos, boquiaberto.
━Uau!
Jacques riu baixinho e apertou a mão da esposa por cima da mesa. Em seguida tocou a barriga dela com carinho.
━Sou xingado em cinco idiomas diferentes, Archie. -fez uma careta- Queremos que nossa filha cresça e aprenda pelo menos três idiomas. Diferente de certas pessoas que nunca gostaram de estudar linguagens.
Archie percebeu que ele estava brincando, mas a expressão incrédula de Marc demonstrou que ele havia interpretado de outra maneira. Apertou seu joelho por baixo da mesa, tentando acalmá-lo, mas ele já estava irritado.
━Não sou o filho dos sonhos, desculpem. -disse num tom ácido e Jacques tossiu. O sorriso estava completamente apagado de sua expressão.
━Marc, seu pai estava brincando.
━Vocês sequer lembram da Rachel? -perguntou subitamente e Adeline piscou, sem entender
━É claro, ela era nossa filha.
━Você a ensinou a falar três línguas diferentes.
━Marc, por favor, não vamos falar sobre isso. -Jacques interrompeu
Archie encolheu-se na cadeira, sabendo bem que o namorado estava prestes a provocar uma briga. As mãos apertadas em cima da mesa, o cenho franzido e a respiração acelerada indicavam que estava sentindo raiva.
━Vocês esquecem rápido. Depois fingem que certas coisas nunca aconteceram -riu baixinho com amargura
━Marc.
Adeline pôs uma mão na testa e fechou os olhos. Algumas lágrimas escorreram por suas bochechas e Jacques colocou um braço a sua volta, tentando confortá-la. Olhou para Marc seriamente.
━Por que você é assim, Marc?
Marc arqueou as sobrancelhas, como se ele tivesse contado uma piada. Recusou-se a respondê-lo, pois achava que a resposta estava bem ali naquela mesa. Simplesmente levantou-se, empurrou a cadeira e olhou para Archie. O garoto encarou-o boquiaberto, um pouco assustado com aquele comportamento.
Adeline secou as lágrimas e levantou a cabeça.
━Por favor, não vá embora. Nós te convidamos para almoçar, Marc.
━Perdi a fome. Vamos, Archie.
Ele levantou-se, confuso e perdido naquele turbilhão tenso que era aquela família. Sabia que Marc havia reagido com uma raiva desproporcional, então daquela vez achava que a culpa era dele, afinal, os pais estavam tentando aproximar-se. Se no fundo ele queria os pais de volta, por que se comportava daquela maneira perto deles?
Levantou-se rapidamente, limpou a boca no guardanapo e olhou para o casal. Adeline tinha o cenho franzido de tristeza e Jacques parecia decepcionado. Archie não queria que eles desistissem de aproximar-se de Marc e, quando este se afastou com passos rápidos, sendo observado por todos do clube, disse:
━Ele está tentando ser menos impulsivo. Obrigado pelo almoço. Desculpem qualquer coisa.
Jacques deu-lhe um sorriso fraco e falou:
━Nós que agradecemos, Archie. Mesmo que ele continue impulsivo consigo perceber que está mais humano. Acho que tem a ver com você. Obrigado.
Archie fez uma careta, coçou a cabeça e deu um sorriso amarelo, sem saber como comentar. Despediu-se e correu atrás do namorado. Encontrou-o fumando, encostado no capô do carro. Era possível fumar de maneira agressiva? Porque era exatamente daquele modo que ele o estava fazendo. Tragava e soltava a fumaça rapidamente, com o cenho franzido.
Será que valia a pena tentar mostrar-lhe que havia reagido de maneira errada? Que havia causado uma briga desnecessária?
_____
A brisa que batia em seus rostos era forte e seus cabelos esvoaçavam por conta dela. O sol da tarde já havia se escondido no meio das nuvens e o sábado passava com tranquilidade. O loiro estava dirigindo há alguns minutos e a cada quilômetro afastavam-se mais do centro da cidade. Nas calçadas, crianças saltitavam de mãos dadas com os pais e os estabelecimentos comerciais aproveitavam o dia bonito para lucrar.
Conforme Finn acelerava a moto, Leonard segurava-se em sua cintura com força e com medo de cair. Seu coração estava tão acelerado que suas mãos estavam tremendo. Tentou observar a paisagem e volta, mas teve receio de desequilibrar-se e cair. Por isso, contentou-se em agarrar-se com força ao namorado e esconder o rosto em suas costas. Vez ou outra espiava por cima do ombro dele.
Adorava dirigir sua moto. A sensação de liberdade e de relaxamento era indescritível.
Estava feliz por ter conseguido fazer o namorado esquecer do congresso, que aconteceria na segunda-feira. Pensou em onde poderiam ir, então lembrou-se de um dos seus lugares favoritos e decidiu ir até lá. Estavam perto e, quando fez uma conversão, entraram numa rua mais calma e afastada.
Alguns quilômetros adiante o píer se estendia até o meio do lago e, na parte terrestre havia o cais, onde navios atracavam. Alguns casais estavam encostados na cerca em volta da passarela, abraçados. Haviam bancos no cais e Finn avistou um mais afastado e próximo ao lago, debaixo de uma árvore grande e bonita.
Estacionou a moto, guardou os capacetes e, quando olhou para Leonard, encontrou-o tremendo.
━Faz tempo que não andamos de moto, está tudo bem?
━Eu tinha esquecido... -engoliu em seco- do quão intenso é.
Estava com o coração acelerado, mas sorriu, pois sentia uma adrenalina boa e estimulante. Cambaleou e aproximou-se de Finn, tentando controlar os batimentos cardíacos e a respiração ofegante. O loiro abraçou sua cintura e começaram a caminhar lado a lado, devagar.
━Vim poucas vezes ao píer. -o asiático murmurou
Quando aproximaram-se da árvore, Leonard tocou seu tronco com a ponta dos dedos e respirou fundo o cheiro de grama seca e terra molhada. Agora que não estava na garupa de uma moto o vento parecia calmo e levantava seus cabelos delicadamente.
Finn sentou-se no banco e ficou admirando o namorado. Sua camisa tinha as amadas estampas florais e a calça cáqui bege combinava com o tênis casual preto.
━Eu adorava abraçar árvores quando criança.
A palma deslizou pelo tronco grosso e apertou os dedos em algumas folhas de galhos mais baixos. Apreciou o namorado, cujo rosto angelical estava sombreado pela árvore. Os olhos azuis aparentavam serem mais escuros naquele ângulo. Sentou-se ao lado dele e apertou seu joelho por cima do jeans azul que usava.
━Esse é meu lugar favorito. -Finn murmurou e apontou para o píer
Olhando-o de perto, Leonard percebeu que as olheiras continuavam marcando sua expressão e parecia cansado.
━É lindo. Muitas pessoas passeiam aqui. -recostou-se no banco e respirou fundo
Era difícil ficar em silêncio. Queria sempre preenchê-lo com alguma frase engraçada, mas talvez devesse aprender a ficar calado por alguns minutos. Era algo no qual estava trabalhando, na sua falação incessante que por vezes desorientava o jeito tranquilo do loiro.
━Quando fomos para a praia eu não fui uma boa companhia.
━Não tem problema, todos temos nossos dias ruins. -segurou-lhe a mão e apertou-a com carinho
━Mas tem algo que eu não te contei, Leonard. Sobre meus dias ruins.
O asiático franziu o cenho com confusão e encarou-o com atenção. Ele pareceu nervoso, com um sorriso triste no rosto.
Finn olhou para o lago, admirando o sol que fazia a água límpida brilhar. A brisa leve arrepiou seus braços e respirou fundo. O que tinha para contar era importante e já estava influenciando sua relação com Leonard desde as férias. Os dias na praia eram como um borrão em sua mente, justamente por conta de seu humor triste durante aqueles dias na casa de Marc.
Havia passado muito tempo feliz, mas quando ficava triste preferia isolar-se ou dormir. E era o que havia feito quando deveria ter aproveitado ao lado do namorado.
━Você pode me contar, Finn.
Os olhos amendoados e preocupados fixaram-se nos seus e suspirou, com o cenho franzido. Era algo que poucos sabiam e nem havia contado aos pais.
━Há tempos eu não ficava triste como fiquei na praia, onde deveríamos ter nos divertido. -de repente, começou a falar sem parar- Mas eu parei de tomar os remédios, porque eles me faziam mal. Parei de tomá-los por um ano e eu fiquei bem.
Leonard estava em silêncio e boquiaberto. Desviou o olhar de Finn para a paisagem a frente, fixando-o numa gaivota que pousava a poucos metros de distância.
━Remédios? -indagou
━Para depressão.
Havia um jeito certo de reagir aquilo? Por que não havia lhe contado antes? Talvez fosse por conta de seu jeito alegre, para não chateá-lo? Quis xingar-se por ser tão expansivo.
Finn olhou-o com hesitação e arrependeu-se de ter contado. Nenhum evento havia desencadeado sua doença, mas as várias tentativas de relacionamento frustradas tinham contribuído. Todos com quem havia tentado se relacionar, seja amigavelmente ou romanticamente, começavam a achá-lo chato ou encontravam outras pessoas mais divertidas. Não achava que tinha muitos traços atraentes além da aparência, um dos motivos principais pelos quais algumas pessoas se aproximavam. Era mais calado e introvertido, mas gostava de conversar e pensou no quão menos triste seria se tivesse mais amigos. Às vezes sentia-se cansado de ser quem era.
━Desculpe, por ter contado só agora. Eu não tenho muitas pessoas para quem contar -riu baixinho- e nem meus pais sabem. Achei melhor não envolvê-los nos meus problemas de adulto.
Leonard continuou olhando o horizonte. O loiro relaxou os ombros e, com tristeza, acrescentou:
━Acho que eu estraguei o dia, não?
Apertou os lábios e os olhos começaram a arder, com vontade de chorar.
━Não é isso, Finn. -o outro finalmente falou e entrelaçou seus dedos nos dele- Estou me perguntando quantas vezes te deixei constrangido, tentando te animar, quando na verdade você estava deprimido e não queria me dizer.
━Eu gosto quando você tenta me animar. -sorriu e levou a mão de Leonard aos lábios, beijando-a- Embora você não consiga. -riu
━Finn! -Leonard ficou vermelho- Mas e... -mordeu os lábios com hesitação antes de continuar- Eu pensei que você estava deprimido na praia porque eu não queria realizar aqueles fetiches.
Leonard puxou seu braço e recostou a cabeça em seu ombro, inspirando profundamente o cheiro de lavanda da camisa de flanela. Esfregou o nariz em seu pescoço com carinho e beijou sua clavícula.
━Eu sinto que estou perdendo algo. Marc e Archie tem essa relação baseada na dominação, você e seu ex-namorado também tinham... Mas deve ser desconfortável, desculpe por ter sugerido tantas vezes.
Ao longe, casais se beijavam, encostados na cerca do píer, enquanto o sol escondia-se no meio das nuvens. A brisa aumentou e quem passeava por ali resolveu ir embora e aproveitar o resto do sábado em casa.
━Finn, eu gosto da nossa dinâmica sexual. Mas o meu medo é que, se começarmos a praticar isso em nosso relacionamento, não consigamos voltar à conexão que temos agora. E eu preciso confessar que eu... -mordeu os lábios- sinto falta de sentir dor, de ser dominado.
O loiro riu baixinho e coçou os cabelos, sem jeito.
━Se você sente falta, não acha que devemos tentar?
━Tem razão. -Leonard cedeu, sorrindo. Agora estava com Finn, seria diferente, não?
━Mas você vai ter que me ensinar tudo. -o loiro falou com nervosismo e constrangimento
━Não se preocupe. E não faremos nada tão intenso quanto o Marc e o Archie.
━Só de imaginar o que eles fazem me dá calafrios.
Leonard riu com aquele comentário e abraçou-o com carinho. Envolveu suas costas com seus braços e enterrou o rosto em seu ombro.
━Obrigado por me contar sobre você.
━Você é o melhor namorado que eu tive.
━Mas eu sou o único namorado da sua vida. Ou você teve outros e não me contou? -afastou-se, fingindo surpresa, e Finn riu
━Só queria ver sua reação.
━Posso começar te punindo hoje já. -arqueou as sobrancelhas com um sorrisinho enigmático
━Você vai ser o dominador?
Leonard franziu o cenho, sem entender, mas em seguida suavizou a expressão.
━Você quer me dominar? -sussurrou a pergunta baixinho o suficiente para os pêlos do loiro se arrepiarem
━Eu... -ficou vermelho e tossiu- Você não era submisso com seu ex-namorado?
O asiático suspirou e desviou o olhar do dele. Se fizesse o papel de submisso tinha certeza que as lembranças voltariam para lhe assombrar. Mas Finn lhe olhou com tanta preocupação e culpa, por ter perguntado aquilo, que beijou-o no rosto e levantou-se.
━Era, mas farei o que você quiser. Podemos decidir quando chegarmos em casa.
Puxou-o para levantar-se e entrelaçou seu braço no dele. Caminharam lado a lado até a moto, gostando do vento que anunciava que o inverno estava próximo.
━Certo. -Finn falou, sentindo um frio na barriga
Quando pensou no que aconteceria quando chegassem em casa, ficou mais tranquilo por saber que o relacionamento com Leonard era mais honesto do que pensava. Haviam acabado de falar de um jeito franco sobre seus desejos. Sorriu com um pouquinho de alegria por ter contado algo tão pessoal para o namorado.
Havia passado tantos dias perguntando-se o que havia de tão especial naquele fetiche... Finalmente descobriria. E seria um bom jeito de distrair sua mente.
_____
━Marc, você não precisava ter reagido daquela maneira. -Archie falou com a maior calma que conseguiu
Marc jogou o cigarro no chão, pisou em cima e entrou no carro. A irritação emanava em seus gestos bruscos. Quando sentou-se atrás do volante, apertou as mãos na direção e fechou os olhos, tentando controlar a raiva que fazia seu sangue ferver. Não queria que Archie continuasse aquela discussão e agravasse sua irritação.
Quando Archie sentou-se no lado do passageiro e olhou sua expressão franzida, ficou chateado.
━Por que não lhes dá uma chance, Marc? Seu pai estava brincando quando falou aquilo.
━Não estava. -respondeu, sem olhá-lo
Estavam parados no estacionamento. Archie tocou os cabelos com nervosismo. O clima dentro do carro era tenso, visto que Marc parecia prestes a gritar.
━Sua mãe ficou chateada com seu comportamento.
━Ela sempre ficou chateada com qualquer coisa que eu fizesse. -falou com ironia, num tom alto
━Eles estão tentando, Marc. -tentou fazê-lo enxergar o lado dos pais, mas foi inútil
Marc olhou-o com os olhos apertados, mágoa e irritação estampadas em seu semblante.
━É o mínimo que eles fazem.
Archie bateu as mãos no colo e olhou-o sem entender.
━Não é melhor perdoá-los? O que eles precisam fazer mais para que você aceite suas desculpas?
Seu tom saiu mais alto do que imaginou e, ao terminar, engoliu em seco, com os olhos um pouco arregalados. Cruzou os braços e olhou para a frente.
Marc olhou-o com surpresa. Archie nunca havia falado daquele jeito.
━Você vai ganhar uma irmãzinha, não vale a pena deixar tudo para trás e tentar recomeçar? -perguntou baixinho, ainda sem encará-lo- Eles podem cansar de tentar se aproximar. Marc, você deveria se desculpar... -sua voz saiu com angústia- Eu acho que...
━Chega!
A voz de Marc saiu num tom tão alto que Archie estremeceu de susto. Encarou-o com o cenho franzido, sem entender aquele comportamento. Ele lhe olhava com tanta fúria que ficou com receio de criticá-lo. O peito subia e descia, o rosto estava vermelho e algumas veias no pescoço estavam mais proeminentes após a ordem áspera
━Marc...
━Você não sabe como eles são.
━Você nunca fez questão de me contar! -agora foi a vez de Archie quase gritar
━Então pare de opinar sobre coisas que não entende.
Archie mordeu os lábios com irritação. A reação instantânea do corpo foi encher os olhos d'água. Há quanto tempo não brigavam daquele jeito? Odiava quando gritavam consigo, pois isso lhe fazia chorar daquele jeito. Virou o rosto para a janela e deixou as lágrimas caírem.
Marc estava agitado. Pelo reflexo o viu chorar e massageou as têmporas. Sentia tanta raiva que não sabia o que fazer. Não havia prometido que não iria magoá-lo mais? Respirou fundo e tocou o joelho dele, mas sua reação deixou-lhe estupefato. Archie afastou-o com raiva e sem olhá-lo.
━Dirige. -pediu, abrindo a janela
Com o coração acelerado e um zumbido na cabeça, deu a partida no carro. O coração apertou ao vê-lo secar os olhos com a manga da camisa e perguntou-se se não deveria desculpar-se. Mas Archie estava errado, assim como os pais, por pensarem que podiam voltar e fingir que não haviam sido negligentes. Balançou a cabeça e dirigiu até sua casa em silêncio. Quando estacionou o carro na garagem, Archie saiu rapidamente, sem olhá-lo, e subiu as escadas.
Quando entrou em casa e caminhou até o quarto, não encontrou-o lá. Ao olhar para o quarto de hóspedes, viu a porta fechada. Com irritação jogou as chaves do carro em cima da cama e deitou-se no colchão sem tirar as roupas.
"━Vocês vão viajar de novo?
━Marc! -Adeline disse seu nome com irritação e Jacques logo aproximou-se para acalmá-la com uma massagem nos ombros
━Marc, sua mãe não está bem.
━Eu também não estou bem. -falou num tom sombrio e o pai respirou profundamente
━Não é a hora para isso, Marc.
━Isso o quê?! -praticamente gritou e Adeline franziu o cenho- Eu estou sozinho nessa casa há meses.
━Sua irmã estava no hospital. Não tínhamos como vir para casa.
━Vocês dois precisavam ficar lá?
━Pare de agir como um garoto mimado! -Adeline gritou e as lágrimas escorreram por suas bochechas
━Não podem ficar aqui comigo?
Jacques olhou para o filho com pesar.
━Marc, nem ao enterro dela você foi.
━Eu não... -engoliu em seco e Adeline riu com amargura
━Sente-se culpado agora por não tê-la visitado?
Marc arregalou os olhos e comprimiu os lábios. Não podia argumentar contra algo que era verdade. Mas por que os pais o estavam punindo daquela forma? Não tinha mais o avô e agora não teria os pais também. A perda da irmã lhe fazia lembrar do avô e como tudo seria mais fácil se ele ainda estivesse presente para lhe ajudar. Para lhe cuidar.
━Vocês vão me deixar sozinho? De novo? -a voz saiu fraca e sua expressão estava retorcida, incrédula
━Seu avô deixou a casa dele para você.
━Ele deixou? -piscou, sem entender
━Agora você tem idade para morar sozinho. Já arrumei a papelada no seu nome, filho.
Jacques apertou seu ombro com compaixão, mas Marc afastou-se, zangado.
━Eu não posso ir com vocês?
━Não, você não pode, Marc! -Adelie falou com irritação
━Quando vão voltar?
A angústia cresceu em seu peito. Estava acostumado a ficar sozinho já, mas havia pensado que os pais ficariam em casa após a morte da irmã. Não havia se preparado para aquilo. Pensou que lidariam com aquilo juntos, como uma família.
━Vamos fazer uma série de viagens. Voltaremos nos finais de ano. -o pai respondeu
━E a empresa? E o seu trabalho, mãe?
Adeline virou-se de costas para o filho, sem conseguir encará-lo.
━Eu já me aposentei como diretor executivo. Deixei meu sócio cuidando do escritório. Sua mãe trabalhará apenas com traduções de livros e documentos.
━Mas e essa casa?
━Os empregados continuarão cuidando dela enquanto estivermos fora. Você irá se mudar para a casa do seu avô.
━Mas... -passou as mãos no cabelo com nervosismo- Eu não quero.
As lembranças daquela casa ainda eram dolorosas por conta da saudade. O avô havia sido a pessoa mais importante da sua vida. Mudar-se para onde ele havia morado lhe deixaria ainda mais deprimido. Teria que lidar com a morte da irmã e relembrar a infância com o avô, sozinho. O sentimento de deja vú lhe invadiu. Perder alguém era devastante, mas os pais estavam tornando tudo pior. Eles próprios não pareciam saber lidar com a morte da filha, tanto que queriam fugir.
━Marc, vá para o seu quarto. -Adeline virou-se, com uma expressão séria e recomposta
━Mãe, eu não quero ficar sozinho naquela casa.
━Nós contratamos empregados, Marc. -Jacques disse
"Os empregados não são meus pais," quis gritar.
━Vá para o seu quarto! -ela gritou, com o rosto contorcido de raiva
Marc grunhiu com irritação e começou a subir as escadas. Sua garganta estava apertada, antecipando o choro que viria. Passou os dedos pelos olhos com rispidez, impedindo as lágrimas de caírem. Quando estava na porta do quarto, ouviu os pais conversando.
━Ela não podia ter morrido, Jacques. -a mãe sussurrou, chorando
━Eu sei.
━Não era para ter sido ela.
Quando entrou no quarto, bateu a porta com irritação atrás de si. Sabia o que queriam dizer. Rachel era alegre, divertida e espontânea. Não deveria ter sido ela, visto que os pais lhe odiavam tanto.
Dormiu sabendo que no dia seguinte os pais não estariam mais ali."
Se gostou do capítulo, deixe uma estrelinha, por favor ★
___ NOTAS FINAIS ___
Obrigada por acompanharem minha história, aceito comentários, críticas e sugestões :D
Teremos mais flashbacks do passado do Marc e de outros personagens ao longo da história.
Gostaram do flashback? O que acham da família do Marc?
Como incentivar um escritor? Deixando comentários e/ou votando nos capítulos ♥
Site de Hematomas: http://sites.google.com/view/hematomas
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