Capítulo 23: Why won't you release me? - Bárbara
I don't know what you do but you do it well
(Eu não sei o que você faz, mas você faz muito bem)
I'm under your spell
(Estou sob o seu feitiço)
You got me begging you for mercy
(Você me deixa implorando por misericórdia)
Why won't you release me?
(Por que você não me liberta?)
Mercy – Duff
Minha mãe abriu a porta do quarto com um empurrão tão forte que fez ela se chocar contra a parede. Provavelmente deixaria uma marca horrenda, mas eu não tive forças para me mexer na cama e olhar. Ouvi minha mãe soltar um grito de horror. Provavelmente ela nunca tinha visto meu quarto tão bagunçado. Minha bolsa estava largada no chão, meus sapatos caídos na beirada da cama e eu estava estirada na cama desde que consegui correr para longe daquele corredor.
E pela primeira vez em muito tempo, muito tempo mesmo, eu não me importava de estar tudo tão bagunçado. Eu passei a vida inteira tentando ter todas as situações sob controle e recebi provas suficientes da vida que isso era apenas uma grande ilusão. Continue tentando, mas depois da experiência de hoje eu estava simplesmente exausta. Não queria mais tentar.
— Bárbara! — minha mãe gritou ao me ver naquele estado. — Eu fiquei presa no trabalho até agora! Faltou luz!
Eu continuei imóvel, com uma mórbida vontade de rir. Jura, mãe? Jura que tinha faltado luz? Que bom que você ficou presa no trabalho. E eu que fiquei presa no elevador? Com Rafael? Por horas? Num calor absurdo? E eu que acabei desmaiando e saindo de lá de dentro sabe Deus como? E eu, mãe? E eu?
— Você está horrível — ela continuou dizendo. — Pelo jeito seu cabelo ainda não conseguiu se adequar ao calor dessa terra, né querida?
Eu suspirei baixinho, fechando os olhos. Não tinha água suficiente dentro do meu corpo para me permitir chorar novamente, mas a minha vontade era essa. Meu corpo estava moído, mas a dor interna era muito maior que qualquer desconforto físico. Eu precisava de colo, palavras reconfortantes e, talvez, de um pouco de sorvete.
E de alguém para me impedir de vomitar o sorvete depois.
Mas o que eu recebia era o mesmo tipo de discurso desde que eu me lembrava por gente. Sobre meu cabelo não estar bonito o bastante, sobre minha maquiagem estar borrada, sobre meu peso não ser ideal e sobre como eu precisava me esforçar mais para ser uma pessoa agradável. "Fazer careta é indelicado, Bárbara" era uma das frases que eu mais ouvia na infância, seguida por "será que você pode sentar como uma mocinha, por favor?".
De alguma forma, eu conseguia manter minha sanidade mais ou menos estável, mesmo com tantas cobranças. Eu ignorava os pedidos da minha mãe e, muitas vezes, até ria de seus pedidos. Mas quando Rafael me trocou por uma menina que era exatamente tudo aquilo que minha mãe pregava, eu comecei a achar que ela estava certa. E fui, desde então, uma pessoa muito preocupada com a minha aparência e com o que os outros pensavam de mim.
Até agora. Quando Rafael, por outras razões, tinha feito tudo desmoronar na minha cabeça de novo. Era incrível o potencial lesivo que ele tinha em minha vida. Mais incrível ainda quando pensava que ele tinha tido sido também a pessoa que me fez mais feliz em toda minha história. Era incongruente, mas era real. Ninguém disse que o amor fazia sentido.
— Graças a Deus que a luz voltou — minha mãe continuava dizendo, apesar deu não dar nenhum sinal de resposta. — Meu celular está sem bateria e imagina não conseguir remarcar o salão que perdi hoje! — ela sacudiu a cabeça dramaticamente, como se isto fosse algo terrível de imaginar. — Eu não lembro o número de cabeça para ligar aqui de casa.
— Como está meu pai? — eu juntei forças para perguntar, com a voz rachada.
— Ficou preso em São Paulo — ela disse, apoiando-se no batente da minha porta. Seu quadril projetado para frente na saia-lápis justa e seus braços cruzados me davam a impressão de que era um fardo estar ali. — Mas deve conseguir pegar algum voo em breve.
— Que bom — comentei só por comentar.
Quer dizer, era bom que meu pai estivesse bem, mas era ruim que ele não estivesse ali. Era ruim que minha mãe não tivesse perguntado sobre mim. Onde eu estava durante o blecaute? Será que eu estava bem? Nada. Da mesma forma dramática como entrou, saiu do quarto, deixando a porta escancarada para o mundo.
Era difícil sequer conseguir pensar com aquela confusão de sentimentos dentro de mim. Usando uma analogia muito pertinente para uma gringa no Rio de Janeiro, parecia que tinha uma escola de samba dentro de mim. Só que os batuques estavam tão fora de ritmo e de controle que só podia ser uma que ainda estava aprendendo a como sambar.
Girei na cama, alcançando meu celular. Ele estava carregando desde que eu tinha voltado e a bateria já estava quase completa. Eu abri o Whatsapp e corri o dedo para a minha conversa com Ruth. Flertei com o botão de ligação, mas desisti. Já era início da madrugada no Rio de Janeiro, o que significava que era de noite na Califórnia. Eu não queria atrapalhar a noite dela com minhas lamúrias. Parecia que fazia dias que ela tinha me ligado, mas aquilo só tinha acontecido algumas horas antes. Antes da luz faltar e deu ficar presa com Rafael por horas. Horas que pareceram dias. Meses. Anos.
Como é que eu seria capaz de sair de casa e correr o risco de esbarrar com ele? Eu não conseguiria. Não era possível fingir que nada tinha acontecido. Eu não conseguia me convencer que o único sentimento que eu nutria por ele era o ódio, como eu conseguia horas antes. Suas palavras ainda faziam eco na minha cabeça e, por mais que eu me escondesse embaixo dos travesseiros, eu não conseguia silenciá-las.
Talvez eu devesse ter desconfiado que havia algo de estranho. Talvez eu devesse ter questionado, peitado e perguntado quais eram os reais motivos pelos quais ele agira como agira. Porém, como eu poderia ter suposto isso? Ao mesmo tempo que ele era meu melhor amigo e que eu seria capaz de colocar a mão no fogo de que aquele não era um comportamento típico dele, eu também era uma menina insegura que não tinha tanta certeza assim de que ele não era demais para mim.
Era quase engraçado pensar nisso agora. Eu, Bárbara Adler, pensando que alguém era demais para mim. Mas, ao mesmo tempo, eu ainda pensava. Era só olhar para ele e eu voltava a ser a mesma menina, escondida em sapatos altos demais para mascarar como se sentia pequena. Inferior. Indigna. Não só dele, mas do mundo. Uma pessoa com o cabelo feio, com a pele fraquejada, com unhas quebradas e acima do peso que minha mãe considerava ideal.
A verdade é que eu achava que tinha sorte demais por tê-lo ao meu lado e quando ele simplesmente me largou pela Nadja, pensei que ele finalmente tinha entendido que eu não era boa o suficiente. Me fortaleci em cima dessa crença e menti até para mim mesma. Lutei contra Deus e o mundo para que todo mundo acreditasse que eu era boa o suficiente para tudo que eu quisesse.
O problema é que a única pessoa que nunca acreditou foi eu mesma.
E hoje, anos depois de tudo isso, descobrir que aquilo que eu montei na minha cabeça não era a verdade me deixava completamente sem chão. Uma mentira de Rafael para tentar me deixar menos triste? Será que ele tinha ciência do quanto ela só piorou a situação? Como acreditar que aquilo era verdade? Que ele ainda gostava de mim? Era impossível.
Porém, como ouvir aquilo – que ele ainda gostava de mim! – e não balançar toda por dentro?
8 anos antes – Monterey, Califórnia
Rafael apareceu usando uma blusa social e sapatos fechados. Eu tive vontade de rir, porque aquilo era totalmente fora de seu padrão e da forma como eu esperava que ele aparecesse naquele dia, na porta da minha casa. Tudo bem que eu não sabia exatamente o que esperar. Quando disse sim para nosso encontro não sabia muito bem o que viria pela frente. Pelo jeito uma pequena palavra de três letras era capaz de transformar o menino que só vivia de chinelos em uma cópia dos maiores mauricinhos do colégio.
— Desculpa o atraso — ele disse, com um de seus sorrisos de sempre.
— Não é nada — eu nem tinha percebido que ele estava atrasado, de tão ocupada que eu estava preocupada em o que fazer com meu cabelo. Não tinha resolvido e ele estava solto de uma maneira toda esquisita.
— Podemos ir? — ele perguntou, ainda estagnado na soleira da minha porta.
— Sim — eu respondi, me esticando para pegar a bolsa em cima da bancada. Meus pais também tinham saído para jantar e eu não precisava me despedir de ninguém. — Podemos ir.
Só quando descemos as escadas que eu percebi o táxi parado na porta de casa. Rafael abriu a porta para mim e era difícil dizer quem estava mais constrangido naquela situação. Com o decorrer da noite, ficou claro que era ele. No início do jantar eu comecei a me perguntar se ele tinha mudado de ideia. Será que, no final das contas, ele tinha resolvido que não devia ter me chamado para sair? Ele parecia inquieto, sacudindo-se na cadeira e olhando para todos os lados, menos para mim. Quando nossas mãos se encontraram na garrafa d'agua em cima da mesa – quando nós dois tentamos servir ao mesmo tempo – eu achei que ele teria um colapso.
Era só quando engatávamos em algum tipo de conversa típica nossa que ele parecia esquecer da formalidade da situação e mergulhava nela, rindo do seu jeito de sempre e zoando tudo como sempre fazia. Eu ficava confortável na sua presença, mesmo com toda esquisitice do fato de estarmos em um encontro. Um primeiro encontro. Era quase como se parecesse certo. Como se fosse exatamente com ele que eu devesse estar passando aquela noite. E em grande parte da noite parecia que ele compartilhava exatamente da mesma sensação.
Até que alguma coisa acontecia – tipo nossos dedos nos esbarrarem enquanto tentávamos pegar a última colheirada da sobremesa – e ele parecia entrar em pânico novamente. A única coisa boa disso era que eu consegui a última parte do brownie que dividimos.
Eu passei todo o tempo pensando se estava fazendo alguma coisa errada e tentando interpretar seu comportamento. Será que ele estava com vergonha de dizer que tinha se confundido e que gostava de mim só como amigo? Era possível. Será que ele tinha se arrependido? Será que algum amigo idiota dele tinha o desafiado a me chamar para sair e eu, patinha, caí? Será que ele nunca quis ser meu amigo e, na verdade, sempre teve interesse de ficar comigo – mas agora se arrependia?
Como é possível notar, só teoria realmente muito saudáveis e que demonstram uma cota muito alta de amor próprio.
Só que não.
Quando terminamos de jantar e fomos caminhar na praia eu pensei é agora. É agora que alguma coisa vai acontecer – mas eu nem sabia bem o que. Talvez ele falasse alguma coisa que me desse novas pistas, talvez ele pegasse minha mão discretamente ou talvez, se eu tivesse um pouco de sorte, ele resolvesse me beijar. Porque foi só debaixo do luar daquela noite fria de Monterey que eu me dei conta que queria que ele fizesse isso.
Mas ele não fez.
Nem mesmo quando o vento bateu e balançou os meus cabelos, soltos de forma esquisita. Nem mesmo quando ele se esticou para tirar o cabelo do meu rosto e ficamos a apenas alguns centímetros de distância. Nem mesmo quando eu dei um sorriso que pensei que fosse convidativo.
Ele pigarreou, se afastou e alguns minutos depois disse que já estava tarde e que era melhor irmos para casa. Eu continuei sorrindo, mas meu sorriso já tinha se transformado em tristonho.
Quando o táxi parou de volta na frente da minha casa, eu olhei na sua direção e sorri. Ele sorriu de volta. De forma tão aberta, tão verdadeira e tão Rafael. Sempre alegre, sempre sorridente e sempre de chinelos.
— Obrigada pela companhia — eu disse. — Me diverti muito.
— Eu também — ele balançou a cabeça, em concordância.
Eu dei mais um sorriso e me estiquei para abrir a porta do carro. Quando já tinha aberto uma pequena fresta, ele me chamou. Virei-me para encará-lo, na esperança de que finalmente ele faria algo ou diria algo que me faria entender o que exatamente foi aquela noite.
— Eu... Quer dizer, eu... — seus olhos desviaram para a janela, petrificados. — Bem, enfim, boa noite.
Eu derrubei meus ombros, soltando um suspiro curto e discreto. Pelo menos eu espero que tenha sido curto e discreto.
— Boa noite, Rafael — eu sorri novamente e pulei para fora do carro.
Acenei da porta de casa e o carro só se afastou quando eu já estava lá dentro. Foi só quando eu fechei a porta e me apoiei contra ela, soltando um suspiro profundo, que eu entendi que estava frustrada. Não pelo jantar não ter sido bom, porque foi, mesmo cheio de esquisitices. Mas porque ele não tinha tentado me beijar. Foi naquele momento, apoiada na porta no meio da minha sala escura, que eu percebi que gostava dele. E se existia alguma parte dele que gostava de mim também, o suficiente para me chamar para sair, eu precisava lutar para encontrá-la.
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Olá, queridos, queridas e queridxs!
Peço desculpas por não ter postado o capítulo na terça-feira. Eu cheguei de viagem terça-feira de manhã bem cedo. Estive em SP, como contei para vocês, no Domingo e na Segunda. A sessão de autógrafos de Mundos Paralelos foi ótima e eu apareci no Youtube da Mundos Paralelos e na Fanpage da Capricho - em VÍDEO! Morri de vergonha? Claro que sim! Mas falei das minhas obras aqui do Wattpad e de vocês, meus leitores amados.
Ontem eu fiquei enfiada em uma bad pesada que me incapacitou de escrever mais de 2 linhas desse capítulo. Quem me segue no twitter (claraguta) deve ter sacado que tinha alguma coisa errada porque toda vez que eu tô mal apareço lá para dar uma chorada, rs. Ontem foi um daqueles dias que eu me questionei porque continuar tentando fazer essa carreira dar certo quando parece que não importa o que eu faço, não adianta.
Porém, lembro de vocês. E independente das editoras me quererem ou não, eu lembro que tenho quase 3 milhões de leituras somando meus livros e contos nessa plataforma maravilhosa que é o Wattpad porque eu tenho os leitores mais incríveis do mundo. Então hoje sentei a bunda e escrevi - pouco, mas o que consegui. Hoje é também meu aniversário de 5 anos de namoro (aposto que muitos de vocês nem sabiam que eu namorava, né? hahaha) e meu namorado brotou aqui no final da manhã quando eu estava DE PIJAMAS escrevendo esse capítulo com presentes e surpresas. Tive que suspender a escrita e só consegui voltar agora, rs.
Espero continuar a postagem normalmente - toda terça-feira!
Não esqueçam de comentar o capítulo 21 e concorrer a um exemplar de Mocassins e All Stars! Falando em promoção: tem uma de um exemplar de Anna e o Beijo Francês rolando no meu grupo de leitores do facebook e eu também vou sortear um Mundos Paralelos autografado por 5 autores por lá! O link vai estar nos comentários, mas quem quiser pode me pedir por inbox!
Beijos e obrigada por tudo!
Clara
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